30 outubro 2006

Cá 'tô ê cá, ôtra vez

Picota - Monchique

P'a espáircer das minhas ap'quentaçõs, assentí-me no miradoiro de S. Sabastião e desatí a ôlhar p' ô bico da Picota...

Ô fim duma preçanada de dias, cá 'tô, ôtra vez, em par do escamungado do mê comp'tador a ver se dô escrevido p' aqui alg'ma coisa de jêto.

Más olhe que, méme as sôidades sendo muntas, béque-me nã 'tô lá de munto boa avêa. É que, logo, o conserto foi bem munto caro - quái que m' ia custando o coiro e o cabelo... - e, despôs, até qu' esta prequêra desta engeróca dé-se im foncionar cá à minha manêra, foi uns trabalhos.

E, agora, tenh' é a l'es agrad'cer até mái não, de, méme sem par'cer aqui nada de novo, tôd's dias virem cá. E, ô méme tempo, que vomecêas me perdôiem disto ter-se dado assim, qu' ê tamém nã 'tava à espera duma coisa destas.

F'quí tã descorsoado com os retratos tôd's que se me foram, qu' inda quái que nã tive coraja p'a tirar mái nenhuns. Só désna que arrecebi o comp'tador ôtra vez im casa e fui até ali ô miradôiro de S. Sabastião, já assim ô entardecer, é que, béque-me, lá despáirci um coisinho.

É qu' aquilo é um sito do mái bonito que se tem cá im Monchique. Ê cá pélo-me p'r m' assentar ali uns pôcachinhos e o'servar aquelas vistas todas à roda. Desta vez, voltí-me p' a nascente, pus-me a ôlhar p' ô bico da Picota e f'quí ali espècado, nã sê que tempos, ramoendo cá nas minhas coisas.

Nesse mê' tempo, inda p'r 'lí par'ceu um amigo ó ôtro, mái c'm' béque-me cudaram qu' ê 'tava assim p' ô embosnado - e nã nã s' enganaram p'r munto - mal me falaram e lá foram andando assim c'm' quem nã quer a coisa.

Só o ti Zé Caçapo - o mê amigo "Verruma" - é que, com aquele jêto dele semp'e a qu'rer antar com qualquer um, apr'vêtô logo p'a se meter com-migo:

- Eh, Refóias, atã o qu' é que tens? Nã me digas que panhaste p' aí alguma pelhega e inda andas aí tonto a engavelar com ela?...

- Olhe lá, ti Zé, seja bem-criado e, pr'mêro, fale às pessoas... E, despôs, calhando, escarado, vem vomecêa. P'a fazer uma conversa dessas, há-de já ter antrado aí nas vendas todas da Vila. Ó, atão, enché o papo logo im casa, inda entes d' abalar...

- Nã bobi nada, mái, p'a que saibas, tenho da boa lá im casa e, querendes, anda daí com-migo qu' ê dô-te lá um porrête ó dôs passa-te logo esse géno todo... E nã leves a mal qu' ê 'tava só a mangar contigo.

- Pôs, pôs. Se mecêa panhasse a rabana qu' ê cá panhí, qu' o mê comp'tador variô assim sem

más esta nem más aquela, logo falava assim...

- Já ôvi falar... E é só p'r mode isso que 'tás tã enfèzado?!... Barimba-te nos retratos...

- Barimbar-me nos retratos, ê cá?!... Nã tardando nada inda l'e falo mal. Atã iss' é coisa que se diga?!...

- Olha lá, tu já prècuraste bem lá drento da caxa do comp'tador, nã 'tejam eles caídos p'ra lá, prebaxo daqueles fi's tôd's?

- O qu' é que mecêa diz?!...

- Olha qu' ê cá, uma ocasião, cudava que tinha perdido uma nota de vinte mem rés e, passados bem uns sês meses, fui dar com ela no fundo duma caxa adonde a gente gôrdava uma preção de tranquitanas. E isto já despôs de ter dado volta a tudo nã sê q'ontas vezes...

- Ó ti Zé, mái atã vomecêa faz lá uma idéa do qu' é um comp'tador, p'a d'zer uma alarvidade dessas?...

- Calhando, nã sê, más olha que tu há-des saber munto más...

- Que saiba que nã saiba, nã digo patochadas dessas. Aquilo, lá drento da caxa só tem fios e p' ali umas peças que l'e chamam discos e nã sê quem nã sê quem, assim quái c'm' uma t'l'fonia. Os retratos e as ôtras coisas vã p'r os fios e ficam gôrdadas lá drento desses discos...

- Atã s' os abrires, p'r mái nã seja com um alicate ó uma truquês, ó méme à martelada, há-des incontrá-las lá. S' os gôrdaste, 'tá bom de ver...

- Pôs olhe, nã nas aibro à martelada, más ele há uns lá p' às bandas de Lisboa, béque-me im Almada, qu', as má's das vezes, inda dã apr'vêtado alguma coisa dos discos, q'ondo eles s' avarêam.

- Atã, manda isso p'ra eles...

- E paga vomecêa?... Ôvi p' aí d'zer qu' eles nã s' ensaiam p'a pedir p' ô lado duns mil eros p'r um trabalho desses...

- Olha, atã o melhor é tu trazeres isso e a gente põe-os lá a tocar numa grafenola qu' ê tenho de q'ondo era novo e se fazia uns balhos lá na minha casa de fora e, q'ontas vezes, na minha rua. Nã tocarã umas modas boas?...

E a conversa nunca mái tinha fim s' ê cá nã t'vesse mudado d' assunto. Qu' o "Verruma", tirando samear batatas, sabe men's, seja lá do que ser, qu' ê cá sê dum lagar d' azête. Mái 'tava-se a fazer inda mái parvo do qu' ô que é, só p'a me zucrinar.

Más olhe, aquela conversa até que me fez ficar um coisinho quái ad'vertido e dé-me assunto p'a d'zer umas patacoadas, essa qu' é essa...

E assim me despeço. Mái nã se desqueçam qu' o mês dos Santos c'meça quarta-fêra, qu' é o dia de se fazer os magustos cá na nossa terra.

Ê cá 'tô governado que panhí lá umas castanhitas na Serra da Estrela, puse-as ali ô sol e já 'tã bem aveladas. Aquil' é só panharem um calorzinho, assim 'tã assadas.

E tamém inda tenho aqui nã sê q'ontos bicos d' ôriço cravados nos dedos que nã nos dô tirado, qu' as minhas vistas já nã alcançam e a minha Maria 'tá no mémo...

Más inda l'es digo mái uma coisa. Se qu'rerem c'mer castanhas à farta e ad'vertirem-se até mái não, vamos tôd's p' ôs magustos de Marmelete e do Alferce, que sã os dôs no méme dia e à méma hora - dia 1, às 3 da tarde.

Ora digam-me lá c'm' é um homem pode 'tar em dôs sitos ô méme tempo? Nã pode... Lá tarê qu' apr'vêtar só um... E agora, qual é o qu' ê cá vô escolhêr?!...

Olhem, ad'virtam-se e comam muntas castanhas, seja ele adonde ser.

Tenham munta saúde e até a gente se ver.

25 outubro 2006

Hoje é dia só de lamúrias que retratos nã tenho...

Ele há dias bons e dias cabr... - melhor d'zendo - isto dá-se cada uma qu' um homem, certos dias, nem s' havera d' alevantar da cama...

Vomecêas que me perdôiem, mái, hoje, só o que m' ap'têce é falar mal...

Ó fado dum ladrão!... Vinha ê cá tã sast'fêto, mái-la minha Maria, do nosso passêo - que foi uma coisa c'm' à gente inda nunca se tinha panhado - e, mal se chigô a casa e se dromiu uma nôte descansados na nossa caminha, dá-se um caso qu' ê até custo a falar nele.

Já agora, 'tejam com Dés e que tenham passado p'r cá muntíss'mo de bem, que falar ôs amig's tamém se usa...

A gente, lá pr' adonde andô, tirando a chuva qu' ia arrasando aquilo tudo, o vento que nem dêxava uma pessoa dromir de nôte, o navoêro que nã se via nada naquelas serras e os trovões que lá fazeram qu' até estramecia, - serví' de tanto a encomenda qu' a minha Maria fez à Senhora das Candêas c'm' coisíss'ma nenhuma... - corré tudo do melhor.

Mái q'ont' ô resto, aquilo teve que se l'e diga.

E, já agora, cont'l'es, pr'mêro, as coisas ruins. Despôs logo se vai às boas.

E as ruins nã sã só ruins, sã malíss'mas... Olhe qu' ê tinha p'r lá tirado tant's c'm' qu'nhent's e tal retratos, im sitos c'm' ê nunca tinha visto tal coisa na minha vida. E sabe q'ontos é qu' ê tenho agora?... Nem tampôco um p'a uma amostra!...

E sabem d' adonde é qu' eles eram? Nã sabem qu' ê inda nã l'es contí. Mái vô-l'es d'zer. Tirí-os tôd's, mái ó menes, lá na Bêra Enterior, assim à roda da Serra da Estrela, nuns pôv's que l'e chamam aldêas medievás, aldêas históricas, aldêas do xisto e p'r 'í fora.

Só p'a l'es dar uma idéa, vô alomear umas três ó quatro: Monsanto, Sortelha, Piódão, Minas da Panasquêra, Penha Garcia, Idanha-a-Velha, Castelo Bom, Castelo Rodrigo, Almeida, Pinhel e ôtras tantas que nã adianta 'tar p' aqui a d'zer, mái qual delas a mái bonita.

Pôs, o badalo do mê comp'tador, Dés Noss' Senhor me perdoe, mái béque-me foi bruxedo... Tã penas l'e passí os retratos p'a drento, já nã nos dé gravado numa coiséca daquelas que l'e chamem CD e DVD. E, c'm' isso nã l'e chigasse, aterrô duma tal manêra que nunca mái disse ai nim ui. Pronto, charinguí-me.

P'a lá 'tão, agora, os homens de roda dele, a ver se l'e dã posto um disco novo qu' o qu' ele tinha f'cô fêto im nada.

De manêras que, lá pedi aqui a um amigo bom que m' imprestasse o dele um pôcachinho p' ôs pôr ô corrente do que se passa, nã fossem vomecêas p' aí cudar qu' ê tinha des'parcido ó se tinha dado alguma coisa inda mái ruim com-migo.

Ele é bem verdade qu' ê inda 'tô bem munto enzamboado com o que se deu, mái já 'tô um coisinho melhor do qu' ô que 'tive. Olhe que, nos pr'mêros dôs dias, nem palavra ê d'rr'gia à minha Maria, que nã sabia o que l' havera de d'zer...

Atã e ela, pobrezinha?!... Q'ond' ê l'e dí a novidade, fazia uma clamada que dava dó... E nã qu'ria crer no qu' ê l'e d'zia.

- Nã pode ser!... Isso, os homens, inda hã-de dar arrenjado o comp'tador p'a se f'car com os retratos...

- Ó Maria, atã s' o homem já me disse que nã dava fêto nada daquilo... Tem-se que ter pacência, m'lher.

- Qual o quem!... Vô-me já fazer uma reza à Santa Rita dos Empossíveles, qu' ela há-de ajudar a gente. Inda nã há munto tempo, ê cá l'e pedi uma coisa e ela acudí-me...

- Atã faz a reza qu' há-de-te servir de munto. S' o homem já me disse qu' aquilo 'tá tudo marafado que nã s' apr'vêta de lá coisíss'ma nenhuma... Pifrô, foi o que foi. Dé o carepo.

- Más ê nã posso pensar nisso... Ai que pàxão!... A culpa é tua, qu' andas semp'e a besôirar de roda do comp'tador! Tens de 'tar semp'e a esp'nicar...

- Bom, bom, bom... Já ê 'tava a estranhar que nã me pusesses as culpas im riba. Ora que culpa tenh' ê cá qu' o raça do disco se t'vesse arrasado?!... Tal 'tá a conversa, hã?!...

- Pôs, 'tás semp'e ali a mexer, sa senhora!...

E, c'm' às coisas já nã me 'tavam a chêrar lá munto bem, dí-l'e as costas p'r reposta e abalí fui p' ali mondar uma lêra de cinôiras qu' ê samií uns dias entes de s' abalar. E bonitas qu' elas 'tão, lá isso 'tão.

Com respêto à reza qu' a minha Maria fez à Santa Rita, o resultado foi o mémo da qu' ela fez à Senhora das Candêas. Isto, os santos tamém já 'tão cansados d' aturar a famila... Ele é rezas p'a isto, é rezas p' àquilo, o qu' é qu' a famila cuda... Só s' alembram de Santa Barb'a q'ondo faz trovôs?!...

Desta vez, nã l'es dô apresentado retrato nenhum e fic'-me p'r 'quí que 'tô a trabalhar com ferramenta imprestada e 'té tenho medo de dar tamém cabo dela.

Prestes, em tendo o mê comp'tador a foncionar, - eles d'zeram-me qu' aquilo era coisa só p'a mái um dia ó dôs - logo l'es digo mái quasequer coisinha.

Atã, até despôs, qu' ê vô-me ver se dô desquecido esta pàxão de f'car sem os retratos.

Dés l'e dê saúde a tôd's.

13 outubro 2006

Vô-me dar um passêo

Descasca - Marmelete

Vô-me dar um passêo, mái dêxo este retrato p'a se, nalguma banda, m' imprestarem um comp'tador, matar soidades da Refóias...

Cá o Parente da Refóias vai à d' uns amig's qu' o convindaram. E a minha Maria tamém, nã cudem lá. Qu' ela lá me dêxar abalar sozinho é que nã vai nisso...

De manêras que, c'm' q'ondo se põe o dente im coisa boa nã dá jêto largar, isto, é certo e sabido, que vai durar uns belos dias. Sendo coisa qu' o tempo ajude, anda-se p'r lá aí uma semana ó coisa assim. S' ele dêtar p' aí alguma gota d' água, tará-se que vir mái cedo.

Qu' isto, ir p' à casa dos ôtr's p'a 'tar lá encafuado, nã é coisa que me dê cobiça. Já que s' abala de casa, é p'a andar na geraldina. Vai-se ver tudo q'onto possa ser.

E lá p' adonde a gente vai, béque-me há munta coisa p'a devassar. É o que tenho ôvisto...

Olhem qu' a minha Maria até já pôs p' ali uma vela acesa à Senhora das Candêas p'a ela ter pacência e nã mandar chuva nestes dias. Ê cá, p'a d'zer a verdade, tenho uma fé que, falando com o S. Pedro, é capái de ser mái siguro, más ela gosta é da Senhora das Candêas... Olha, dêxá-la.

Despôs, em havendo jêto, logo l'es conto c'm' é qu' as coisas correram.

E tenham munta saúde p'r cá.

07 outubro 2006

Marmelete: Uma Descasca à moda antiga

Descasca - Marmelete

Nôt's tempos, era assim que se descamisava o milho. À mão e com uma faquinha p'a dar um golpe na fatana...

- 'Teja com Dés compd'e Refóias. Tal vai isso, hoje?

- Venha com Dés, c'pad'e Jôquim. Eh'q, isto p' aqui se vai indo. Nã se pode a gente quêxar munto...

O mê compad'e Jôquim do Barranco nem me dêxô acabar a minha repla, salta-me, logo com esta:

- Atã, des qu'a descasca de Marmelete só é amanhã à nôte... Ê béque-me par'cia que mecêa tinha dito qu' era logo hoje...

Isto passava-se na bésp'ra da descasca. O mê compad'e é munto desquècediço e já 'tava a atribuir o qu' ê l'e tinha contado, faz três ó quatro dias.

- Ó homem marafado, atã ê cá nã l'e disse qu' era no D'mingo â noitinha, aí das oito em diante... Nã faça marafundas qu' os homens dexplicaram isso bem.

- Olha, que esta!... Agora, já disse à minha C'stóida, ela 'tá fazendo conta p'ra hoje. Tenho que l' ir d'zer qu' é só amanhã. E ô mê Zé Manel tamém, ver s' ele alcança lá a gente p'a nã se ter qu' ir a pé...

O mê compad'e andava tã influído com aquilo que, p'r ele, era a toda a hora. E, p'a ser franco, nã era caso p'a menes, qu' ê tamém 'tava em ferros p'ra ir ver c'm' àquilo era. É qu' a Junta já é a t'rcêra vez que faz descascas e tanto ê cá c'm' o mê compad'e, inda nunca se foi lá vez denhuma.

Da pr'mêra béque-me nã sabemos a tempo e horas. Da sigunda já nã m' alembra o perquém da gente nã ir, mái foi p' aí quasequer coisa que se passô que nenhum ido. Mái, desta vez, nã havia coisíss'ma nenhuma que estrovasse a gente d' ir ver uma coisa tã emportante.

E, no ôtro dia, qu' era D'mingo, lá se foi tôd's - com as m'lheres tamém, qu' a gente nunca as dêxa f'car em terra. Enché-se a barriga logo entes d' abalar, e, ali à tardinha, com o sol já a baxar, ainda aí a umas duas horas dele se pôr, ó nem tanto, lá se foi caminho da descasca.

Tã penas o Zé Manel aparô o carro lá no Largo, assim fui logo com o mê compad'e Jôquim, ver c'm' é qu' aquilo 'tava lá p' ô adro, qu' era adonde eles d'ziam que faziam a descasca. E, olhe, já lá 'tava um moitão de maçarocas...

Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete

Q'ondo lá chiguí, só lá 'tava um moitanito de maçarocas, más inda faltava vir duas caminetas delas...

Joguí a mão a uma maçaroca, puxe-l' a f'lhêrasca p'a trás, que belo milho... Destas q'ôlidades d' agora, 'tá bom de ver, mái uma coisa em bom.

- Ó compad'e Jôquim, olhe bem p'a esta classe...

- Veja lá se, q'ondo a gente sameava aí milho do nosso nos cantêros quái tôd's, se s' arrecolhia maçarocas destas...

- Lá nisso, dô-l'e a r'zão toda. Mái tamém, alembre-se duma coisa. Sab'rôso c'm' àquele, desse tempo, já nã há. Aquilo, bem moìdinho, dava umas papas, uns bolos-de-lar... e, bem aferventado, c'm' à minha Maria e a c'madr'e C'stóida sabiam, dava uns jantares qu' até a gente se rapimpava todos...

- Olhe, até dele assado, q'ondo as maçarocas inda 'tavam tenras, ê cá gostava...

- Atã e nã s' alembra, q'ondo a gente inda era môç's-pequenos, lá no sê alpendre, ô pé do fogo, fazia-se frêras e c'mia-se... Tudo era bom naquele tempo, home. Agora é qu' os môces nã há nada qu' eles gostem. Têm fartura de más, é o que é...

'Tava-se a gente nesta conversa, parêcem mái duas caminetas chêazinhas de maçarocas p'a descarregar e a famila dá em s' apròchigar p'a c'meçar a descascar nelas.

Volt'-me p' ô mê compad'e e digo:

- 'Tã com munta pressa, mái, p'a esta casnastra, quem põe a pr'mêra maçacoraê cá. Quer ver?

E puxo da minha faquinha, jog'-me a uma maçaroca das bem grandes, dô-l'e um golpe na fatana, puxo-a p'a um lado e p'a ôtro, cort'-l'e o talicão e, em men'es de mê minuto - qual o quem, munto menes - já 'tava drento da canastra a luzir de marela que era...

Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete

Desatô tudo cá com uma fé a descascar maçarocas, punhana!...

Más olhe qu' havia menino que tamém já 'tava bem encaminhado p'a estrear as canastras deles...

Diz o mê comp'e jôquim:

- Ó c'pad'e, mái atão, a gente vêi' pr' aqui e assim se f'cô, nem tampôco se foi b'ber um calcesinho dela ali ô café nem nada...

- Atã o qu' é que mecêa quer, isto calhô assim. Mái nã s' apequente que 'tá-me cá a par'cer qu' a famila da Junta, nã tarda nada, há-de dar aí uma rodadinha à gente tôd's, qu' eles é tudo pessoal que gostam de fazer o papel deles bem fêto...

- Calhando... E olhe, tem jêto, qu', inda agora, lombriguí ali p'r entremê da porta e vi-os lá drento de casa a mexerem numas garrafinhas e nuns tab'lêralhos de bolos...

- Aí 'tá... Tenho a firme certeza que 'tamos aqui 'tamos a molhar a goéla...

E lá se foi descascando mái umas q'ontas maçarocas, qu' a gente nã tinha míngua d' olhar p'a elas p'a fazer o serviço. Com a prát'ca de tantos anos que se tem, até d' olhos fechados se descasca milho...

Pôs, aquilo, nã tardô cinco minutos. Ê 'tava assim de costas, virado p' a Norte, p' ô lado da porta, e o mê compad'e Jôquim ô contráiro. Conforme jogo uma maçaroca p'a drento da canastra e panho ôtra do chão, passo com as vistas p'r a cara dele, até os olhinhos l'e luziam...

Digo p'r mim:

- Isto é obra da garrafinha de madronho que já vem aí a caminho...

E, c'm' quem nã quer a coisa, olhí assim de esguelha p'r cimba do ombro, vi logo o que se tratava. Mái nã l'e disse nada a ver o qu' é qu' ele fazia.

Nã demorô um foguete, ele p'ra mim:

- É c'padre, aí vêm eles!... Olhe! E tamém trazem p' às m'lheres... Aquil' àlém na ôtra garrafa é melosa.

- Mái atã, mecêa 'tava já p' aí com uma bela sede...

- Nã que nã havera de 'tar... Logo, qu' ê tinha posto à idéa de s' ir bober um porrete ali ô café, entes de vir p' aqui, nã se foi. Despôs, com este pó que s' alevanta aqui da fatana as goélas ficam secas duma tal manêra qu' um home até custa a engolir o cuspinho...

- Cá p' ô mê lado até um cabelo de charrafa já me vêo parar aqui à boca...

O certo é qu' eles puseram-se a dar umas copadas a tôd's - madronho p' ôs homens, melosa p' às m'lheres - más esta parenta, ali do Vale d' Água, nã quis cá saber da melosa. Vá, más é um calcesinho dela... Minha bela amiga, qu' é moça dos mês tempos, assim é que é!...

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Nenhum se negava a bober uma copadinha e c'mer um pedacinho de bolo...

'Tá bem qu 'ela fez-se forte e emborcô o copo tudo duma golada, mái, despôs, béque-me l' e dé no gôto, qu' o madronho 'tava forte e, calhando, tocô-l'e nos gragomilos.

E, p'a tapar, vinha tamém uns tablêrinh's de bolos-d'-alforge e ôtr's qu' ê cá nã sê alomear. E nã cudem, o mal foi eles c'meçarem. Dali p' à frente era, cada vez im q'ondo, uma rodada.

E sô franco, nunca vi nenhum se negar. Era eles despejarem e assim havia logo um freguês qu' o emborcava. E caretas tamém ninguém fazia. Só s' alguma m'lher p'a trocar as voltas à gente. Qu' elas gostam, mái nã querem qu' os ôt's saibam...

Ora com um tratamento destes quem é que nã havera de trabalhar à rôpa toda. Aquilo, era uma rasmalhada das f'lhêrascas qu' até dava festa. E o más que s' ôvia era as maçarocas descascadas a cairem drento das canastras.

Já nã falando, isso sabe-se, do tocador de fole que nã aparô nem um 'stante enq'onto o serviço nã f'cô todo fêto. O homem tocava... era uma atrás da ôtra sem despegar. E 'tá quái nos noventa. O que faria s' ele t'vesse trinta ó q'ôrenta c'm' alguns que p'r 'í andam...

P'r mode isso, alembrí-me duma qu' ôvi lá. Vô-les contar, só aqui pr' à gente, mái nã digo quem foi, qu' é c'm' o ôtro que diz: conta-se o milagre, mái nã alomea o santo.

D'zia um:

- Nã ôves, mái atã p' ô homem tocar assim tantas seguidas, aquilo, há-de ser a Junta que l'e paga e bem pago...

- Que jêto?!... Dinhêro dava ê cá p'a nã no ôvir, q'onto más inda l'e pagar...

- 'Tás parvo ó quem?... Atã isto tinha alguma graça se nã fosse estas lindas modas qu' o homem 'tá tocando... E inda te digo más. Ele nã ganha nada p'r este trabalho todo. 'Tá ali de livre vontade. T'maras tu l' e chegares ôs calcanhares...

Isto era uma conversa fêta debaxo de cagaçal, já se vê, qu' o tocador toca qu' é uma classe e, inda p'r cimba é o tal homem das engerócas, que 'tá semp'e pronto p'a tudo. E festa qu' é festa, im Marmelete, nã passa sem ele.

Nesse entrementes, só se via era os homens a acartar canastradas de milho - e tamém algumas m'lheres... - p'a drento da camineta, qu' aquilo foi um vê se t' avias até a incherem.

Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete

Cada qual fazia o que podia. Uns levavam as canastras sozinhos, ôtr's ôs pares...

E, deste jêto, um serviço qu' era p'a demorar até à hora da fadista chigar, acabô-se quái uma hora entes. Lá teve o tocador de se jogar ô fole dar mái umas tocadelas... Más aí, a coisa já era ôtra, qu' os guitarristas puseram-se a acompanhá-lo e aquilo quái que par'cia uma orquest'a a dar um concerto...

E inda bem. Assim, toda a famila, já com o servicinho fêto, se pôs a escutá-lo com más atenção, a c'meçar p'r ôtro grande artista na arte do calçado, um coisinho mái velho, pôco, qu' ali 'teve, toda a nôte, a desfolar maçarocas.

O homem gosta tanto d' ôvir tocar fole - e nã tem má gosto, lá isso não - que f'cô ali espècado, assentado no sê banquinho dele, que nem tempo teve de f'char a faquinha e gôrdá-la na als'bêra. Bençoado...

Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete

Dôs artistas dôtr's tempos, ajuntaram-se na descasca de Marmelete. Um, tocador de fole com jêto p' às engeròcas, o ôtro, sapatêro c'm' nã havia...

Com isto tudo, lá se fazeram horas da fadista ir p' ô palco.

- Ó c'pad'e Refóias, mái atão já se 'tá aqui há um belo pôco à espera da fadista, sará qu' ela nã vem ó quém?

D'zia-me o mê compad'e Jôquim, pensando já qu' a festa nã tinha nada em acabar ali, sem mái nem men's.

- Nã tenha medo qu' eles anunciaram, ela há-de par'cer. E, más a más, qu' a famila 'tá aqui toda embasbacada à espera, é que sabem qu' ela vem.

- Calhando, foi p' aí c'mer alguma coisinha e inda nã fez a digestã...

- Olhe lá, vamos más é ver s' eles têm p' ali algum r'stinho de madronho, daquela garrafa do Presidente, que, nesse mê tempo, a m'lher há-de chigar.

Mái jã nem se precisô disso, qu' inda mal ê tinha acabado de falar, já 'tava tudo a olhar assim ali p' ô lado de lá. Vi-se logo qu' havera de ser a fadista a chigar. E era.

Desata tudo a bater palmas. Ela a agradecer, a pôr assim a cabeça p'ra baxo e p'ra cima, lá vai caminho do palco, mái atão, com uns sapatos de tacão alto e bem alto, foi uns trabalhos p'a dar assubido até lá. T'veram qu' a sigurar bem sigura, q'ondo não inda s' afiturava a cair p' ali da escaida...

Era uma mecinha novinha, bonita c'm' há pôcas, inda p'r cima, cá de Monchique. E c'm' é qu' ela canta!... Cale-se aí... Nem boa parte dessas que parêcem na t'l'visão e já com discos p'r 'i à venda, l'e chegam ôs calcanhares.

E o que l'es posso d'zer é qu' a famila f'cô tudo de boca aberta, insampados, a ôvir uns fados do melhor que pode ser...

Ó se nã f'caram tôd's, ê cá poss'-l'e afiançar que f'quí e quái que nã dava acraditar qu' em Monchique havesse uma fadista qu' é uma classe e novinha qu' ela é. Tenho a firme certeza - assim ela quêra, e os pais - qu' inda vai dar munto que falar...

Descasca - Marmelete

F'cô-se tôd's a saber qu' em Monchique há uma fadista que vai dar que falar...

Ô certo, ô certo, é que palmas era até mái não. E ir-se alguém imbora, era o que faltava... Méme q'ondo ela acabô inda desataram tôd's a arrulhar "ôtra, ôtra, ôtra!..." qu' ela nã teve ôt' reméd'o senã ir cantar más um.

E, em acabando esse, qu'riam más ôtro, que nã na dêxavam ir imbora. Mái aquilo já era um coisinho assim p' ô tarde, calhando aí das onze p' à mêa-nôte, e tinha-se tôd's qu' ir cada qual p' ô sê monte, que, sigunda-fêra era dia de trabalho.

Olhem bem c'm' o pessoal 'tava lá todo ensampado a ôvir fados e semp'e à espera de más um:

Descasca - Marmelete Descasca - Marmelete

A famila 'tava tudo embasbacado a ôvir fados e, ô fim, nã se qu'riam ir imbora...

E com respêto à descasca nã sê o que diga más.

Foi uma festa do melhor, fartamos-se de rir e d' ôvir mús'ca, foi-se b'scar coisas antigas e só me dá pàxão das maçarocas nã serem despejadas na êra, cada canastramoitão, e, despôs, bem espalhadas ô sol p'a secarem. Olhem que dava ali um almêxar qu' até a gente arregalava as vistas...

P'a nã falar, uns dias despôs, na des-sabuga, que se levava ali noites e noites ô serão a esfregar as maçarocas com metade dum sabugo p'a l'e tirar os bagos de milho todo até ô ùlt'mo...

Más isso nã pode ser, qu' agora os tempos já nã sã os mémes, e já munto bom foi ele ter havido a descasca. Que bem se pode agradecer ôs donos do milho, à Junta de Freguesia de Marmelete e tôd's os que trabalharam p'ra isso.

E p'a arredondar isto, que vai comprido demás, só l'es tenho a pedir desculpa de tanto palêo e tant' ô retrato, mái tenham pacência qu'a famila gosta de par'cer na internet...

Aqui fica más um retrato com um grilinho que p'r 'lí andava, mê emparv'tado, sem alcançar o que l'e tinha acontecido. Já nã via canôiras e nã sabia do buraco dele p'a s' esconder... Mái, dêxem lá, qu' ele, a estas horas, já arrenjô casa nova e, sabe-se lá, alguma namorada ali d' ô pé do Povo.

Descasca - Marmelete

O pobrezinho do grilo 'tava c'm' parvo. Nã via canôiras nem sabia do buraco dele...

S' haver quem quêra ver o resto dos retratos, fazendo favor, acalque aqui - ver retratos - e veja à su vontade todos q'ontos quêra.

E nã se desqueçam de fazer uns comentàir'zinhos...

Dés l'e dê saúde e até um dia destes, mês belos amigos.

03 outubro 2006

No Vinte Nove, come-se, bebe-se, charola-se e dá-se banho...

Banho do Vinte Nove - Jovem participante

Este mecinho 'tava munto ingraçado. E o qu' ele nã s' ad'v'rtiu...

C'm' ê cá ia d'zendo, aquilo foi chigar ô Vau e, num 'stantinho, já 'tava tudo a c'mer do bom e do melhor. Tôd's trazeram d'comer que dava p' ô drôbo da famila incher bem a barriga e p'a mái uns q'ontos.

E andavam, a bem d'zer tôd's, num correpio bispando o que cada um tinha levado e provando o farnel uns dos ôtr's. Mái sô franco. Os más andavam jogados às papas, que 'tavam lá dôs tachos delas, umas com t'mates e ôtras béque-me tamém, qu' aquilo até davam gosto.

Logo, 'tava tudo esfòmeado, puseram-se a c'mer, nã s' ôvia quái barulho nenhum. Nã conhecem aquele dito dos antigos qu' "ovelha que berra, bocado que perde"?... Mái, d' ora im q'onto, semp'e um ó ôtr' dizia assim uma chalaça. Tirando isso, 'té se dava ôvisto o barulho da tel'visão lá d' "Os Costas" a atazanoar os ôvidos d' uma pessoa só com aquelas parvoêras qu' as tel'visõs agora dão.

Mái, passado um belo pôco, com a barriguinha más aconchigada, já tudo falocava bem alto e com fartura e a coisa já tinha ôt' jêto. Inda p'ra melhor, rompé o fole a tocar - um mecinho inda novo mái que s' ajêta muntíss'mo bem - e, 'tá bom de ver, a festa com fole é logo ôtra coisa...

Banho do Vinte Nove - Praia do Vau

O tocador era um mecinho novo, más olhem que tocava munto bem...

Fui aprevêtando a tirar uns q'ontos retratos, mái atão de nôte nã fica nada de jêto, e o que l'es sê d'zer é que nã f'quí a perder tudo. 'Tá bem qu' os retratos sã o que 'tá à vista, mái os calcesinhos dela, bolos e ôt'as coisas qu' a famila 'tava semp'e a me dar, esses já cá cantam... E era tudo material de pr'mêra.

Os bolos, tudo fêto à manêra antiga, os dec'meres, tamém e o madronho nã se fala... Bem agraduado, macio e com um gosto qu' até chêrava na boca. P'a melhor d'zer, ele até estralava era às goélas abaxo...

Havia menino que bobia cada calço duma assentada, qu' é c'm' à gente usa a fazer p'r cá, e ô fim até se lembia e, p'lo jêto, f'cava-l'e luzindo o olho p'r mái uma copadinha...

'Tava lá um amigo com uma aguardente, atão, qu' até as m'lheres gostavam. Logo q'ondo s' olhava p' à garrafa, 'mar'linha c'm' 'tava, béque-me par'cia melosa, mái, ô bober, aquilo era madronho e do melhor. Ó ê cá m' engano munto ó ela, s' a gente a pesasse, nã dava menes duns 21 degraus...

Banho do Vinte Nove - Vai um calcesinho de madronho?

Quem é que l'es disse qu' as m'lheres nã gosta de b'ber a su copadinha?...

Mái dêxemos lá isso e passa-se adiante. É qu' o melhor inda 'tava p'ra vir. Despôs da barriga chêa, com as modas qu' o tocador tocava, a famila dé em s' apròchigar lá mái p' ô pé dum estrado de madêra que 'tava logo ali à rés do restaurante.

Aquilo há-de ser p' ôs 'strangêros passarem ali de pata descalça e nã atancharem os pés na arêa, na hora da calma, qu' ela há-de 'tar tã quente qu' até dá p'a l'e esfolar os calos... Mái tamém se tem que ter conta d' andar ali descalço, qu' aquelas ripas, nã l'e garanto que nã larguem uma pua, uma vez p'r ôtra, que s' atanche na pele.

Pôs, olhe, aquilo, nã demorando nada, parte deles, já 'tava tudo engalf'nhado uns nos ôtr's a balhar. Uns im cimba do estrado, ôtr's méme na arêa, mái acertava tudo bem que nem uns danados... E valsas e tudo, hã!...

Atã e nã era ingraçado ver aquela famila toda a balhar vestidos daquele jêto - os homens em cirôilas e as m'lheres em combinação?... Olhe, que só no Vinte Nove é que se vê uma coisa destas...

E, despôs, c'm' 'tava tudo de boa avêa, cada qual diz as maiores parvoêras e faz trinta p'r uma linha. 'Tavam lá umas munto marafadas p' à brincadêra, a pásnas tantas, encambulharam-se, cai tudo num fêxe p'r aquela arêa. Aquilo é que foi uma barrigada de rir...

Banho do Vinte Nove - O baile Banho do Vinte Nove - O baile Banho do Vinte Nove - O baile

Balhava tudo munto bem e ad'v'rtiram-se o mái que possa ser...

Inda bem nã tinham dêxado de balhar, qu' o tocador tamém tinha precisão de sossegar um coisinho, desata tudo a prècurar as horas. Ora, aquilo já era noite adentro, más inda nã se tinha chigado à mêa-nôte. Era p' aí umas onze e tal.

De modes que, c'm' só im o reló'jo tapando bem a mêa-nôte é que se podia ir p' à água, que só aí é que já era dia Vinte Nove, aquela malta mái gozona levaram inda ali um belo pôco na galhofa e ê cá fui tirando mái uns retratos.

E olhem qu' aquilo, vist' ô pé, até que tinha bem munta graça. Ê, ás vezes, da graça que me dava, até me descangalhava a rir e até os retratos se me estragavam. Qu' isto, tamém, apr'vêtam-se pôcos, mái, nalguns, semp'e se conhêce as caras...

Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau

Ele havia lá uma jolda delas qu' eram danadas p' à brincadêra...

Ô soar da mêa-nôte, já 'tava tudo à rés da água, foi só dar mái um passinho ó dôs à frente e meter os pés de molho. E fiquem sabendo qu' aquilo foi uma chusma de gente a antrar ô mar adrento qu' ê nã pensava.

'Tá bem que só dôs ó três é que margulharam, os ôtr's andavam p'r 'lí a chap'nhar e, mal a água l'e chigava preciminho dos artelhos, já s' ensiavam tôd's. Mái ninguém pode d'zer qu' eles nã foram ô banho...

Cá p' ô mê lado é qu' a coisa nã andô lá munto bem. Atão nã querem lá ver qu', embasbacado c'm' andava a tirar retratos, nem me vê à idéa tirar os sapatos e arregaçar as calças?!... Nã é qu' ê fosse lá p'a mê da água mái funda, qu' andí semp'e ali à babuja, mái é que, q'ondo mal dí p'r isso, vem uma r'bêrada d' água - c'm' d'zia o ôtro - e, p'ra baxo dos joelhos nã me dêxô nada inxuto...

Punhana!... Inda dí um salto em q'onto pude, mái de munto me serviu... Logo, que já tinha os sapatos bem incharcados, e despôs, que nã dí salvado a água e f'quí com os pés drento dela ôtra vez.

Mái tamém l'es digo. Pôca d'frença me fez ó nenhuma. Ele, frio nã fazia, e com os caláiços d' aguardente qu' ê tinha no bucho, calor era o que nã me faltava. De manêras que, só o mal que fez foi que tive d' andar o resto da nôte com os pés mái pesados e, consoante dava umas passadas, lá s' ôvia chaloc-chaloc, chaloc-chaloc...

E más ingraçado é qu' hôve menino que antrô p' à água à mêa-nôte e só de lá saíu nã sê se nã saria aí já p' ô lado da mêa-hora... Môç's mái nôv's, 'tá bom de ver, qu' os mái antigos, a cabo dum pôco, já batiam o quêxo e t'veram que s' ir alimpar e mudar de farpela...

Q'ondo vim prê acima, até dí com umas moças, todas jêtosas, a s'enxugarem ô pé duma luz, que me dé cá uma vontade de rir... 'Tavam bem caçadas, sa senhora...

Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau

No Banho do Vinte Nove vai-se tôd's p' à água. P'r mái que nã seja, molha-se os calcanhares. E, despôs, há quem se vá inxugar...

E pronto. Assim desatô tudo a afêçoar as trôxas, a limpar tudo e a arrumar as cadêras da méma manêra qu' as tinha incontrado. Em coisa d' um pôcachinho, abalô-se tôd's caminho das caminetas e dos carros e a praia lá f'cô à nossa espera p'a pr' ô ano.

Assim se tenha vida e saúde, que lá 'taremos tôd's, sem falta, ôtra vez e, podendo ser, com mái alguns amigos qu' este ano nã foram. Uns que nã puderam, ôtr's que nã saberam e ôtr's que qu'seram.

E com respêto ô Vinte Nove, fic'-me p'r 'quí.

S' haver quem goste de ver o resto dos retratos, fazendo favor, acalque aqui - ver retratos - e veja à su vontade todos q'ontos quêra.

P'a tôd's munta saúde. Fiquem-se com Dés.

02 outubro 2006

O Vinte Nove é um banho que vale p'r trinta...

Banho do Vinte Nove - O banho

No Vinte Nove toda a gente vai à água. Nem que seja só até ôs artelhos...

A famila cá da serra, nôtres tempos, nã tinha posses p'a ir dar banho ô mar tôd's dias ó todas semanas, c'm' agora muntos fazem. Era preciso comprar uns calçõs de banho, pagar a um carro-de-besta ó, mái tarde, o b'lhete da carrêra e, munto pior, perder um dia de trabalho, numa altura do ano que nã há vagar p'a coisíss'ma nenhuma.

E atão, o qu' é que s' haveram d' alembrar. Nã sê lá quem foi nem q'ondo. O certo é qu' inventaram qu' indo dar banho no vinte nove de Setembro, aquilo valia p'r terem ido os dias tôd's do mês. E desataram a fazer assim, qu' a famila via aquilo c'm' se fosse mái que certo.

Na bésp'ra à nôte, despôs da cêa, pegavam nas sus trôxas - uns cestos, cestas ó canastras de verga, umas bolsas de ratalhos, umas alcofas d' emprêta, uns tachos d' arame, umas panelinhas de ferro e umas plenganitas de barro - chêazinhas dos melhores dec'meres que sabiam fazer e lá abalavam caminho da Praia do Vau.

P'a acompanhar, nunca se desqueciam dum garrafanito de vinho, quái semp'e d' acolhêta, e, munto menes duma garrafinha de madronho, de verga fina e rolha de corcha, fêta à mão com a faquinha d' als'bêra, que cortava que nem uma lanceta, e um c'pinho de vrido grósso que servia p'a tôd's boberem o sê calcezinho dela, em chigando à praia e méme logo durante o caminho, que semp'e levava umas belas cinco ó sês horas, perto ó certo.

Máicudem, as m'lheres levavam quái um dia entêro a fazer dec'mer... E tudo coisas que, só de me virem à idéa, me fazem cr'cer água na boca. E senã, vejam lá se tenho ó nã r'zão, despôs d' ê l'es d'zer o qu' eles usavam a levar.

Olhe, era désna de papas de toda a q'ôlidade - moiras, com tomates, com côve e méme soltêras - fêjão com arroz - bem temp'radinho com as carnes todas - fresneco, piques na banha incarnada, chôriças e morcelas, sardinhas albardadas, f'lhózes de pol e das de mortepórque, zêtonas - britadas ó de conserva com cinoiras - bolos-d'-alforge, bolos-de-lar, ê sê cá o qu' é qu' eles nã levavam más...

Em chegandem ô Vau, já às tantas, p'a verem alguma coisinha acendiam as alenternas a pitrol, estendiam as toalhas p' aquela arêa afora - cada uma apresentava a mái bonita, umas de pano ôt'as de linho - prantavam-l'e o d'comer todo im riba e vá de c'merem e boberem, cada qual o mái que podia...

Tocadores de fole nã faltavam. Era raro o carro-de-besta que nã trazia um. Assim qu' o v'nhito e o madrondo chigavam à cabeça, os homens davam em puxar as moças p'a balhar, aquilo era uma festa...

Tã penas amanhecia - melhor d'zendo, inda entes do romper d' arora - lá ia tudo caminho da água p'a darem banho. Banho... P' ali s' arrabolavam na arêa, adonde a água mal l'e tocasse nos calcanhares... E q'ondo calhava a vir uma onda assim más alta, andava logo tudo de zambareta e ensiavam-se tôd's qu' até custavam a t'mar ar.

Uma ocasião, levaram um meçalho-pequeno qu' inda nunca lá tinha ido. O pobrezinho só 'tava ac'st'mado a ver água aqui no barranco do Ambróizo, p' ali andava a brincar, desafrontadamente, na arêa molhada, assim à babuja, q'ondo nisto arrebenta uma onda das grandes, qu' a maré 'tava a incher, passa-l'e p'r cimba, vai de raboleta, até o perderam de ver...

Q'ondo a água decé p'ra baxo, ele alevanta-se todo ensiado, a esfregar os olhos, já com uma bela golada d' água salgada no bucho, quái que custava a t'mar ar, toma tino, volta-se p' à famila que 'tava tudo a olhar p'ra ele e a rir, e diz munto ensampado:

- , raio!... Que grande r'bêrada!...

Aí é que se descangalhô tudo às carcachadas. Havia menino qu' até se espòjava na arêa com a grande barrigada de rir que panhô...

Mái, voltando atrás, sabem p'r qu' é qu' eles faziam esse trabalho de dar banho inda lusco-fusco?... Ê vô-l'es d'zer, qu' isto tudo um jêto.

É que lá os marujos de Vila Nova - os algarvís - usavam a ir judear com a famila da serra p'r mode a gente nã saber abanhar e se ir p' à água vestidos daquele jêto - os homens em ciroilas e camiseta e as m'lheres im combinação ó, algumas que tinham, im culotes e colête.

E, nã contentes com isso, em gozo, inda ch'mavam à gente "os parentes", p'r mode se ser quái tôd's primos e se tratarmos p'r parentes uns com os ôtr's.

E, atão assim, q'ond' eles s' alevantavam p'a irem p' à praia, já a gente se tinha governado e posto a trôxa toda nos carros-de-besta e lá se voltava caminho do monte, sem eles terem inchido o papinho de rir às nossas tenças.

Mái, q'ondo calhava, a gente tamém antrava com eles à nossa manêra. Muntos andavam descalços e com as calças, que nem l'e chigavam ôs artelhos, siguras p'r espensóiros, com os fundilhos arremendados e debôtas de tant' ô uso. E a gente d'zia:

- Atã, pá, vás ô barbigão?!... - Qu' era c'm' quem d'zia qu' ele já tinha as calças arr'gaçadas p'a nã as molhar...

De manêras qu' o Vinte Nove era assim há mê cento d' anos p'a trás e despôs acabô. Más, agora, faz já uns sete ó oito anos, a Junta de Freguesia de Monchique dé em pedir as caminetas à Cam'bra e tem convindado a famila toda que quêra a s' irem ad'v'rtir e fazer uma amenção do Vinte Nove, nesses tempos.

E nã l'es digo nada... Neste Vinte Nove, ajuntaram-se três caminetas chêazinhas de famila e inda os que par'ceram nôtras vias. Ê cá nã nos contí, mái, ó munto m' engano ó 'tavam lá aí p' ô lado d' uns dôs centos de famila, se nã fossem inda más...

Pôs, aquilo, o ajuntamento foi no largo adonde apoisam os helicópt'res e uma parte da famila já vinham vestidos a precêto. Vô-l'es amostrar uns q'ontos retratos dos qu' ê cá tirí, ruinzinhos, 'tá bom de ver, qu' aquilo era de nôte e nã fêto melhor.

Banho do Vinte Nove - Abalada

Ele hôve quem abalasse de casa logo vestido a precêto. E fez muitíss'mo de bem...

Tã penas assubiram tôd's p' à camineta, tava-se aqui 'tava-se logo na Praia do Vau, qu' isto a lonjura nã é munta e, com as vias que há, hoje em dia, nã custa nada. Q'ondo damos p'r isso t'á-se no destino. Béque-me já toda a gente prosa e tudo. Olhe que, q'ond' ê era novo, via-se muntas vezes a famila com a galga de fora das j'nelas da carrêra e vá de ch'marem p'lo grigóiro...

Ô chigar ô Vau, foi ôtr' empeço. P' à famila sair toda e tirar as trugias do porta-bagajas, levô-se uma remessa de tempo. Más a más que nã havia lugar p' ás caminetas todas, ô méme tempo, ali à rés da praia. E, a verdade que se diga, nã era só o pessoal ser munto, é que tamém ia tudo bem carregadinho de farnel, lá isso ia...

Banho do Vinte Nove - Chegada à Praia do Vau

É qu' era bem munta famila e levavam munta trugia...

Mái, assim que desandaram tôd's p' à praia, aquilo c'meçô o fand'liro... Avençaram com aquelas cadêras, ó camas ó lá o qu' aquil' é, qu' "Os Costas" têm lá na praia p' ôs 'strangêros s' encostarem e panharem sol naquela lombêra, ajuntaram-nas, estenderam-l' as toalhas im riba e vá de espalharem d'comer à farta p'r tod' ô lado...

Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau

Tã penas lá chigaram, estenderam as toalhas e dec'mer nã faltava im banda nenhuma...

Más, o resto, logo l'es conto amanhã, se ser coisa que quêram saber.

E, despôs disso, inda tenho que falar tamém na descasca de Marmelete...

Fiquem-se com Dés.