17 julho 2009

O Pulo do Lobo

Pulo do Lobo - Rio Guadiana
É isto que se chama o Pulo do Lobo. Que tal acham?...

- Des qu' os lobos, na era dos nossos avózes, pulavam duma banda pr' à ôtra do rio Gôdiana. Em ele levando pôcachinha água, 'tá bom de ver, e só aqui neste sito, premode as pedras o enstrêtarem duma tal manêra qu' os bichos davam salvado a água.

Nã sê s' era verdade ó não, mái foi o qu' o chòfer da excursão qu' ê cá fui, ontordia, d'zia, com uma grande prosáipa, q'ondo se chigô ô Pulo do Lobo e a gente se desamontô tôdes da camineta.

Pôs é verdade. Agora tirí p'a, d' ora im q'onto, dar uns passêos, qu' isto, a vida, nã é só um homem andar aí d' àrrojo a afossar na terra. Tamém tem que se l'e apr'vêtar alguma coisinha más. E c'mo eles inda vã p' aí pagando as reformazinhas, cá vai a gente... O qu' é que me dizem? Faço bem ó nã faço?

- Mái atão, des qu' ele já nã há lobos p'r cá, há uma data gèraçõs... C'm' é qu' isso pode ser?!...

- Ó parente Cosme, dêxe lá o homem falar. Ô fim, logo prècura o que munto bem intender...

- Vendo-l'a p'r o mémo preço qu' a comprí... Semp'e tenho ôvisto d'zer isso e tem um certo jêto. Nã veêm, o rio Guadiana, aqui, aperta duma tal manêra que, calhando, isso dava-se.

- Lobos?!... Nunca vi tal vivente. Só se no Jardim zológico...

Pulo do Lobo - Rio Guadiana
A água nã é munta, mái corre com uma bela forçalha...

- Ti Refóias, o sê parente Cosme da Quinta nã leva bem repáiro naquilo qu' o homem 'tá a d'zer e, despôs, põe-se com estas patochadas...

- Nem zorras ê cá tenho visto d' há munto tempo p'ra cá... Nem escalavardos... P'a d'zer a verdade, ele já nã há é quái bichos nenhuns p'r 'í!...

- E ele a dar-l'e... Ó homem, cale-se l'a pr' aí um mimento...

- Isto no tempo seco, que, no enverno, vinha aí uma r'bêrada que nã havia bicho que desse salvado duma banda à ôtra...

- Calhando, era melhor a gente ter vindo cá d' enverno. Munto gôsto ê cá de ver aquelas grandes r'bêradas que levam tudo à frente... Com a água toda negra e a urrar que mete medo...

- Vomecêa, hoje, 'tá destravado ó quem?... Dêxe lá isso da mão e leve repáiro no qu' o homem 'tá d'zendo:

- Mái, agora, c'mo eles fazeram a Barraja do Alqueva, isto já nã passa aqui nem das dez partes uma do que passava d' entes. Haveram de ver...

Pulo do Lobo - Rio Guadiana
Com aquelas pedras ali ô mêo, até podia ser qu' os lobos dessem passado...

- Parente Refóias, p' à ôtra vez vai-se más é ver essa tal barraja...

- 'Tá bem, cale-se lá...

- ... uma ocasião qu' ê cá vinhe aqui, logo a seguir ô Ano Bom, um ano qu' envernô bem... Punhana!... Vinha uma barrancada d' água negra aí prêabaxo, fazia uma urrada que nem l'es dô incarecido...

- E ê cá perdi uma coisa dessas...

- Cale-se aí, parente!...

- Nem se podia 'tar aqui adonde 'stamos, nã cudem... Passavam p'r cimba destas pedras todas, caía além im baxo naquele fundão, fazia quái um metro de escuma...

- E ê cá nunca vi...

- Tal 'tá a cachamorra, hã?!...

- Inda bem não, vinha uma arajazinha d' àlém daquele em par, alevantava um poder de escuma, t'vemos que s' ir imbora ali mái p'ra ciminha e, méme assim, inda se levava com ela p'la fúiça...

- Essa aí é que nã me calhava nada...

- Ôtra vez?!...

- Agora, adonde ele alarga um coisinho, a coisa toma logo ôtro jêto. Nã veêm ali? A água toda lisinha. Até dá quái p' à abanhar...

- Se nã fosse perquem, ia exp'rimentar... O qu' é que me diz, parente?

Pulo do Lobo - Rio Guadiana
Adonde ele alarga um coisinho, tem logo ôtro jêto...

- Ó parente Cosme, atã mecêa nem lá no tãinque da Pedra da Zorra é capaz de se meter, que l'e dá a água só p'r as canelas... q'onto más aqui...

- Quem é que l'e disse?... Nã me faça marafar qu' ê jogo-me já lá p'a drento!...

E fez assim, béque-me, a amenção de desabotoar os cordõs das botas. Más ê cá vi logo qu' aquilo era conversa e pertí com ele:

- Sa senhora!... Mecêa tem mái medo da água qu' um gato escaldado... Uma ocasião qu' a gente 'tava tôdes a fazer lá o açude do Tãinque Grande, vomecêa pôs uma leva mal posta, despôs pasô-l'e com as botas de borracha p'e cimba, dé um escorregão, foi-se espatarrar no mê da r'bêra, insiô-se todo qu' inda vi jêtes de s' afogar p'a lá...

- Alguma vez?!... Só mal molhí as botas...

- Põs atão, a água mal l'e dava p'r os artelhos... Aqui é qu' ê gostava de ver... Nã é homem nã é nada!...

Diz o mê compad'e Jôquim, que tinha 'tado munto calado este tempo todo:

- Compd'e, nã o 'teja a açular senã ele inda se joga pr' aí e, despôs é um caso sério...

- Vamos panhá-lo a Vila Real de S. Antóino, à tarde, com uma rede, q'ondo a camineta lá passar de volta...

Más o mê parente nã foi nisso, qu' ele parvo nã é e saber nadar é, mái ó menes, c'm' um rabôlo...

Querendem ver uma coisa bonita, vã ô Pulo do Lobo. Em chegandem a Mértola, é logo ali...

Passem munto bem.

03 julho 2009

Bonecos d' arêa

Construções na areia - Fiesa 2009
Im Pêra, fazeram uns bonecos d' arêa que sã méme bem-caçados...

Era uma coisa qu' ê cá tinha vontade de ver já há um belo tempo e inda nã tinha tido ocasião era isto dos bonecos fêtos d' arêa qu' eles, tôdes verõs, usam a fazer lá no Algarve, ali p' às bandas de Pêra.

Pôs, a semana passada parcé-me aqui o ti Luís Agúida p'a me comprar umas bajas temproas qu' ê tinha pr' ali - o homem faz a praça im Vila Nova - nã foi tarde nem foi cedo, fazemos logo duas contratas duma assentada: vendi-l'e as bajas todas p'r junto e combinamos a ir os dôs, no mata-velhos dele, a ver as tás bonecos fêtos d' arêa.

Aquilo foi uma coisa que calhô assim im conversa, num derrepente, e ê cá, logo de mimento, nem me vê à cabeça qu' o estapor do mata-velhos só pode levar dôs passagêros. Ora, c'm' é qu' a minha Maria ia tamém... E a ti Felismina, qu' é a m'lher?...

- Ó ti Luís, atã e nã se leva as nossas velhas?... - Dig'-l'e ê cá.

- Quem, a ti Maria e a minha Felismina?...

- Quem havera de ser?...

- Ó ti Refóias, dêxe-se disso... As velhas que fiquem a cudar no monte qu' a gente os dôs vai munto bem sòzinhos... Olhe, ê cá... tenho alturas que já nã dô aturado a minha...

Construções na areia - Fiesa 2009
Até do Camõs nã se desqueceram. E dumas moças qu' ele incontrô na Ilha dos Amores...

Aqui, f'quí-me... Más ele, levô a catarruar naquilo, nã se calava, e a minha Maria qu' andava a tabornequear ali no alpendre pôs-se à escuta e ôviu. Ora, salta logo de lá...

- O qu' é qu' o ti Luís 'tá p'r aí a d'zer, qu' ê nã panhí munto bem?!... É p'ra s' ir tôdes ver as construçõs na arêa?... Ó é só vocêas?...

F'quí logo incalacrado. Diz ele:

- Atã nã vê qu' o mê carrinho só pode levar dôs de cada vez... Só se mecêa s' amontar aqui na caxa adonde ê carrego as coisas p'a levar à praça...

- Tenha p' aí juízo... Era o que vocêas queriam era irem sòzinhos... Ê já resolvo isso. Sòzinhos é que vocêas nã vão. Que jêto?!...

E pronto. Assim abalô caminho da casa do mê compad'e Jôquim.

Inda a gente quái que nã se tinha tido tempo de tomar ar, já a vozêrrão delas as duas - a minha e a c'mad'e C'stóida - soava lá na rua deles. O que d'ziam nã sê, mái tamém nã tardô nada, já as novas tinha chigado até cá a esta banda.

- Já 'tá tudo arrenjado... O Zé Manel leva a gente. Vã os dôs aí nessa b'cicleta do ti Luís qu' ê cá e a c'mad'e C'stóida vamos nôtra via.

- Atã e o compad'e Jôquim, fica im terra?

- Nã te dê cudados qu' ele tamém vai com a gente...

Construções na areia - Fiesa 2009Construções na areia - Fiesa 2009
Atã e estes lá do Egipto, nã 'tã bem fêtos? É, béque-me, a rainha deles e um pobrezinho dum ênuco...

- Ó Maria, nã t' enfezes qu' a gente inda 'tava a combinar as coisas e tu nã f'cavas no rastolho...

- Ê bem ôvi o que ti Luís disse. Nã tens precisão de 'tar com desculpas...

E c'm' ê cá, d'zer a verdade, nã tinha mái nenhuma manêra de me defender, a coisa f'cô p'r 'lí e, no dia combinado, lá se foi todos caminho do Algarve.

C'm' à coisa 'tava combinada, a mim acabedô-me ir no mata-velhos do ti Luís. Ora, aquela trugia já 'tá mái velho qu' o dono, dêtava um fedôr a petrol que metia medo e o ti Luís, tamém, nã sê c'm' é qu' ele fazia aquilo, andava só ôs lóres duma banda à ôtra da estrada - q'ondo nã ia méme ô mêo, a pisar o traço e tudo, qu' os ôtros 'tavam-l'e semp'e apitando...

Ê cá, que nã uso a almarear c'm' alguma famila que nã prosa, desato a sintir assim béque-me umas ãinsas... Inda vi jêtos de bolsar. Aquilo foi p'r uma coisinha de nada...

- Eh ti Luís, tenha p' aí conta, homem!... Vá um coisinho mái brando com isso... Quer dar cabo da gente ó quem?...

- Mái devagar ainda?!... Atã isto só de ladêra à baxo é que dá uns sassenta. Agora vô-me a q'ôrenta e tal... Inda o Zé Manel, que vem logo ali atrás, s' aborrêce e passa adiante da gente...

- Dêxe-o passar!... A gente logo lá chega tamém. Mecêa nã sabe o caminho? Sabe. Atã, pronto.

Construções na areia - Fiesa 2009
Estes aqui 'tã a ver cinema. P'r o jêto, q'ondo eles inda amostravam o cinema na rua...

Más aí, já a gente ia chigando quái à recta do Rasmalho, as curvas acabaram-se e a coisa lá se compôs. Quer-se d'zer, inda se dé ôtra parte qu' ê cá nã contava com ela, E tudo p'r culpa do Zé Manel que chigô lá im baxo entes da Ladêra do Vau, mete p'a drento da a'to-'strada.

Se nã sabia ele qu'o mata-velhos nã pode andar nesses caminhos... Mái atão, desquecé-se... E lá se foi a gente os dôs sòzinhos p'ra estrada antiga até Alcantarilha. Tamém nã se perdé nada. Aparamos lá num certo sito, bobemos uma piquenalha cada um, aquilo sôbe que nem ginjas. E eles ficaram im seco...

E, já agora, semp'e l'es falo lá dos bonecos. D'zer a verdade, nem l'es sê incarecer. Custô-me um belo d'nhêrinho, lá isso custô, mái dí-o p'r bem gasto. Ê cá e a minha Maria inda se teve que pagar os dôs, já nã m' alembro bem, mái foi coisa aí duns doze eros e sessenta cêntimos... Qu' a gente somos os dôs já reformados e sai um coisinho mái barato.

Agora ê cá inda gostava de saber d' adonde é qu' eles desincantaram tanta arêa p'a fazer aquilo tudo. É que sã bonecos e mái bonecos, carros, casas, bichos, foguetõs, ê sê cá!... E tudo tã bem fêtinho que mecêas nem calculam...

Até o Camõs lá está a olhar p'ra umas moças qu' ele, p'r o jêto, incontrô lá num sito adonde elas andavam assim com pôca rôpa im cimba do corpinho, a Ilha dos Amores. E jêtosas qu' elas eram... A minha Maria é que nã gostô lá munto d' ê cá l'e 'tar a tirar o retrato, qu' ê bem vi ela fazer uma careta p' ô lado da c'mad'e C'stóida...

Construções na areia - Fiesa 2009
Estes 'tã a ver a bola na tel'visão. Só l'e falta ali um garrafanito de cinco litros...

E o ti Luís Agúida tamém se pôs a olhar munto p'a essas tás moças, q'ondo dé p'r ele já 'tava a fazer parvoêras. Veja lá que levava uns albricoques na alsebêra, drento dum saquinho de plástico, e, d' ora im q'onto, c'mia um. Lá isso, inda vá lá, mái já nã era grande figura no mêo daquela famila toda.

Agora, chegar ali, pôr-se a olhar p' às moças todo imbasbacado, puxar da sua faquinha dele, desbrugar o albricoque e jogar a casca p' ô mê do chão... Eh'q!... Nã é coisa que se faça... Vem de lá um estrangêro põe-se a fazer miécos c'm' quem diz:

- Isto aqui é algum monturo ó quem?!... Toca más é a apanhar isso...

Nã sê bem s' era iso qu' ele queria d'zer ó não, mái, se disse, foi bem dito. Volta-se o compad'e Jôquim p' ô ti Luís:

- Já viu o qu' é que mecêa arrenjô?... Panhe lá a casca do albricoque e ponha isso àlém naquele caxote... Atã que figura é essa?...

- Ai, punhana, 'tava a olhar p' às moças nem dí p'r o que fiz!... Isto, tamém, qualquer um tem um descuido. E com este calor, im menes de nada, seca...

- Que seque que nã seque, panhe lá isso. Nã vê qu' é uma vergonha?... Senã nunca mái venho consigo...

Aí, o homem, caí nele, panhô a casca e tudo se compôs.

Pôs, mês belos amigos, p'a quem goste daquelas coisas, vá lá à Fiesa 2009 qu' aquilo 'tá bonito. Mái vã assim à tardinha qu' à hora da calma que faz lá uma torrêra munto má de gramar. E nã joguem cascas d' albricoque p' ô chão...

Fiquem-se com Dés.