27 março 2007

O campo da bola

Estádio de futebol - Monchique
Ó ê cá m' engano munto ó atão nã há campo de bola nenhum com uma vista destas...

Daquela vez qu' ê cá andí a devassar ali a r'tunda do Descansa-Pernas, tã penas o ti Vergil Patinha abalô com o Carôcho dele, dé-me uma gavierra e inda voltí p'a trás, caminho do campo da bola.

Nã é qu' ê intenda lá grande coisa daquilo - p'a d'zer a verdade, nã percebo é coisíss'ma nenhuma - mái, lá de q'ondo im vez, calhando a minha Maria a nã 'tar a ver o romãinço na tel'visão e eles darem um jogo de bola, ponho-me a olhar e gosto de ver aquilo.

O campo, verde que nem um cantêro todo sameado de trigo, q'ondo ele inda 'tá assim bem rastêro, uma preçanada deles a fugir atrás da bola, três, tôd's vestidos de preto - um com um birlo na boca e dôs com uma bandêralha na mão - e aquela famila toda a fazer um lanedo que mete medo e a ch'mar nomes uns ôs ôtr's - más ôs de preto qu' ôs ôtr's. Tem que se l'e diga...

E q'ondo os que jogam dã aqueles pinotes no ar e batem um bate-cu no chão que dã voltas até mái não?... Isso é qu' ê cá encho o papinho a rir... É qu' os marafados têm cá uma manha tã grande ó tã pequena qu' acabam de cair um malhão, ficam p' ali tôd's ratorcidos no chão, béque-me quái a morrer, e, daquem nada, já 'tã ôtra vez d'em pé, tôd's limpêros, c'm' se nã t'vessem caído.

Pôs, cheguí lá, meti p'r aquela v'reda abaxo que 'tá em par do hospital, desatí a tirar retratos. D'zer a verdade, aquilo dá-se logo com o campo e tem umas vistas do melhor que pode ser e haver. Quem s' alembrô d' o fazer ali nã teve má idéa, nã senhora. S' a famila nã 'tar a gostar do jogo, olha p' às vistas que nã fica mal servido...

'Tá bem que s' haver p' ali algum qu' atanche um pontapé na bola, assim mái a precêto, o menes qu' a têm d' ir b'scar é lá p'ra baxo p' à R'bêra do Ambróizo, mái aquilo o jogo usa a ser ô D'mingo à tarde e a famila cá im Monchique, nesse dia, tamém tem vagar com fartura...

Estádio de futebol - Monchique
Calhando
, c'm' nã davam fêto bancadas, cortaram duas sobrêras e fazeram dôs bancos p' à gente s' assantar...

Nisto, 'tava ê cá munto bem intretido a olhar p' àquilo tudo, já mái a ver os cerros além p' ô lado do Alferce qu' a olhar p' ô campo da bola, oiço um remôrzinho p' trás, volt'-me, quem é qu' havera de ser?... Um amigo qu' ê já nã via há bem munto tempo: O ti Alvino das Martunhêras.

O homem, uma ocasião, vendé-me um presunto, e bom qu' ele 'tava, foi foi um coisinho carote. Mái atã ê 'tava desgovernado e tinha precisão p'a convindar uns amigos... Mái lá qu' ele 'tava bem arrenjadinho, méme ali na conta, nem munto salgado nem munta g'rdura, uma coisa c'm' deve de ser, lá isso 'tava.

Pôs, o ti Alvino vinha ali prêabaxo, p'r aquela estrada que faz d' encurtadoiro désna da curva do hospital, adonde 'tã aqueles gradessíss'môs calitros, até ô Descança-Pernas. Mái c'm' ele anda assim com aquele passinho lento e vinha calado que nem um rato, se nã é dar uma topada num torrão que 'tava ali no mê da estrada, bem que chigava ô pé de mim e ê cádava por ela, qu' era o qu' ele se 'tava a preparar. P'a me meter um medo.

- Eh, ti Alvino!... Atã vinha aí e nã d'zia nada?!...

- Ah, marafado, qu'ria-te fazer a parte, mái incalhí aqui neste torrão, nã chigado ô pé de ti sem dares p'r mim... Dés te dê saúde, Refóias.

- Venha com Dés, ti Alvino. Ai queria-se meter com-migo...

- Atã, o qu' é que fazes aqui, môç'?

- Olhe, 'tô a atirar uns retratos ô campo da bola e f'quí emprensado com esta linda vista que se vê daqui. É que vê-se tudo désna d' além da Picota, p'r esses cerros fora até já munto p'ra lá do Alferce. Aquilo, além ô longe, já há-de ser S. Marc's ó coisa assim...

- Nã tem nada im ser... Calhando, é... Atã, mái tu tamém sofres da bola? P'a 'tares aqui com um empenho desses...

- Nã senhora... Ê, p'a ser franco, inda nunca tinha aqui vindo ô pé, só conheço isto de ver ali de cimba, da estrada, e só vejo bola se dar na tel'visão. E isso, s' a minha Maria nã 'tar p'a lá a ver o r'mãinço...

Cascata do Barbelote - MonchiqueCascata do Barbelote - Monchique
A relva é de plástico. E p'r o que diz na carrinha a Cam'bra dá apoio.

- E uma coisa te prècuro ê cá. Atã e eles nã fazeram aí uns lugarinhos p' à famila s' assantar?

- Nã vê que não?!... Tamém a grande fartura deles qu' hã-de 'par'cer aqui... Mái semp'e dava melhor jêto 'tarem santados que d' impé, lá nisso, dô-l'e r'zão.

- Dizes tu que vêm pôc's? Atã, já descobri o gato... Nã vês estas duas sobrêras qu' eles cortaram aqui? Foi p'a fazerem os bancos p' à famila s' assantar...

- Quem sabe lá... Os que nã caberem ficam d' em pé... Mái dêxando de rir p'a mangar, que jêto terem corto as duas sobrêralhas? Atã isto faziam assim tanto mal aqui?...

- Podiam dêxar cair as lãindas além p'a drento do campo e os homens inda descorregavam im cimba delas. Lá p'r mode a folha nã havera de ser qu' aquilo até que dá uma cama do melhor que há p' ô gado...

- Olhe, ê carreguí muntos costales delas p' à p'cilga dos mês... Agora é que já nã há quem faça tal serviço. Ninguém tem míngua de fazer monturo p'a arrenjar esterco...

- Mái semp'e gostava de saber s' as sobrêras 'tavam perdidas ó se foi coisa de pedirem l'cença p' às cortar.

- Perdidas?!... Com uns tróços assim cernes c'm' estes inda aqui 'tão?!... Pode ser que sim, nã digo que não, que nã m' alembro delas entes, mái béque-me nã l' acho jêto nenhum disso.

- Mái, p'r falar nas lãindas cairem ali p' ô campo, já viu aquela linda relva qu' ali 'tá, com uma cor qu' é um encanto e chêa de força? Vê-se mémo que l'e têm posto um belo amòin'zinho e água nã l'e tem faltado...

- Ó Refóias, nã digas uma patochada dessas, que te oiçam, ó inda te chamam parvo... Nã vês qu' aquilo é tudo de plástico?!...

- O quem?!... De plástico?!... Mecêa é que 'tá a qu'rer fazer de mim parvo...

- Ai nã acraditas... Atã anda lá daí e vamos devassar aquilo bem além ô pé.

Cascata do Chilrão - Monchique

E abalamos. Aquilo foi só o tempo de se dar chigado lá ô pé, encostí-me à rés da rede, assomí-me p'r um buraquinho e arregalí os olhos. Atã nã era qu' o ti Alvino 'tava chê de r'zão... Aquilo era méme de plástico, home!...

- Já vale a pena!... Ê cá, fêto alarve, cudando qu' isto era erva, ô fim de contas sai-me plástico... Atã e isto presta?

- Des que sim. Des qu' é o que 'tá na moda...

- Com tanto sol, água e terra boa que se tem aqui im Monchique e põem-me ali uma coisa im plástico p' ôs moç's jogarem à bola im riba... E quem é que pagô isto?

- Sê cá!... Há-de ter sido o Clube da Bola... Ê cá nã fui, disso 'tejas certo...

- Certo é qu' ê cá nã 'tô de nã ter sido vomecêa e eu e ôtr's c'm' à gente... Nã sabe q'onto é que tem p'ra pagar, agora no mês d' Abril, da déc'ma da su casinha e dos sês cantêralhos?

- Já me chigô lá uma carta p'a pagar a pr'mêra pagela, sim...

- Pôs, se nã sabe fique sabendo qu' isso é d'nhêrinho que vai tôd' p' à Cam'bra... E olhe lá o que diz ali na carrinha...

O homem lá soletrô devagarinho - qu' ele vê mal e só andô na escola-paga pôco mái de sês meses - e f'cô-se, assim, béque-me, imbosnado.

- Atã, nã diz nada?

Olhô p'r a mim, olhô pr' à carrinha, dé voltas ô miolo e lá se resolveu:

- Atã, M'nicip'o é a Cam'bra?

- Pôs é!...

Salta, munto l'gêro:

- Pronto. Já 'tá tudo visto. O Clube da Bola é deles. E os homens têm qu' olhar p'r isto...

- Nã é nada deles, ti Alvino... E inda bem que nã é, senã inda era pior...

Bom, o que se falô a seguir nã l'es conto aqui. Qu' a gente nã sabe bem c'm' é qu' as coisas se passam e p' a se d'zer parvoêras é melhor se 'tar calados. Mái isto anda bem munto ruim aí p'r tôd' ô lado, que nã falam senã im clubes da bola e cam'bras e presidentes e apitos doirados e coisas assim...

'Tá bom de ver qu' isto aqui im Monchique nã há-de ser nada c'm' nôtras bandas. O Clube da Bola, calhando, é bem munto rico e nem tem precisão nenhuma do d'nhêrinho do M'nicip'o. E méme que t'vesse...

Saúde da boa, mês belos amigos!...

19 março 2007

Mons Cicus - ôtro blog monch'quêro

Blog Mons Cicus - Monchique
'Té qu' infim, 'parcé ôtr' blog im Monchique!...

Mês belos amig's, tenho uma coisa p' a l'es d'zer:

Im monchique já há ôtro blog.

'MONS CICUS' é c'm' ele é alomeado. Há quem diga que foi com essas palavras estrangêras - béque-me do latim, lá dos Romanos - que baptizaram a nossa terra.

Calhando, foi q'ondo esses romanos fazeram ali aquela estrada im pedra, do Pé da Cruz até à estrada de Marmelete. Vá lá qu' ela, agora, já 'tá toda tapada d' alcatrão e já nã se vê nada p'r baxo.

Qu' aquilo era uma vergonha s' os nossos netos inda chigassem a ver uma estrada daquelas toda fêta de lajas inda no tempo dos romanos andarem p'r cá...

O qu' é que l'es dé na cabeça p'a fazerem as estradas todas assim?... Haveram de ter logo pensado qu', im Monchique, agora, já tudo tinha carro e nã se podia andar ali ôs estrameçõs...

'Tá bem qu' eles tenham dado o nome à terra, tenham descobrido as águas santas - p'r o jêto ch'maram-l'e Caldas p'r mode elas narcerem quentes - mái agora fazerem uma estrada só im pedras que, já tenho ôvisto falar, atravessava a serra toda até p' ôs lados d' Al'zur...

C'm' isso foi coisa qu' a gente só fez há meia-dúiza d' anos im alcatrão, 'tá-se méme a ver a r'zão d' inda nunca l'e terem fêto nada aqui im Monchique p' à famila s' alembrar deles...

Mái dêxa-se isso da mão...

Já tôd's 'tã a ver que f'quí mái contente que nem uma pega sem rabo tã penas sube da tal notiça do blog Mons Cicus. E nã é caso pr'a menes, qu' uma terra destas já faz munto tempo que mor'cia uma coisa assim.

Só me 'tá cá a fazer espéc'e uma coisa. Vomecêas sabem-me d'zer quim é o marafado que fez uma coisa tã jêtosa? Se saberem, digam-me qu' ê 'tô em ferros p'a saber...

E, já agora, apr'vêto p'a mandar as minhas rec'mendaçõs p' ô Mons Cicus, p' ô amigo qu' o faz - nã sê quem é, mái tem de ser um amigo dos bons - e d'zer-l'e que já havia de cá 'star há munto tempo.

Que l'e corra tudo muntíss'mo de bem e faça munta coisa boa p' à famila s' entreter a ler.

E nã se desqueçam de passar p'r lá tôd's dias, qu' é o qu' ê cá vô-me fazer.

Acalquem aqui que vã lá parar.

E passem munto bem.

Cascatas da Fóia

Cascata do Barbelote - Monchique
Ele há coisas qu', ô longe, nã dã bem ares àquilo que são...

Ele ali na Fóia, no vertente voltad' ô norte, em chovendo qualquer coisinha, forma-se umas quedas d' água que sã um incanto. Até um dia destes, inda só me tinha assomado às mái fraquinhas, qu' a mái bonita nã sabia bem adonde ela f'cava.

Mái, no prencíp'o desta semana, uns amigos bons que usam a 'par'cer aqui p'r o blog do parente e se pélam p'r a nossa Serra, desafiaram-me a ir devassar a mái bonita de todas - a do Barbelote - qu' eles sabiam muntíss'mo de bem qu' ê cá inda nunca lá tinha posto os pés.

Ora c'm' é qu' ê havera de lá ter ido se só há bem pôco tempo é que fazeram p'ra lá uma carr'lêra e ela bem impinada?!... Saber adonde é o Barbelote qualquer um sabe... Agora adonde a água que vai no barranco pula lá p'ra baxo, era bem má de dar com aquilo entes d' haver caminho que prestasse.

Pôs, bem posso agradecer - e munto l' agradêço - a estes amigos de me terem levado lá. Aquilo, este enverno, nã chové assim coisa de maior, mái méme assim, com quái água nenhuma, dá gosto uma pessoa olhar p'ra lá.

E, atão, qu' a Câm'bra pôs logo lá ô fim da carr'lêra uma gradessíss'ma pedra, destas cá das nossas de granito, toda munto lisinha qu' aquilo há-de-l'es ter custado os olhos da cara, a fazer de banco p' à gente s' assantar inq'onto se olha e se tira retratos.

A idéa até que foi boa, nã se pode d'zer que não foi, mái atã aquilo tã lisinho lá nuns córgos daqueles, béque-me quái que acho fino de más. É qu' ê cá nã 'tô ac'st'mado a pôr os quartos im riba duma coisa assim...

Gosto mái de m' assantar num balôiso mái grossêro p'a nã descorregar no assento. E, d'zer a verdade, tamém achava, béque-me, mái bonito se fosse uma pedra assim qualquer c'm' aquelas adonde a água pula p'ra baxo...

Cascata do Barbelote - Monchique
A queda d' água do Barbelote, méme com quái água nenhuma, nã dêxa de ser bonita, nã senhora...

Mái tamém l'es digo uma coisa. Quem qu'ser ver aquilo bem visto tem qu' ir lá méme ô pé. Que, se f'car ali assantado na pedra, aquilo parêce-l'e uma coisa com pôca emportâinça e passa adiante. Nã 'tô a qu'rer d'zer que nã seja bonito na méma, mái astrevam-se a ir lá méme adonde ela cai que logo veêm...

Olhem, ê cá nã me contido e abalí p'r aquela chapada abaxo. Inda p'ra más, nã sabia p'r donde havera de passar que melhor fosse, im vez d' ir de través, abalo prêabaxo à rôpa toda qu' era p'ra, e depôs, assubir ô córgo acima. Mái, qual o quem?!...

Q'ondo dô p'r mim, aquilo era impinado até mái não e tudo chêo de cascalho arrabolado que nã se via o chão. D' ora inq'onto, um rabôlo assim mái valente, que, s' ele m' arrabolasse p'r cimba, descadraçava-me todo... E voltar p'a trás, nem pensar, que nã dava...

Olhava p' ôs lados, nem tampôco tinha adonde me sigurar, que q'ondo hôve os fôg's aquilo ardé tudo. Ch'mado p'r os ôtr's nã dava, qu' a urrada qu' a água fazia nã dêxava a gente s' ôvir. Vejo o caso mal parado, dig' p'ra mim:

- Mái atão, o qu' é qu' ê faço, mê Dés?!... Senhora dos Aflitos me valha!...

E vê-me logo uma coisa à idéa. Qu' isto nã há nada c'm' à gente fazer as coisas ô consoante do que se precisa. Q'ondo 'tamos imp'çados, pede-se a quem nos à'x'lê. Pensí:

- Olha, dêxa-te ir p'ra baxo, toma conta com a mànicazinha dos retratos nã vá ela p' aí f'car fêta im fanicos - e custô-te um belo d'nhêrinho - vai-te sigurando nas canoiras p' a nã arrabolares, e, em chigandes ô barranco, logo t' amanhas duma manêra ó d' ôtra... E assim fiz.

Méme nã os vendo nem dando ôvido nada p'r mode o barulho da água a correr, nã pensem que nã tinha no sentido a barrigada de rir qu' os amigos que lá 'tavam com-migo haveram de ter panhado de me ver nuns traquetes daqueles. Aquilo foi mái que certo qu' eles até esfregavam a barriga com tanta carcachada que deram às tenças cá do Parente...

Eles des que não, más ê cá é que nã vô nessa que bem nos conhêço. Ora, os dôs ali munto bem afincados no chanito d'rêto a marcar os bate-cus tôd's qu' ê dava e nã se desmanchavam a rir... Olhem qu' até d' àrrôjo fui... Nã foi más, ia arrompendo os fundilhos das calças!... Ehq!... Ê, no lugar deles, tamém me dava festa...

Cascata do Barbelote - Monchique
P'a chigar lá ô pé é que nã é qualquer um que s' astreve. Olhe qu' ê vi-me bem empeçado...

Mái vá lá qu' aquilo, à rés do barranco, nã tinha dúv'da. Munta rabaça, munta ervaria, uma manchinha de balsas p'a cravarem uns bicos numa pessoa, mái, inda assim, dava-se passado mái ó menes. O mato maior ardé todo nos fôg's e béque-me inda nã teve tempo de desenvolver ôtra vez.

De manêras que, lá fui assubindo, parte das vezes, mái a engram'nhar qu' a andar, sigurando as mãs no que podia, até que panhí uma v'redazalha, nã sê se fêta p'r um ó dôs qu' ali t'vessem passado entes de mim, ó p'r escalavardo ó zôrra qu' inda p'r 'lí andem a governar a vida.

Nesse mimento, oiço uma fala:

- Atã, parente, isso 'teve p' aí ruim, hen?!... Vi jêt's de vomecêa nã se dar posto aqui...

Era um deles que, mái fino do qu' ê cá, tinha vindo p'r cimba, assim de través, tornejando p'r essa dita v'reda, e já ali 'tava quái ô pé da água, todo limpêro, sem trabalho quái denhum e sem precisão d' arrojar as nalgas p'r o chão c'm' se com-migo.

Já nã falando das picadas de balsa qu' ê panhí na lombêra e a mot'ficação de decer e assubir p'r aqueles charavascos sem saber no qu' é qu' aquilo ia dar...

- Eh, pôs atão ê nã repàirí nessa v'reda, meti-me foi p'r a barrêra abaxo e, q'ondo dí p'r mim, p' à frente é qu' é caminho que p'a trás mija a burra!...

- Pôs, ê bem o vi ali um coisinho empeçado com uma balsa a l'e sigurar aí na manga da blusa e vomecêa já assim béque-me inzainado com ela...

E voltô-se assim p' ô lado c'm' quem faz uma risadinha de gozo e nã quer qu' o ôtro veja.

- Qual o quem?!... Um homem nunca s' empacha!... Se quer que l'e diga, nem tampôco sintí nada...

Qu' isto, uma pessoa, nã se pode dar parte de fraco. Senã nunca mái se calam com aquilo e ficam a fazer pôrra dum homem o resto do tempo.

Cascata do Barbelote - MonchiqueCascata do Barbelote - Monchique
Vista d' ô perto, tem logo ôtra áira. Até o arco-da-velha se via...

Más olhe que valé bem a pena, méme indo p'r o caminho mái ruim. Em passando ali p'r baxo daquele alv'redo todo que 'tá lá méme já quái drento d' água - nã olhí bem, mái, s' inganado nã 'tô, eram saìcêros e amiêros - aquilo parêce logo ôtra coisa.

Com pôca água que levava - o que faria se t'vesse chovido p' aí uma gotinha dela na semana entes... - era duma pessoa f'car insampada a olhar p' àquilo. Até o arco-da-velha se via. E a fresquidão q' um f'lano sintia, escorrendo im suôr c'm' ê cá ia do puxo que tinha fêto até lá...

Cascata do Barbelote - MonchiqueEm tendo ocasião, tenho que convindar a minha Maria p'a ir lá com-migo qu' ê sê qu' ela tamém gosta de ver coisas destas.

Nã sê é s' ela tará foiteza, p'a nã d'zer pernas, p'a chigar lá ô pé. P'ra baxo, inq'onto há carr'lêra, nã me dá muntos cudados. Agora na volta p'ra cimba, com aquelas ladêras todas, íngres qu' é uma coisa temente, nã sê lá munto bem s' ela s' aguentará.

E mecêas, se pensarem em ir lá alguma ocasião, vão, más o melhor é levarem uma buchazinha p'a c'merem entes de voltarem p'a trás, qu' é p'a terem força p' assubir a ladêra.

Vã com tempo e nã se desqueçam de nã estragar nada do qu' incontrarem, tratem bem as arvezinhas e tudo o más que lá haja, nã joguem prequêras p' ô chão - sacos plástico, papés, garrafas, copos e bodegas dessas - e aprecêem aquilo c'm' deve de ser que 'tá lá uma coisa bonita ô bem fêto.

E, querendem, na méma viaja vã tamém ô Chilrão, ô Penedo do Buraco e ô Barranco dos Pisõs qu' aquilo tamém tem que ver.

Nã sará uma coisa tã vistosa c'm' no Barbelote, qu' os penedros donde a água pula nã sã assim tã altos, mái coisas daquelas sã sempre bonitas. Más a más, que sã cá na nossa serra e quem é qu' há-de gostar mái da noiva senã o noivo...

Pôs atão, aqui l'es dêxo tamém uns retratinhos dessas bandas e, querendem ver mái uns q'ontos, acalquem aqui nesta ligação que vã parar a um sito adonde 'tá uma bela pagela deles.

Cascata do Penedo do Buraco - MonchiqueBarranco dos Pisões - Monchique
No Penedo do Buraco e no Barranco dos Pisõs tamém há coisas bonitas p'a se ver...

E, pensando bem, nã há nada c'm' vomecêas irem, um dia, a um lado e dôtra vez logo vã ô ôtro. Qu' aquilo inda tem de se dar umas belas voltas. E, atão, o melhor é irem com mái tempo, devassarem tudo munto bem devassadinho e nã andarem lá com grande mort'ficação p'a despacharem entes qu' anoitêça. E quem tenha bichos p'a tratar, inda munto menes...

E, já agora, inda l'es digo más. Calcem umas botinhas daquelas mái grossêras e uma farpela que nã faça munto mal ela s' arrasgar, qu' assim, semp'e se safam do qu' ê cá ia ôvindo, ô chigar a casa.

Ora a minha Maria já lá 'tava toda desastinada, sem saber de mim a tarde intêra. P'a d'zer a verdade, despôs do passêo, inda fui molhar a goéla com quem foi com-migo - nã precisa de s' alomear os nomes... - e palear um pôcachinho.

Mal ê dí r'môr, apresenta-se logo à porta d' antrada com cara de pôcos amigos - p'a melhor d'zer, os olhos dela até esfaìscavam... - punhana!, nem tive tempo d' abrir a boca, ôvi logo daquelas qu' os cãs nã gostam... E bem de rijo...

- Mái atão, que pôca vergonha é esta?!... Desparceste de casa inda mal tinhas c'mido, nã d'zeste nada a ninguém e, agora, inda parêces num estado desses?!...

Cascata do Chilrão - Monchique

Ela panhô logo qu' ê vinha um coisinho alegre e, tã penas me mirô do canto de cima ô canto de baxo, dé logo p'r o lindo trabalho qu' as balsas me tinha fêto à fatiota. É qu' as marafadas arrepelaram-me bem munto a camisola. Pensando bem, nã havera de ter levado aquela rôpa, qu' ela, méme nã sendo a do D'mingo, é uma qu' ê uso a levar à Vila q'ondo quero ir um coisinho mái bem apresentado.

- Vejam bem c'm' este homem chega a casa!... Mái atã, caíste p' aí p'a drento dalgum balsedo?... Nã m' admirava nada, no estado em que tu vens...

- Ó m'lher, isto fui ê cá que m' ajuntí com uns amigos e, assim sem más esta nem más aquela, foi-se ver uma coisa que tu inda nã conheces. E nã penses lá qu' ê 'tô escarado, que nã 'tô...

E, sem l'e dar tempo a pegar na conversa, disse-l'e, logo, de chofre:

- Olha, Maria, até pensí, toda a tarde, qu' aquilo é um bom sito p'a te levar lá um dia destes... Que tu és uma pessoa que gosta de ver coisas bonitas e tenho a firme certeza qu' haveras de gostar de lá ir...

Aqui, desarmí-a logo. Assim fez um entervalo e abaxô o tom de voz... Mái semp'e ramocô:

- Atã e nã podias ter dado uma vaiazinho entes d' abalar? Ó atão, voltares um coisinho mái cedo?...

- Nã vês, Maria, isto q'ondo se 'tá com ôt'a famila, nã se pode fazer tudo à nossa manêra. Tem lá p' aí pacência que já sabes qu' ê nã sô homem p'a fazer parvoêras... Atã, e já trataste dos bichos? Se nã trataste, ê vô fazer isso de boa mente, e, nesse mê tempo, tu vás acabando o dec'merzinho...

- A estas horas é qu' inda ia tratar dos animazes... Já eles c'meram tudo e, se nã fosse de nôte, 'tavam a pedir más... Ó tu pensas qu' ê passí o tempo de mãs a abanar?!...

- Lá nisso, dô-te o valor todo. M'lher de g'verno c'm' tu há pôco p'r 'í...

E lá me safí desta... Mái fiquem sabendo que, um destes dias, nã demorando munto, sô homem p' à levar lá ô Barbelote. Ah isso sou...

E passem tôd's munto bem, até qualquer dia.

06 março 2007

A Feira dos Enchidos de 2007

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique

Brinde à Feira dos Enchidos - Monchique
Uma saúde à Fêra dos Inchidos cá de Monchique, que nã há ôtra c'mo esta!...

Já tenho ôvisto pr' aí d'zer que na fêra dos inchidos é os dias que vem mái famila cá à Vila im tôd' ô ano. Pôs se nã é, nã s' hã-de inganar p'r munto. Mái, p'a d'zer a verdade, ê cá tamém cudo que é e era quái capaz de 'postar, que, calhando, nã perdia.

Im chigando aí umas certas horas, aquilo é um correpio de carruaja e de famila qu' uma pessoa, béque-me, até se sinte assim p' ô inzamboado. Tem ocasiõs qu' um homem, p'a passar p' ô lado de lá, ó tem munta conta ó, atão, afitura-se a vir algum desingalgado e l'e dar um incontrão qu' o dêxe p' aí todo derrengado.

Mái, c'm' à gente já sabe disso, qu' ele já há catorze anos qu' eles cá veêm nestes dias, é d' adregue haver qu'im s' astreva a passar sim pr'mêro aparar e olhar munto bem se vem alguma coisa dum lado ó dôtro. E vá lá que nã dí p'r se dar nenhum caso ruim nestes dôs dias.

Pôs, mês belos amigos, isto é que foi andar no coçáiro. Só quim nã quis é que nã enché o papinho... Olhem, bons dec'meres, munta famila, cantorio qu' aquilo era tocar modas as tardes entêras, uns solvinhos d' ora inq'onto, o qu' é que qualquer um havera d' enxigir más?...

'Tá bem qu' ê cá agora, inda hoje, nã dô intendido munto bem a minha Maria, qu' em me qu'rendo d'zer seja lá o que ser, farta-se d' arrulhar e ê nã na percebo nada. Despôs, arrulho ê cá e é ela que 'tá semp'e a prècurar:

- O quem?... O quem?... Ó homem, fala de rijo que nã te oiço...

- Ó m'lher, mái atã, daquem nada, dô cabo das goélas com arrulhar...

- Nã me t'vesses levado lá p' à fêra dos inchidos... Com o ôrío qu' eles faziam lá com aqueles alt'-falantes, béque-me nunca mái f'quí a ôvir nada de jêto...

Surdos já a gente, mái, é certo e sabido, qu' inda se f'cô piores...

- Ai, agora, ê cá é que tenho as culpas... Mái inq'onto aquilo durô e 'tavas lá espècada a ôvir o Zé Cid, nã deste p'r barulho nenhum. Ó pensas qu' ê nã te 'tava a ver lá ô canto do palco, méme ali p'r baxo daqueles grandes caxotõs d' adonde saía a mús'ca, que toda t' abanavas ô consoate da moda qu' ele cantava...

- Atã, 'tavas lá na barreca do homem da aguardente a emborcar neles e inda tinhas tempo p'a me ver?... Já 'tavas más era a ver a más...

- Olha, nã digas agora que não, qu' ê cá bem te vi, sa senhora...

E é verdade, nã 'tô certo se foi daquele banzé se do qu' é que foi, tanto ê cá c'mo ela, béque-me se 'tá a ôvir um coisinho menes. Mái isto pode ser méme do tempo. Ó da idade... ó coisa assim. Vomecêas tamém l'es par'cé aquilo, barulho a más?... Ó acharam que nã teve dúv'da?

Já falí nisso ô mê compad'e Jôquim do Barranco, mái ele, p'r o jêto, inda é mái surdo do qu' ê cá e, atão, des que nã notô assim grande coisa. Mái nisso, ele nã é munto de fiar que, logo no sáb'do, panhô uma pelhega que nã havera d' ôvir era coisíssema nenhuma... E, d'mingo, foi só l'e b'ber mái um ó dôs porretes, inda tinha a vasilha quente, assim f'cô no mémo.

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique
Mólhes, morcelas, chôriças e morcelas de farinha. Melhor nã há. Só s' igual...

Que nã foi só ele. Hôve p'r 'í munto quem t'vesse fêto figuras par'cidas ó piores... Se dar tempo p'ra isso, ê já l'es conto a parte qu' o v'zinho Manel Mansinho fez, qu', aquilo, a minha Maria nem qu'ria crer no que via.

Mái voltando méme à fêra, teve graça qu' ê cá e quem ia com-migo - a minha Maria e os nossos compadres do Barranco - entrô-se p'r aquela porta cá do lado da Vila, 'tavam logo p'a lá umas a cantar e a tocar com uns foles daqueles qu' é de ligar à elecsidade, f'cô logo tudo ali imbasbacado um belo pôco.

Qu' ê nã aprecêo assim munto aquela aparelhaja toda... Gosto mái daqueles harmóinos d' ôtr's tempos ó méme até uma concertina daquelas bem pequenalhas de duas escalas. Foi uma coisa que m' ac'st'mí désna de moç'-pequeno e estes foles m'dernos nã gosto tanto, o qu' é que mecêas querem...

De manêras que, 'tavam elas munto entretidas ôvindo o cantorio da moça, dí logo um sinalinho ô c'pad' Jôquim, fazemos-se assim desapercebidos e fomos-se arradando p' à banda de trás, c'm' quem nã quer a coisa, a ver s' elas f'cavam ali mái um pôcachinho p' à gente ir lá tratar da nossa vida. Más a c'madre C'stóida, que 'tá semp' com a pulga na orelha, salta logo com a gente:

- Ó Jôquim, mái atão adonde é que vocêas já vã com essa pressa toda?!... 'Perem lá aí qu' a gente vai tamém. É só más esta...

- Atã, venham... Quem é qu' as 'tá pr'ivindo?...

- E se querem vir, nã demorem... Qu' ê cá já nã aguento tamanh' ô barulho e tamém tenho as goélas tã secas que parêcem corcha. Até arranham, punhana!...

Ramordí ê cá p' a defender o mê compad'e Jôquim qu' é um amigo dos bons. E vá de dar voltas ô miolo a ver c'm' é a gente, agora, se via livres delas p'a se bober uma rodadinha ó duas à nossa vontade.

Qual o quem, assim vieram logo p' ô pé da gente que nã despegavam de manêra nenhuma...

Diz logo a minha Maria, qu' é mái g'losa p'r coisas doces qu' um texugo p'r mel:

- Vamos lá aqui ôs bolos. Ai que lindos fritos, aqueles... E bolos de tacho... Olha, b'scoitos, tamém...

- E aquelas f'lhóses... Cada uma é quái do tamanho duma capacha... Ai, que 'tã méme a ch'mar p'r a gente...

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Nã faltava nada naquela fêra dos inchidos. 'Tava lá tudo, pronto...

- Se t'vessem aí um calcesinho dela p'a desembaçar, inda vá lá... Nã é verdade, compd' Refóias?... Agora c'mer aquilo im seco... um home até se pode ingasgar...

- Tal e qual, c'pad'. E com a secura qu' ê cá tenho... infrascava logo.

E volto-me p'a elas:

- Mái, atã, vocêas vieram aqui p'a c'mer bolos ó p'a comprar chôriças e morcelas?!...

- Ó homem, ist' é uma fêra de tudo... Todas as coisas que se faz cá im Monchique eles apresentam aqui. Nã vês? Verga, cadêras de tisoira e coisas de madêra, bolos, pão e as morcelas e mólhes e essa coisa toda...

E p' às dar arrencado dali?... Foi uns trabalhos, home...

Tamém, q'ondo se chigamos lá p' ô lado do madronhito, foi um regalo...

- Amigo Zé, ponha lá aí uma copadinha p'a mim, ôtra p' ô mê compad' Jôquim... fazendo favor.

- Isto aqui é só provas, de manêras que, só há mosquitos, ti Refóias...

- Nã me diga... Atã e um homem nã s' hab'lita a ingolir o copo e tudo?...

- Ó ti Refóias, se vê qu' isso se pode dar, resolve-se já o caso. Ê vô b'scar ali uma tamicinha e ata-se o copinho aí no pé, já uma homem, s' o ingolir, pux' ô otra vez p'ra fora...

E o mê compadre:

- Esses cudados ê nã tenho. O que me faz espéce é qu' uma coisalha tã pequena mal me dá p'a molhar a boca que nem ôs gragomilos há-de chigar... Olhe ponha más é logo dôs p'ra cada um...

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - MonchiqueFeira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique
Na barreca do madronho nã faltava freguesia...

- Eh, c'pad' Jôquim, nã faça coisas dessas qu' iss' é uma vergonha!... Quem ver uma acção dessas inda chama esgalfetados à gente... Tenha p' aí manêras, cachamorra...

- Dêxe-os da mão... S' eles t'vessem incalmados c'm' ê cá, com o sol que panhí p'ro caminho, logo viam...

- Atã beba lá esse qu' o homem já despejô, que manda-se logo vir ôtros a seguir. Mái, dôs ô méme tempo, nã senhora. E dêxe-se 'tar caladinho qu' é p'ra elas nã darem p'r nada, senã inda é pior p' à gente.

Qu' as m'lheres, nesse entrementes, já tinham passado p' à frente e 'tavam d' olho nos bolos de torresmos, folares, batatas-doces assadas e isso tudo que p' ali 'tava.

E foi a nossa sorte. Dá-me até quái vergonha de d'zer, más olhem que baldeamos logo ali uns belos mosquitinhos. Qu' ê nã nos contí, mái sinti ela me chigar logo aqui à cabeça. Ná é que f'casse escarado, mái que dé um r'morzinho, deu. E nenhum ingoliu o copo qu' a gente sigurava-l'e bem assim p'r baxo no pèzinho...

Mái, tã penas elas sintiram a nossa falta, foi logo um castigo. Vá de ch'marem p'r a gente im q'onta força tinham e lá t'vemos qu' abalar. Tamém, só assim é que se foi lá p' ô canto dos inchidos. Se nã fosse isso, 'tá-me cá a par'cer que nã se tinha chigado àquela ponta. E, d'zer a verdade, pôco precisão ê tinha disso. O comprar lá o qu' era preciso 'tava a carrégo delas...

Que lá nisso, a minha Maria carrega até mái não. Ele é tudo o qu' ela veja, 'tá logo a mandar pesar. Nessa altura, já levava uns três sacos d' alsas chêazinhos que nã cabia lá nem mái um cabelo. E inda l' e faltava as morcelas de farinha, uns m'lhinhos aferventados e béque-me tinha tenção de levar tamém dôs ó três folares duns que lá 'tavam méme sem ovo.

Ah... água-mel, isso, comprô logo uns dôs frascos. E inda 'tava jogada a um tamém de pólen - ê béque-me tenho ôvisto ch'mar tarro àquilo... - p' ô levar tamém, mái a m'lherzinha dé-l'e um coisinho a provar, desatô a fazer miécos, cuspinhô, des qu' era munto infastiadiço, já nã quis.

A seguir, damos com as zêtonas - umas britadas ôtras d'água, mái nã repáirí bem s' eram curtiladas ó entêras - tarmôç's e fêjã' calote. Vá mái uma teca...

Varal de Chouriças - Feira dos Enchidos - Monchique
Estes dôs varás de chôriças tinham uma bela carga...

- Ó Maria, mái atã compras a fêra toda à famila?... Nã vês que, parte dessas coisas, fazem-te é mal?... Tens a atenção alta, o co'strol tamém bem ôviste o qu' a senhora dôtora disse, tens que ter munta conta...

- Eh'q, em 'tando pior, faç'-'e uns chàzinhos daqueles qu' ê cá sê, ponho-me logo melhorzinha...

- Algum dia, inda te dás mal... Ê cá tamém gosto de bober um chàzinho uma vez p'r ôtra, nã digo que nã gosto, mái 'tar cá muntas mèzinhas p'a isto e p' àquilo, béque-me nã me dá munto jêto. É melhor ir logo ô senhor dôtor, qu' ele, agora, já há reméd'os p'ra tudo...

- Pôs ê cá dô-me munto bem com as minhas mèzinhas. E méme que tenha qu' ir ô dôtor, os mês chás ninguém m' os tira...

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique
Aquilo, lá p' drento, no d'mingo, 'tava tudo chêo, méme com tempo de chuva...

E, com esta conversa, ela lá mandô imbrulhar o que munto bem intendeu, qu' ê, atão, nã me meto nada nisso... E se me qu'sesse meter, havera de me servir de munto... Qu' isto, m'lheres... já se sabe c'm' é que é...

Aí, tive qu' alancar com os sacos quái tôd's e lá se foi correndo o resto. C'm' já l'e doíam as pernas de 'tar d' em pé, andô, andô, lá lombrigô um lugarinho numa mesa p'a elas as duas e toca d' a gente ir p' a lá.

Ê e o mê compad' Jôquim nã se tinha lugar, tã penas se c'mé' uma bucha - uns coisinhos de presunto do nosso com panito do bom e uma cervejalha cada um - dêxamos-as ali e foi-se dar mái uma voltinha e falar ôs amigos.

E assim se passô o resto da tarde, ora paleando com os amigos que p'r lá parceram, ora baldeando uns mosquitinhos, ora fazendo as duas coisas ô méme tempo.

'Tá bom de ver que, inda bem não, 'tava a nôte à porta e já se tinha as orelhas bem quentinhas... Pior o mê compadre do qu' ê cá, qu' ele é mái graganêro... Mái nã falta ô respêto a ninguém, isso que se diga. Fica só assim um coisinho más alegre do qu' é c'stume...

E sabem o qu' é que dé na cabeça à gente?... Ir-se ali p' ô pé da porta da saída panhar uma aràjazinha na fronha. E foi-se. Ora, foi méme à medida. 'Tava lá uma rifa dum bacorinho qu' era p'a ajudar os mecinhos da escola a irem dar um passêo nã sê bem p' àdonde, mái béque-me é assim p' a um sito que 'tá p' ali p'a Espanha, qu' é numa ilha mágica.

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O pobrezinho do bicho, com o cagaçal da aparelhaja, até se escondia p'r trás da pia e béque-me pedia p'a abaxarem aquilo...

S' eles vã de barco ó s' é d' avião, isso é que nã sê, mái, seja lá c'm' ser, hã-de ter qu' arrenjar munto d'nhêro. Digo p' ô c'pad' Jôquim:

- O melhor qu' a gente fazia, era comprar uma rifazinha cada um... E quem sabe lá s' isto nã sará uma hora boa e mecêa usa a tem mái sorte qu' um cã de caça, até l'e podia sair o bacoralho...

- Ê cá nã gasto d'nhêro im rifas!... Inda se fosse alguma coisa p' ac'mer e bober...

O homem nã tinha intendido bem p'ra que era aquilo, senã nã me respondia daquela manêra, tenho a firme certeza. Pertí com ele, ôtra vez:

- Ó mê belo amigo, atã nã vê qu' isto é p'a ajudar os mecinhos da escola a irem fazer uma viaja p'a aprenderem mái coisas?!... Temos que ser uns p'r os ôtr's...

- Ah, é p'ra isso?... O caso assim já ôtro jêto...

- Olhe, inda l'e digo más. Faz-se já aqui uma sociedade. Cada qual dá um ero, compra-se dôs b'lhetes e, s' o pórco sair à gente, é de mêas, trata-se dele uns tempos e, despôs, faz-se uma pangalhada p' à gente e p' ôs amigos que se quêra convindar... Que tal acha?...

- E mecêa tem lá curral p' ô pôr? Olhe qu' os mês p'cilgos 'tá tudo chêo, que nã basta os mês porc's senã qu' a minha C'stóida apr'vêtô um qu' ê tinha de vago e pôs p'a lá uma rabanhada de pintos qu' uma galinha-da-índia dela, tirô...

- Nã seja essa a falta, que lugar tenho ê lá com fartura... Vá puxe lá da cartêra.

- Ó menino, atã que idade tem o b'chinho?... Lá bonito é ele. Nã vê, de cabelo preto, todo luzidio, méme c'm' ê cá gosto deles.

- Nã sê, ti Jôquim. Mái, 'pere aí qu' ê vô ali prècurar.

- Mái atã, o qu' é que l' ent'ressa q'ontos meses é qu' o bicho tem ó nã tem?... E tamém, olhando p'ra ele nã se vê logo qu' isto é animal p'a ter os sês... quatro p'a cinco meses?...

- O qu' é que vomecêa diz?!... Ele nã tem mái de três, q'onto más cinco...

Nisto, vem o mecinho, todo contente:

- Olhe, ninguém sabe bem, mái des qu' ele há-de ter 'í p' ô lado dos cinco meses.

- Ê nã l'e disse...

- Ai cinco meses... Ponha-l'e lá três e... e... e...

Bom, a idade do pórco dé p'a levar ali a rançar, um que toma e ôtro que dêxa, uma preçanada de tempo. Até o meçalho já 'tava infastiado com a conversa...

- Olhe lá, am'guinho, arrasgue lá aí os dôs b'lhetes, qu' ê pago um e o mê compadre paga ôtro. E dêxe-o falar...

No fim de contas, inda nã ôvi d'zer a quem é qu' o pórco saíu, mái à gente nã foi. O meçalho f'cô lá o numbre do telefone e des que telefonava logo s' ele saísse à gente e nã telefonô...

E, passado um pôco, já se 'tava a caminho de casa, tôd's quatro carregados de sacos de plástico que nem que t'vesse ido às compras ô Continente a Vila Nova.

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique
O marafado do Bác'ro até se punha a jêto p' à gente l'e passar a mã p'lo pelo...

Mái a festa nã acabô aqui, nã cudem... Ô entrar im casa, nã sê c'm' é que se fez aquilo, dêxô-se a porta da rua incostada e tanto ê c'm' à minha Maria nã se repáirô. 'Tava-se munto bem a palear os dôs na casa de jantar, inda bem não, vê-se uma sombra ô corredor adiante...

Nisto, sem más esta nem más aquela, o v'zinho Manel Mansinho p'r a casa adentro, munto insarampantado, com a cara mái incarnada qu' um p'mento, que mal se sustinha im pé, nem 'tejam com Dés nem coisa nenhuma...

- Ó v'zinhos, ê nã tinha precisão de d'zer isto, mái atã a minha m'lher dêxô-me na rua...

Vi logo qu' ele vinha com uma cadela nos cascos que nã dava conta do recado, mái nã disse nada. A minha Maria é que prècurô logo:

Feira dos Enchidos Tradicionais 2007 - Monchique- O qu' é que mecêa diz, v'zinho? A v'zinha Zabel foi à dos filhos e levô-l'e a chave, sem querer? E vomecêa, agora, nã dá antrado.

- Qual o quem!... Levô foi p'r qu'rer... Foi-a b'scar lá ô sito adonde ê a uso a pôr e levô-me-a. Já corri lá tudo e ela nã 'tá lá...

- Atã, isso, a m'lher há-de 'tar p' aí perto, calhando foi à fêra dos inchidos, e nã há-de demorar...

- Olá!... 'Tá longe e bem longe. P'r menes uns cinquenta ó sessenta quilómetros. E já abalô ontem. Aquilo, ela é munto rija. É malina até de más. Olhe que já nã é a pr'mêra vez que me faz uma parte destas...

- Atã e agora c'm' é que vomecêa se governa? Se nã dar antrado im casa, nã s' aborrêça que come aqui qualquer coisinha com a gente. Mái atã e a v'zinha Zabel Carrusca fazia uma coisa dessas?... Dêxá-lo na rua...

Aí, meti-me tamém na conversa:

- Ó v'zinho, veja lá isso bem, qu' a chave há-de 'tar p' ali im qualquer banda... Q'ondo é que mecêa a pôs lá?

- Pus hoje, perto do mê-dia.

- Hoje?!... Atã des qu' a v'zinha tinha abalado ontem. C'm' é qu' ela l'e tirô a chave dali, hoje?... Há aí qualquer coisa que nã bate certo...

- Mái que dia é hoje? Sará qu' ê já 'tô p'a qui a atribuir isto tudo?... Atã q'ondo é qu' ê abalí de casa?

E desata a d'zer coisas que nã batia nada certo. Foi q'ondo ê cá vi bem qu' o homem 'tava méme empeçado com a grandessíss'ma talega que tinha panhado.

- Olhe, v'zinho nã é qu' a su m'lher nã seja capaz p'a l'e fazer isso, que p'r o que mecêa me tem contado, já l'e fez ôtras piores, mái, s' ê fosse a si, ia ôtra vez à prègunta. Calhando, a chave 'tá no lugar e mecê é que nã vi' bem... E, despôs, se nã dar com ela, venha cá qu' a gente dá-l'e aqui poisada até a v'zinha vir.

catarruô p' ali mái um pôcachinho até que pegô nele e abalô.

Só l'es sê d'zer é qu' ele nã voltô e, até agora, inda nã o vi. Prècurí esta manhã à v'zinha Zabel Carrusca por ele, mái ela nã adiantô nada, só disse, assim com uns modes munto de má cara:

- 'Tá p' ali p'a casa!...

Pobrezinho, há-de-se 'tar a curar da bob'dêra. Se nã ser más alguma coisa... que m'lher é ela p'a l'e ter dado algum camaço q'ondo o panhô naquele estado... Ê logo sê, qu' o desinfeliz dá-se bem com-migo e, em precisando, vem aqui clamar as desfortunas dele.

E pronto. Fica-se p'r 'qui. Despôs, logo me contam se gostaram das coisas que compraram cá na fêra. Os que vieram, 'tá bom de ver...

E Dés l'e pague a tôd's, que pr' ô ano há más...

Tenham munta saúde.