31 março 2006

Fonte Santa da Malhada Quente (O resto da viaja)

O chafariz da Fonte Santa tem uma lavadêra e tudo

Entes de s' abalar p' à Vila pr' ca'sa com a m'lheres' qu'rerem ir à missa, inda dí com-migo de roda do chafariz da Fonte Santa a olhar bem p' àquele trabalho. Aprecêem bem o qu' o mestre fez. Até uma lavadêra de pedra ali pôs. Tal e qual uma qu' a minha Maria lava ali no tãinque da fonte.

Nisto, a c'mad'e C'stóida:

- Avie-se, compad'e Refóias. Q'ontas horas é que cuida que são? Mái logo, nã chigamos a horas à missa...

E a minha Maria: - Aquele hóme é semp' assim... Enbasbaca com tudo. Até uma formiga l'e serve...

Mal ôvi aquilo, v'reda cá vô eu, dí um salto p'ô lado de lá do rego, alargo o passo e assim 'tava drento do carro, sem más nem quem. Qu' ê nã qu'ria qu' havesse empeço p'r c'asa de mim.

Ô fim da subida, q'ondo se passô à porta da venda da P'rtela, inda m' alembrí de d'zer ô Zé Manel p'a aparar ôtra vez, mái calí-me, nã fossem as m'lheres me dar ôt'o eco... Mái lá que me dé' cobiça dum solvinho, dé-me...

E lá se foi tôd's à missa, tôd's nã, qu' o Zé Manel arrenjô p' ali uma uma agarra p' a se furtar. D's que tinha d' ir falar com ôtro p' a ver s' ele qu'ria trocar p'a lá umas folgas, nã sê quem, nã sê quem... Ele quis-se foi safar e mái nada. Essa é qu' é essa.

A missa até que foi bonita. 'Tá p'a lá um padre novo, arrenjô uma jolda de m'lheres e homens p'a cantarem lá aquelas músicas, aquilo até se torna advertido, Dés me perdoe.

À saída, juntô-se p'r lá bem munta famila no adro da igreja, ê e o compad'e Jôquim 'tava-se à espera das m'lheres, naquilo, o Mané' Cachimbo a me dar um pôrro no chapéu que m' ia avoando. Se nã sô tã l'gêro, lá ia p' aqueles ares... Inda me dé' quái uma irazinha, voltí-me assim, de rompante, mái q'ondo vi qu' era ele, amòchí.

- Atã, Refóias, 'tás bom ó nunca foste? Ah, fado dum ladrão, inda te lembras daqueles tempos qu' a gente passô os dôs lá na tropa? - Vi logo qu' ele já 'tava escorvado... É qu' a gente somos da mesma especção e inda ' t'vemos juntos em Tavira.

-Manel, p' à horas que são, já 'tás bem tratado... - Mái, ô méme tempo, lombrigo as m'lheres à porta da igreja. Pensí: - Já 'tô salvo.

O compad'e Jôquim fugi', logo, p'ô pé delas, e ê cá disse ô Manel que me 'tavam a ch'mar e lá fui atrás dele. Dí sinal a elas e fugimos tôd's p'r ôtro lado, senã ele c'meçava a caquenhar nunca mái a gente se via livres dele.

P' a achar o Zé Manel foi-se ô café e lá 'tava ele munto bem rapimpado com um copo de boca larga já só com um coisinho de gelo no fundo. Inda convindô s' a gente qu'ria b'ber alguma coisa, mái as m'lheres d'zeram logo que se tinha qu'ir andando p'a se c'mer alguma coisinha. E, p'a d'zer a verdade, já vinha a calhar.

E, atã, lá fomos até ô Barranco dos Pisõs, p'a fazer a vontade às m'lheres. Sim, qu' ê cá e o mê tinha-se 'tado lá com o Zé Manel fazia pôco tempo.

Agora, desta vez, era D'mingo, aquilo 'tava lá um gentío qu'a gente já nã dé' arrenjado mesa nenhuma daquelas p' a s' assentar... Cada um c'mia e b'bia do que tinha levado, ele era vinho, ele cerveja, ele era aguardente, aquilo era um lanedo qu' a gente quái que nã s' ôvia uns ôs ôtros.

T'vemos qu' aconchegar as nossas coisas ali a uma bêrada e, cada um, sentô-se p'a sê lado. Méme assim, nã tardando nada, par'ceram logo más uma mêa-dúiza deles - p'la fala vi-se logo qu' eram lá de baxo do Algarve - inda faziam mái cagaçal qu' os que já lá 'tava.

Más eram porrêr's. Um trazia um garrafão às costas, êmpurrô, logo, com um copinho pà gente. D's qu' era casêrinho, dali d' ô pé da Cramujêra, p'a lá de Lagoa. Qu' ele era bom, era. Conversa p' aqui, conversa p' ali, foi um foguete até eles 'tarem jogados ô nosso farnel. Até qu' a gente perdé' a vergonha, e tamém se provô p' ali umas travias qu' eles traziam.

'Tava tudo munto ad'vertido, passa o ti Vergil Patinha a cavalo no burro. O bicho, com aquilo tudo, béque-me f'cô desconfiado, parô, assim mê atrav'ssado na estrada e vá d' olhar.

O homenzinho ia com pressa p'a ver se chegava, inda de dia, a casa - se nã 'tô em erro, mora lá p'ra baxo p'à R'bêra Grande - bem o mandava andar:

- Sssch! Arre burro! Anda, Carôcho! - E vá com a arreata p'r trás das orelhas do bicho. E ele parado.

- Eh, ti Vergil! Venha cá aqui, mê amigo. Beba aqui uma pinguinha com a gente. - Disse-l'e p' ali um, qu ' há-de ser conhecido dele, má' ê nã sê explicar quem é.

- Nã posso. Nã vê qu' isto, mái logo, é nôte e ê inda tenho qu' ir tratar do gado... Fica p' a ôt' dia.

E o carôcho lá s' arresolveu a andar e abalô prê abaxo a caminho do monte. Mái já tinha dêxado lá o presente qu' ê bem me chêrô a bonicos de burro, assim qu' ele abalô.

Nesse mê tempo, dexí de ver o mê compad'e Jôquim p'r'lí. Olhí, olhí, nã no vi, digo, cá p'ra mim: - Mái atã ond´' é qu' o homem se meté', Senhor?... Dêxa-me lá olhar por ele, nã vá ele ter caído pr' aí p' ô barranco... - E fui até lá mái prebaxinho, a ver s' o via.

Naquilo, parêce-m' ele, agarrado à cintura das calças, a olhar p'a um lado e p'a ôtro, a me mandar calar:

- Cale-se p' aí, compad'e, p'a eles nã verem. Tive que vir aqui dar de corpo, qu' ê 'tava já ali empeçado, há um belo pôco. Mái nã diga nada a eles...

E, nisto, escorrega-l'e uma bota, larga as calças p'a se sigurar a um arrebento d' amiêro que p' ali 'tava, fica pendurado ô amiêro, com as ciroilas à mostra, e um pé já a tocar na água do barranco. È vô a fugir d'rêt' a ele, pux'-le p'lo ôtro braço e agarro-me ô mémo amiêro.

Ora, aquilo era um arrebento novo duma arv'e côrta o ano passado, com o peso dos dôs a puxar p'ra baxo, escarchô, pumba!, os dôs com os pés drento d' água...

Munto se riram aqueles filhos duma magana... Até esfregavam a barriga... Encheram o papinho até mái não. Nunca mái m' há-de esquecer da rabana que panhí p'r ca'sa do mê compad'e...

É descusado d'zer que dí, logo, ordes d' abalada, que, tant' ê cá com-mô mê compad'e Jôquim, tava-se com os pés tôd's molhados, que, conforme s' andava, só fazia chaloc-chaloc. E podia-se apanhar alguma catarrêra, que, p'ô lado da tarde, refresca munto naqueles barrancos assim.

Custamos foi a descobrir o Zé Manel, qu' ele já andava p' ali a de roda duma moça, mái lá par'ceu e abalô-se caminho do monte.

A mê do caminho, já o compad'e Jôquim tossia. Aquilo, a água do barranco 'tava fria, ele nã descançô as botas nem nada, o qu' é qu' esperava?... Mái, com os calaiços d' aguardente qu' ele b'beu, tossir até l'e faz bem...

E assim chegamos ô nosso aconchego das nossa casinhas, à boca da nôte, inda tive qu' ir tratar dos bichos e arredondar o mê g'verno p'a m' ir dêtar. A cêa foi só uma fatêa e um chàzinho de bela-luísa numa t'jala de barro qu' a minha Maria comprô na fêra. É um coisinho grande, mái assim, dá p'a tudo. A gente nã se tinha fome nenhuma, o qu' é que s' havera de c'mer más?...

Fiquem-se na paz. E com munta saúde.

29 março 2006

Fonte Santa da Malhada Quente (ôtra parte do conto)

Chafariz da Fonte Santa da Malhada Quente
Nã sê se sará desta que dô arredondado o caso, mái vô-me ver s' o tempo me chega p' a isso.

É que mecês, tamém, já hõ-de 'tar fartos semp'e do méme assunto...

E atão, D'mingo, levantí-me inda lusco-fusco, tratí dos bichos e preparí-me. A minha Maria acabô de fazer a cesta do farnel, por acaso, uma cestinha munto jêtosa qu' ê mandí fazer de saíço ô parente Manel da Junça, jogô uma manchinha de milho p' ô galinhêro, qu' ela tem p' ali o galo Gargaludo, nã sê q'ontas galinhas pedrezes e uma gal'nhita-da-índia, p'a dêtar pintos, e lá se foi, tamém, arrenjar.

- Maria, atã inda nã 'tás despachada? - Arrulhí ê, cá da rua. - Olha que, daqui nada, 'tã eles aí...

- Nã demoro nada. É só dar uma bassoirada no chã da cozinha, vô-me já. - Acudi' ela, inda lá no quarto da cama.

Mái, passado um pôco, lá par'ceu. Toda jêtosa, a marafada, d'rêtinha que par'cia que tinha engolido o cabo da bassoira, com a cesta, tapada com um paninho branco com umas flores encarnadas qu' ela bordô q'ondo inda era soltêra, enfiada no braço.

Ê cá tamém nã 'tava mal. Com as minhas calças de bombazina amarela - nã havera de levar as sarrubeco p'a um sito daqueles - e o colete e a jaqueta do D'mingo. Só nã leví as correntes com o relójo d' alsebêra, que tive medo das perder lá p' àqueles charazes.

Pegamos na gente e fomos p'a trás de casa, ali p' ô largo da carrelêra, adonde os carros dã a volta. A m'lher pôs a cesta no chão e ali f'camos a olhar q'ondo é qu' o carro c'meçava a trabalhar.

O tempo 'tava fresquinho, corria uma arajazinha ali do norte, mái 'tava sol. Uma bela manhã, qu'ê nã gosto munto do calor.

Lá vieram eles, comprimentos e más comprimentos, traziam já o carro quái chêo com eles e a trugia que lá tinham posto, mái lá s' ajêtamos p' ali de qualquer manêra. O Zé Manel e o pai, à frente. A c'mad'e C'stóida, a minha Maria e ê cá, atrás.

O carréco é pequenalho, até quái que roçava no chão. O Zé manel vai p' a arrencar, aquilo era de ladêra acima, vi'-se empeçado com aquilo. Inda o dêxô ir abaxo duas vezes. Ê, com aquilo tudo, inda quái que tive cagaiço de nã se dar ido todos.

Mái, lá se foi. 'Tá bem que, q'ondo panhava uma ladêra más empinada, o carrinho fazia uma urrada e dêtava um torno de fumo que par'cia um trector, más, em men's de nada, chegô-se à P'rtela do Estiêro.

- Ó Zé Manel, apara lá 'í um coisinho. - Diss'-l' ê cá, pensando numa aguardente q' uma vez tinha b'bido lá na venda da P'rtela.

Ele aparô e entramos os três. As m'lheres nã q'seram ir. Cada um b'beu um calcezinho dela e o Zé Manel tamém quis um café, qu' ele já 'tá ac'st'mado a isso e d's que nã dá abrido os olhos se nã b'ber logo um café de manhã.

Ora, dali até à Fonte Santa é só ir p'r a ladêra abaxo. Lá se chegô, inda a boa hora, que nã 'tava p'r lá ninguém.

Mái f'quí, logo, desgostoso. Aquelas casinhas de se t'mar banho 'tavam fechadas.

- Atã, e agora com' é a qu' a gente faz isto? Nã se dá t'mado banho...

- Olha, nã t' apequentes, qu' ê resolvo já isso. - Diz a minha Maria, que tem semp'e réplas p' a tudo e nunca s' empacha. - Despes-te da cintura pr'a cima, qu' ê passo-te água aí p'as costas.

- Atã e tu?

- Ê cá remedêo-me ali p'r trás da parede. A c'mad'e C'stóida dá-me uma ajudinha.

E assim foi. O pior foi q'ondo ê 'tava, munto bem, a jogar umas chapadas d' água p' ô pêto e a minha Maria a m' esfrgar as costas... Atã nã 'parêce um casal de estrangêros, de rompante?!... C'meçam-se a rir e vá de tirar f'tografias. E ê cá, todo embatucado. Fui-me logo jogar à rôpa p'à vestir, 'tá claro. Más eles p' ali deram sinal com as mãs e ela d'zia:

- Nô, nô, nô. Uel, uel. Náice, náice...

- Ah, ele é isso? 'Péra aí qu' ê já te digo. Nã sê o que 'tá p' aí a d'zer, mái, já que gostas, há-des ver bem aqui esta cruz de cabelo do pêto dum Refóias... - Pensí ê cá pr'a mim.

Alevantí a cabeça, fiz pêto e voltí-me bem p' ô lado dela. Aquilo é qu' ela ria... E vá f'tografias. E a minha Maria já a olhar de lado. É qu' ela é munto ciosa, nã pensem.

Bom, aquilo dé' um pagode que já toda a gente ria às carcachadas, men's a minha Maria. E o qu' é qu' ê faço?... Vô à tal cesta, puxo da garrafinha do mâdronho e do copo - só se trazia um - e apresent'-l'e um calço d' aguardente. A englesa nã sabia s' havera de bober ó não, más ê empurrí-l'e o copo p'à mão e fiz-l'e sinal qu' aquilo se b'bia tudo só duma golada. Até qu' ela lá se resolveu.

Punhefra! Q'ondo a m'lher acaba d' engolir aquilo, faz umas caretas, abana a cabeça, dá um ronco e abala a fugir p'à bica da água. B'beu até se fartar.

Dig'-l'e eu: - É bom, é bom! Queres más?

E o Zé Manel: - Gud, gud. - Qu'ele já sabe d'zer algumas coisas em englês.

E ela abanava com a cabeça que sim. E fazia caretas...

Pego no copo, ôtra vez, ela fugi' logo.

Enchi-o e dí-l'e a ele. Más ele já foi mái esperto e, pr'mêro, provô. Tamém fez uma careta, mái, despôs, a pôco e pôco, bebé'-o todo.

A seguir, d'zeram p' ali umas coisas qu' ê nã alcançí e foram-se embora. O Zé Manel d's qu' eles se 'tavam a despedir e a l'e pedirem o imêl p'a mandar as f'tografias.

E com isto tudo, já s' ia p' ô lado do mê-dia. Cada um c'meu uma f'lhòsinha de pol ó uma fatia, más um coisinho d' aguardente, todos já se tinham lavado com aquela água, p'r men's os braços, e 'tav-se todos munto ad'vertidos.

Mái, voltando à água, des qu' ela tem mèzinha. Ôvi d'zer que tem munto enxufre, que faz bem às dores e ô rêmático e iss' assim. Ela, nã é lá munto g'stosa, nã senhora. P'a d'zer e verdade, ê cá até nã gosto munto d'a b'ber. Atão, o enxufre ponho ê ali nas minhas parrêras e nôtras coisas p'a matar a b'charada e, despôs, vô b'ber água desta...

'Tava ê cá a pensar nisto, salta a c'mad'e C'stóida, munto ôp'niôsa:

- Atã e s' a gente, agora, fôssemos à missa do mê-dia e, despôs, logo s' ia c'mer qualquer coisinha a ôt'a banda? Os home's, ôtro dia, foram ô Barranco dos Pisõs, más ê cá e c'mad'e Maria nã se foi, atã ia-se lá, da parte da tarde.

- Tamém me parêce bem. É isso méme. Zé Manel, leva lá a gente. - Responde, num derrepente. Ê nã disse qu' ela era munto safa?...

Ora, num nadinha, elas afêçoaram as coisas drento do carro e 'tava tudo pronto p' a abalar p' à missa.

Nã sê se l'es conte o resto se me fique por 'qui. É que vomecêas já hõ-de 'tar enfrascados desta conversa que nã tem fim. Coisas de velhos...

Até um dia destes.

27 março 2006

Fonte Santa da Malhada Quente (sigunda parte do conto)

Fonte Santa da Malhada Quente e Portela do Estieiro

C'm' ê ia d'zendo, inda agora, lá fui falar com o Zé Manel, a ver s' ele qu'ria ir levar a gente à Fonte Santa, D'mingo. Qu' era o dia a seguir.

Calhô bem qu', à medida qu' ê ia chigando à rua dele, par'ceu o mê compad'e Jôquim, que vinha da fazenda com uma canastra quái chêa de laranjas, umas da baía, out'as doce-de-espanha, umas q'ontas de sãingue e dôt'as q'ôlidades modernas qu' ê nã conheço.

- 'Teja com Dés, compad'e Jôquim. - Comprimentí-o.

- Seja bem par'cido, compad'e Refóias. - Respondé-me. - Há tant' ô tempo que nã no via aqui na minha rua... O qu' é o traz p'r cá', hoje?

- Eh'q, vinha aí falar com o sê filho...

E o mê compad'e lá s' assomô p'a drento de casa.

- C'stóida, nã 'tá p' aí o Zé Manel? O compad'e Refóias tem precisão de falar com ele.

Nesse entrementes, a minha c'madre, par'ceu à porta, mái des qu' o Zé Manel nã 'tava em casa, havera de 'tar ali p'ra diente p' ô pé da casa da ti Zabel. E foi ch'mar por ele.

- Zé Manel! Ó Zé Manel! Anda cá, qu' o compad'e Refóias quer falar contigo.

Ê nã disse qu' ele andava atrás da Cilinha?... É mái que certo. Ê sô má de m' enganar...

O moço lá acudiu e f'camos ali os três tramelando, enq'onto ele nã par'cia. Más a comad'e C'stóida alembrô-se, logo, d' ir b'scar uma garrafinha d' aguardente de madronho e mandô-me entrar p'a casa.

- Ó c'madre, nã é preciso, isto 'tá-se aqui bem agora o solp'stinho, o tempo 'tá ameno, o astro é que tá um coisinho empoado, mái ele nã vai chover. E a gente assenta-se aqui no pial, enq'onto se espera pr' o sê Zé Manel.

E sentamos-se.

Vem a c'mad'e c'stóida com a garrafinha, cop' a mim, cop' ô compad'e Jôquim.

- Atã e mecêa, c'madre, nã bebe um cal'cesinho dela? Beba-l'e qu' esta é boa. Olhe qu' há pôco quem faça tã boa aqui com-m'ô compad'e Jôquim...

- Ist' é vergonha uma m'lher beber, mái, d'zendo a verdade, uma vez p'r ôtra, gosto de beber um solvinho. Sendo desta assim boa... Olhe, desculpe de nã ter nada p' à acompanhar, más esta nôte, é qu' ê 'tava pensando fazer umas f'lhòzinhas de pol...

Bom, inda bobemos más uns dôs porrêtes cada um, a C'mad'e C'stóida não qu' ela teve vergonha, e, nesse mê tempo, chigô o Zé Manel. Lá se combinô o passêo p' ô D'mingo e ê voltí p'a casa.

Dí ordes à minha Maria p'a fazer um farnel como devia de ser, p'a gente nã passar mal. Verdade seja dita, ela lá nessas coisas nunca me dêxô envergonhado. Arrenja semp'e do melhor e à farta.

- Olha, s' a c'mad'e C'stóida faz f'lhós de pol, ê faço aqui umas fatias de parida. Tamém gostava de fazer uns p'xinhos da horta, mái agora nã temos bajas, fica p' a ôt'a ocasião.

- Sim, m'lher, nã t' apequentes lá p'r isso. Nã te desqueças é de pôr a garrafinha d' aguardente na cesta e aí uma chôriça ó duas dessas maiores. O presunto, inda nã no tirí do sal, nã se pode levar... Só lá daqui p'r más umas três semanas ó um mês, coisa assim, é qu' ele 'tá capaz.

E lá s' arredondô o nosso servicinho e foi-se d'rmir um pôco.

E agora tamém me vô dêtar, qu' ê inda 'tô enzamboado do passêo d' ontem com os mês compadres, qu' ê logo l'es conto, amanhã, com' é que foi o resto. E, 'tejam certos, qu' inda falta o melhor...

Tenham uma nôte descansada no corpo e na alma.

Fonte Santa da Malhada Quente (pr'mêra parte do conto)

Fonte Santa da estrada do Alferce, p'r baxo da Portela do Estieiro

Estes dôs dias passados, nã l'es disse nada. Mái nã foi p'r mal e ê vô-l'e já d'zer o perquém.

Alembram-se qu' ê, na Sexta-Fêra, tinha 'tado de cozedura más a minha Maria? Pôs nã l'es dô encar'cido com-m'à gente tinh'ô corpo, à nôte, q'ondo se foi p'à cama...

Aquilo foi a cozedura, foi que s' andô lá nos cantêros, na bésp'ra, de roda da terra p'a samear umas bejoarias e metade de mê cantêro de batatas, carregar esterco, abrir regos, pôr a semente e o amóino... E s'bir e d'cer aquelas escalêras nã sê q'ontas vezes ô dia?... A gente já nã tem idade p'a isto, hóme...

E atão, na cama quem é que dava d'rmido? Era dores p' aqui, dores p' ali, ê impava dum lado ela impava dôtr', voltas e más voltas... Até qu', às tantas, aí pr' umas três, três e mêa da manhã, sim , nã havera de ser más qu' o galo Gargaludo inda nã tinha c'maçado a cantar, ê volt'-me p' a ela e digo:

- Ó, Maria, mái atã dói-te alguma coisa? Nã paras soss'gada na cama... - Ist' era p'a meter conversa, que más via ê cá qu' ela tamém 'tava toda descanècada.

- Ó, homem, tenho p' aqui uma dor nas cruzes que nã me passa, nã sê s' isto foi jêto qu' ê dí, s'o qu' é que foi.

- Olha, tamém ê béque-me 'tô pior do mê flate. Agora, até já m' apanha aqui a ponta deste ombro.

- Isto é da gente andar aí tã mort'ficados naqueles cantêros, qu' a gente já nã se tem idade p'a isto. E tamém nã tem's falta, graças a Dés... - Respondé-me ela, já um coisinho marafada p'r ca'sa d'ê a obrigar a ir p' à horta com-migo.

F'quí um pôcachinho a pensar, a pensar... e dig'-l'e:

- Atã e s'a gente fosse ô end'rêta dos Perêros?... Ch'mava-se um carro de praça, ia-se logo de manhã, bem cedinho, q'ondo vinha p' ô lado do mê-dia, 'tava-se cá.

- Isso custa uma preção de d'nhêro!... E isto, tamém, nã tem jêto de ser desmancho nenhum. Ist' é coisa p'a se fazer aí uma mèzinha com água das malvas e, calhando, passa.

- Éh'q... Nã l' acho munto jêto...

Lá se 'teve p' ali, más um belo pôco, amalhados os dôs.

Já o Gargaludo cantava, más inda nã tinha amanhecido bem, dí um salto da cama. Pensí: - Vô-me jogar p' aqui uma chapada d' água p' à cara, tratar dos animazes, panhar uma ervinha p' ôs coelhos c'merem à tarde, e, q'ondo a m'lher 'tar despachada do g'verno da casa, samêa-se mái uns três ó quatro quadros de batatas, e logo se vê. E lá fui.

'Tava ê quái p' a abalar p' ôs cantêros p'à apanhar a erva, oiço um carro a urrar ali p'r cima. C'm' quem nã quer a coisa, fui até à quina da casa, pus-me a devassar, vejo qu' era o filho do mê compad'e Jôquim, o Zé Manel.

Pensí: - Ess' é boa... Entes, nã par'cía cá, agora é tôd's Sáb'dos e D'mingos?!... - Mecêas já alcançaram p'r qual a r'zão, nã é verdade? Põs é isso méme. Com a presunção de m'strar o carrinho novo, é um correpio a caminho daqui. E, más a más, qu' ê tem-me par'cido qu' ele anda com o olho na moça da ti Zabel, a Cilinha, que mora logo além más pralàzinho...

Más ele até qu' é bom m'cinho e s' ela que calhar com ele vai bem. E é um belo amigo. Nã tenho n'nhuma r'zão de quêxa.

Ê p' ali me descuidí, ele lombrigô-me, logo, de lá de dentr' do carro. Nem virô p'à casa do pai, vem d'rêto a mim:

- É parente, atã que tal vai isso? 'Tá aí todo desasado desse lado?

- Tenho p' aqui um flate... 'Té já pensí em ir ôs Perêros, qu' a minha Maria tamém 'tá p' ali mal, mái ela nã quer ir... D's que nã tem via e um carro de praça sai munto caro. Olha tu é que podias ir com a gente qu' ê pagava-te a gasolina, que dizes?

- Só se já!...

- Hoje nã, mái, amanhã, se 't'vesses por' í, dava jêto.

E a coisa f'cô assim. Nem vai-se, nem nã se vai, ele voltô p' à do pai e ê fui ô mê g'verno.

Q'ondo voltí, pus-m' a tramelar com a minha Maria, más ela ôs P'rêros ninguém a faz ir. Nã gosta da manêra qu' o homem faz aquilo. P'a falar verdade, ele, uma vez ó ôtra, descuda-se. Põe o joelho nas costas duma pessoa e dá com cada estanazão qu' a gente até vê luzes...

- Bom, atã se nã queres ir ô endreta, o qu' é qu' a gente resolve? - Diss'-l' ê cá, assim de rijo.

- Munto sê eu!... - Respondé ela, devagarinho, c'm' quem quer acabar a conversa.

- Atã assim, que tal a gent' ir à Fonte Santa? É mái perto, tomava-se lá um banho naquela água e trazia-se dôs ó três garrafõs dela p'à gente s' ir amèz'nhando...

- Tamém 'tá bem.

- Atã vô falar com o Zé Manel.

Mái tarde, ê já l'e conto o resto, qu' agora tenho qu' ir panhar um fêxe de ferrêjo p'a dar o mê Jericó, que já 'tá p' ali a zurnar.

'Té mái-logo.

24 março 2006

Hoje 'teve-se de cozedura

Tab'lêro de panito saído do forno

Hoje, a minha Maria terminô cozer, foi um correpio nesta casa, de manhã à nôte. P'r c'asa disso é qu' ê, só agora m' joguí a escrever estas patochadas.

Ela c'meçô a empencer que tinha que cozer hoje, que tinha que cozer hoje, e más esta e más aquela...

- Mái tens que cozer hoje, pre mode quém, m'lher? P'r qu' é que nã dêxas isso p'a Sigunda?...

- Atão, já tenh' pôco pão e podem par'cer p' aí os môç's, e ê nã tenho pã' mole p' a l'e dar, e tamém nã sê s' os compad'es lá de baxo passam p'r cá, D'mingo, despôs da missa, e é uma vergonha dar pã' duro às criaturas...

- Atã e léveda, tens alguma?

- Ó homem, tu bem sabes qu' ê cá dêxo semp'e duma cozedura p' à ôt'a... Até já' àcre'centí logo ontem à nôte.

- Atã, assim, lá tará que ser.... Olha, enq'onto tu amassas, ê vô, além àquele lado, b'scar um fêxe de lenha, além daqueles bic's de p'nhêro. Despôs, logo dô fog' ô forno.

Lá abalí, com uma saquinha p'la cabeça, um baracinho d' ir à lenha, qu' ê tenh' ali, e o mê machadinho pequeno p'a cortar as pontas mái grossas.

Em men's de nada, fui e vinhe. Tamém nã trusse um fêxe munto grande, qu' ê tenho andado mal do bescôço com um flate que me dé' aqui e inda nã 'tô bem curado. Q'ondo cheguí, inda a minha Maria 'tava de roda do alguidar da massa, já toda desmastreada, qu' aquilo amassar, na idade dela, já é um serviço má de fazer.

Aprovêtí, fui c'mer uma bucha, qu' ê tinha-m' alevantado cedo e já tinha aqui um bicho a rabiar. Q'ondo ch'gô a hora, lá tiçí fogo ô forno, a m'lher tendeu, alimpí o sôlo com um barredoiro de fêtos e lá se pôs o panito no forno.

E nã é qu' o panito f'cô méme bom?!... Lá nisso, a minha Maria sabe fazer aquilo bem. E se ser o caso de chôriças e morcelas, é igual. Atã e mólhes e morcelas de farinha? Ficam semp'e daqui...

Mái, voltand' ô panito, já viram bem aquele tab'lêrinho? Dá gosto ver, nã dá? E o chêrinho qu' aquilo dêta...

E, inda l'es vô d'zer más uma. A seguir, carreguí com o tab´lêro p' à cozinha, puz-l'o tendal p'r cima, volt'-me p' à minha Maria e dig'-l'e:

- Nã te calhava, agora uma tiborna, Maria? Ê quái que me 'tava a apetecer...

- Olha, que bela alembrança que tu t'veste, agora. - Disse-me ela.

E, sem más esta nem más aquela, foi logo b'scar um dentinho d' alho, o azête, uma pedrinha de sal e vá, os dôs a c'mer tiborna drento duma pelengana de barro qu' ela tem p' ali...

Nem vomecêas sabem o que perderam...

Até um dia destes e Dés l'es dê saúde.

23 março 2006

Ô canto de baxo da Ladêra Fermosa, tã' os Casais

Ô canto de baxo da Ladêra Fermosa, dá-se de frente com os Casais

Quem vem de Marmelete p'à Vila, passando p'la Ressilvêra, mal acaba de de'cer a Ladêra Formosa, dá de frente com os Casais.

É um pôv'zinho pequeno, mái bonito. É qu' eles têm aquilo munto bem arrenjadinho. Sã' crusidôsos com a terra deles, é verdade.

Tanto qu', aqui há uns cinquenta anos, pr'a más do que p'ra men's, até fazeram lá uma capelinha munto bonita só à conta d' eles.

Pre ca'sa disso, nunca mái me d'esquece duma parte que se dé lá numa festa daquelas qu' eles faziam p'a arrenjar d'nhêro p'à capela. Foi com um burro que, calhando, era avó do mê Jericó.

O mê parente Zé da Portela Baxa, que foi sempre um amigo bom e gostava de fazer o sê lugar bem fêto, arresolveu dar um presente p'a ser alêloado lá na carmesse.

E o qu' é qu' ele havera de s' alembrar?

De comprar um burro velho, com perto de trinta anos, a um parente nosso lá da Refóias, que já 'tava a contar ter que l' abrir a cova, nã tardando munto. Béque-me l'e custô, naquele tempo, uns cinquenta escudos, se tanto.

Põe-l'e uma gòrpelha em riba, enche-a de coisas boas lá da fazenda dele, chôriças e morcelas e ôtras coisas, qu' a m'lher dele, a minha c'madre Maria, sabia fazer bem, e inda sabe, e leva o jirico p'à festa dos Casais.

F'cô toda' a gente de boca aberta... Era tudo espècado a olhar p' ô burro, uns metiam-se com ele, ôt's d'ziam uns d'chotes, ôt's riam-se às carcachadas, e o parente Zé, sigurando na arreata, como se nã fosse nada com ele, lá ia com o sê abirum na cabeça, umas calças de fazenda cinzentas, estreadas nesse dia, um colete preto vestido e uma jaqueta ô ombro, sigura no dedo mata-piôlhos.

Nã l'e dô encarecido a festa qu' aquilo foi, désna qu' ele assomô lá ô prencípo da rua até chigar ô pé da carmesse...

Tã penas lá chigô, encostô-se, ássim mê' de lado, às tábuas da carmesse, enrramolhô a jaqueta e pôse-a ali, jogô a ponta da arreata p' ô lado dentro, voltô-se p'à môça que 'tava lá, dé uma manetada no tabuado e disse, com o pêto p'à frente e a cabeça bem alevantada:

- 'Tá aqui o mê presente p' à festa, tome conta dele. E veja lá nã entreguem isso pre qualquer dinhêro... - E, ô méme tempo, apontava com o dedo fura-bolos p'ô animal.

Responde-l'e a meçalha, que nã tinha mái duns quinze ó dezassês anos:

- Mái atã o qu' è qu' ê faço a isso?!... 'Per' aí, prim' Zé, qu' ê vô ch'mar quem resolva o caso.

O qu' ê l'es posso d'zer é qu' o burro foi vendido nã sê q'ontas vezes, e tornavam todos a of'recê-lo, ôtra vez, à carmesse. Passô-se tod' ô santo dia, já era de nôte e nenhum qu'ria levar o burro. Voltava semp'e p' à carmesse.

Sabem com' é qu' aquilo acabô? Ora, nem mái nem men's, o mê parente comprô-o ôtra vez, pôs-se a cavalo e, v'reda cá vô eu, pôs-s ' a caminho de casa. Mái, dentr' da gòrpelha é que já nã levava nada... As chôricinhas e as morcelinhas e a garrafinha d'aguardente, essas já tinham passado p'lo gôto dos pr'mêros qu' o compraram...

'Tejam certos qu' isto tudo acontecé de verdade. Se qu'serem, podem prècurar ô mê parente Zé, qu' ele nã me dêxa mintir.

Fiquem-se com Dés, até amanhã.

22 março 2006

O Carvalhêro da Estrada do Alferce

O carvalhêro da Estrada do Alferce no dia da neve
No dia da neve, até o carvalhêro da estrada do Alferce foi crismado com ela. Nã no vêem ali drento daquele risco? A f'tografia é ruim, más ê cá, tã penas arrenje ôtra capaz, logo a ponh' aqui.

Alembrí-me, inda agora, de falar nele premode qu' andam p' aí uns a d'zer coisas com respêt' ô arvoredo de Monchique e ê cá nã vejo as coisas munto à manêra deles.

'Tão munto crusidôsos premode andarem a cortar calitros na estrada da Fóia e tamém já terem marcado os da estrada do Alferce e Marmelete (olhem qu' eles já 'tão marcados vai p'a dez anos ó más e, pre más do q' uma vez, já os pintaram). E béque-me pensam qu' isso é o méme que fazer mal ôs carvalhêros ó ôtras arv'es assim.

Ora, ê cá nã vejo mal nenhum em cortar calitros. Eles sã' méme pr'a isso, p'a dar madêra: borregos, traves e varas.

Só os trazeram cá p'a Monchique p'a esse efêto, pr'a nossa desfortuna. E, falando verdade, é uma arv'e que, se nã fosse dar um rendiment'zinho e trabalho a munta famila, nã fazia cá ôtra falta.

Falta fazem os castanhêros qu' os noss's avozes tinham e já se perderam, as sobrêras qu' arderam e só daqui a cinquenta ó cem an's é que voltam ô mémo, s' as despôrem, os madronhêros, as adelfêras e mongariças e por í diente.

E, p'r falar em fôgos, eles deram-se, premêro, premode haver gente ruim que tiça fogo ô arvoredo, sigundo, premode haver tantíssimos calitros e p'nhêros, qu' é neles qu' o fogo pega bem e, despôs, nã há bombêros que deam conta daquilo. Olhem qu', há cinquenta anos, nã havia fôgos assim. Nem nada que se par'cesse... E tamém nã havia calitros.

Méme ô queres, vêo-me, agora, à mimóira uma passaja que se dé' com-migo, logo pralàzinho do Carvalhêro, naquela recta entes de chigar ô Raxinol, já vai pr'a cimba duns belos anos.

Aquilo fazia uma ventania tã grande ó tã pequena qu' andava tudo nos ares. Até urrava....

Vinha ê cá, munto descudado, a cavalo no mê Jericó a caminho da Vila, pensando no qu' havera de comprar à do parente João Chula, Dés o tenha no céu, q'ondo, naquilo, oiço um estralo, pum!, um calitro atravessado no mêo da estrada.

O mê burro estancô e espetô a s orelhas a olhar p' aquilo. Ê cá f'quí branco com-m' à cal da parede. E disse cá pr' a mim e p'ô mê Jericó:

- Olha s' a gente vai cinquenta metros más adiente, hã?!... Inda bem que tu aparaste, ali ô Cabeço de Ferro, p'a fazer aquela bonicada... Mê belo burro!... Par'cias tu qu' ad'venhavas...

Bom, p'a encurtar de razõs, um calitro, qu' ê nã o dava abarcado, atravessô-se na estrada dum lad' ô ôtro.

E agora, p' ô mê Jericó passar?...

Logo, o bicho panhô medo, nã qu'ria se chegar ô pé daquilo, despôs, tamém nã l'e dava dado um salto pr'e cima. E ê cá com pressa de chigar à Vila...

Vá lá que, mái-logo, par'ceu p' ali um carro dum diabo qualquer, dum sito lá pre trás dos Engrenêros, dé' a volta e foi ch'mar um amigo bom, ali do Cabeço de Ferro, que lá trôve um m'tôr, daqueles qu' eles usam p'a cortar madêra, e cortô aquilo em pedaços e a gente lá os arrab'lô p' à valeta.

O resto logo l'es conto nôtra ocasião.

Tenham munta saúde.

21 março 2006

Dia do arvoredo no mundo entêro

O qu' os encêndios fazeram às nossas sobrêras

Hoje é o dia do arvoredo p'r toda a banda e a gente tem que s' alembrar o que fazeram aqui à nossa serra nos últ'mos anos.

Nã vêem com-m' aquela sobrêrinha 'tá ali na f'tografia?!... Pôs f'caram quái todas assim. Agora é qu' as que nã secaram 'tam a dar uns rebentinhos, más essas sã as men's. Calculem que só uma em dez é que escapô d' arder... O resto f'cô tudo em cinza.

Andaram aí uns badalos, uma preção de tempo, a tiçar fogo à serra e ninguém l'e jogava as mãs, até qu' aqui, há uns dôs an's, lá l'e prantaram as mãs em riba e isto lá s' enqu'librô.

Mái, até lá, iam quem-mand' isto tudo. Par'cia uma cravoêra. Até a passarada despar'cé quái toda de cá. Aqui, no mê monte, só f'cô p' aí um mérrolo, que, todas nôtes, vinha dormir numa anesp'rêra qu' ê tenho ali no cantêro de cima.

De resto, màlamente se via um pisco ò um fuim, por 'í, desmarridos. Só há uns qu', agora, se 'tam a dar bem p'r ca'sa dos bichos-carpintêros que se criam na madêra seca das arv'es. Béque-me l'e chamam pica-paus e trepadêras, mái a gente aqui alomê-ôs p'r cavalinhos e petos.

Foi um grande charimbote aqui p'à famila que tinha alguma coisinha. Uns f'caram sem sobrèras, ôtr's sem calitros, ôtr's sem madronhêros e, méme nas hortas, foi-se tudo. Laranjêras, limoêros, f'guêras e ôtras arv'es de fruto.

Agora, nã há nada disso p'a vender e os que andavam na madêra nã dã arranjado trabalho. Más ôtra desfortuna...

Mái, nã cudem, a gente, cá na serra, foi-se acost'mados a ter que brigar munto p'à arrenjar d'comer e, atão, é o que gente vamos fazer, tal e qual com-mo os nossos avozes fazeram q'ond' isto era só mato p'r estes cerros.

Só havia madronhêros, estevas, mongariças, carquêchas, tojos e mato. E eles quebraram a terra, fazeram cantêros, samearam trigo, batatas, milho, fêjão e bejoarias. Desposeram arv'es p'r tod' ô lado, olhem, continvaram tudo. Bençoados!...

De manêras qu' isto, agora, foi uma grande charingadela, mái tudo s' há-de atamancar.

Inda voltando ô dia do arvoredo, em acaband' isto, vô-me despôr umas q'ontas arv'esinhas qu' ê tenho ali. Enxertí-as, o ano passado, nuns cavalos qu' ê tinha ali num vivêro, e, agora, 'tam méme boas p'a despôr. E o tempo vai bom p'ra isso. Fresquinho, de vez em q'ondo vem uns aguacêros, despôs vem Sol, aterra 'tá branda...

Atão, vejam lá se s'alembram do arvoredo e, mòrmente, a famila aí do Algarve, de Vila Nova e de Lagos, e dôt's lados, q'ondo virem p' aqui de passêo b'scar água, tenham munto cudadinho com o fogo e tamém nã joguem p' aqui perquêras. Sac's plástico, papés e restos de d'comer que tragam, levem ôt'a vez p'a casa ó, se nã querem levar, vã à pregunta do dum caxote do lixo e ponham lá.

Atã, passem um bom dia do arvoredo e tratem as arv'es semp'e bem, tôd's dias do ano, p'rqu' a gente tem munta míngua delas.

Fiquem-se com Dés, até ôtra ocasião.

20 março 2006

Marmelete

Marmelete vista d'ô pé da capela de S. Antóino

Mecês, se calhar, inda nunca t'veram em Marmelete, más é um conselh' que l'es dô é q'um dia que l'es faça jêt', passem pre lá.

Nã é pr' ê cá ser aqui da serra, más é um povo bonit'. Tá bem qu'é pequenalho, mái a gente assenta-se ali naquela venda que tá log' à chegada, bebe-se um calcesinho dela com uns amig's bons que 'pareçam, entretem's um belo pôco, quái qu nã s'ôve barulho nenhum e os ar's sã bons.

Inda, D'mingo, ê fiz isso. Tava lá o mê parente Tóino Choça, más o ti Manel do Arroio e, despôs, inda s'ajuntô tamém o compad'e Zé do Alto. Foi um consolo. Cada um mandô vir a su' rodadinha, paleamos, d'ssemos uns dichotes, umas parvoêras e, a mê' da tardinha, cada um abalô p'ô sê monte. Tôd's se tinha governo p'a fazer.

O mê parente usa o méme caminho do que eu até ô apartadoiro p'a Refóias, de manêras que lá viemos os dôs charolando. É qu' aquilo inda se leva quái uma hora désna do povo até ô desvio p'ô mê monte... Pôs, nã deve de ser men's duma légua.

O parente Tóino teve-m' a m'a contar que tem andado p'a lá empeçado com 'ma dor numa perna, des qu'é uma ciética, e nã dá conta daquilo. Já foi ô endrêta, já foi mandar fazer uma benzedura, até um chá de lagrimóina a m'lher já l'e fez. E nada. Até já anda com vontade d'ir ô dôtor...

Des qu' aquilo l'e c'meçô, ontordia, q'ondo teve a mudar p'a lá um pórco de pecilgo, e o marafado embirrô que l' havia de passar pre baxo das pernas. Ora, o probrezinho, q'ondo mal dé p'r isso, tava amontado no bicho e nã demorô nada que nã t'vesse espaldêrado no chão.

Aquil' o pórc ' é o bicho mái tem-môso que há. Q'ond' ele pensand' em ir pr' um lado, leva tud' à frente.

- Parente, atã faça boa viaja a pé até ô Val d'Água, qu' ê desapart'-me aqui p'ô mê caminho.

- Vá com Dés, parente, e dê lá rec'mendaçõs à prima Maria, fazendo favor - Respondé-me ele.

- Sarã entregues de boamente.

E, inda bem não, cada um já lá ia p'a sê lado a pensar no g'verno qu' inda tinha p'a fazer entes da cêa. Qu' ê, tamém, agora, só tenho p' ali um pórco p'a tratar e mêa-dúiza de coelhos. A galinhas, quem trata é minha Maria.

Tó, diacho, atã e já m' esquecia do mê Jericó. Tamém tenho que tratar dele qu' aquil' é um burro de estimação...

Com isto tudo, ia tã descudado que nã dí pr' o Sol de pôr e já tava lusco-fusco. Nã tinha levado alenterna, vô ali prê-abaxo, já a chegar ô pé da Casa Velha, embico num rabôlo que tava no mê da carrelêra, dô dôs passos em falso, pensí:

- Vou bater a àpèrája...

E nã faltô nada. Vá lá, que tav' ali um madronhêro com uma pernada pendida p'ô caminho, foi a minha salvação. Agarrí-me a ela, pr' ali me sigurí de qualquer manêra, mái, méme assim, inda rocí com uma canoira num tanganho de mongariça, que p' ali tava, e fiz um golpe aqui na barriga da perna, salvo seja.

Doé-me um coiséco, má' isso nã foi nada. O pior é qu' arrompi as calças do D'mingo e pensí mo qu' ê tinha qu' ôvir da minha Maria:

- E nã tens cudado nenhum... E agora, D'mingo c'm' é que vás missa?... E ê que já nã vejo p'a dar uns pontos nisso... E toma àbaxo e toma àcima...

E ê cá, despôs, falta-m' a pacência e tenho de fazer de conta que tenho munto serviço, qu' inda tenho qu' ir b'scar palha ô sobrado pô Jericó, milho à casa de despêjo p'a dar ô pórco e uma cevada-avêa p´ôs coelhos, qu' assim já nã tenho qu' a ôvir. Qu ê sô amigo dela, nã pensem...

Bom, mecêas sã boas pessoas, mái isto, p'r hoje, já tá bem bom.

Q'ondo lerem isto, nã s' desqueçam de escrever aí, seja o que for, nos c'mentáiros, que vomecêas inda nã escreveram coisíss'ma nenhuma e o Parente da Refóias, assim, fica desmarrido pensando que ninguém l'e liga.

Toca a andar... Digam qu' isto qu' é munto advertido, que gostam munto e más esta e más aquela... e tal e coisa...

Ó atã, digam log' a verdade e pronto.

É qu' ê bem vejo que vocemecêas, q'ondo calha, vêm ver isto. Qu' aquilo ali já resista p'ra cimba dum cento de v'sitas.

De manêras que, Dés l'e dê saúde e até ôtro dia.

17 março 2006

Porta d´entrada da Igreja Matriz, da era de D. Manel I

Porta d' entrada da Igreja Matriz, fêta na era do Rê D. Manel I
Um D'mingo destes, fui à missa, mái ch'eguí inda faltava munto p' ô mê-dia. Atã, parí ali no adro, nã 'tava inda lá ninguém e, enq'ont' esperava, o qu' é qu' ê havera de fazer... pus-m' a olhar p' à Igreja.

E vi qu' ela 'tava bonita. Dava gosto de se ver. Florinhas ali à frente, pared's caiadinhas de branco, os alizares da porta d' entrada bem ajêtadinh's, 'tá bem que têm a pedra já um coisinho delida, bem podera... foram fêt's nôtr's temp's, des qu' há mái de qu'nhent's an's.

Más ó men's, q'ond' o Rê D. Manel I governava cá. Aquil' é que foram temp's... Era das partes qu' ê mái gostava, q'ondo estudí aquelas coisas dos rês, na quarta classe. Era só barc's portugueses p'r tod' ô lado, aí p'r esse mundo fora... E ness' tempo, Portugal tinha posses e era conhecido.

Põs nã l'es digo nada, 'tava tã encrençad' a olhar p 'àquilo que nem dí p'r o tempo passar. Se nã é o mê parente Joã' da Êrinha chigar ô pé de mim e me comprimentar, calhando, nem entrava a horas p'à missa.

- Teja com Dés, Parente da Refóias - disse-m' ele, assim, de chofre.

E ê cá, mê abismado, lá l'e respondi: - Dés l'e dê saúde, parente João.

E daí, é qu' ê olhí bem p'ra ele. Vinha-me todo bem vestido, com umas calças de bombasina e um colete castanho, até umas correntes, que l'e caíam na als'bêra do colete, ele tinha. Os cabelos chêos de br'lhantina e pentead's p' ô lado, com uma marrafinha ô mêo. E uns óc'los de pó!... Punhana!...

- Parente, mái atão, vá' aí a alguma festa? Num lux' dess's...

- Vô, sa senhora... Atã nã sabe qu' hoje é o bàtizo do mê neto, log' a seguir à missa?

- Olhe, nã sabia. Atã que seja com munta saúde. C'm' é que se chama o m'céco?

- Olhe, é um nome desses m'dern's qu' ê nã sê d'zer bem. Inda nã m' habituí. É, béque-me, Sandro Rafael...

- O qu' é precis' é qu' o sê filho e a su' nora gostem. Nã sã' eles qu' o vã' ch'mar?

Bom, lá paleamos más um pôcachinho e, em men's de nada, t'vemos qu' entrar p' à missa.

P'a falar verdade, tive com pôc' atenção ô qu' o Sr. Prior disse, Noss' S'nhor me perdoe, mái aquele nome nã me saía da cabeça. Sandr'...

E tamém, ôtra coisa. É qu' ê inda nã tinha olhad' bem lá p' à parte de drent' da Igreja. E, nessa vez, é qu' ê vi bem o trabalho que 'tá lá fêto...

Nã tardando munto, ê logo l'es falo a respêto diss', qu' agora tenh' qu' ir tratar dos animazes, qu' eles já 'tão p' ali a gornir no curral, qu' nã os poss' ôvir...

Dés l' e dê saúde a tod's vomecêas.

16 março 2006

O Plátano do Barranc' dos Pisõs

Plátano do Barranc' dos Pisõs, com mái de cem an's
Uma ocasião, o filho do mê compad' Jôquim do Barranco vê' ver o pai, qu'ele trabalha num hotel, lá p'ra baxo p'a Vila Nova, e nã é que já vêo num carrinh' dele?!...
Ora, toca de convindar o pai p'a ir dar uma passêo. O mê compad' alembrô-se, log', de mim. E diss' ô Zé Manel p'a me levarem tamém. Nã sê s' o môç' g'stô ó não, más ele' é mê amig', calhand', nã s' emportô.
Parêcem-m' lá os dôs, a pé, à minha porta, p'rqu' a carr'lêra só chega p'r trás de casa, e c'meçaram a matinar com-mig' p'a ê ir com eles.
Ê, tamém, com' nã tenh' vergonha nenhuma, diss' log' que sim. D'jando 'tava ê cá...
Saca desenlaca, p'a dond' é qu' ele havera de levar a gente? Meté-se ali naquela estrada p'r trás da Fóia, foi andando, foi andando, em men´s de nada chegam's ô Barranc' dos Pisõs.
Já há um bel' tempo qu' ê nã ia p' aquelas bandas e f'quí content' com o que vi.
O plátano lá 'tá, há mái de cem an's, cada vez mái grósso. Puseram-l'e aquelas mêsinhas de pedra p'r baxo, p' ôs estrangêr's s' assentarem e, p'lo jêto, tamém vã lá munt's algarvi's e d' ôtr's lad's.Mái o más bonit' qu' ê achí foi uma azenha velha q' havia lá mái prebaxinho e ´tá toda arrenjada de nov'. D'zeram-me que foi a Junta que fez aquil'. É que gostí méme de ver...
Fez-m' alembrar q'ond' ê cá ia com a tal burra, a laranjinha, caminh' do Moínha de Cima levar três saquinh's de trig' e, despôs, ia lá b'scá-l's, p' à semana, já fêt's em farinha. Mái, ness' altura, já vinham mái lev's, qu' o molêro já tinha tirad' a maquia.
E atão, com-m' à minha Maria se tinha alembrad' de me dar uma bolsa com uma garrafinha d' aguardent' e um farracho de bol' de tacho, aprovêtam's uma altura que nã 'tava ali mái ninguém e b'bem's uma rodadinha cada um, com um coisinho do bolo a tapar.
F'cam's ali a lambarear um bel' pôco, sem nunca apar'cer mái ninguém, fom's, fom's, b'bem's a garrafinha toda. E já o Sol ia baxando.
Uma coisa l'es dig' ê cá, era-se p'a passar p'la Vila, más o Zé Manel já 'tava um coisinho escorvad', voltam's foi p'r o méme caminh', entes qu' s' encontrass' p'a lá a Guarda e se panhass' alguma murta. E sab'-se lá s' ele nã f'cava sem a carta.

14 março 2006

A Presunçosa voltô

A Presunçosa voltô só p'a tirar o retrato
A Presunçosa, qu' é a que manda nas ôtras, já ia lá em baxo más elas. Q'ond' me viu de máquina na mão, voltô p'a trás e afincô-s' ali à espera qu' ê l'e tirasse ôt' retrato. E fez assim: "Beheheheh!..." E pôs-s' assim, mê' de lado, am'strar a cara, como quem diz: "já podes tirar".
Ora, ê tive que l'e fazer a vontade. Nã ia contradiar o animal, más a más, qu' ela dá-se tã bem com-migo, até tem o c'stume de vir c'mer uma folhinha de côve à minha mão, q'ond' ê tenh' p'a l'e dar.
Tã penas l'e tirí o retrat', voltô-se p' às ôt'as, fez ôtra vez "beheheheh!", como quem se 'tava a rir, e lá foi a fugir p' à frente delas a c'mer más um' ervinha.
Vejam bem qu' as ôtras nem tinham repairado qu' ê ' tava ali, más esta vê-se log' qu' é um animal descreto.
P'r alguma rezão o ti Zé da Corcha l'e pôs o escalh' grande ô bescôç' e dêx'-á t'mar conta das ôtras. El' é qu' anda semp' à frente a àbrir caminh'... Até dá gost' ver um animal assim... Olhem qu' ele há famila mái trôxa...
Só inda nã sê que jêt' o ti Zé l'e pôr o anexim de "Presunçosa". Calhando, já em pequenalha era assim p' ô espert'...

13 março 2006

As borregas

As borregas do t' Zé da Côrcha a c'merem erva
Este Envern', tem ch'vido escapatòirament' e, atão, el' há erva p'r tod' ô lado.
O t' Zé do Passil tem umas q'ontas borregas e já as ac'st'mô tã bem qu' elas nã pr'cisam de moiral nem nada. Mete-as ali p'r o córg' acima elas vã c'mend' e andand'. Dã a volta lá em riba, viram p'r a chapada a baxo e, quái tod's dias, passam aqui ô pé de mim. Béque-me já me c'nhecem e tudo. Tamém, nã é caso p' admirar. Q'ondo calha, semp'e l'e dô uma folha ó ôt'a de côv' qu' elas até s' lembem.
Ont'rdia, tinha aqui a minha canita, a brab'leta, calhí à apontar p' ô lad' das borregas, nã sê perquém, foi um vê se t' avias. Em men's de nada, desengalga a ladrar atrás dos bich's, elas a fugirem e ê cá a bradar:
- Brab'leta! brab'leta! aqui, já! Ah, cadela marafada, dêx' ôs bich's em s'ssego. Venha já pr' aqui!...
E joguí-l'e assim uma pedrinha p'ô pé das pernas p'a ela ver qu' ê nã 'tava a brincar.
Lá voltô p' ô pé de mim, mái atã já tinha escramontado aquil' tudo, cada borrega p'a sê lado...
Agora, p'r ca'sa diss', lembrí-m' duma passaja que se deu, um' ocasião, q'ond' ê inda era nov', com uma burra qu' o mê pai tinha, chemava-se laranjinha, que tamém teve graça.
O raça da burra tinha um petafe. Q'ond' agente se qu'ria àmontar, ela dav' uma carrêrinha. Tinha-se que ser munt' l'gêros e montar-se a cavalo entes del' abalar.
Vai daí, o mê ti jôquim, que nã l'e conheci' às manhas, mái gostava munto d' andar a cavalo, quis 'xp'rimentar o animal, uma tarde qu' ê ia levá-la p'ô rastôlho. Em osso.
Mal êl' alsa à perna, a laranjinha arrenca, ele béque-me ass'stô-se, encalha com o tacã da bota na barriga da burra, tomba p'a trás, o chapéu p'a um lad' ele p'a ôtr', bom, p'a encurtar de rezõs, f'cô espaldêrado no chão, a impar. E a burra, um coisinh' mái à frente, a olhar assim de lado...
E ê cá a rir às carcachadas...
O pior é qu', q'ond' ele s' alevantô.
Vem d'rêt' a mim, s' ê nã fujo, inda me cascava... Par'cia uma aventoínha, todo marafado, a dar ôs braç's pr' a baxo e pr'a cima e vá d' arrulhar:
- 'Pér' aí qu' ê já te dô, g'ande malandro... Atã nã me d'zeste qu'a burra fazi'aquil', que jêto? Bem podia ter ofendido ali uma c'stela ó alguma cois' inda pior... Ê já dig' ô tê pai, qu' ele logo te dá o arroz.
Daquela vez, vi-m' em traquetes, mái vá lá qu' o mê pai andava a alquèvar, lá pr' a baxo p' à Refóias e o mê ti Jôquim nã 'teve com ele senã passad' munto tempo. E há-de-se ter desquecido.