27 abril 2007

A Zôrra-Lôca da Ressilvêra

Ressilveira - Marmelete
Na ressilvêra, q'ondo ê cá era moç'-pequeno, usava a par'cer uma zôrra lôca a berrar...

Uma ocasião, vinha ê cá, à pata, mái o mê compad'e Jôquim do Barranco, ladêra f'rmosa prêarriba, a se chigar méme à curva da Ressilvêra, aquilo era já quái ô lusco-fusco, mái o astro 'tava carregado e, atão, quái que nã se via nada.

Tinha-se ido ô alagar dos Casás - no tempo qu' ele inda foncionava - premode umas zêtonas que se levô p'a lá, a ver q'onto é que tinham rendido im azête. E foi coisa pôca, qu' aquilo, já nesse tempo, eles pagavam mal. Mái, d'zer a verdade, inda era um lugar adonde faziam azêtinho do bom. Qu' o de Marmelete, da famila Furtado, tamém nã l'e f'cava atrás...

Nisto, oiço o piar dum mocho - "uuuuh!... uuuuh!..." - vem-me logo à idéa um conto de q'ondo ê era môç'-pequeno. Olhí p' ô mê compad'e Jôquim, achí-o assim béque-me quái p' ô descòrado, dig'-l'e:

- Compad' Jôquim, com essa cor, já vem dado de tanto assubir...

- Nã senhora. Isto vai bom...

- Nã me diga que l'e vê à cabeça o méme qu' a mim?... A zôrra-lôca... É qu' o pio do saganheta do mocho quái que se parêce com o berrar da velhaca...

- Olhe, só aqui p' à gente que nã há quem nos oiça, aquilo béque-me até me dé um fernicoque aqui na espinha que f'quí im pele-de-galinha. E os cabelos, méme debaxo do chapéu, 'té quái que se m' alevantaram.

- Ai, sim?...

- Nã é qu' ê cá seja medroso, mái tenho assim um belo respêto p'r estas coisas. E môch's e c'rujas, atão, é coisa que nã gosto p' ô mê lado. Inda me mái com cobras que méme com bichos destes, nã cude. E com respêto, assim, a medos, olhe, 'té me benzo logo...

- Pôs, ê bem vi mecêa levar os dedos à cara e fazer, assim, béque-me uma cruz...

Curva da Ressilveira - Marmelete
Na curva da Ressilvêra, é a partilha das freguesias. Entes da estrada ser fêta, usavam a par'cer p'r 'lí medos.

- É qu' ê cá nunca a ôvi berrar, lá isso nã ôvi, a nã ser uma vez, mái ele hôve munto quem a t'vesse ôvisto nessas nôtes d' enverno a clamar 'í p'r essas portelas...

- Mái atã e que jêto uma coisa dessas?...

- Atã nã sabe?!... Ó homem, aquilo, p'r muntos anos, foi uma coisa temente. Agora é qu' ela, calhando, já penô o que tinha a penar e nã parêce tanto...

- Conte-me lá isso bem, qu' ê cá sê do conto, mái nunca m' alomearam o santo...

- A que anda aí penando tamém ê cá nã sê quem era, qu' ela morré faz muntos anos, mái a coisa dé-se deste jêto. P'r o que contaram...

- Atã isso nã foi uma velhaca que se portô um coisinho mal, inq'onto vida, e morré sem se confessar?...

- Ai um coisinho mal... Nã hôve coisa ruim qu' ela nã fazesse, mê belo amigo... Désna d' enfêtar o pobrezinho do homem dela, até rôbar e nã pagar o que l' imprestaram, fez partes ruins a tôd's q'ontos pôde... É que tinh' ôs petafes tôd's... Des qu' até uma promessa que fez ô S. Luís p' ô pórco nã l'e morrer, ela nã pagô, veja lá...

- E nunca teve concerto?...

- Qual o quem?!... Morré nessa desgraça... E premode isso, inda nã tinha passado um mês d' interrada, já ela andava aí a penar. Berrava qu' até zunia aí p'r essas portelas... É o que dizem... qu' ê cá só tenho lembrança d' a ter ôvisto uma vez e nã tenho a firme certeza s' era ela ó não.

- Ah, inda a ôviu...

- Sa senhora, home... Mái ê cá já ia chigando àlém à P'rtela do Vale e ela soava aqui p'ra baxo, além da bandinha de lá daqueles calitros, nã visto bem s' era ela ó s' era um zorro qualquer a ch'mar p'r alguma cadela ressaída qu' a famila aqui do Carvalho t'vessem p' ali.

- Quem sabe lá s' isso nã saria algum mocho, c'm' este qu' a gente 'tá a ôvir agora...

- Só-se!... Aquilo era uma nôte tã d'f'rente desta... O astro 'tava todo estrelado, coisa aí da mêa-nôte, méme ô queres p' ôs medos andarem p'r 'í...

- Ê cá nã sê munto bem s' acradite nessas coisas ó não...

- Ai nã acradita?... Atã havera de ver o que se com duas meçalhas, irmãs, ô passarem aqui, uma ocasião, já bem de nôte, na volta de Vila Nova... Foram lá comprar uns sapatos p'a irem a um casamento e descudaram-se com as horas, qu' isto inda sã umas cinco léguas bem medidas p'a cada lado.

Marco delimitador da Freguesia - Marmelete
Em passandem à Ressilvêra, arrecebam estas rec'mendaçõs de Marmelete. Ê cá, q'ondo calha, até aparo.

- Quem eram elas?...

- Nã l'e sê dexplicar, mái béque-me eram ali dos lados do Forno Velho ó R' Nova ó p' aí perto.

- Atã e, p'r o jêto, viram-se aqui em traquetes...

- Oh, pobrezinhas... Vinham a cavalo num burro, ora uma ora ôtra, qu' o bicho tamém já 'tava cansado de tanto andar désna de manhã, desatam a ôvi-la berrar ali no mê daqueles cantêros...

- Atã, uma ia a cavalo e a ôtra levava o burro d' arreata, calhando...

- Tal e qual. Más, olhe, a que sigurava na arreata baté-as que nem uma seta... Nã demorô um foguete a chigar além ô canto de cimba da ladêra.

- Atã e a ôtra?

- A ôtra, é que foi pior... O burro, já velho e escalfado c'm' vinha, assim que senti a arreata frôxa, aparô. 'Té l'e calhô bem, que vinha pertado, e fez uma bonicada.... Ela, pobrezinha, bem l' arrulhava "Arre burro! Anda burro! Toma chó!... Sssch!...", mái de munto l'e servia...

- 'Tá bom de ver qu' o bicho nã acraditava im medos... Qu' a zôrra berrasse que nã berrasse, p'a ele, era o méme que nada...

- Pôs... Mái a meçalha é que já chorava qu' as lágr'mas l'e corriam e nã havia quem que l' acudisse...

- E o burro parado?...

- Teve que se desamontar, pegar na arreata e levá-lo quái d' àrrôjo até lá im cima... Inda, hoje im dia, que já é uma m'lher com uma bela idade, des qu' ela, em o sol se pondo, nem que vá arrodear ô fim do mundo, aqui é que nã passa...

- Ai o marafado do burro, o que nã havera de fazer à pobrezinha p'a ela f'car assim. G'ande rabana qu' há-de ter panhado... E a zôrra-lôca inda par'cerá p' aí d' ora inq'onto?...

Volta-se, logo, ele, que nem uma fita, p'ra mim:

- Olhe lá, vamos más é um coisinho mái l'gêros, compad'e Refóias, qu' ê cá 'tô com pressa, qu' inda tenho um servicinho p'a fazer além no monte...

Ê sê munto bem qual era a pressa do mê compd'e Jôquim. É que, de falar no caso, ele já 'tava más era cá com uma cúifa... que 'tava de'jando de ver a Ressilvêra bem lá p'a trás...

Passem tôd's munto bem e nã liguem a medos, qu' isso era nôt's tempos... Agora, já nã há....

Até ôtro dia.

25 abril 2007

O Maio nã tarda aí nada...

Programa do Dia de Maio - MarmeletePrograma do Dia de Maio - Alferce
Im Marmelete há passêo e bolos de tacho. No Alferce é a méma coisa...

O Dia de Maio 'tá méme quái a chigar - é já Terça que vem - e a famila das Juntas de Marmelete e do Alferce béque-me até fazem presunção nas festas que dão p' ô pessoal d' agora s' alembrar do c'm' é que se fazia nôt's temp's.

E, atão, toca de, cada uma, fazer o sê passêo, à pata e de b'cicleta, p'a desinferrujar as pernas e, do mê-dia p' à tarde, quem tenha fêto bolos de tacho apresenta-se com eles p'a amostrar q'onto vale. E quem é que ganha com isso?...

É os que lá vã, c'm' ê cá, que nã se tem reméd'o senã provar um coisinho de tôd's p'a se ver qual é o melhor. E semp'e se l'e bebe tamém uns calcesinhos dela p'a desinfastiar e alimpar as goélas. Senã, era d' adregue qualquer um nã f'car p' ali imbaçado a pontos de nã dar t'mado ar.

Picos - Marmelete
O passêo de Marmelete nã sê p'r donde passa. Mái há-de ser coisa assim ó inda melhor...

Com respêto à Junta de Monchique, já soô pr' aí que tamém faziam quasequer coisa c'm' ôs ôtr's anos, mái inda nã vi p'r 'í béque-me rèclame nenhum... Mái é capaz d' inda par'cer alguma coisa. Tenho a firme certeza qu' eles nã se dêxavam f'car p'a trás...

Agora uma coisa l'es dig' ê cá. 'Tô bem munto impeçado com este caso. Atã, é tudo mái ó menes igual, ô mémo tempo e a uma lonjura duns vinte quilómetros ó más... Ê bem que me pelava por ir ôs lados tôd's, mái já vi que nã . Olha que esta, han!... É que se dum lado é bom, do ôtr' nã l'e fica atrás...

Só l'es digo que tenho levado p' aí a matinar e inda nã terminado o qu' é que vô fazer. Mái, até ô Maio, logo se vê. Agora vomecêas, que vã a um lado que vã ôtro, nã se desqueçam de par'cer, senã, nã sabem o que perdem.

Umbria - Alferce
O passêo do Alferce, p'a ir à Fonte Santa, há-de passar bem à rèzinha da Umbria...

E agora, premode festas, vê-me à idéa que 'tamos, hoje, no 25 de Abril. Mê belo 25 d' Abril!... Se nã fosse ele - melhor d'zendo: se nã fossem os que t'veram a foiteza d' o fazer - inda se 'taria p' aí a alancar com aquele crujedo daqueles filhos duma magana que mandavam nisto nôt's tempos.

E inda há p'r 'í quem diga que tem sôidades daquele velho, o tal Salazar, que fez o que munto bem quis inq'onto cá 'teve e inda l'e sobrô tempo. Punhana!... Ó nã no conheceram bem ó 'tã munto desquecidos. Des qu' até hôve p' aí um concurso na tel'visão qu' o puseram im pr'mêro lugar...

Nã sê se puseram se nã puseram, qu' ê cá nã vejo tales bodegas, mái se puseram tamém fazeram uma linda figura... Tenham a firme certeza qu' o mê Jericó, o mê burro, ó mémo o Larga-Traques, qu' é o burro do mê compadre Jôquim do Barranco e inda é mái imparvetado qu' ô meu, nã faziam nunca os donos panhar uma vergonha dessas.

Mái atã, isto tem qu' haver de tudo...

E, despôs do Maio, logo sabem c'm' é a coisa foi resolvida, qu' ê logo l'es conto. Havendo vida e saúde, 'tá bom de ver.

Passem tôd's munto bem.

19 abril 2007

A Pr'cissão Real que nã hôve

Arranjos florais - Monchique
A Pr'cissão Real era p'a passar p'r 'quí, más a chuva nã dêxô...

Despôs da Pr'cissão do Interro, leví, Sáb'd' Aleluia todo e D'mingo de Páscoa de manhã, com o fito d' ir à Pr'cissão Real, qu' era o qu' ê já l'es tinha fêto menção, ontordia, q'ondo falí nisso. E, aquilo, béque-me 'tava tudo bem incam'nhado, home...

No D'mingo de Páscoa de manhã, 'tava um tempinho mái ó menes, eles nã davam chuva cá p'ra baxo, e, atão, d' ora inq'onto, 'té punha um confêto na boca - daqueles que tive pagar à minha Maria d' ela me ganhar o contrato - e lá o ia derregando devagarinho, sem ela ver, e t'mand'-l'e o gosto bem a precêto, inq'onto esperava p' a s' abalar p' à missa.

Pôs, nã l'es digo nada!... Béque-me quái de castigo - nem d'apropósito, punhana! - méme quái à hora da missa, olho p' ô astro, desato a ver uma barra negra a vir àlém do lado da Fóia, até se m'a rrepiaram os cabelos... Salto logo com a minha Maria:

- Maria, mái atã o tempo 'tá béque-me a se mudar... Nã me digas qu' ele faz a falseta à gente?!...

- Que jêto?!... Isso nã há-de ser nada. Eles, na tel'fonia, nã deram água cá p'ra baxo...

- Olha, nã sê munto bem. Q'ondo ele 'tá dali, é d' adregue nã dêtar umas pingas...

- Ó homem, nã sejas assim... Lá 'tás tu semp'e com essas conversas...

Nisto, parêce o Zé Manel, no sê carrinho dele, com os mês compadres, que já lá iam caminho da Vila. Aparô, meté-se com a gente, c'm' é que vã, c'm' é que nã estão, e vá de pertar com-migo p'a abalar com eles.

- Ó Zé Manel, nã vês, ê cá nã vô dêxar aqui a minha Maria e, despôs, ela ir a pé sòzinha... O qu' é qu' a famila d'zia?...

- Atã ela que se despache, já depressa, qu' a gente espera um coisinho e vai-se tôd's!...

- Mái atã, e isso nã faz d'frença a vomecêas?

Diz logo o mê c'pad' Jôquim do Barranco:

- Qual o quem!... Despachem-se e vanham já daí com a gente...

O homem 'tava em ferros p'a ê cá ir qu' era p'a ter companha p'a palear...

De manêras que, lá se fomos despachar e, im menes dum foguete, já ê 'tava mái que pronto p'a abalar com eles. A minha Maria é qu' inda enrolô um coisinho, qu' ela tem p' ali uns pincés p'a pintar a cara e aquilo semp'e leva o sê tempo. E vá lá que nã teve precisão de se pentear, qu' ela, na béspra - Sáb'do d' Aleluia - tinha ido fazer uma permanente à cabelêrêra e, atã, inda 'tava com os cabelos tôd's incaracolados...

Ora, aquilo foi a gente s' assantar no banco de trás do carro, ô pé da c'mad'e C'stóida, e assim se 'tava na Vila a antrar p' àquele parque de gôrdar os carros qu' eles fazeram ali im S. Sebastião. Sim, qu' o Zé Manel a guiar o carrinho nã sabe andar com conta. É semp' à mecha toda qu' até berra!...

Mái, o pior inda 'tava p'ra vir. Tã penas o carro antra p' ô parque, desata-se logo a ôvir ela cair e duma tal manêra... Inq'onto eles p' ali se afêçoavam, dí uma fugida à porta, até f'quí c'm' parvo. Aquilo chovia, mái chovia ô bem fêto!... Mal me descuido, sinto uma coisa munto fria no nariz, olhí bem: água coalhada à mastura com a chuva...

Parque de Estacionamento de S. Sebastião - Monchique
O parque de estacionamento de S. Sebastião é coberto, mái, calhando a chover, pode-se t'mar lá banho à vontade. E é de graça...

Volto p' ô pé deles, pensando cá p'ra mim que nem chapé-de-chuva tinha trazido, qu' o dêxí im casa com a pressa d' abalar.

- Tal é este tempo que se pôs aí, compadre?!... Quem havera de d'zer...

- Olha que esta!... Nunca pensí que desatasse a chover assim tã de repente e duma manêra destas...

E pusemos-se tôd's a andar ali p' ô lado da porta de baxo p'a, assim que descampasse, abalar-se p' à igreja, que 'tava méme quái na hora da missa. Ia-se munto bem descansadinhos, sa senhora boa vida, ali entremê daqueles traços qu' eles pintaram no chã p' a s' andar sem os carros passarem p'r cimba da gente, oiço a comad' C'stóida dar um eco:

- Ai, que desgraça!... Lá f'quí com os cabelos tôd's molhados... E a rôpa e tudo...

Ê cá ia, um coisinho mái p' a trás, palêo com o c'pad' Jôquim, logo, nã bem p'r o que se passava, pus-me a olhar assim mê imparvetado. À fim dum pôcachinho, olho p' ô telhado é que vejo o lindo serviço qu' ali 'tava.

S' a m'lherzinha calha a nã ser tã l'gêra qu', assim que senti uma pinga ó duas, dé logo um salto p'a trás e furtô-se a levar com aquela aguaria toda, tinha f'cado bonita... Méme assim, inda l'e luziam umas belas pingas nos cabelos e, na rôpa, a sorte foi um xale qu' ela levava ôs ombros que l'e salvô da água l'e dar cabo dum casaquinho novo qu' ela estreava nesse dia.

Diz o Zé Manel, munto cão:

- Mãe, mái atão isto sará um chuvêro público qu' a Camb'ra pôs aqui p'a quem qu'ser?!...

- D'zer a verdade, semp'e sai mái barato que gastar água e gás im casa...

Respondi-l'e ê cá.

E o compad' Jôquim:

- Olha, se sabesse, tinha abalado mái cedo, trazia um pedaço de sabã azul e p' a lá um trapo p'a m' alimpar e 'tava governado... Vê lá s' ela vem quentinha...

- 'Tejam calados, estapôres!... Se fossem vocêas que panhassem com ela im cimba do lombo, logo gozavam... Ist' é coisa que se faça?!... Darem-me cabo dos mês belos cabelos qu' inda, ontem, os fui arrenjar, aqui com a c'madre Maria, ali à cab'lêrêra?!...

- Calhando, isto foi coisa d' há pôco tempo e inda nã t'veram um atopozinho p'a concertar... - Diz o Zé Manel.

- Olá!... Désna qu' isto foi fêto, semp'e tem corrido fama que chove aqui c'm' na rua....

E o Zé Manel, semp'e no gozo:

- E uma coisa que nã custava nada arrenjar... Ele há um pr'duto p'a tancar coisas que 'tejam rotas que se põe na água e aquilo, im menes de nada, fica c'm' novo. Inda um dia destes, me fazeram isso, ali na ôf'cina, ô mê carro que tinha o radiador roto e aquilo foi um remédo santo...

- Lá 'tás tu semp'e a desconversar... Agora, haveras de ter que m' ir b'scar ôtro xale, qu' este 'tá todo molhado...

- Most'e lá isso aí, qu' ê sacude-o bem e fica logo c'm' novo...

E, com isto tudo, o tempo lá al'viô um coisinho e a gente pusemos-se a caminho. Uns com chapé-de-sol, ôt's não, mái foi só decer o Largo dos Chorõs e abalar-se Porto Fundo prêacima. E aí é que foi a supresa...

'Tavam as escalêras da calçada enfêtadas desta manêra...

Arranjos florais - Monchique
Quem fez estes enfêtes com tanta flor, tem de ser um artista cá com umas manitas...

A minha Maria arregalô logo os olhos, qu' ela perde-se p'r flores. A c'mad' C'stóida até fez assim, béque-me, um "!...". Ê cá e o compad' Jôquim tamém se f'cô assim p' ô insampado com uma coisa tã bonita, mái, logo, nã se disse nada que nã parêce bem um homem gostar munto de flores. Nã fosse p' ali algum de fora ôvir e se pusessem a mangar com a gente...

E o Zé Manel, esse, ó ê cá 'tõ munto atribuido ó atão ele nem vi tal coisa, que já 'tava era com os olhos pôstos numa moça que vinha ali prêabaxo, toda se bandeando, quái chigando à porta do café. E a velhaca vi qu' ele 'tava com o olho nela, atã é que dava ôs quartos... E nã antrô no café sem pr'mêro inda olhar assim de través p'r cimba do ombro...

Pôs, mês belos amigos, aquilo foi uma mêa-hora, perto ó certo, para assubir o Porto Fundo todo. Mái da terça parte das calêras tinham desenhos. E a gente que gostava de tôd's... Inda se falô a ver qual saria o mái bonito, mãi, qual quem, nenhum s' astrevé a apontar qu' era este ó aquele...

- Jôquim, anda lá mái l'gêro qu' isto, a missa, já há-de 'tar a c'm'çar...

Bradô a c'mad'e C'stóida, que já ia a dobrar p' à Rua da Igreja com a minha Maria.

- Ó diacho... e é verdade que já sã horas... Com isto de se ver estes enfêtes tã bonitos, uma pessoa até nã dá p'r o tempo passar...

- Temos que àmentar o passo, compad'e...

E lá se foi p' à missa.

Mái atão e despôs?... Aquilo tinha sido só uma abertazinha, 'tava-se na missa, vem ôtra vez chuva im forte, desata tudo a matinar s' havia pr'cissão ó não. Ê cá vi logo que nã havera de ter sorte denhuma, que já tinha pensado cá p'ra mim:

- Escuro c'm' ele 'tá... vento p'a levar as nuves, nenhum... o qu' é que se pode esperar daqui?...

Digo p' ô mê compad'e - baxinho que 'tava-se na missa:

- C'pad' Jôquim, 'tá aí sarrado p' ô resto da tarde... Pr'cissão, viste-la...

- Pode ser que não, comnpad'e. Pode ser qu' ele al'vie...

- Eh... Alguma vez?!... Nã temos essa sorte.

Arranjos florais - Monchique
Este era singelo, mái foi dos que achí mái bonitos.

E par'cia ê cá qu' ad'v'nhava. Acabô a missa e ela semp'e a cair, que Dés a mandava. O senhor Prior lá se resolvé a fazer a pr'cissão drento só da igreja e pronto. Mái atã, aquilo, era um aperto que nã se podia... Tive que saltar cá p'ra fora.

Com a sombrinha da minha Maria lá dí uma fugida 'té ô ôtro lado do adro a ver se m' acolhia ali de baxo duma barrecazalha qu' os meçalhos dos escutas tinham ali a fazer de carmesse. Digo:

- Nã é tarde nim é cedo. Vô-me más é comprar uma mêa-dúiza de b'lhetes p'a ajudar os môç's e nunca se sabe se nã me sairá p' aqui algum prémo.

Mái ali p' ô lado do balcão nã 'tava ninguém que mos vendesse. Pôs atão, com uma chuva daquelas... Tive que bradar p'r um meçalho que 'tava lá ô canto, munto incolhido, já com a aba do chapéu toda molhada, o fato tamém bem munto pingado e as pernalhas em pele de galinha.

- Menino! Ó menino!... Vende-me lá aqui uns b'lhetinhos... Ó já nã tens?

- Q'ontos quer?

- É consoante e conforme... Q'onto é que custa?

- É a cinco cêntimos.

- Atã dá-me lá um ero deles, fazendo favor...

Béque-me foram vinte. Lá paguí, mái atão e, despôs, p'a desenrolá-los?!... Com uma mão tinha que sigurar na sombrinha e, com a ôtra sòzinha, nã dava fêto tal serviço. E a chuva vá de cair... Parte dos b'lhetes já 'tavam era a f'car tôd's molhados...

Tive que bradar ôtra vez ô meçalho:

- Ó belo amigo, dê-me lá aqui uma manita... Sigure-me na sombrinha da minha Maria inq'onto ê cá desenrolo os bilhet's, senã ê nã dô conta disto...

D'zer a verdade, o mecinho foi munto porrêro e nã amostrô nada 'tar descontravontade, lá isso não... Mái s' ê cá l'es d'zer qu' ele só me vendé b'lhetes brancos, mecêas acraditam? Pôs foi méme isso. De prémos, nem pôco, nem munto, nem nada... Nem tampôco um p' a uma amostra...

E o marafado, ô fim, fez assim um arzinho de rir, volta-se p'ra mim, c'm' quem nã quer a coisa, e diz, munto d'sfarçado:

- Atã, "senhor" Refóias, nã l'e saí nada?...

Ê cá dé-me assim béque-me um gènozinho dele me ch'mar senhor e de me ter vendido os b'lhetes tôd's brancos, mái nã dí parte de fraco, sustive-me e fiz que 'tava contente tal e qual:

- Eh'q, isto tamém nã era p'a ganhar nada. Era só p'a ajudar aí os escutas... E olha lá, nã me chames senhor qu' ê nã 'tô ac'st'mado a ser tratado assim tã fino...

Más ele apanhô logo qu' ê nã tinha f'cado munto sast'fêto.

- Ó ti Refóias, nã s' aborrêça qu' isto nã foi gozo, foi só uma brincadêra... Alguma vez ê cá l'e faltava ô respêto?!...

- Ah, assim 'tá bem... Ê vi logo que tu eras um mecinho com modes. Lá p'r isso, dêxa-me lá ver 'í mái um ero deles...

Arranjos florais - Monchique
Este aqui tamém 'tava munto bem trabalhado.

Foi más um ero qu' ê perdi. Ôtra vez tudo im branco...

E, nesse mê tempo, já a famila 'tava tudo a sair da igreja. Com pôca vontade, verdade se diga, qu' ele inda caía umas pingas. Mái foi coisa de pôca dura. Dali a um pôco, já o sol, d' ora inq'onto, luzia nas p'r as frestas das nuvens.

Inda arrodeamos e voltô-se os quatro ô Porto Fundo p'a ver melhor os enfêtes, mái, com o garrão tã grande o tã pequeno d' água que tinha caído, aquilo já 'tava um coisinho descomposto. Inda me dé que pensar a pàxão qu' a famila que fez aquilo nã há-de ter tido de nã haver pr'cissão p'a passar p'r lá...

Mái p'a quem teve tal alembrança de fazer uma coisa assim - des que foi um senhor ali da Irmandade da M'sericórdia - e p' ôs que ajudaram, fiquem sabendo que 'tava do mái bonito que pode ser e haver. E olhem que o que ê cá ôvi de toda à famila que andô lá a devassar, foi uns gabanços... uma coisa im forte...

P' ô ano que vem, se Dés qu'rer, nã há-de chover e atã é que vai ser, com a pr'cissão a passar e os enfêtes no mêo...

E se qu'rerem ver mái retratos dos enfêtes de flores, acalquem aqui na galeria Arranjos Florais 2007.

Até um dia destes e munta saúde p'ra tôd's.

13 abril 2007

Endoenças - A Pr'cissão do Enterro do Senhor

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Nas endoenças de Sexta-Fêra, a igreja 'tava de porta toda aberta e chêa de famila.

Nã sê se levaram repáiro, mái, da últ'ma vez, inda bem nã tinha posto aqui os retratos da Pr'cissão de Ramos, os marafados cortaram-me a vaza e nunca mái dêxaram qu' eles fossem vistos p'r quem cá vinha. Os da pr'cissão e os ôtr's tôd's qu' ê pus cá désna do prencíp'o...

De manêras que vi-me nuns traquetes tã grandes ó tã pequenos, que nã tive ôtro remedo senã puxar da nota e t'mar p' aí um site de renda. E o qu' é qu' isso nã me custô!... Lá se foi uma preçanada d' eros... E, inda p'r cimba, leví quái uma semana a mudar aqueles retrat's tôd's lá p' à ôt'a banda. E olhem qu' a viaja nã foi pequena. Agora 'tã num comp'tador bem do ôtro lado de lá da América, béque-me ali logo pralàzinho daquele sito adonde aquelas artistas munto bem par'cidas fazem os filmes.

'Tá bom de ver, qu' isto se m' atrasô aqui um belo coisinho e nunca mái falado do resto das endoenças a nã ser hoje. Vamo' lá a ver s' a coisa, agora, vai correr d' ôtra manêra. E, só p'r mode coisas, se qu'rerem saber a minha d'recção d' agora, p'a tudo o qu' ê faço nisto da internet, aqui vai ela, é só acalcar: http://www.refoias.net. Más aqui o blog é o méme qu' era. Nã têm precisão de mudar nada.

Ora, na Sexta-Fêra Santa, fui à Pr'cissão do Enterro com a minha Maria e mái-la prima Glòirinha. D'zer a verdade, nã andí quái tempo denhum ô pé delas p'r mode qu'rer tirar uns retratinhos p'a amostrar a vomecêas.

E olhem qu' aquilo é uma pr'cissão do mái bonito que se faz p'r 'quí, lá isso nã se pode d'zer que nã seja, mái atão é de noite todo... C'm' é q' um homem tira algum retrato de jêto que se veja bem a famila?!... É qu' a máquina, às descuras, é uma desgraça. Fica tudo negro.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Sexta-Fêra Santa à nôte é o Interro do Senhor. Os Irmãs da M'sericórd'a é que levam o caxão.

E inda há mái ôtra coisa. Aquilo é já lá p' à hora da cêa, ora uma pessoa, im tal dia, nã pode c'mer nada de jêto, é só juar e fazer abstinêinça. Atão, 'té l'e faltam as forças p'a andar duma banda p' à ôtra, à rôpa toda, p'a passar à frente da pr'cissão e ir panhá-la nôtra rua, im jêto de ver alguma coisa.

Pôs a minha Maria tem p'r c'stume levar estas coisas munto a pêto, des que, em dia de Sexta Fêra Santa, nem pode trocer a rôpa q'onto mái lavá-la ó fazer fazer ôtro serviço qualquer. E quem é o presicado? É cá o Parente... qu', im chigando o fim do dia, 'té, béque-me, sinto as costelas metidas p'a drento e um bicho semp'e aqui a rabear que nã me larga nem um 'stante.

Mái, dêxando isso p'a trás, uma coisa que me fez bem munta espéce foi que, p'r um lado, inda s' ajunta uma bela famila nestas alturas, mái, p'r ôtro, os homens, béque-me, já nã s' aprochegam munto lá p' ô lado dos andores p'a carregarem com eles às costas. Vejam bem qu' a Irmandade teve que dêxar nã sê q'ontos estandartes na M'sericórdia, que nã puderam sair p'r nã haver quem os levasse...

Mái, vá lá que p' ôs andores da Senhora das Dores e do S. João os homens inda chigaram. E contando, tamém, com o càxão do Senhor morto e o pálio que vai semp'e acompanhando nele.

Inda pensí que se desse o caso d' incontrar p'r 'lí um amigo ó ôtro, daqueles mái conhecidos 'tá visto, mái nã sê se fui ê cá que nã nos vi se foi eles que nã par'ceram, só já lá bem p' ô fim da pr'cissão é que dí com o Tóino Arraúl, assim munto amòrado ali p' a um canto do adro da igreja, sem ninguém p'a palear e, mái que certo, tamém chêazinho de laberca c'm' ê cá.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
E, havendo homens que dêam àvonde, saem tamém os andores do S. João e da Senhora das Dores.

Meti-me, logo, com ele:

- Atã, Tóino, que cara é essa?!... 'Tás p' aí zangado com alguém ó dói-te alguma coisa?... Béque-medesmorcido...

Isto, no largo da Igreja.

- Nã!... Que jêto?!... 'Tava p' aqui sòzinho a ramoer cá nas minhas coisas. Tamém, nã vejo p'r 'í amigo denhum com quem falar...

- Do mémo mal me quêxo eu... Os que vieram vã quái tôd's ali debaxo dos andores ó a sigurar nas alenternas da pr'cissão...

- Atã e tu 'tás aqui de fora p'r mode quem?... Que jêto nã ires tamém dar ali uma manita?...

- Nã vês, tenho que tirar dôs ó três retratos qu' é p'a amostrar à famila c'm' é que sã os c'stumes cá de Monchique... Agora tu, Tóino, bem que podias ter ido pegar ali num andor ó levar um estandarte ó coisa assim...

- Que jêto?!... Atã nã vês qu' aquilo é só p' ôs irmãs e ê cá nunca fiz parte da Irmandade...

- Mái vestias uma opa daquelas roxas e pagavas no pálio ó numa alenterna ó coisa assim... E inda 'tás munto bem a tempo d' ires dar o nome p'a Irmão...

- E, más a más, que tenho aqui um calo qu' é um d'sparate, no dedo grande, que custo a assentar o pé no chão. Que figura era essa qu' ê fazia, ir ali no mê da pr'cissão coxo-pé, coxo-pé...

- Ora que nã 'teja trilhado, p'r qu' é que nã o amèzinhas com uma rodela de t'mate-da-índia? Nôt's temp's, havia munto quim usasse a fazer essa mèzinha...

- Olha, hoje im dia, méme qu' uma pessoa quêra, já nã dá fêto tal mèzinha que, há que tempos, que nã vejo tal coisa. É verdade, já pensí nisso e nem p'r nada que dí descobrido uma t'matêra-da-índia im banda denhuma...

- Atã, o melhor é ires ali à farmácia, qu' o Chico vende-te lá uma pomadinha quasequer qu' ele saiba, que, na falta do t'mate-da-índia, semp'e t' al'via aí um coisinho as dores, méme que nã cure.

- Calhando...

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Em respêto p'r o Senhor 'tar morto, nã se tocam sinos nim campaínhas. Usa-se a matraca.

- Ele des que tamém há ôtra coisa, qu' a minha Maria usa a ter lá nas flores dela, qu' as folhas tamém têm mèzinha p' ôs calos. Agora nã m' alembra c'm' é qu' ela l'e chama... Mái, a parenta Glòirinha inda, ôtro dia, me disse a mim, que curô os dela com aquilo. E nã l'e doé nada. Des que foi mèzinha santa...

- Atã e nã m' arrenjas lá umas folhinhas dessas, Refóias? Se nã 'tô im im erro, béque-me a alomeam p'r erva-calêra...

- É isso mémo!... Dêxa 'tar qu' ê, em chigando a casa, logo digo à minha Maria a ver s' ela inda tem p'ra lá disso que te d'spense duas ó três folhinhas.

Nisto, desata-se a ôvir o traca-traca da matraca, lá vinha a pr'cissão já a assomar ô canto da rua. Foi um 'stante até chigar ô adro da igreja.

- Esta coisa da matraca, béque-me nã l'e acho munto jêto. Andar p' ali um homem à frente da pr'cissão a fazer um barulho daqueles...

- Ó Tóino, atã nã vês que, hoje, o Senhor 'tá morto nã se pode tocar sinos?!... Aquilo é p'a avisar tôd's que vem aí o Enterro.

- 'Tá bem que seja, mái atão... nã vô munto com aquele matraquear... Mái, respêto. Nisso 'tejas certo, qu' ê cá respêto.

- Aí, 'tás certo. E, agora, 'pera aí um coisinho qu' ê vô-me ali tirar mái uns retratinhos, já venho.

E pus-me p' lá, vá de carregar no botão. Olhem, nã foi nada, ia inchendo o resto da máquina... Sim, qu' ê cá já sabia, e agora inda sê melhor, que retratos de nôte, inda p'r cimba na rua e sem mat'rial c'm' deve de ser, é caso p'a nã s' apr'vêtar das dez partes uma.

Mái c'm' isto, agora, já nã se tem que levar o rolo a mandar revelar, é tirar e dêxar andar. Q'ontas mái, melhor... E, despôs, logo se vê o qu' é que dali resulta.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
No pálio, pegam os homens com opa roxa, qu' é a cor de luto da Igreja.

E a pr'cissão lá antrô p'a drento de igreja, o senhor Prior fez o que tinha a fazer e disse o que tinha a d'zer, e a famila lá se fomos tôd'e imbora p' a casa que já nã era munto cedo.

Qu' ê cá, falando verdade, nã fui logo bem p'ra casa. Entes, inda fui atrás dos andores da Irmandade, acompanhá-los 'té à igreja da M'sericórdia. O qu' é mecêas querem, ê gosto de ver as coisas todas até ô fim...

E nã 'tô repeso, dig'-l'es já... Vi munto mái do que cudava. Aqueles senhores que mandam lá naquilo viram-me assim béque-me com aquela enfluêinça toda, ora, 'té me dêxaram antrar lá p'a drento da sac'stia e ver as imajas e aquelas coisas todas que lá têm.

Uma coisa do mái bonito que pode haver... Tanto faz na igreja, c'm' na sac'stia, c'm' no resto, nem l'es sê incarecer o que lá 'tá. Em bonito e em valor. Só vendo... Mái, um dia, em calhando e se me darem opas - mái aqueles senhores sã tã porrêros que tenho a firme certeza qu' eles me dêxam - logo tiro lá mái uns retratos p'a l'es amostrar.

De manêras qu' a minha Maria e a prima Glòirinha até que já 'tavam p' ali fartas de esperar p'r mim e chêazinhas de frio - qu' isto quem espera, d'espera e infastia - e vá de me darem sinal. Lá me vi obrigado a pôr-me a mexer... Mái vinhe sast'fêto.

É que tamém já me 'tava a alembrar que, dali a dôs dias, era D'mingo de Páscoa e tinha a Pr'cissão Real p'a devassar. E, más a más, que já me tinha soado qu' havia quem 't'vesse todo fêtinho p'a fazer uma su'presa à famila, ali no Porto Fundo.

E, dessa manêra, só já me falta l'es d'zer qu' o tal contrato qu' ê fiz com a minha Maria, quem é qu' havera do ter ganho?... No Sáb'd' Aleluia, foi ela que mo ganhô, 'tá mái que visto!... O qu' é que se esperava... Nem tampoco morêce falar mái no caso, que vergonha tem cá o Parente, que nã dô conta dela. Isto, as m'lheres, têm munta manha, mês belos amigos...

E se qu'rerem ver mái retratos das endoenças, acalquem aqui na galeria Endoenças 2007.

E hoje 'tamos conversados. Dés l'e dê saúde.

04 abril 2007

A Pr'cissão dos Ramos

Procissão dos Ramos - Monchique
Já a frente da pr'cissão vinha aqui à Praça, inda os últ'mos 'tavam a abalar do Senhor dos Passos...

Pôs foi tal e qual c'm' ê l'es tava a d'zer... Se nã alargo o passo ali ô primo Zé Mira prêacima - Dés o tenha com Ele - qu' a minha Maria até f'cô p'a trás quái arrèlada, nã chigava ô Senhor dos Passos a temp's de ver a pr'cissão abalar. É qu' a Cruz já 'tava na rua, c'm' viram no retrato do ôtro dia.

Q'ondo dô de frente com aquilo, logo, com o alv'riamento de vir atrasado, inda pensí:

- Já perdeste de vestir uma opa, que nem p' à ingreja dás passado...

Mái, despôs, olhando bem, é que repàirí qu' os homens, ô fim de contas, nenhum vinha com opa. Só os irmãs da M'sericórdia, que vinham um coisinho lá mái p'a trás, im roda do Senhor Prior, é que traziam o b'landrau. E tôd's munto bem apresentados com ramos de palmêra más altos do que eles. Mal se via os olhos d' uns tantos...

Passado um belo pôco, a pr'cissão lá arrompeu e, inda assim, p' àquilo qu' ê cá cudava, ajuntô-se bem munta famila... É qu', aí uma hora entes, nem tanto, o astro tinha-se toldado qu' era um d'sparate e inda caíram umas três ó quatro pingas de chuva, dumas nuves que parceram ali do lado do poente.

Ora se se dá o caso d' ele nã descampar, nem pr'cissão havia, q'onto más a famila ir lá p' às bandas do Senhor dos Passos... Ia era logo tudo, d' infiada, p' à Matriz e, pronto, lá se perdia uma pr'cissanita tã bonita. A minha Maria, ô sintir o tal aguacêr'salho, inda pôs o avental p'r cimba da cabeça e dé, béque-me, assim um "ai, que lá se fica sem p'recissão...".

Foi aí qu' ê cá m' alembrí de fazer o tal contrato. E nã foi lá grande idéa me vir tal coisa à cabeça... É qu' ela ganha-me tôd's dias!... Vá lá, qu' inda ela nã l'e ter dado p' à orde ser "enjoelha-te!" já foi uma grande coisa... Um ano foi assim, acabedô-me ter de m' enjoêlhar umas dezoito vezes. Pôs, foi méme dezoito, que bem m' alembra que foi a conta do sapo, sa senhora.

A menina Ana Pinto contô aquela parte da tia dela, que Dés a tenha, se ter fêto de pobrezinha, com um xale e um cajadinho e tudo, ali na' Escadinhas do Relójo, p'a ganhar um contrato. Pôs a minha Maria tamém já me fez uma par'cida com essa, aqui há uns dôs anos.

Procissão dos Ramos - Monchique
Tanto faz a Irmandade c'm' ôs Escutas, vinha tudo c'm' devia de ser...

C'm' na Sexta-Fêra Santa nã é dia de se fazer nada, qu' é um dia tã santo, tã santo, que nem tampôco as m'lheres podem trocer a rôpa, ela tinha fêto a cama de lavado na béspra, mái nã lavô os lençós qu' era um grande pecado.

Mái, méme nã tendo lavado a rôpa, estendeu esses ditos lençós munto bem estendidos, c'm' se 't'vessem a inxugar, im cimba dumas pernadas d' ol'vêra que 'tavam ali ô canto da rua.

Ê cá alevantí-me bem de manhãzinha cedo, a ver se nã perdia o contrato, isto no Sáb'do d' Aleluia, e jã nã na vi im lado nenhum. Pensí logo qu' a coisa nã me 'tava munto boa cá p' ô mê lado, mái cudí qu' ela 'taria descondida n' alguma sobrêra ó coisa assim, ali p'a trás de casa. Ora, fui com munto jêtinho p' a m' assomar p'a lá.

A marafada tinha-se alapado debaxo dos lençós - quem m' havera de d'zer... - dêxô-me passar p' ô lado de lá, tã penas me panhô de costas, salta num cagaçal "enjoelha-te! enjoelha-te!" e lá tive que l'e pagar as amêndoas... E inda o que mái me custô nã foi ela me ter ganhado o contrato, foi foi ela vir assim p' trás, à falsa fé, qu' ê cá até dí um salto com a cagúifa que panhí...

Mái, voltando à pr'cissão, qu' é uma coisa qu' ê gosto semp'e munto de ver, aquilo 'tava tudo bem terminado e, que fossem nôv's que fossem velh's, via-se qu' iam lá tôd's com munta crença e respêto. Isto aqui im Monchique, a famila inda veve à manêra de c'm' há bem munt's anos, nã é c'm' nalguns sitos que sã quái tudo já uns herejes...

O que me dá mái pàxão, nesta pr'cissão, é qu' inda bem nã c'meçô já 'tá de resto e andores nã leva. Só o Estandarte da Irmandade. Más olhem que bonito é ele ô bem fêto e há-de ser uma coisa de munto valor... Quem saber melhor do qu' ê cá, que nã sê nada, faça favor de m' insinar.

Procissão dos Ramos - MonchiqueProcissão dos Ramos - Monchique
Este Estandarte da Irmandade é bonito até mái não. E, em valor, nã sê o quem tem...

Em a pr'cissão 'tando drento da Matriz, o Senhor Prior desata logo a d'zer a missa, mái há quem tenha o c'stume de f'car ali no adro de palêo. Isto na classe dos homens, já se sabe, qu' as m'lheres, essas, antram todas e vã, logo, lá bem p' à frente. Só já nã usam a pôr o véu, qu' isso foi, béque-me, uma coisa qu' a famila se foi desquecendo e já passô de moda faz munto tempo.

Nã sê que jêto uns q'ontos usarem a fazer isto. Já nos funarales é a méma coisa... Tarã medo qu' o telhado l'e caia im cimba?!... Uma vez, ôvi o Senhor Prior fazer esta prècura, mái nenhum l'e dé reposta.

Pôs, D'mingo de Ramos dé-se o méme caso e ê cá tamém inda f'quí ali um belo pôco, que fui panhado p'r uns amig's e nã me furtado, assim sem mái nem quem. E já agora, semp'e l'es conto c'm' é qu' a coisa se passô.

Ê vinha assim com umas folhinhas de palma benta numa mão, que nã dava trazido um ramo entêro, e máquina de retratos nôtra. Até quem me dé essas folhinhas foi o mê compad'e Jôquim do Barranco, que tamém pertence lá Irmandade e vinha com o sê b'landrau e um ramo de palmêra daqueles inda mê p'r abrir com as folhas assim mái p' ô lado do branco que p' ô verde.

O homem faz presunção de s' apresentar sempre que melhor nã haja: um b'landrau in condiçõs e um ramo de palmêra dos mái vistôsos.

E atão, logo ali, à chigada ô adro, vejo dôs, de costas, numa grande conversada. Olhí melhor, pensí cá p'ra mim:

- Ó passo desapercebido ó, se me lombrigam, já nã me visto livre deles... Aquilo sã o Tóino Roça e o parente Abíl'o Pastana...

E eram. Inda briguí p'a ver se me dava metido assim ali p' ô mê da pr'cissão, mái aquilo, a famila, vinha já tudo pertado p'a antrar na igreja, nã me dí arrumado de manêras qu' eles nã repàirassem im mim.

Procissão dos Ramos - MonchiqueProcissão dos Ramos - Monchique
Cá im tôd' ô Algarve, é d' adregue haver uma terra qu' a famila seja tã amiga de par'cer semp'e nestas coisas.

- Ó parente! Parente!...

Inda fiz que nã tinha ôvisto, de cara bem voltada p' à frente e quái sem pastanejar. Más o parente Abíl'o nã me largô da mão inq'onto nã me fez olhar p'ra ele:

- Parente Refóias! Venha cá!... Ande cá aqui ô pé da gente, nã fuja. Atã que figura é essa?...

Lá tive qu' ir, pôs atão...

- Nã me diga que 'tá zangado aqui com o mê compad' Abíl'o, que já nã digo com-migo?!... Béque-me nã qu'ria vir...

. Qual o quem, nã vê qu' ê ia ali t'mando sentido à pr'cissão, nã l'ví repáiro de vocêas...

- Ai homem marafado!... Pensa que m' ingana?!...

C'm' à coisa nã me 'tava a calhar, p' a l'e trocar as voltas, d'sfarçí a conversa e mudí d' assunto:

- Mái désna de q'ondo é que vomecêas os dôs sã compadres?... Atã o Abíl'o nunca casô e vomecêa, parente, inda nunca teve filhos... E, agora, calhando, tamém já nã pensa nisso...

Salta logo o Abíl'o Pastana:

- Atã nã somos compadres de palmas?!... Olha, e faz hoje anos... É D'mingo de Ramos que se faz aquilo dos compad'es de palmas com as palmas bentas.

- Hoje em dia, já ninguém usa a fazer isso, mái nôtr's temp's, era munto de c'stume fazer essa sortes.

- Pôs ê cá tamém já fiz isso, aqui com o tê parente Tóino, há coisa aí bem duns trinta anos...

- P'ra más do que p'ra menes, compadre... Tinha-se vindo da tropa fazia pôco tempo. Ele há más é perto duns q'ôrenta...

- Bom, mês amig's, tenham pacência mái, agora, vô-me andando, qu' ê tenho qu' ir à missa. E s' a minha Maria nã vê lá, inda me dá alguma desanda...

Era ê cá a ver se me livrava deles...

- 'Pera aí... Que pressa é essa?... Dêxa-te 'tar aqui mái um coisinho com a gente. Ó tens qu' ir comprar a bula, nã se vã elas acabar...

- Nã se brinca com coisas dessas, Abíl'o... Olha que fazes pecado...

Procissão dos Ramos - Monchique
A pr'cissão antrava na porta da Matriz e ê nã dava tirado as vistas deste pórtico, bonito até mái não, l'e chamam eles, os que sabem, "pórtico manuelino"...

Inda ê cá era moç'-pequeno, é qu' havia as bulas. Agora?!... Isso já acabô há munto tempo. Nã sê s' inda s' alembram, em quarta-fêra de cinzas ó um d'mingo entes, ia-se à sac'stia e comprava-se-as, qu' era p'a se poder c'mer uma carninha durante a q'ôresma. Isso, n' alguns dias, qu' às sextas-fêras, nem com bula nem sem bula...

P' à casa cá do Parente, qu' era pobrezinha, comprava-se uma de quatro destõs, agora p' à casa daquela famila de mái posses tinha de ser das de cinco e até de dez. Mái, ô menes, f'cava-se d'spensados de abst'nêinça aqueles dias tôd's... Tirando as sextas-fêras e sáb'd' Aleluia, 'tá bom de ver.

E agora, vêm aí as endoenças. Vamos lá a ver o qu' é qu' o tempo pr' 'í faz, qu' isto, c'm' ele tem andado, nã se dá governado vida fora de casa e, em havendo pr'cissõs, 'tá o caso mal parado.

Atã, boas endoenças p'a tôd's e uma Páscoa chêazinha de folares com muntos ovos e, já agora, tamém umas Sitedoinhas p'a endoçar a boca dos g'lôses. P'r menes, p' à minha Maria aquilo é uma g'lusêra que nã dô conta dela. Se nã l'as escondo, come-as todas d' enfiada... Inda me panha p' aí os diabêtes...

Entes d' acabar o post dum todo, só mái uma coisa que já m' ia desquencendo. Dés l'e pague àquela amiga anónima que fez um c'mentáiro no post entes deste e dêxô aquela lengalenga dos contratos.

Se nã l'e par'cesse mal, ê cá punha aquilo aqui no glossáiro e fazia menção à su famila, s' acuaso qu'sesse e me d'zesse quem são. Faça-me lá esse jêto, minha bela amiga... Nunca s' arrependa de fazer bem.

Atã, fiquem-se com Dés.

02 abril 2007

O Contrato com a Maria

- Ó Maria, esta q'ôresma inda nã fazemos nenhum contrato. Entes de s' abalar p' à Pr'cissão dos Ramos, nã se faz um?...

- Olha que bela alembrança que tu t'veste... É qu' ê cá tenho preciso de quem me compre umas amendoinhas p' à Páscoa...

- 'Tá bem que tu, gavina c'mo és, gánhas-me quái sempre, mái vam's a ver s' este ano ê te faço a parte...

- Atã e o qu' é que se paga? Aquele que perder, 'tá bom de ver...

- Olha, se fosse nôtr's temp's, podia ser uma amendoinha de cinco destõs, mái c'm' é agora, escolhe tu.

- Ah, ê cá quero um ovo da Páscoa, daqueles de escolate, munto bem imbrulhadinhos naquelas pratas tôdas incarnadinhas e amar'linhas, que vendem ali naquele supermercado novo, o Sol e Serra e um pacotinho de amêndoas daquelas de p'nhão...

- 'Tá combinado!... Mái vê lá nã tenhas de ser tu, este ano, a alancar com isso... Se ser ê cá a pagar, ficas já sabendo qu' ê compro é à do João Padêro, qu' é mê amigo, e ê nã m' intendo lá munto bem com estas coisas m'dernas destes supermercados d' agora.

- Logo se vê... Mái nã faço essas contas de ser ê cá a ter de puxar da nota... E nã vale im casa. Só na rua é que se pode mandar olhar p' ô céu.

Fazendo um contrato P'a se fazer um contrato engancha-se os dedos desta manêra.

- Atã, ingancha aqui o dedo miminho no meu. Vá...

Contrato contrato, Contrato fazemos, Sáb'd' Aleluia Desmancharemos.

- Olha p' ô céu!!!...

Diz logo o raça da m'lher, munto limpêra, inda mal nã tinha acabado a lenga-lenga, que nã me dé tempo a coisíss'ma nenhuma. E, munto descontravondade, lá tive qu' olhar p' ô céu, pôs atão...

Mái pensí: "dêxa 'tar, qu' amanhã ê logo te dô o arroz..." E vá de dar voltas ô miolo a ver c'm' é que l' havera de fazer a parte, no dia a seguir - que foi esta manhã - e ser ê cá a l'e ganhar.

De manêras que, andí tôd' ô D'mingo de Ramos a ramoer naquilo a ver se lombrigava uma manêra d', esta manhã, l'e mandar olhar p' ô céu pr'mêro que ela. E o qu' é que m' havera de dar na cabeça? Desconder-me no alpendre, p'r trás dum emparo qu' ê fiz ali com uns paus e umas jastras.

Ora, esta manhã, alevantí-me, já nã na vi na cama. Fui munto d'sfarçado, c'm' quem nã quer a coisa, munto devagarinho p'la casa de fora, escutí, oiço um remôrzinho na cozinha. Pensí, logo:

- É ela que 'tá a fazer o café...

Aibro a porta da rua com munto jêtinho, vô-me todo incostado à parede, ô passar p'r a j'nela da cozinha, agacho-me e fui ingat'nhando até passar p' ô lado de lá, p'r a ela nã me ver, e chêgu' ô alpendre, munto l'gêro, fazendo conta que, q'ondo ela saísse à rua, cudando qu' ê inda 'tava dêtado, era méme à medida...

Pôs, a medida foi que, q'ond' ê me vô amalhòfar lá p'r trás do tapigo, já a marafada lá 'tava... Ora, um homem, assim de chofre, fica insampado nem sabe o qu' há-de fazer... E ela, que já 'tava à coca, salta logo, ôtra vez:

- Olha p' ô céu!!!...

Ah, fado dum ladrão!... Lá f'quí todo imbatucado e tive qu' olhar mái uma vez p' ô astro. Tamém fíze-o assim quái d'sfarçadamente e apr'vêtí a ver s' ele choverá pr' aí ó não, qu' ê despus p' ali umas t'matêras e nã me calhava nada que l'e chovesse im cimba. E ele nã 'tá lá munto certo, nã senhora...

- Mái atão tu nã 'tavas a fazer o café?!... Béque-me t' ôvi lá a dar r'môr na cozinha...

- Isso foi ê cá que dêxí a escolatêra ô fogo com a tampa mê alevantada p'a nã escorrer p'r cima. E a água já há-de 'tar a f'rver...

- Ah, m'lher marafada... Mái atã ê nã te ganharê uma vez?!...

E nã l'es digo nada. Isto 'tá ruim, qu' a marafada da minha Maria é mái fina qu' o azête... Tenho que m' aprecatar munto bem senã ela ganha-me más é o contrato no Sáb'd' Aleluia...

Ê cá, despôs, logo l'es conto. Se m' alembrar...

Procissão dos Ramos - Monchique Com a ãinsa de fazer o contrato, q'ondo chigamos à igreja do Senhor dos Passos, já a pr'cissão 'tava quái a sair...

Ô certo, ô certo é que, no D'mingo de Ramos, com aquela ãinsa toda de fazer o contrato, q'ondo chigamos à igreja do Senhor dos Passos, já a pr'cissão 'tava na rua, quái a sair p' à igreja Matriz.

Essa parte logo l'es conto amanhã ó despôs.

E se fazeram algum contrato, tenham munta conta p'a ganhá-lo e c'mer umas amendoinhas de graça no Sáb'do d' Aleluia...

Passem tôd's munto bem.