28 fevereiro 2007

A Rotunda do Descansa-Pernas

Rotunda do Descansa-Pernas - Monchique A r'tunda do Descansa-Pernas, d'zer a verdade, é um coisinho 'pertada...

Um destes dias, hôve um amigo que me falô duma r'tunda que 'tá quái fêta ali p' ô Descansa-Pernas e que des que tem dado p'r 'í um grande falatóiro.

D'zer a verdade, já há bem munto tempo qu' ê cá, q'ondo passava p'r 'lí, via aquele trabalho, mái atã', o qu' é que mecêas querem, nã liguí. Uma pessoa já 'tá tã ac'st'mada a ver covas e impecilh's p'r tôd' ô lado - no mê' da 'strada, nos passêos, adonde calha... - que, parte das vezes, já nã dá importãinça ô que vê...

Mái tamém, agora, abalí e fui lá d' apr'pósito p'a devassar aquilo bem. É que espertô-me inda má's o ent'rêsse qu' ele disse-me p' a ir a um sito ch'mado monchiquenet.com, ô forum deles, qu' é lá adonde conversam e chamam nomes uns ôs ôtr's, qu' até já tinha sido lá alomeado o mê nome.

E nã é qu' ele tinha r'zão?!... Olhem, 'té f'quí tod' inchado de incontrar lá um a d'zer qu' era admirador cá do Parente... e mái contente f'quí ainda p'r mode ter descobrido qu' a famila já vai escrevendo umas coisalhas na internet.

E tamém me fartí de rir qu' aquilo, alguns, sã marafados p'a largar uns d'chotes - com r'zão ó sem r'zão - que sã munto bem caçados. Em tendem um coisinho de vagar, vã' lá e andem um pôcachinho à pregunta daqueles mái ad'v'rtidos que, calhando, panham uma barrigada de rir.

Mái, voltando ô Descansa-Pernas, 'té fui lá mái depressa qu' ê tamém já tinha tirado uns retratos ô campo da bola e perdi-os. E pensí:

- Duma assentada faço as dôs serviços e, assim, em me dando jêto, já tenho assunto p'a m' entreter mái um pôco.

Rotunda do Descansa-Pernas - Monchique Os carros l'gêros amanham-se bem. Mái atã' e os ôtr's?...

E foi o que fiz, já a mê' da manhã, com um belo sol que nem parêce deste tempo a dar luz e calor à força toda. É que nã se desqueçam qu' inda 'tamos em F'v'rêro e aquele pôcachinho qu' ê 'tive lá, que nem um casquêro leví nos cascos, já sinti ele m' acalar bem na cachimóina.

E olhem qu' os antigos d'ziam qu' ele, nestas alturas do ano, sabe bem mái paga mal e é bem verdade. Nã se pode uma pessoa descudar ó é d'adregue nã panhar p' aí uma catarrêra que nã é coisa nada boa de gramar. E com essa gripe que dá p' aí nos pintos, nã há c'm' um homem s' aprecatar...

Pôs, fiz o caminho todo até lá e nã arrenjado um amigo p'a ir com-migo, p'r más que nã fosse p'a se tramelar um coisinho. Isto a famila, com este tempo, vai logo tudo fazer alguma coisinha na fazenda. Os que já têm umas batatinhas temprôas com o tempo fêto apr'vêtam p' às arrencar. Ôtr's têm a cava p'r fazer e lá vão, d' inxada ô ombro ó amontados num trectorzalho, fazer esse serviço.

De manêras que, ô chigar lá, fiz-me assim, béque-me, desintendido, p'a ninguém repàirar no qu' ê 'tava fazendo e lá fui tirando retratos até mái não. Só passado um belo pôco é que vejo assomar lá à curva do hospital um vulto. Digo:

- Aquilo há-de ser alguém conhecido, calhando...

E abalí d'rêto a ele, que, nesse mê' tempo, já tinha descobrido qu' era um home e dava-me ares a ser o ti Vergil Patinha, qu' ele trazia um burro d' arreata, tal e qual o Carôcho dele, com uma listra branca na testa, o andar lazêrento e as orelhas semp'e munto pendidas p' ôs lados.

Atã e nã é qu' era méme?!... E conhecé-me logo. Inq'onto ia ô incontro dele, já o ôvia arrulhar:

Rotunda do Descansa-Pernas - Monchique Vindo do lado de Sabóia, carros grandes, assim c'm' um semi-reboque, é uns trabalhos...

- Eh, amigo Refóias, há tant' ô tempo que nã no via...

- Eh, ti Vergil... Atã c'm' é que vai?... Já vê' hoje da R'bêra Grande?...

- Vinhe. Tenho aqui o mê Carôcho descalço duma mão, que l'e caí' a ferradura, o pobrezinho até quái que coxêa, leví aí uma preçanada de tempo p'r esse caminho.

- Ó mê belo amigo, tem que ferrar o bicho qu' ele nã pode andar assim...

- Pôs tenho e vô-me já tratar disso.

- Vá, sa senhora. Mái nã vá munto depressa qu' eles, agora, fazeram além uma r'tunda tã pertada - nã na vê além? - que pode o Carôcho nã dar fêto a curva e jogar a carga p' a fora da estrada...

- Lá 'tá vomecêa semp'e a mangar...

- É verdade, ti Vergil. Fazeram ali um trabalho que toda a gente põe as mãs na cabeça c'm' é um carro grande, que vá daqui, dá passado sem bater no lancil ó pisar a r'tunda com o rodado de trás.

E lá se foi os dôs andando p' ô lado do Descansa-Pernas.

- Nã vê?...

- É capaz de ter r'zão, sa senhora. 'Tá bem qu' ê nunca tirí carta, mái béque-me vejo isso ruim p'a qualquer dar dado aí a volta com um camião dos grandes. Tem que ser fôito e ter munta práct'ca de guiar.

- Mecêa nunca tirô carta, mái anda aí na estrada munta vez com o sê Carôcho e vê as coisas c'm' elas são.

- Más olhe qu' eles fazeram aqui uma coisa qu' e 'tá munto bem fêta... Nã vê, a calçada além da r'tunda 'tá à méma altura do alcatrão. Há-de ser p' ôs camiõs l'e passarem com as rodas p'r cimba e nã haver azar...

- Calhando, 'tá a ver bem a coisa... Os homens sabem o que fazem...Má's, eles tã inda ali a escrafunchar no alcatrão. Andam, andam, inda vã desmanchar aquilo tudo... E aquele nã é o amigo Carlos?...

- Qual? Um que mora àlém daquela banda? Pôs é...

Rotunda do Descansa-Pernas - Monchique Inda pensí qu' o home ia partir aquilo tudo p'a pôr c'm' d' antes, mái 'tava atribuído...

O homem 'tava lá no sê serviço, com o m'tor nas mãs, jogado ô alcatrão a fazer aquilo tudo im fanicos, com o barulho nã intendia nada da nossa conversa. Tive que l'e dar vaia, bem alto, p'a ele olhar p' à gente.

- Atã, mê amigo, vã' estafajar isso tudo ôtra vez? Era o qu' eles faziam bem...

- Nã!... Ist' é só p'a descobrir aqui as tampas. F'caram baxas. Esta e mái umas duas ó três. Nã vê àlém aqueles buraquinhos pequenos? P'r baxo 'tã iguás a esta.

- Ah, e ê cá a pensar qu' inda 'tariam p' aí a alargar isto mái um coisinho ó...

- Nã, nã... Ist' é só p'a eles darem subido estas tampas p'ra cimba.

- Atã, nã perca o sê trabalho qu'ê vô-me andando aqui com o ti Vergil, qu' o burro dele já 'tá empert'nente de 'tar aqui parado a olhar p'ra isto.

- Lá isso, ele só o que faz é abanar as orelhas... Dêxa-me lá ver s' ele tem p' aqui algum atabão a l'e picar?

Diz o ti Vergil, inq'onto dá uma vista d' olhos às orelhas do bicho.

- Hum... Cá p'ra mim, ele 'tá-l'e é a par'cer mal do que 'tá ver...

- Atabão nã vejo nenhum, lá isso nã vejo...

- Bom, haja saúde... Vamos más é assomar ali ô qu' eles 'tã a fazer p' à fêra dos inchidos...

E lá 'tavam já os barracõs tôd's no ar, prontos p' à festa de Sáb'do e D'mingo.

Por isso, já sabem. Sáb'do e D'mingo nã se furtem a vir comprar umas chôricinhas, morcelas, mólhes, torresmos e tudo que qu'rerem do que se faz numa mortepórque.

E no que respêta à r'tunda do Descansa-Pernas, aquilo inda nã 'tá bem acabado e pode-se dar o caso de se 'tar a falar entes de tempo. De manêras que, logo se vê no qu' é qu' aquilo vai dar. E vai com calma Chico... c'm' d'zia o ôtro.

Passem munto bem.

22 fevereiro 2007

Estátuas de Monchique - as outras

Im pr'mêro lugar, tenho munto a l'es pedir desculpa qu' isto, nã sê se foi p'r mode ser entrudo s' o qu' é que foi, andô pr' aqui tudo desalvorado. Os retratos, uns par'ciam ôtr's nã par'ciam e ê cá custí a dar conta disto.

É qu', inda p'ra más, os saganhetas adonde os retratos 'tã gôrdados tamém se resolveram p'a lá a mudar os servidores, qu' isto agora já quái ninguém tem trabalho certo a nã ser os empregados do Estado, e atão, calhando, aqueles acabaram o contrato e puseram ôtr's ô serviço.

Ora, os nôvos nã 'tavam bem ac'st'mados, 'tá bom de ver, e inda ajudaram a marafar más isto tudo. Mái a coisa, agora, béque-me,incarr'lhô ôtra vez. E, atão, lá vai o resto das estátuas da Vila.

Esculturas de MonchiqueInda bem o Tóino Pingueta nã se tinha despedido de mim, já ê cá lá ia caminho d' ô pé da farmácia de cima, ali adonde eles puseram um, munto incasacado, a fumar de cachimbo, com ar de munto fino.

E já agora, entes que me desqueça, quem fez estas estátuas foi um artista que nã narcé cá im Monchique, mái, ô fim de contas, é filho de famila de cá. O nome dele é Melício e, p'r o jêt', é um varinha nisto e nôt'as coisas que tem fêto 'í p'r tôd' ô lado.

Vejam aqui, qu' a amiga Mari' Lua mandô-me umas ligaçõs, e ê cá, tã parvo, já tinha dado com isto há uns belos tempos e barré-se-me tudo que, nem p'r nada, m' alembrava. Dés l'e pague, minha bela amiga... E, se prècurarem na internet, inda incontram mái coisas.

E com isto tudo, q'ondo mal dí p'r mim, ia a mê da Rua do Porto Fundo, munto emprensado, já a lombrigar a tal dita estátua que 'tá lá quái ô canto de cimba. Um moço munto jêtoso, com um cachimbo nas unhas a decer a rua, todo emproado, c'm' usa a fazer aquela famila de fora que vem p'r cá de v'sita munt' amiúde, mái no V'rã' que no enverno.

Im chigando ô pé dele, pus-me a o'servar bem aquilo e nã se pode d'zer que nã 'tá uma coisa bem trabalhada. Olhe qu' até parêce quái de verdade. S' ele nã o calhasse a ter pintado desta manêra tã enfarruscado, logo vomecêas viam... Havera d' haver munto quim s' atribuísse qu' aquilo era méme uma pessoa.

E, uma ocasião, 'té l'es posso d'zer qu' isso se deu. 'Tá bem qu' ele era um coisinho já de nôte e inda havia pôco tempo que tinham posto ali aquilo, mái se fosse uma coisa sim jêto nim trambêlho, quim é que s' ia inganar? Só quim viesse já bem escorvadinho...

Esculturas de MonchiqueEsculturas de Monchique Este dá ares a ter um coisinho de presunção. Mái que 'tá bem fêto, 'tá. Lá isso nã se pode d'zer que nã 'teja...

E ê tamém nã l'es vô d'zer que fosse o contráiro, qu' o Zé D'mongues inda hoje gosta de s' intreter na Portela e vinha de lá. E há quem diga qu' ele 'teve na venda a tarde entêra e só àquela hora é que despegô de jogar ôs três-setes im companha d' ôtr's três amig's. E aquilo, ô fim de cada jogo, vem semp' uma rodadinha...

Qu' ele é munto influído a jogar à carta, isso semp' tenho ôvisto d'zer...

Pôs o amigo Zé D'mingues vinha com tanta influên-inça de chigar a casa p'a bater o jantarinho que, nã repàirando qu' aquilo nã era uma pessoa, falô-l'e:

- 'Teja com Dés...

Dé' mái duas ó três passadas p'ra baxo, c'm' nã ôvi' r'posta, pôs o ôvido à escuta e ôlhô assim p'r o canto do olho a ver se dava conhecido a criatura. C'm' nã no conheceu, f'cô imbasbacado sim saber o que fazer.

- Nã tará ôvisto?!... Fal'-l' ôtra vez, nã l'e falo, o qu' é qu' ê faç', senhor?... - Pensô. E num derrepente, volta-se:

- Atã, parente, o qu' é que faz p'r 'qui, umas horas destas?... 'Tá aí aparado p'r mode quem? Quer ir p'a alguma banda e nã conhêce a Vila?

C'm' o ôtro nã l'e d'zesse nim isto nim aquilo, inda béque-me f'cô mái insampado...

- Ó mê belo amigo, veja lá, se t'ver preciso d' alguma coisa, diga lá qu' ê sô pessoa p'a l' e dar uma ajudinha. Désque 'teja ô mê alcance, 'tá bom de ver...

E o ôtro, nada...

- Ai, nã dizes nada?!... Atã 'pera aí qu' ê já te dô. Passe munto bem e até à vista, qu' o mê vagar é pôco...

E abalô caminho de casa.

Q'ondo lá passô ôtra vez, nã sê que tempos despôs, e inda lá vi' a criatura no mémo sito, pôs-se a olhar, fez assim um mòdinho de riso, vi' adonde 'tava e disse p'ra com ele:

- Olha que f'gura que fazeste naquela nõte, Zé... Tal era aquilo, se se dá o caso d' alguém ter visto?!...

Esculturas de Monchique Nã sê pre mode quem, o mest'e Melício béque-me gosta de fazer meçalhas-pequenas que nã se sabe bem s' é môç' s' é moça...

'Tava ê cá a m' alembrar desta passaja e já lá ia, Escadinhas do Adro abaxo, d'rêto à Quinta da Vila, adonde fazeram aquele jardim à roda da araucária e as p'cinas e aquela coisa toda. Nã é p'r nada, mái 'tá ali uma coisa... Quem fez aquilo nã se pode d'zer que nã tenha sido bem ôp'niôso.

Méme agora d' enverno, uma pessoa vai lá e dá gosto ver... Logo, que tem a araucária qu' é uma arv'e c'm' se vê pôco - p'lo jêto, foi despôsta no sito melhor que podia ser, qu' ela prosa lá tã bem que tem crecido aquilo que se vê. Despôs, o jardim 'tá todo bem arrenjadinho com arv'es e flores que nem tampôco têm míngua de dar flores p'a serem bonitas.

E, inda p'ra más, puseram-l'e lá as tales estátuas do mest'e Melício, qu' até um f'lano, méme andando p'r lá sòzinho, sinte-se com companha e, de q'ondo im vez, descuda-se e quái que l'e dá p'a puxar conversa com elas, fêto Zé D'mingues.

Já nã digo qu' isso se com aqueles dôs meçalhos-pequenos qu' ali 'tão, mái com este trabalhador que 'tá aqui jogado a partir pedra, uma pessoa apara ali ô pé dele, põe-se a olhar bem p' àquilo e é, béque-me, tal e qual c'm' se passa de verdade. Tirando o martelo qu' ele tem na mão - qu' isto aqui usa-se é uma maceta - e o pontêro, que nã tem e havera de ter na outra, aquilo nã tem quái d'f'rença denhuma...

E olhem qu' hoje já pôco se vê, mái, nôt's temp's, p'a se fazer fosse o que fosse d' alvenaria, era tudo im pedra. E, atão, quim é que nã tinha ferramenta p'ra isso, mòrmente se sabesse fazer qualquer coisinha de pedrêro?... Que, nesse tempo, a famila sabia fazer quái de tudo. Tanto se jogava a cavar um cantêro com uma inxada c'm' fazia um v'lado de pedra ó uma parede de taipa...

Inda, ontordia, im conversa com o mê parente Joanito do Forno, que tamém inda é Refóias do lado da mãe, se falô nisso. Ele 'tava p'ra lá a arrumar umas trugias no sobrado, saca desenlaca, tomba-l'e uma bróca que 'tava incostada à parede p'r trás dumas tábuas. P'r más um nada nã l'e panhava uma canela...

- Ai, fado dum ladrão, já nã m' alembrava qu' isto 'tava aqui, ia arrenjando a bonita!... Olha s' ela me panha a perna...

- Escraf'lava-te-a toda. Ora uma bróca dessas, quái com um metro de comprimenta e toda farrugenta, a te bater assim dessa manêra...

- Se nã fosse ser uma alembrança do mê falecido pai - que Dés o tenha - só me dava vontade era d' a jogar já ali p'a drento dum balsedo... Isto, tamém, já nã me serve p'a nada.

- Olha qu' às vezes, nunca se sabe... Podes ter precisão d' impurrar p' aí uma pedra assim maiorinha ó um tróço duma sobrêra, e uma barra faz semp'e jêto.

- Eh'q. Isto agora, já nã se faz nada à som de braço. Q'ondo se tem preciso, manda-se vir uma recta.

- Lá isso é verdade, mái ê cá quái que me dá uma pàxanita de ver as ferramentas aí todas a inferrujar. Assim c'm' tu, que tens aí de tudo, désna de barra e marrão até brócas e pontêros, haveras dos conservar isso e nunca as estrapôr...

- Nã... Isso lá estrapôrestraponho. Mái, parte das vezes, nem m' alembro que tenho isto pr' aqui e vai-se tudo estragando.

Esculturas de MonchiqueEsculturas de Monchique Tal e qual c'm' se trabalha na pedra. Só qu' im lugar do martelo havera de ter um maceta na mão.

E p'a nã nos impatar más, uma coisa l'es digo: em vindem à Vila, nã percam de dar uma voltinha p'r este jardim e devassá-lo bem, que nã ficam repesos. P' ôs que já 't'verem fracos das canoiras e nã darem decido munto bem as escalêras, qu' aquilo, d'zer a verdade, é bem munto empinado, vã à roda e passem lá ô pé da Junta de Freguesia que semp'e nã é um caminho tã ingr'e.

E, im chigandem lá im baxo, têm p'r lá bancos p'ra s' assentar à vontade e descansar as pernas.

E isto é tanto p' à famila de cá c'm' p' ôs de fora. Qu' esses, uns já vêem d'apropósito e sabem, e ôtr's nã sabem e aquilo passa-l'e tudo desapercebido. De manêras que, olhem p' à araucária, cá de cimba, e deçam até l'a im baxo p' à ver da ôtra banda, no mê daquele jardim tã bonito.

E Dés l'e dê saúde a tôd's.

13 fevereiro 2007

Estátuas de Monchique - Largo dos Chorõs

Esculturas de Monchique

Q'ondo o tempo 'tá infarruscado e nã se dá fêto g'verno nenhum, uma pessoa ó põe-se ô pé do fogo, e inda s' afitura a 'panhar uma preção de cabras nas pernas, ó atão vai-se dar uma volta aí p'r q'alquer banda.

Foi o que fiz, um destes dia, melhor d'zendo, sáb'do passado. O astro t'ava assim bem munto nuv'lado, um homem nã sabia bem s' ele vinha chuva s' ele al'viava, dig' p'ra mim:

- Nã havia nada c'm' ires 'í prê abaxo, levavas a mànicazalha e tiravas uns retratos àquelas estátuas qu' eles puseram p'r 'lí, que bem sabes qu' as que tinhas foram ô ar daquela vez qu' o raça do comp'tador avariô...

E c'm' a coisa 'tava desse jêto, peguí num chapé'-de-chuva, nã fosse ele me fazer aparte, puse-o às costas, pindirado méme aqui na gola da blusa, qu' era p'a dar sigurado com as duas mãs no resto das coisas, e lá abalí.

Más a más, qu' ele hôve aí uma bela amiga, a Mari' Lua, qu' é de bem longe, inda p'r cimba de L'sboa, e usa a vir p'r 'qui, lá q'ondo calha, ler estas parvidades, que, des qu', uma vez, vêo cá a Monchique im passêo e foi uma coisa qu' ela se gabô de ver foi tales estátuas.

Ora, ê cá nã sê s' ela as vi' todas ó não qu' ela só me falô daquela do m'çalho-pequeno com a bola e duma "que é um rapaz que está sentado no muro que dá para o jardim onde está a majestosa árvore Araucária". E atão, aqui l'es amostro todas p'a quem qu'ser ver.

E quem as conhêce, já s' há-de 'tar a desmanchar a rir da Mari' Lua ch'mar rapaz a uma moça tã jêtosa que p' ali 'tá assentada a olhar p'a tudo q'onto se no Largo dos Chorõs. E, inda p'r cimba, da manêra qu' ela 'tá, toda descomposta - quái se l'e veêm as vergonhas todas - que nã tem precisão d' amostrar o b'lhete d' identidade nim nada...

Esculturas de Monchique Quái tôd's s' inganam. Cudam qu' é um moço e, olhando bem, sai-l'e uma m'lher. Um coisinho descomposta, 'tá bom de ver...

Mái nã leve a mal, minha bela amiga qu' isto nã é judear consigo... É só p'a mangar um coisinho, que cá com o Parente tamém se dé o méme caso q'ondo vi' aquilo a pr'mêra vez. Cudava ê cá que nã havera d' haver quem s' afiturasse a pôr ali uma m'lher assim naqueles modes...

Isto p'a já nã falar do Tóino Pingueta, que, 'tava ê cá a tirar o retrato àquilo, 'parêce do lado do posto da guarda, amontado na zundap dele, cada vez mái velha, que fazia uma urrada e dêtava um torno de fumo do tubo de escaple, que metia medo... Só l'es dig' que nã sê c'm' é qu' ele inda s' astreve a passar im frente dos guardas com a b'cicleta a fazer uma zorrêra daquelas... Já na falando da falta de luzes e o travã' sabe-se c'm' é qu' ele trava...

Pôs o bom do Tóino, tã penas me viu, assim mê agachado, im frente da estátua, apára a b'cicleta quái no mê da estrada, e dá-me um eco:

- Eh, Refóias, mái atão o qu' é fazes aí quái com as nalgas no chão, mam?!...

Nem tampoco me dé' tempo de m' alevantar, oiço logo uma gradessíss'ma travaja atrás dele, q'ondo olho, vejo um a't'móvem, assim munto incarniçado, e um estapor lá drento, todo marafado, vá d' abanar os braços. O Tóino volta-se p'ra ele e, béque-me, f'cô ali insampado, sim fazer nada.

'T'veram os dôs assim naquilo um coisinho, o ôtro prega-l'e um apitadelão. O Tóino até estrameceu, mái olhô p' ô que tinha fêto - parar ali no mê da rua sem más esta nem más aquela - caí' nele e resolvé'-se a sair dali p' ô ôtro dar passado.

Joga-se ô punho da b'cicleta, acelara a fundo, larga a manete da imbriaja quái de repente, ora... arrenca de sacada qu' a roda da frente inda foi no ar uns dôs ó três metros... Jogo as mãs à cara, qu' inda vi jêt's dele bater a apèraja e ir afuç'nhar d' encontr' ô passêo...

Mái, vá lá que p' ali andô ôs gangueõs, foi, foi, enqu'librô-se, foi a sorte dele... E o saganheta do do carro é que se ria... Até s' l' ôvia as carcachadas cá do lado de fora. Qu' o filho duma magana inché' ali bem o papinho às tenças do Tóino Pingueta, lá iss' incheu...

D'zer a verdade, tamém a mim me dé' festa. Aquilo tornô-se ad'vertido ver a parte do Tóino, o ôtro a rir e, despôs dele abalar, os nomes que l'e ch'mô... Foi tudo q'onto l'e vê' à idéa... menes pai ó santo qu' isso nã s' alembrô. Ó nã quis d'zer...

Esculturas de Monchique P'r trás desta, 'tá uma vista da Vila. E logo fêta p'r uma artista de cá: Lurdes Sério.

Nesse mê tempo, inq'onto l'e ch'mava "filh' desta, filh' daquela, haveras de bater com os c... numa sobrêra, nã te dar uma tração, cã danado!...", foi-se apròchigando com a b'cicleta do passêo, puxô o descanso com o tacão da bota - umas botas canelêras de cabedal qu' ele comprô, há uns belos anos, na fêra de Castro, mái saíram-l'e tã boas qu' aquilo béque-me nunca mái se gastam... - e largô-a sem olhar nem nada.

Ora a b'cicleta inda nã 'tava bem sigura, dé' balanço. O descanso 'tava todo ratorçido, nã aguentô, prás! no mê do chão... Só quem viu é que pode d'zer... Volta-se p'ra ela, inzainado que nem um cão, nã sabia o qu' havera de fazer, vá um pontapé numa roda...

- Cadela dum raio, que só me dá vontade tiçar-te fogo!... Mái atão ê nã comprarê um mata-velhos, qu' é um descanso, e jogo este raio a uma barrêra abaxo ó p'a drento dum balsedo bem grande?!...

- Atã, Tóino, béque-me 'tás p' aí um coisinho infèzado, 'tã'-te a correr mal as coisas ó quem?...

- Ah, inda 'tás a fazer pôco... Nã viste bem o que se deu?!...

- Tem pr' aí pacênça, home, qu' isso qualquer um l' acontêce coisas dessas...

- Nã digo que nã 'tejas certo, mái o que me parcé' bem munto mal foi aquele estaporado se rir de mim daquela manêra. S' o panhasse, agora, aqui, punhefra qu' até o tarrincava!...

Aí é que mé cá uma festa que nã me sigurí, tive que me voltar um nadinha p' ô lado, puxar do lenço d' assoar munto l'gêro e fazer que 'tava a assoar a pinga do nariz ô méme tempo que quái que tirava um pedaço dum beço com a tarrincadela que l'e dí p'a ver se me continha sim desatar às carcachadas...

Mái a coisa lá se compôs e viemos andando p' à rés da estátua qu' ê nã tinha inda tirado retratos nenhuns que dessem nem viessem.

Esculturas de Monchique Este moç'-pequeno 'tá, béque-me, a convindar a gente p'a ver o bonito qu' a Vila tem... Nã veêm o Convento e a magnólia lá im riba?

Salta logo ele, já munto senhoril:

- Mái atão, o qu' é que t' ent'ressa tirar retrat's a um boneco desses, aí de perna aberta, béque-me a pedir esmola?... Inda se fosse uma estrangêra que t'vesse aí assantada, daquelas jêtosas que parêcem no v'rão...

- Ah, tu tamém inda nã viste qu' isto é uma m'lher?...

- M'lher?!... Qual m'lher nem m'lher!... Atã nã vês qu' isso tem cara de moço e cabelos e tudo?...

- É uma m'lher, sim!...

- Q'onto se 'posta?...

- Ê cá nã 'posto nada qu' ê sê munto bem qu' é uma m'lher...

- Vá, uma assadura ali n' "O Fernando"... 'Tá 'postado!...

- Olha que perdes... E ê nã gosto de te ganhar assim à má fé...

- Qual o quem!... Vai-se já prècurar aí a quem saiba. Nem que se tenha s' ir à Camb'ra...

- Ê cá nã tenho míngua de prècurar a ninguém... é só olhar p' ali...

E lá l' apontí ali p'a prebaxinho das goélas da m'lher. C'm' vomecêas já hã-de ter repàirado, a camisa 'tá assim um coisinho mal ab'toada e quái que dêxa ver ali um... um pêto da pobrezinha.

- Olha, inda nã tinha repàirado bem... Mái atã aquilo é o pêto duma m'lher!... !... Já nã s' emportam d' amostrar tudo o que calha... 'Tá bem que nã é coisa lá munto lustrosa c'm' às da minha T'reza, mái vê-se bem o que é...

- Ê nã te disse...

E o marafado nã tirava os olhos de lá...

- Tóino!...

- Dêxa-me lá ver bem isto... Atã é m'lher e 'tá aqui de perna aberta desta manêra?!...

E vá d' ingrilar ali p' àquelas bandas um coisinho mái prebaxinho do cesto...

- Tem vergonha, Tóino!... Nã faças figuras dessas...

- 'Pera aí, qu' ê quero deslindar isto bem...

'Té que lá pegô nele, passado um belo pôco, e se voltô p' ô mê lado, inda, béque-me, munto a custo.

- Vá lá que nã 'postamos, senã lá tinha qu' alancar com umas assaduras p' à gente...

- Ai, agora, já nã 'postamos?!... Tu d'zeste que 'tava 'postado, 'tá postado...

Dise-l'e ê cá só p'a antrar com ele...

- Nã, nã... Tu d'zeste que nã qu'rias 'postar...

E p' ali se f'cô a rançar que tempos um com o ôtro, um que 'postô, ôtr' que nã 'postô... 'té qu' ele p'a se ver livre de mim, lá se resolvé':

- Olha, Refóias, p'a ver se tu te calas já p' aí com isso, vamos más é ali ô Café bober uma calçàjazinha...

- Ah, assim 'tá bem. Já d'zia que tu nã te descaías...

E lá se foi os dôs.

Esculturas de MonchiqueEsculturas de Monchique Nã veêm que já hôve um grad'ssíss'm' ô badalo qu' andô a labuçar as estátuas com tinta azul...

A cabo dum pôcachinho, já se 'tava os dôs no café a b'ber uns solvinhos. Mái aquilo foi p'a despachar qu' ê cá tinha-me opôsto, nesse dia, a tirar retratos e nã l'e podia dar munta largueza senã passava o resto da tarde na bob'dêra...

E, atão, im menes de nada, já se 'tava na rua ôtra vez e toca d' ir, Porto Fundo acima, p'r mode ôtra estátua que 'tá lá p' ô pé do Carlinhos Coêlhêra.

Essa e as da Quinta da Vila logo l'es amostro, tã penas tenha jêto.

Fiquem-se com Dés.

02 fevereiro 2007

Coisas de Morteporque - 2ª pagela

Enchendo os mólhes Com a prática qu' elas têm, im menes de nada, as m'lheres enchem os mólhes tôd's.

Ele hôve uma pessoa, a senhora Ana Ramón, que escreveu aqui umas coisas num c'mentáiro, d'zendo que nã era capaz de ver matar o triste do pórco daquela manêra. E ê cá tenho que l'e dar toda a r'zão. Tem r'zão, sa senhora. Q'ondo a famila tem r'zão, nã se l'a pode tirar...

Olhe, inda hoje em dia ele há cá na serra quem nã goste nada de ver isso e quái tôd's os moç'-pequenos 'té panham até medo com isso, veja lá. A minha Maria, q'ondo era meçalha, tã penas ôvia o pr'mêro gornido, desatava a fugir... uma vez, foi a mãe dar com ela descondida debaxo da cama com as mã's agarradas as orelhas e branca c'm' cal da parede... E, inda méme hoje, ela nã gosta nada de tal coisa.

Mái, p'a quem nã sabe, tamém l'e digo qu' o ad'v'rt'mento da morteporque nã é matar o pobrezinho do bicho. Iss' é só uma parte que se tem que fazer méme descontravontade. O resto é qu' é bom.

C'mer umas besnégas, uma bela assadura ó uns bons piques, bober um casêrinho bem g'stoso ó uns porretes de madronho macio e bem agraduado, charolar, fazer um joguinho de cartas, quem diz ôs três-setes diz ô truque ó ô pôrro, e, coisa que já pôco se vê, um joguinho de pàlito que tamém dá munta influêinça.

Mái atão, o c'stume é este e a famila tem precisão d' arrenjar uma carninha p'a c'mer com a côve e os jantares de fêjão e isso assim... Já nã falando dos mólhes, morcelas e chôriças ó da banha incarnada, torresmos e coisas dessas, que, des que fazem mal - e fazem qu' ê sê que fazem - mái sabem muntíss'mo de bem...

Podia-se era pensar p' aí numa manêra mái m'derna de fazer esse trabalho p' ô animal nã padecer assim daquele jêto, que, d'zer a verdade, dá um coisinho d' empressão, méme a munt's homens c'm' ê cá.

Atando o mólhePondo o mólhe a cozer Os mólhes, à medida que sã' chêos, é só atar e pô-los a cozer no tacho das morcelas.

Inda um dia destes 'tive a cismar nisso e vê'-me à idéa uma coisa qu' eles podiam fazer e, calhando, resolvia-se o caso dôtra manêra. Im vez de pr'ivirem de se matar o pórco, fazia-se ôtra coisa - qu' eles nã pr'iviram as mortesporque, eles pr'iviram foi matar o bicho im casa e tem que s' o levar ô matadoiro.

A Junta ó a Câm'bra, ó fosse lá o que fosse, arrenjavam um aparelho desses de matar os animazes com elec'sidade, que des que há. E matava-se os bichos c'm' fazem no matadoiro. E só despôs do pórco morto é que se l' atanchava a faca matadêra p'a l'e tirar o sãingue.

Isto é uma idéa dum parvo, 'tá bom de ver, mái quem sabe lá se nã saria uma manêra de se dar fêto as coisas sem acabar com este c'stume, mái antigo que sê cá o quem, e, ô méme tempo, nã se fazer sofrer tanto os b'chinhos. E tamém nã s' ir contra a lê, ora essa...

Mái, inda falando da tal morteporque, da parte só das morcelas...

E atão, aquilo, foi c'm' um foguete. Nã demorando nada, já as m'lheres tinham posto os temperos nos tachos das morcelas e jogaram-se a incher os mólhes. Sim, qu' as tripas já 'tavam bem lavadinhas e ali mém' ô queres, à espera que l'e pusessem o picado p'a drento.

O picado tinha sido fêto já lá iam umas belas horas e 'tava ali bem temp'radinho com os adubos qu' a c'mad' Olália des que mandô aviar na Vila, mái nã sê bem adonde, qu' isto já vendem adubos a peso im pôco lado e os que vêm imbalados naqueles saquinhos nã é a méma coisa. Era o qu' elas 'tavam p' ali a tram'lear e ê cá, im tod' ô tempo, tenho ôvido d'zer o mémo.

Com um despacho daqueles, dé-se o caso de, s' ê me descuido mái um coisinho, nã panhar nada de jêto com a mánica dos retratos. Vá lá, qu' inda tirí estes qu' aqui l'es mostro...

Picado das morcelasPicado das morcelas O picado das morcelas leva uma preçanada d' adubos e tem de s' amassar bem...

E logo d' infiada, desataram a tratar dos temperos das morcelas e a amassar o picado. Aí, já tive mái vagar, qu' aquilo tem ôtr's precêtos e leva um coisinho mái de tempo a f'car pronto.

Repáirem no alguidar e vejam bem a preçanada d' adub's que se tem precisão de lá pôr p' àquilo f'car uma coisa tã g'stosa c'm' vomecêas sabem. É c'minhos ôs punhados, cravinho, p'mentão, canela, pimenta, ê sê cá o qu' é qu' elas p'a lá põem más... E sal que nã falte.

É uma parte ingraçada pre mode os funiles fêtos d'a pr'pósito p' àquele serviço. Levam elas ali zuca-zuca com o dedo a impurrar o picado p'a drento da tripa e, d'ora inq'onto, vá umas picadelas com um pregador p'a tirar o ar às morcelas e elas nã arrebentarem no tacho inq'onto se cozem.

E, despôs, as marafadas, ô fazer tal serviço, nã 'tã caladas nem um 'stante... E se vomecêas sabessem o qu' elas dizem, logo viam as carcachadas que davam... Grande parte das conversas ê nã posso d'zer aqui que me dá, béque-me, vergonha, qu' elas 'tavam era já destravadas até mái não. Qu' isto, as m'lheres, em partindem a pêa, já se sabe...

Enchendo as morcelasTirando o ar às morcelasMorcelas cruasMorcelas a cozer As morcelas, q'ondo se enchem e méme ô cozer, têm de se picar com um pregador p'a l'e tirar o ar.

Com tôd's os precêt's ó seja lá c'm' ser, é d'adregue nã arrebentar uma morcelinha ó duas. E mólhes, atã, nã se fala... Mái o que vale é que s' apr'vêta e come-se-os inda quentinhos, qu' é um consolo...

A c'madre, Olália, essa, coitada, lá ia, toda desgostosa, com um prato chê' deles que quái só se via arroz... As tripas tinham arrebentado no tacho, sabe-se lá p'rquem. Calhando, ó foi fogo a má's ó inchêram-nos munto d' arroz e ele inchô... Mái nã se perderam, nã senhora. Aquilo des'parcé tudo inq'onto o diabo esfregô um olho.

Mólhes e Morcelas cozidosMólhes rebentados Q'ondo se tiram do tacho é d'adregue nã 'tarem semp' uns q'ontos arrebentados...

E era horas de tratar das morcelas de farinha.

Aí, toca d' incher o alguidar de farinha de milho, um balde de sãingue invinagrado p'a nã coàlhar, mái um poder d' adub's e vá de mexêr com um colhêrão, p' ô resto dos piques das morcelas que lá 'tavam no fundo se masturarem bem com a farinha.

E vá d' incher os sacos à rôpa toda.

- Tu abres ê cá meto... - D'zia a prima Jôqu'nita, qu' é do mái destraviado que há.

- Nã, ê meto e tu é que abres... - Respondia-l'e a ôtra.

- Atã, s' iss' é assim, ê, despôs, ato e tu siguras e passas-l'e a mão, duma ponta à ôtra, p'a alimpar, que 'tás mái ac'st'mada...

- 'Tá bem, m'lher, seja lá munto bem c'm' tu quêras, mái o qu' ê tenho ôvisto d'zer é que tu é que tens munta prát'ca dessas coisas...

- Olá!... Atã isso só se faz mêa-dúiza de vezes ô ano, no tempo das mortesporque... E já anda assim apregoado?!...

- Ah, sim?!... Nã sabia que fazias isso assim tã pôcas vezes, m'lher... Cudava que sabias mái disso do qu' ê cá...

E nã conto má's que, daqui p' à frente, já tinha que pôr uma rodela incarnada no canto de cimba da folha, c'm' às tel'visõs fazem q'ondo dã' aqueles cinemas qu' os môç's-pequenos nã podem ver...

Amassando as morcelas de farinhaAmassando as morcelas de farinhaAmassando as morcelas de farinhaAtando as morcelas de farinha Uma abria, a ôtra metia. Uma sigurava, a ôtra atava... E, ô fim, passava-l'e a mão p'r cimba p'a alimpar...

E lá f'caram as morcelas de farinha a cozer no caldo moiro, qu' elas, atão, levam um belo pôco até f'carem im condiçõs. É coisa p'a umas quatro ó cinco horas, consoante e conforme o fogo qu' a gente l'e faça p'r baxo. Mái tamém há quem diga que q'onto mái tempo melhor, désna qu' o fogo nã seja munto forte, e despôs se dêxem lá a chocar.

Nôtr's tempos, com aquele caldo que se vê ali no tacho - a gente alomê-ô p'r caldo moiro - fazia-se umas papas qu' era um consolo. Era as papas-moiras. F'cavam era bem munto gordurentas e nã se podiam c'mer im fraqueza qu' elas pegavam na barriga e ó um f'lano ch'mava p'lo grigóiro ó era certo e sabido que f'cava com soltura p'r um dia ó dôs.

Ê cá sô franco, de todas as q'ôlidades de papas qu' ê conheço estas é as qu' ê menes aprecêo. E, hoje em dia, béque-me até já nã há quem use a fazer tal coisa.

Morcelas de farinha cozendoMorcela de farinha Em levandem a cozer umas belas horas, ficam nisto, qu' até uma pessoa se lembe toda...

Uma vez que calhe, pode ser qu' inda l'es fale dôtras partes da morteporque, mái p'r ora já tem àvonde. Ora tem àvonde, já foi de má's e de que manêras...

Atã fiquem-se com Dés e até um dia destes.