27 março 2008

A Procissão Real

Procissão Real de Domingo de Páscoa - Monchique
Tã penas lombriguí este estandarte, vi logo qu' a Pr'cissão Real 'tava a sair...

- Vá lá qu' ele, este ano, andô a meter medo à famila, mái, ô fim de contas, com respêto a chuva, nã fez a parte à gente...

- Já chigô, o ano passado, que nã dêxô a Pr'cissão Real sair. Méme à hora da missa, caí' cá uma ripada d' água que foi uma brut'lidade...

Isto era a conversa da minha prima Mari' Olinda p' ô homem dela, o parente Tóino Choça, os dôs quái incostados à ombrêra da porta da ingreja, despôs da missa acabada, à espera qu' a pr'cissão saísse.

O parente Tóino, já béque-me assim um coisinho infèzado com tanto incontrão qu' os que 'tavam a sair l'e davam, inda fez um jêto de quem se queria ir imbora dali, más ela jogô-l'e, logo, a mão à manga da blusa e nem p'r nada o dêxô abalar.

- Nã te vás imbora, Antóino... Nã vês qu', e despôs, é d' adregue se dar panhado um lugarinho bom, logo ali ô pé do andor?...

- Qual andor, qual o quem!... Atã já te desqueceste qu' a Pr'cissão Real nã leva andores?... Vai é o senhor Prior com o Santíss'mo debaxo do pálio...

- Ai, é verdade!... Nã faças caso... 'Tava atribuída com a pr'cissão de Sant' Antóino lá im Marmelete qu' a gente, inda o ano passado, se foi logo ali ô pé do andor do santinho... Até ê cá l' aprometi uma promessa s' ele arrenjasse p' aí um mecinho jêtoso p' à nossa Zabelinha...

- Lá 'tás tu semp'e com essas coisas... Dêxa a moça qu' ela, se t'ver de casar, logo se casa... É preciso 'tares-te semp'e metendo?...

Ê cá 'tava logo ali ô pé, ôvindo a conversa toda e, c'mo eles nã davam p'r mim, ch'mí:

Procissão Real de Domingo de Páscoa - Monchique
Na Pr'cissão Real nã há andores. Vai é o Santíssimo debaxo do pálio...

- Eh, parente Tóino. Parente Tóino!...

Ele nã ôviu.

- Prima Olinda... Oh prima Olinda!...

E nada...

'Tavam tã emprensados na conversa qu' uma pessoa falar p'ra eles ó conversar com a parede era tal e qual a méma coisa.

De manêras que, lá m' aprocheguí mái um coisinho e pus-me mémo na frente do parente Tóino, quái entremê dos dôs. Aí, o homem esbugalhô os olhos d'rêto a mim e ia-me já dar um impurrão dali p'a fora, mái foi à medida de me conhecer.

- Eh, parente Refóias... Quái que nã no conhecia, até f'quí assim mê coiso... Atã que tal vai isso?

- Nã l'e parêça mal, parente... Já l'es tinha dado vaia umas duas ó três vezes e mecêas nã ôviam...

- Pôs... 'Tava-se aqui a falar nas nossas coisas... Ê cá a d'zer ô mê Antóino qu' o vivêro das batatas-doces, este ano, 'tá um coisinho atrasado... calhando, inda ele há-de ter más é que comprar uma manchinha de podas p' aí no mercado...

Cudando ela qu' ê cá nã tinha ôvisto a conversa de qu'rerem casar a moça...

- Eh'q... Mái isso, tamém, inda nã é tarde, prima... E o tempo vai frio que nem um cadelo, o qu' é que l' adianta ir despôr podas de batata-doce já?!... Ê, às vezes, só as desponho lá p'a S. João... Aquilo é uma sementêra que gosta é de tempo quente...

- Isso, lá p' ô mê sito, é munto tarde... E nã se esqueça qu' ele é d' adregue nã vir chuva logo a seguir ô vinte nove e elas, em alagando, ficam àguadas que nã prestam p'ra nada...

- Dá-se-as ô pórco... Olhe qu' um porquinho ingordado a milho e batata-doce dá uma carne do melhor!...

Nisto, a Pr'cissão Real a sair...

Procissão Real de Domingo de Páscoa - Monchique
Até vêo a banda de Vila Nova e tudo...

- Olha, Mari' Olinda, vai tu aí na pr'cissão qu' ê cá vô-me aqui com o parente Refóias qu' ê já vi qu' ele tem aqui a mánica p'a tirar retratos e ê gosto de ver isto.

- Que bem que me calha... Olhe, parenta, ajunte-se àlém com a minha Maria - nã na vê àlém daquele lado? - e metam-se as duas aí na ala da pr'cissão qu' a gente, ô fim, logo se há-de incontrar ôtra vez, aí im qualquer banda.

- Vocês hã-de arrenjar sempre manêra de se furtarem a ir aqui ô pé da gente... Agora vejam lá é s' isso é conversa p'a se meterem aí nalguma venda e dêxarem a pr'cissão da mão...

- Qual o quem!... Lá premode isso, pode ir descansada, prima...

E abalô d'rêto à minha Maria, que já 'tava a fazer um lugarinho p'a ela antrar ali p' ô pé dela.

O mesmo fez a gente, mái p' ô ôtro lado, d' adonde vinha a banda de Vila Nova tocando uma moda do mái bonita que podia ser.

- Nã vê, parente, que bela banda que lá os de Vila Nova têm? Apresentam-se aí tã bem infarpelados que parêcem uma orquesta qu' eles amostraram na minha tel'visão, no Dia d' Ano Bom...

- Atã nã é uma pàxão a gente aqui im Monchique já nã se ter uma banda nem nada?...

- Ora se é!...

Procissão Real de Domingo de Páscoa - Monchique
Mal me descuidí, já fui panhar a pr'cissão quái ô canto de cima do Porto Fundo...

- Olhe qu' ele chigaram a haver uma aqui, ôtra im Marmelete e ôtra no Alferce... E, agora, nada...

- Se nã 'tô atribuido, o mê pai - que Dés o tenha - uma vez, contô-me que só aqui na Vila chigaram a haver foi duas...

- Isso nã sê. Mái, inda nã há muntos anos, uma, p'r menes, havia. Olhe, o mest'e Vintura, ali das tel'fonias, tocava nela. Ele há-de saber bem disso.

- Dêxe 'tar que, em 'tando com ele, vô-l'e falar no caso...

- Dêxe lá o homem sossegado qu' isto é só uma conversa aqui p' à gente... Agora se quer fazer alguma coisa, posso-l'e dar uma idéa...

- S' ela ser boa...

- Olhe, pr' ô ano vai-se ôtra vez votar p' à Câmbra, nã se vai?

- Calhando... Nã sê bem, más eles já nã há-dem demorar munto a virem p' aí fazer barulho ôtra vez...

- Pôs atão, tôdes os que par'cerem ô pé da gente a pedir votos, a gente diz que vota neles s' eles serem homens p'a fazerem ôtra banda cá im Monchique. O qu' é que l'e parêce?...

- Ora o qu' é que me parêce?... Ê cá, influído c'm' sô p'r coisas dessas, sendo preciso, até dava uma ajuda, méme pequena, veja lá... Más há aí uma coisa que me descorré agora...

- O qu' é que sará...

- É qu' esses aí dos partidos, s' a gente l'e pedir isso, aprometem logo que sim...

- Atão... É o qu' a gente quer...

- Mái, despôs, quem é que l'e diz qu' eles fazem?... Nã sabe o qu' é qu' a casa gasta?...

- Lá isso... Mintirôsos c'm' alguns são...

- Alguns?!... Ai alguns...

- Eh'q, ele semp'e há-de haver p'r 'í um ó ôtro que nã seja munto... Mái nã l'e parêce qu' era uma coisa boa ter-se aqui uma banda? É que nã era só por a ter, era p' à malta nova - e quem diz nova diz velha... - ir aprender música e tocar...

Procissão Real de Domingo de Páscoa - Monchique
Im menes dum farol, deram a volta à Vila e já vinham a chigar ô Alto da Praça...

- Pôs era... Olhe, até a minha Zabelinha ê punha lá. Nã m' emportava de pagar fosse o que fosse p'a aprender a tocar fole...

- Fole?!... Na banda nã tocam fole, parente... Mái podia aprender ôtra coisa qualquer. Calhando, além aquela coisa preta que parêce um pífaro, nã vê?

Diz logo um f'lano, todo munto empinocado, com voz d' alvorêro, que 'tava ali p' trás da gente e, p'r o jêto à escuta da nossa conversa:

- Um clarinete. Aquil' é um clarinete, mam...

Logo, pusemos-se assim a olhar de esguelha p' ô homem. Más ele nã s' emportô e desatô a falar inda má's:

- Aquilo é um clarinete e sabem que jêto ê saber isso? É que tenho uma prima que tem um filha que toca aqui nesta banda, mái hoje nã 'tá cá, e é clarinete qu' ela toca. E tamém há lá mái umas mecinhas, filhas de gente daqui, que tocam esse instrumento. Nã se maráfem d' ê me meter na conversa, monch'quêros dum raio... Olhem qu' o mê avó tamém era daqui, mái vendé tudo o que tinha ali p' ôs lados da Fóia e comprô um pedacinho de terra lá no Vale das Hortas...

Bom, o homem, s' ê nã no atalho, inda agora lá 'tava a falar. Aquilo par'cia uma grafenola com o disco riscado...

- Ó mê belo amigo, e o qu' é qu' a gente tem a ver com isso?... Inda se mecêa pagasse uma coisinha qualquer p' à gente bober ali no Café de Cima...

- Oh dieb's, venham já daí... Eles nã terão lá vinho do Cramujêra, qu' a gente bebe-l'e um copo daqueles grandes cada um?...

- Isso, aqui, já nã se usa a bober vinho assim... S' o mê belo amigo tem vontade de pagar e quer exp'rimentar o qu' é bom, bebe-se más é um porrete de madronho cada um. O vinho é p'a se bober com o decomerzinho...

- Atã, vá. Vocêas é que sabem. Aqui na Serra mandam os parentes...

E lá se foi os três. Más o qu' ê l'es sê d'zer é que, p'a ir tirar mái uns retratos à pr'cissão, tive qu' os dêxar lá no café a palear sòzinhos os dôs. E só já a fui panhar quái ô canto de cima do Porto Fundo.

E, dôtra vez que calhe, logo l'es conto c'm' àquilo foi o resto da tarde com o alvorêro a beber copos e, cada vez, a d'zer mái patacoadas.

Passem tôdes munto bem.

18 março 2008

O Parente da Refóias na 'Exame Informática'

O Parente da Refóias na Exame Informática
Com respêto a comp'tadores, a Exame Informática é uma revista c'm' nã há ôtra im Portugal...

Um dias destes, meteram-se-me p' ali uns bichos no comp'tador que, désna da semana passada, tenho andado impeçado com ele. Más ô bem fêto, nã cudem...

Aquilo, em aqueles virus par'cendem, um homem - mòrmente assim c'm' ê cá - nã dá conta daquilo nem de manêra nenhuma. É qu' os marafados escarrapacham-se ali drento, levam p' ali a fazer nã sê o quem, q'ondo mal uma pessoa dá por isso, já o comp'tador nã fonciona nem à pàzada...

Aquilo - mal comparado, 'tá bom de ver - quái que me faz alembrar aquele bicho-crapintêro que dá nos p'nhêros q'ondo eles secam. E nôtras arves tamém. Leva a rilar, a rilar... noite e dia, que nunca apara. É im menes de nada qu' o pau fica todo carunchoso...

E quem ôlha assim p'r fora, mòrmente s' o pau inda t'ver casca, a maior parte das vezes, nã dá notiça de nada. Mái, s' olhar bem lá p' drento, vê logo o lindo trabalho qu' eles 'tã a fazer.

Mái, isto tudo só p'a l'es d'zer que, premode o qu' a revista Exame Informática me fez, ê cá nã podia dêxar passar sem escrever este post, logo neste mimento. E, aí, tive que me valer do comp'tador da minha Maria...

É qu' ela, agora, meté-se-l'e na cabeça que tamém havera d' ir à internet... E, atão, desatô a usar um comp'tador mái velho que sê cá o quem, qu' ela desencantô tamém nã sê adonde. E anda tã influída com isto que já leva aqui o tempo quái todo... Até o decomerzinho ela, às vezes, já se desquece de fazer...

Apagarbe-Associação dos Produtores de Aguardente de Medronho - Largo do Pé da Cruz - Monchique
Neste caderno, eles usam a pôr aqui meia-dúiza de sites, tôdes meses...

Más a parte da Exame Informática é que enteressa. Atã nã é qu' os marafados usam a pôr mêa-dúiza de sites lá naquele caderno ch'mado "Exame Informática - Soluções" que mandam drento da revista e, este mês, alembraram-se cá do Parente?!...

Ah, fado dum ladrão!... Tã penas vi tal coisa, f'qui mái contente que nem uma pega sem rabo... Abalí caminho da minha Maria, até l'e dí logo um abraço e tudo. D'zer a verdade, a m'lher até f'cô assim mê insampada, qu' ela nã 'tá lá munto ac'st'mada a isso, e béque-me estranhô...

Mái, q'ondo l' amostrí aquilo, fez assim um rizinho e disse:

- Ehq'... Isso nã sará eles p'a antrarem contigo?...

- Pode ser que seja... Mái atão eles nã me conhêcem... Dêxa lá isso da mão. Que seja p'a mangarem que nã seja, fico sast'fêto na méma.

- Vê lá isso nã traga pr' aí alguma coisa ruim... Nã vã os da Caxa cudar que tu já sejas munto conhecido e que se tenha algum d'nhêralho no Banco e cortem p' aí a reformazinha à gente... Ai, vê lá isso bem!...

Neste mê tempo, vinha o mê compadre apontando à nossa rua, vi' a minha Maria com aquele ar de remôrso, quis logo saber o que era:

- Nã se 'tá sintindo bem, c'mad'e Maria?

- 'Tô, sa senhora, mái o sê compadre amostrô-me aqui uma coisa qu' ê f'quí quái com medo...

O Parente da Refóias na Exame Informática
E nã é que, este mês, s' alembraram cá do Parente?!...

- Nã ligue, compad'e Jôquim. Isto, as m'lheres escagáiçam-se com tudo... Atã nã vê qu' eles, aqui nesta revista, falaram desta coisa do mê site qu' ê faço aqui na internet e ela já 'tá com medo de l'e cortarem na reforma...

- Olhe lá... E, calhando, nã 'tá lá munto fora de jêto, nã senhora... Ficam tôdes a saber que mecêas até têm comp'tadores e tudo... Nã sabe c'mo eles são?...

- Que jêto?!...

- Ê cá, se fosse a si, dêxava-me dessas coisas. Mecêa já nã tem idade p'ra isso e nem jêto... Um dia destes, inda se dá é mal...

- Dêxe dar... Mái vale um gosto que cem mem rés na als'bêra...

E agora, vô-me ali p' ô mê comp'tador a ver se dô posto aquilo a foncionar c'm' deve de ser, qu' a minha Maria já me tanchô aqui uma catovelada nas costas p'a ê cá me pôr a andar daqui p'ra fora.

Querendem ver adonde eles falam no Parente da Refóias, comprem a revista Exame Informática numbre 154 de Abril de 2008 e vã à página 29 do Caderno.

E fiquem-se com Dés, até qualquer dia.

12 março 2008

A Apagarbe

Apagarbe-Associação dos Produtores de Aguardente de Medronho - Largo do Pé da Cruz - Monchique
A famila que estila madronho andam danados p'a fazer um ingarrafamento a precêto...

Daquela vez qu' ê fui à Fêra dos Inchidos, - inda ele nã há quinze dias... pôs nã há... - a barreca da Apagarve foi das qu' ê cá mái leví repáiro. Nã é p'r nada, mái aquilo em se tratando d' aguardentinha de madronho é uma coisa que me fica logo nos olhos.

E, atão, o qu' é qu' ê f'quí a saber... Qu' ele andam pr' aí uns q'ontos que já deram o nome p' à Apagarbe e 'tão tã influídos im fazer uma casa p'a ingarrafar o madronho qu' até já mandaram fazer um desenho da casa e tudo, a um arquitecto - que tamém é cá de Monchique.

E olhem que nã é uma coisa que diga só respêto ô madronho. Tamém fazem tenção d' ingarrafar lá uns boianitos de mel e fazer umas garrafinhas de licor. 'Tá bom de ver - dig' ê cá... - qu' o licor há-de ser dessas bagas e ervas que s' apanham aí p'r esses cerros fora, c'm' ôs martunhos, as amoras das balsas, o poêjo e ôtres tantes.

Mái, p'r jêto, a Apagarbe serve p'a munto mái coisas. Foi o qu' o ti Manel do Fojo me disse, ontordia. E s' ele me disse é qu' ele lá sabe. O homem tem aquela grande enfluêinça im fazer madronho, nã há nada qu' ele nã descubra...

E, d'zer a verdade, o homem é tã mê amigo qu' até já me dé uma garrafinha da qu' ele fez este ano e disse-me logo:

Apagarbe-Associação dos Produtores de Aguardente de Medronho - Largo do Pé da Cruz - Monchique
Ele há uns q'ontos que já têm umas garrafinhas que sã uma coisa chigado ô qu' é bom...

- Amigo Refóias, leve essa e beba-l'e à sua vontade ó faça dela o que qu'rer, que, em ela s' acabando, passe p'r cá que, s' ê inda t'ver, logo l' arrenjo ôtra...

- Oh, ti Manel, tenha lá p' aí tento... Isto é uma coisa que dá uma mort'ficação marafada p'a fazer e mecêa tamém nã pode 'tar p' aí a dá-la toda sem mái nem menes... Agora se me despensar p' aí um litrinho ó dôs dela, vendida, aí sim...

- Que jêto?!... P'ra si, é dada, nã venha cá com coisas...

- E, atão, que vomecêa só sabe é fazer da boa... Nã vê qu' isso rendia-l'e aí um bom d'nhêro. Des que já há quem na venda aí a trinta eros... E trinta e cinco...

- E há quem compre?!... 'Tá bem qu' ô trabalho qu' ela dá, nã é demás, mái p'a quem compra é um coisinho puxado... Olhe, ê nã vendo nenhuma este ano, qu' a que fiz é só p' ô gasto, mái nunca vendi a mái de vinte eros o litro. Aquilo era conta certa... um garrafanito, cem eros.

- Mái, dessa manêra, inda pensa im fazer p'a vender...

- Pôs... S' aquilo da Apagarbe ir p' à frente, calhando, inda sô homem p'a fabricar uma gotinha p'a levar p'a lá...

- E adonde é que vai estilá-la?

- Ali na minha caldêra...

- Des qu' eles 'tã p' aí tã enxigentes com isso...

- Pôs 'tão, mái a famila lá Cam'bra e da Apagarbe ensinam à gente c'm' é que s' há-de fazer e, calhando, tamém a'x'lêam no que ser preciso e eles possam. Já ê cá falí lá com um daqueles que mandam naquilo - um que trabalha na Caxa, nã m' alembra, agora, o nome - e ele dé-me boa palavra.

Apagarbe-Associação dos Produtores de Aguardente de Medronho - Largo do Pé da Cruz - Monchique
Na Fêra dos Inchidos, levaram p'ra lá tudo o que tinham de mái bonito p' à famila ver...

- Faz mecêa se nã bem. Gasta ali mêa-dúiza d' eros, mái fica com uma coisa legal, c'm' deve de ser...

- Mêa-dúiza?!... Diz mecêa... Aquilo vai-me más é p'a uns centos de contos... Atã nã vê que tem que levar chão, paredes pintadas, umas redes premode os mosquitos... e retrete!... veja lá... Agora já nã se pode fazer o serviço p'r trás dum madronhêro...

- Atã, sacuaso, um homem andar a panhar madronho lá na altura dum cerro da Refóias, ó méme a mêa chapada, e l'e dar vontade, tem de vir à retrete na adega?!...

- Isso nã sê... Mái que tem que ter lá a retrete, tem. Use-a ó nã a use...

- Se nã fosse 'tar tã velho, inda me metia, tamém, numa coisa dessas... Ê cá e os mês ermãs temos p'a lá aquilo c'm' o mê pai - que Dés tenha - dêxô. Ajêtava-se a adegazinha, qu' inda 'tá d' em pé, alimpava-se os madronhêros e inda se fazia lá umas caldeiradas uns anos p'r os ôtros...

- Atã, e nã fazem premode quem? Aprevêtem agora que, despôs, calhando, será d' adregue isso nã ter mái que se l'e diga... Qu' eles, no prencip'o, fac'litam semp'e, mái, despôs, sabe-se lá o que sará...

. É capái de ter r'zão... Inda hê-de falar nisso ôs mês ermãs...

- Fale, sa senhora. Olhe que, p'r o qu' eles me d'zeram lá, aquilo nã se vai dar o tempo p'r mal impregue.

- Atão?

Apagarbe-Associação dos Produtores de Aguardente de Medronho - Largo do Pé da Cruz - Monchique
Quem qu'rer, dê o nome p' à Apagarbe que fica logo sóiço...

- Atão, des qu' até vã arrenjar uma marca p' à aguardente toda dos que darem o nome e põem-na numas garrafas assim todas p' ô fino. Ora, os estrangêros e o pessoal de fora nã s' emportam de dar uma preçanada de d'nhêro méme aquilo nã levando bem o litro.

- E algum que parêça lá com uma pinga assim más enferior?

- Isso, há-de arreceber menes e é aprevêtada p'a licor. Se ser... Qu' a ingarrafada, essa tem que ser toda da boa!... Nã há lá masturas... Eles até des que passam um diploma im c'mo ela é ali pura c'm' saíu da caldêra e agraduada c'm' pertence...

- Tó, raio!... Já 'tô a ver qu' isso 'tá-se a preparar tudo p'a f'car com um derrijo c'm' deve de ser...

- Atã, se nã fosse assim, ê cá tamém nã opunha a dar o nome e fazer o que faço tenção de fazer...

- Calha bem, ti Manel. Vô-me falar com o mê compadre Jôquim do Barranco qu' ele, calhando, tamém nã há-de ir munto fora disso e vamos tratar os dôs do caso.

- Nã s' alembra, um ano qu' ele estilô e teve qu' andar p' aí a fazer umas caldêradas só às nôtes p'a nã ser panhado? Daqui im diante, nã tem precisão nenhuma disso. Tem é que se legalizar e dar o nome lá na Apagarbe p'a eles, despôs, fazerem aquilo render...

- Atã nã m' alembro?!... Inda ê tenho p' ali uns retratos disso... Logo os amostro, um dia destes. E, com tanto madronho que vai par'cer, c'm' é qu' eles o dã vendido todo?

- Cale-se aí! Até reclame eles vã fazer da nossa marca d' aguardente...

Aqui, calí-me. Qu' ê cá, dessas coisas, nã intendo nada. Logo se vê o qu' é qu' a fruta vai render... Mái qu' aquilo é famila capaz, isso é. E, adonde se metem, usam a dar conta do recado.

Querendem deslindar isto melhor, vã a estes sitos qu' eles sabem munto melhor disto do qu' ê cá:

Câmara Municipal de Monchique e Correio da Manhã.

E até qu' a gente se veja.

04 março 2008

A Feira dos Enchidos 2008

XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
Já faz 15 anos qu' esta fêra c'm'çô. Punhana!... Parêce qu' inda foi ontem...

Da pr'mêra vez que fazeram esta fêra, foi uma coisa assim, béque-me, quái a medo, mái par'cé logo tanta famila - uma coisa méme de rompante... - que hôve menino que perdé a tarde toda aparado ali na estrada de Portimão e quái que nã dava cá chigado.

P'r menes, as amigas da minha Maria que moram lá p'ra baxo p' ô pé de Vila Nova, contaram isso à gente. E inda más... Des qu' aquilo era uma chusma de carros e de famila que p'a cá chigarem foi um castigo e, despôs, os que vieram mái tarde nã panharam nada d' inchidos p'a comprar qu' eles já tinham marchado todos...

Tã penas elas contaram isso, disse logo à minha Maria:

- Maria, ôviste bem o qu' elas d'zeram. D' hoje p' à frente, nã vã eles fazer a parte à gente e comprar tudo ôtra vez, vai-se logo lá assim qu' aquilo abrir. No pr'mêro dia... E, da parte da tarde, aí das três im diante, logo se vai, atão, p'a bispar tudo bem, ver a famila de fora e algum tocador de fole ó fadista que p'a lá 'tejam.

 XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
D'zer a verdade, com estes óculos de pó, quem é que nã cuda qu' o homem é cego...

Ela béque-me fraziu os sobrôlhos um belo coisinho, mái dé-se p'r o mê conselho e inda nã 'tá repesa. Até ô dia d' hoje, nunca se f'cô a juar. Vai-se bem cedinho, q'ondo aquilo inda 'tá im sossego, escolhe-se o que se quer, cá à nossa manêra, sem marafundas e vai-se logo pôr tudo im casa. É um descanso...

Foi o que fazemos Sáb'do passado. E atão que 'tava lá um a cantar qu' aquilo era d' a gente s' arrabolar a rir. Ai homem marafado!... Aquilo era com cada bojarda... Dichote p'a um lado, chalaça p'a ôtro e as puas qu' ele metia no entremêo?!...

Era um Raxinol Faduncho qu' eles falam pr' aí, qu' ê cá q'ondo vi o nome anunciado, d'zer a verdade, nem dava nada p'r aquilo, mái, visto ô vivo, o estapôr é munto bem caçado...

Logo, que 'tá vestido duma tal manêra qu' uma pessoa olha p'ra ele, dá-l'e, logo, graça. E, despôs, com aquele jêto dele e os miécos que faz à acompanhar as chalaças, quem é que se aguenta sem incher uma barrigada de rir...

E ê cá, atã, a certa altura inda me ri mái do qu' ôs ôtres. Logo assim qu' antrí, ô pé duma barrequinha daquelas que vendiam aguardente, dô com o Tóino Luzicuco que já havera de 'tar a imborcar neles désna de mái cedo e, nã é que nã se desse lembido, mái que já 'tava antradote, 'tava.

 XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
Aquilo era uma chusma de gente naquela Fêra dos Inchidos...

De manêras que, inda paguí p' ali uma rodadinha ó duas e ele tamém, e f'cô-se a ver o Raxinol Faduncho ô pé um do ôtro, no mê daquela matula toda que quái um homem nã se dava mexido. A minha Maria, essa já tinha ido lá bem p' à frente, com as amigas dela, qu' era p'a verem o cantorío bem d' ô pé.

Ora, o Tóino, com aquela pòzêra toda qu' eles fazem lá no palco - nã sê s' é pó, s' é fumo, s' é o quem... - e com os porretes que já tinha baldeado, nã dava visto quái nada do que se passava lá p' à frente. Mái, a certo passo, lá l'e par'ceu qu' o fadista tinha uns óculos de pó. E era verdade. Diz logo, de chofre:

- Mái atão, o pobrezinho é cego!... Nã vês, Refóias, usa óculos de pó p' a nã se l'e ver olhos!... Olha o pobre do homem...

- Que jêto?!... Ê cá nunca ôvi falar...

Aqui, mete-se o parente Zé Caçapo na conversa, que 'tava ali, quái arrumado à gente, logo da bandinha de lá, e inda nã se o tinha visto:

- É cego, sim, é!... É cego dum olho...

- Ê nã te disse, Refóias, qu' ele havera de ser cego... Se nã fosse, p'a qu' é qu' ele usava aqueles ólicos, com as lentes pretas daquela manêra, drento de casa?... 'Tava-se méme a ver...

. ?!...

 XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
A Rádio Fóia e o Jornal de Monchique nã faltaram. E que belos amigos que lá tinham...

- Sim, Tóino, tens toda a r'zão. Ê seja cego, do mémo olho, se nã ser verdade!...

- E c'm' é que mecêa sôbe disso, ti Zé? Anunciaram aí na aparelhaja ó lé nalgum lado?

- Ê cátenho preciso de ninguém me d'zer isso. É uma coisa qu' ê sê munto bem e afianço. Se nã queres crer, faz-se já aqui uma aposta. O que perder paga uns copos...

E ê cá, já a ver qu' aquilo tinha malandrice, pus-me calado que nem um rato...

- Que jêto postar?!... Atã ê tamém digo qu' o homem é cego... Mái, agora tem de d'zer c'm' é que vomecêa sôbe disso.

Pensí, cá p'ra mim:

- O Raio do velho Caçapo semp'e com as dele... Inda o Toino se vai p' aí marafar, escorvado c'm' 'tá...

Más, ele arredondô a coisa:

 XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
A aguardentinha de madronho, só de s' em-maginar, dá logo festa...

- Olha, Tóino, ele é tanto cego c'm' tu... Nã vês qu' aquilo é p'a par'cer más ingraçado? Cego só do...

Cort' ê, logo, a conversa:

- Eh, môces, vamos más é lá beber aqui mái um mosquitinho cada um!... Paga o ti Zé qu' é o que morêce ser castigado...

- Ê cá?!... Quem falô é que paga!... Que jêto ê cá pagar?!...

Ê já sabia... O homem, p'a pagar um copinho, é só lá q'ondo ele 'tá de munto boa avêa...

- Ti Manel Luís, ponha lá aqui três mosquitinhos, fazendo favor. E béba-l'e um tamém, vomecêa. Se nã pagar aqui o ti Zé, pago ê cá, nã tenha medo...

E, nesse mê tempo, o Raxinol Faduncho lá acabô o cantorío e aquela matula de gente abalô tudo, uns, caminho de casa, e ôtres, a dar mái uma voltinha lá p'r a fêra.

Bobí, paguí os calcesinhos e digo p'ra eles:

- Mês belos amigos, vô-me, tamém, ver o resto da fêra qu' isto, mái logo, fecha e inda me falta ver umas coisas. Se qu'rerem, venham daí com-migo...

 XV Feira dos Enchidos Tradicionais de Monchique - 2008
Inda pensí qu' isto eram os Pacanherros, mái, calhando, nã eram...

Más eles nã qu'seram e ê abalí, à espera d' incontrar a minha Maria im qualquer canto.

Passí àquelas barrecas todas - da Rádio Fóia, do Jornal de Monchique, da Apagarbe, os homens que já podem fazer aguardente de madronho, e tal e tal... - e inda dí com quatro môces vestidos de estudantes. Lá bem tratados iam eles, sa senhora...

Logo, cudí qu' eram uns môces lá de baxo d' ô pé de Vila Nova - do Parchal, se nã 'tô im erro - que põem umas coisas munto ingraçadas na internet e já se meteram com-migo uma vez ó ôtra, mái, calhando, nã eram.

E ê já l'es digo o jêto de ter atribuído uns com os ôtros. É que des qu' os pais deles os puseram no estudo e, atão, é certo e sabido qu' eles, agora, hã-de andar tamém vestidos desta manêra. Ora, um homem, atribói-se...

Mái, querendem ver os videos qu' eles fazem, acalquem aqui im pacanherros que vã dar ô Youtube e logo vêem s' eles nã fazem umas partes do mái ad'vertido que possa ser. Ê cá, cada vez que lá vô-me, é uma barrigada de rir im forte.

E foi assim a minha Fêra dos Inchidos. Sim qu' ê cá, no D'mingo, já nã m' aprochiguí p' àquelas bandas. Pus logo à idéa qu' havera de ser uma chusma de gente inda maior e nã m' inganí. A minha Maria é que nã gostô lá munto disso. Queria ir ver os "Anjos"...

- Oh, m'lher, alguma vez ê cá ia ver uma coisa dessas?!... S' os mês amigos sabessem disso, o qu' é qu' eles nã m' iam ch'mar... Ai os "Anjos"... Isso nã é coisa capaz cá p'ra qualquer um...

Bom... Dés l'e dê saúde, mês belos amigos.

29 fevereiro 2008

As Tempras de Agosto. E os Dobres.

Barranco dos Pisões, junto ao Moinho do Poucochinho - Monchique
As Tempras d' Agosto bateram certas, sem tirar nem pôr. O Barranco dos Pisõs 'tava nisto...

- Calem-se pr' aí com isso, nã digam mái parvoêras... Ê cá já 'tô más é farto de tanta alarvidade... Ora verem o tempo dum ano entêro p'r o mês d' Agosto... S' isso sésse assim, p'a qu' é que servia aquela famila que dá o tempo na tel'visão?!...

- Tu nã acraditas, mái toda a vida foi assim e os antigos d'ziam que batia semp'e certo...

Isto era uma quesilha qu' o Zé Manel 'tava a ter com a mãe - a minha c'mad' C'stóida - premode a gente - ê cá, o Compad'e Jôquim do Barranco, ela e a minha Maria - se 'tar p' ali a falocar do tempo.

É que, nôtres tempos, a famila levava estas coisas a pêto e, p'r o jêto, batia certo, c'm' disse a c'mad' C'stóida. E ela lá sabe bem disso, que, mémo hoje im dia, inda se rigula mái p'r as Tempras d' Agosto, e os Dobres, que mémo p'r o qu' eles dizem aí na tel'fonia.

E ê cá era p'a ter levado repáiro à Senhora das Candêas p'a ver que tempo é que dava daí im diante, mái desqueci-me, nã leví. Sim, que mecêas conhêcem aquele dito "Candêas a rir, enverna p'ra vir; Candêas a chorar, enverna a acabar", qu' é uma coisa que tamém bate semp'e certo...

Cascata do Barbelote - Monchique
A Queda d' Água do Barbelote apresentava-se assim...

De manêras que, fui p' ô mê compadre Jôquim e prècurí-l'e o qu' é que as Tempras d' Agosto davam p'a este mês, e s' os Dobres tamém davam o mémo. Isso, atão, é uma coisa qu' ê cá, tôdes anos, faço p'r levar repáiro, mái aquilo era bom era apontar num papel e ê cá nunca aponto... pronto. C'm' sô munto desquècediço, barre-se-me tudo. É que, nesta idade, um homem já nã se pode fiar na mimóira...

Nã sê s' os mês belos amigos conhêcem isso das Tempras e dos Dobres... Ora conhêcem... Isso é certo e sabido... E, calhando, melhor do qu' ê cá!... Mái, já agora, p'a algum moço novo que nã saiba e p'a ê, tamém, ter assunto p'a escrever aqui, semp'e l'es digo do qu' é que se trata.

As Tempras d' Agosto é uma coisa do mái certo que há p'a se saber se chove ó se faz sol im qualquer mês do ano. Um homem chega a Agosto, leva bem repáiro ôs dias todos. E despôs, é só fazer as contas. Atã vejam lá se nã é:

Cascata do Chilrão - Monchique
No Chilrão, tamém dava gosto ver a água a pular cá p'ra baxo...

O pr'mêro nã conta, tira p'ra ele. O sigundo arremeda Janêro, o tercêro arremeda Fovrêro e p'r 'í adiante... o sete arremeda o S. João, o ôtro a seguir, o S. Pedro, e vai até ô treze qu' arremeda o Mês da Festa. Isto sã as Tempras.

Despôs, vem os Dobres: O catorze tira ôtra vez p'ra ele, nã conta. O quinze arremeda Janêro e p'r 'í fora até arremedar os ôtres meses tôdes. 'Tá-se a falar dos meses do ano que vem, 'tá bom de ver...

C'm' cada dia d' Agosto arremeda um mês, é só ver s' ele choveu, s' ele fez sol, s' ele 'teve en-nuvlado, ó se fez uma coisa e ôtra... E fica-se, logo, sabendo o que se vai dar im cada mês do ano que vem. Isto p'a quem se rigule dessa manêra, que só acradita quem qu'rer. Mái, des que sim, qu' é verdade...

D'zer a verdade, cá p'r mim, inda nunca dí tirado isto bem a limpo, qu' ê cá desqueço-me sempre do tempo que fez im Agosto... Mái lá que bate certo, 'tejam certos que bate... Atã, s' os antigos d'ziam que sim... E a minha c'madre C'stóida tamém afiança a méma coisa...

O certo, o certo, é que, este mês, tem chovido quasequer coisinha de jêto - mòrmente a semana passada - que já dé p'a chigar bem ôs nascentes. E foi premode isso qu' a gente s' alembrô a convindar o Zé Manel p'a alcançar os quatro ali ô Barbelote e a ôtres sitos adonde haja barrancos que levem uma bela àgu-inha e pulem aqueles grandes penedros, c'm' no Chilrão e no Penedo do Buraco.

Cascata do Penedo do Buraco - Monchique
A do Penedo do Buraco é a mái fraquinha. Mái, com jêto, inda se tira um retrato c'mo este...

E foi nessa viaja qu' o Zé Manel, já infèzado de tanto ôvir a gente os quatro a catarruar nas Tempras e nos Dobres, se saíu com aquela de nã qu'rer crer im nada disso. Qu' isto, a malta nova, agora, nã sabem nada destas coisas... Só aprendem é englês, comp'tadores, a fazer as contas com as mánicas que têm nos telemóvens, que nem da tabuada têm preciso, e p'r 'í adiente...

Ah, más inda tenho ôtra p'a l'es falar. O tempo tamém se pode ver nôtra ocasião... Nas foguêras de S. João...

Um fulano arrenja uma latinha adonde possa pôr doze môitanitos de sal - piqueninos... Pôe-os lá, com munto jêtinho, e marca cada qual com um mês do ano.

Em a foguêra 'tando bem ateada, salta p'r cimba dela nove vezes, com a lata nas mãs, sem intornar nada e, entes d' ir p' à cama, põe a latinha ô sereno, num sito abrigado p'a nã l'e dar o vento. Fica lá a nôte entêra.

Na manhã, em se levantando, logo cedo, vai caminho da lata e assoma-se ôs moitanitos do sal. Os que 'tarem derregados, nesses meses, chove. Os que 'tarem humidôsos, nesses meses dá branduras. Agora, os que 'tarem secos, tal e qual c'm' na béspra, nos meses deles nã cai nem uma pinga e faz uma soalhêra que nã há-de ser brincadêra!...

E foi com esta, atão, qu' o Zé Manel inda mái se marafô...

- Nã pode ser!... Nã me venham cá com isso que ninguém ad'vinha nada...

Barranco dos Pisões, junto ao Moinho do Poucochinho - Monchique
S' o Moinho do Poucochinho inda moesse tôdes dias, água nã l'e faltava...

-Ai ninguém ad'vinha... Isso é o que tu cudas. Más, inda tens munto qu' aprender, filho... Aqui a tu mãe já vi munta coisa com estes dôs qu' a terra l' há-de c'mer...

- Ó senhora, dêxe-se disso!...

- Atã e c'm' é qu' ê cá sabia qu' este mês dava este tempo? Foi qu' olhí bem às Tempras e ôs Dobres d' Agosto, o ano passado. Senã, andava às escuras...

- Atã diga lá - se sabe assim tã bem disso - que tempo é que faz p' ô mês que vem?... Vá, diga!... Semp'e quero ver...

- Olha, Zé Manel, nã tenho aqui o apontamento qu' ê cá t'mí disso, que foi nas costas do Almanaque da Nossa Senhora de Fátima qu' ê tenho lá na menza de cabecêra, mái, im se chigando a casa, logo te digo. E logo vês se nã bate certo...

- Atã nã bate... é o bates...

- Más alembra-te bem que já o tê bisàvó d'zia: "Março, Magarço e Mês de Março!...". Toma conta com ele que, s'o Fovrêro é malino, o Março nã usa a ser menes cão do que ele...

E foi assim qu' a gente corré as Cascatas da Fóia duma ponta à ôtra e inda t'vemos tempo d' ir, tamém, ô Barranco dos Pisõs que, méme com a água só a correr no barranco, nã dêxa de ser uma coisa do mái bonito que há. Mórmente, ô pé do Moinho do Poucochinho e do Plátano.

Parêçam p'r lá, tã penas tenham jêto...

E, agora, vô-me falar com a minha Maria p'ra ver s' a gente, amanhão, se vai à Fêra dos Inchidos, p'r más que nã seja p'a ver o Raxinol Faduncho, que chôriças temos a gente muntas im casa...

E vomecêas? Vã Sáb'do ó D'mingo? Nã percam e comprem o que terem preciso que melhor nã há...

Até um dia destes e tenham munta saúde..

20 fevereiro 2008

A Direcção Geral de Viação

Só lhe mudaram o nome... Em se tendo precisão de tratar de qualquer coisa da carta, tem que s' ir a Faro...

Ali o Zé Manel - o filho do mê compad'e Jôquim do Barranco -, ontordia, panhô uma murta premode aquela mania qu' ele tem d' andar semp'e à rôpa tôda com o carrinho dele qu' aquilo até zone aí p'r essa estrada adiente.

E, p'r o jêto, inda p'r cimba, tinha na carta que morava num sito e nos ôtres papeles que morava nôtro. Inda vá lá, qu' a Guarda l'e perdoô isso... Mái disse-l'e logo:

- Desta vez, tem munta sorte que só paga os cento e vinte eros d' ir depressa de más, mái, da pr'mêra qu' a gente o panhe e que nã tenha já 'í os d'c'mentos tudo im ordem, já sabe, leva ôtra qu' é p'a aprender...

De manêras qu' o pobre do moço, tã penas teve jêto, foi logo tratar do caso. E vá de me convindar a mim, ô pai dele e mái-lo ti Luís Agúida, qu' inda é parente deles e tamém é um bom amigo, p' à gente ir tôdes juntos. E isto premode quem? Já vã f'car a saber tudo, tal e qual c'm' à coisa se passô.

Inda mal nã se tinha abalado, já o ti Luís d'zia:

- Atã, Zé Manel, os saganhetas dos Guardas fazeram-te a parte?...

- Cale-se aí!... Vinha ê cá, munto bem, sa senhora boa vida, caminho de Monchique - que tinha largado o trabalho lá im Vila Nova - 'tava de'jando de chegar a casa...

- E com o tê carrinho novo, agora, que mandaste vir do estrangêro, até dá gosto vê-lo andar...

- Pôs... Foi premode isso qu' ê cá vinha lá às Vendas, mal me descuidí, já ele ia a noventa...

- Uái... E os marafados 'tavam lá?...

- Nã 'tavam, mái tinham lá posto o radar a foncionar... Ora, naquela estrada, nã se pode andar a mái de cinquenta, foi méme à medida...

- Tamém... p'ra qu' é tu andares, assim, à mecha toda dessa manêra?...

- Ó mê pai... à mecha toda?!... Atã aquilo lá é uma estrada com duas faxas p'a cada lado e com uma coisa de cimento ô mêo e nã se pode ir a mái de cinquenta, perquem? Nestas aqui de Monchique, que nã têm coisíssema nenhuma dessas - im certos lados, mal dã passado dôs carros do mémo em par - já se pode andar a noventa... Acha isso uma coisa bem fêta?!...

- Más atão, os homens é que lá sabem...

- E sabem muntíssemo de bem... más é c'm' caçar o d'nhêrinho à gente e fingir qu' é premode nã haver desastres. Munto s' emportam lá eles com os desastres... Os mês cento e vinte eros é que lá se me foram. E munto jêto me davam p'a ajudar a pagar a letra do carro p' à semana que vem...

- Atã, e agora, vamos a Faro que jêto?

Carro importado da Alemanha O Zé Manel comprô um a'tmóvem daqueles que vêm de fora...

- P'a eles me mudarem a minha d'recção aqui na carta, que 'tá mal.

- E valia a pena ires a uma lonjura dessas? Se nã 'tô im erro, uma vez, o parente Cosme da Quinta teve precisão de tratar nã sê o quem da carta dele, foi ali ô Posto da Guarda e eles despacharam-l'e a papelada...

- Tamém ê cá lá fui ontesdontem, cudando qu' isso era assim, más o pior é que já nã é. O Guarda até inché o papinho de rir com-migo. Des qu' isso já há uma preçanada d' anos que tem de ser fêto im Faro, na Direcção Geral de Viação...

- Lá no eroporto, adonde apoisam os aviõs?

- Qual o quem!... Ó ti Luís, nã é aviação, é viação. Uma coisa é d' aviõs, ôtra coisa é de carros...

- Ah, 'tá bem, nã tinha alcançado bem o que tu d'zeste. Tamém, viação ó aviação que d'frença faz? Bem que l'e podiam ch'mar ôtra coisa quasequer que falasse im carruaja... Agora assim, qualquer um c'm' ê cá, pensa logo é im aviõs...

E, com isto tudo, já a gente ia a mê caminho de Faro. E só nã se tinha lá chigado já qu' o Zé Manel, agora, com a cagúifa que tem de ser panhado ôtra vez e f'car sem a cartinha dele, nã passa daquela conta... Vai semp'e olhando p' ôs sinás. E q'ondo os ôtres l'e passam à frente, qu' até fazem vento, o moço até se faz incarnado de nã poder tamém açolarar...

Nisto, c'm' à conversa aparô um pôcachinho, pus-me a devassar bem o carro do Zé Manel, p' drento. E c'm' é qu' ele é... O ti Luís Agúida ia p' ali assantado na ponta de lá do banco, ê ia nesta de cá, inda cabia mái uns dôs ó três no entremêo da gente. O mê compadre, no banco da frente, ô lado do chòfer, par'cia ele qu' ia na camineta da carrêra. Nem no carro-de-besta do ti Armindo da Boavista - que Dés o tenha - a gente 'taria tã à larga...

- Mái que bela via que tu tens, agora, aqui, Zé Manel... - Disse-l'e ê cá.

- Mandí-o vir da Alemanha. Isto, o mercedes é o melhor carro que há...

- Atã compraste-o méme à fábrica deles, novinho im folha? Isso há-de-te ter f'cado munto más im conta...

- Nã senhora, homem!... Adonde é qu' ê cá ia b'scar d'nhêro p'a um carro destes, novo?!... Ist' é um carro im sigunda mão. Já ele tem p'ra cima duns vinte e tal anos...

- Nã me digas... Atã isto parêce novo!... Um espada destes, todo incarnadinho, qu' é uma classe...

- Nã diga isso dele ser novo a ninguém, ti Refóias, senã eles fazem porra de si. Agora, a cor, isso sim, é méme a mê gosto...

Aí, calí-me, p'a nã d'zer mái parvoêras. Só voltí a abrir pio já a gente tinha chigado a Faro, há um belo pôco, e com o pobre do Zé Manel bem impeçado com a papelada toda, im frente duma moça que p' ali 'tava a tratar daquilo, assantada a uma menza.

- Ora temos aqui o requ'rimento, tal e tal, a carta... E o modelo anexo com o retrato e a assinatura?

- Sará isto?

Este veículo dispensa carta de automóvel... Q'onto é que nã vale ter um mata-velhos. Nã se tem precisão de tirar carta nem nada...

- É isso mémo. Dê-me-o lá aí.

- ...

- Mái atão, preenché isto com caneta azul?!...

- Pôs, é o qu' ê cá uso a fazer, nã tenho mái denhuma... Até, dá-se o caso, que a trusse lá do mê trabalho, qu' eles têm lá muntas, no...

- E nã lé o que 'tá aqui?... Prencher com caneta preta... Agora, tem qu' ir comprar ôtro impresso e escrever isso tudo ôtra vez...

Salta logo o ti Luís Agúida, só p'ra mim e p' ô compad'e Jôquim:

- Tal acham esta? Até a cor da tinta tem de ser à vontade deles... Ah, filhos duma magana!...

- D'zer a verdade, p'a uma coisa destas, fazerem uma pessoa vir de Monchique aqui, - isto sã p'ra cimba de cento cinquenta quilómetros, ir e vir, p'ra más que p'ra menes - trazer retratos, papelada e sê cá más o quem, e inda pegam na cor da tinta...

- Cachamorra!... E olhe lá o qu' ela inda 'tá a d'zer... Escute, escute...

- ... e agora a sua carta só l'e vem válida até p'a pr' ô ano. Despôs, tem de vir cá, ôtra vez, e trazer isto tudo e um atestado médico...

- Atã, que jêto? Esta só acaba lá p'ra daqui a uns q'ontos anos...

- Isso, agora, com o novo código, mudô tudo, senhor Zé Manel...

- Ah, fado dum ladrão!... Se nã fosse perquem, ia-me já imbora e barimbava-me nisto tudo... Venho ê aqui perder o mê tempo, gastar o mê d'nhêro e inda fico pior do qu' ô que 'tava?!... Filhos d...

Salta, logo, o mê compadre:

- Ó Zé Manel, tem conta com isso... Tens que ter pacência, homem...

- ... nã basta já a murta que me tancharam e, agora, levar cinco anos inrascado que, se me panham ôtra vez, tiram-me a carta...

E o ti Luís Agúida:

- Olha, nã há nada c'm' ê cá. Tenho lá o mê mata-velhos, nã é preciso carta, nã é preciso nada... Vejam lá s' ê já alguma vez tive de vir a Faro...

- Nem o caminho mecêa sabia, se t'vesse que vir...

- Pôs não!...

- E os sinás aí da estrada, sabe?

- Ehq'... Sê uns, ôtres não. Tamém, p'a qu' é qu' ê preciso d' os saber... Ê cá só ando lá im Monchique e, fora disso, o más que vô-me é a Vila Nova fazer a praça... E o mê mata-velhos nã dá más qu' os cinquenta e tal, sassenta... A decer... A mim nã me murtam eles lá premode ir depressa demás, não...

- Ê cá, se t'vesse uma via p'a guiar, o que me dava, tamém, mái marafunda era os sinás. Atã, uma pessoa vai ali olhando p' ô v'lante, p' à estrada, p' ôs ôtres que vêm de frente...c'm' é qu' inda dá visto os sinás?!...

Bom, calo-me já com isto qu' ê já vi que nã adianta a gente se pôr p' aí a catarruar. Inda pode é ser pior. Quem manda nisto tudo tudo sã eles, esses dos partidos, e a gente que se charingue tôdes.

Passem bem e até ôtra ocasião.