Apoisô um Grifo no telhado do mê compad' Jôquim...
Este ano, fiz uma contrata com o mê compad'e Jôquim do Barranco. C'm' à gente já nã se pode grande coisa, qu' a idade já é munta, resolvé-se panhar uns madronhitos os dôs e fazer-se uma aguardentinha a mêas p'a se ter p' ô gasto da casa.
De manêras que, é o qu' a gente temos andado a fazer. E, olhe, já se vai com uma vasilha chêa e ôtra a mê caminho...
Más isto vem ô caso premode uma parte que se dé com a gente, um dia da semana passada. Vinha-se os dôs munto bem, cada qual com a sua sélha de madronhos ô ombro, à précura duma buchazinha p' ô almoço, desata-se a ôvir o canito do mê compadre numa grande ladrada.
Logo, cudí qu' aquilo era premode o ti Zé Caçapo "Verruma" vir logo à frente - qu' ele, nesse dia, dé uma manita à gente e panhô tamém uns dôs ó três baldes de madronho. Mái, c'm' o bicho nã se calava de manêra nenhuma, digo p' ô mê compad'e:
O ti Zé Caçapo quis-l'e dar uma pàzada na cabeça, más o bicho nã tirava os olhos de cima dele...
- Compad'e, mái atão o qu' é que se passa com o sê Lanzudo - é o canito dele - que leva p' ali a ladrar désna qu' a gente aqui chigô e nunca mái se cala?!...
- Sê cá... Há-de ser premode aqui o t' Zé... Nã sabe qu' ele 'tá-se semp'e a meter com o bicho? Ora, o cão nã no pode ver...
- Ai é p'r causa de mim?!... Nã é qu' ele é azedo que nem um raio... Mái, s' é pra mim, nã sê a r'zão dele 'tar só a olhar é àlém p'ra cimba do sê telhado. Calhando é carolho c'm' ô dono...
Aí, o mê compad'e Jôquim nã gostô lá munto da amenção - qu' o homem, graças a Dés, nã é carolho, nã senhora... - e béque-me ia já responder ô consoante ô ti "Verruma".
Mái, nesse mê tempo, a c'madre C'stóida que tinha vindo à rua mandar a gente s' aviar a ir pr' à menza, entes qu' o dec'merzinho arrefecesse, olha p' ô telhado e dá um eco:
- Ai, valha-me Nossa Senhora!... 'Tá um bicho àlem ô pé da ch'miné!... E a olhar po' ô galinhêro... Ai minha bela Bicosa qu' ele inda m' a leva!...
E dé um avoão...
- O que sará aquilo?!... Algum bufo?... - Diz o "Verruma".
- Qual bufo nem qual quem!... Aquilo é más é um sapêro. E grandalhão que nem um capacho...
- Sapêro?!... - dig'-l' ê cá.
- Pôs. Ó, atão, algum gavião...
- Gargaludo c'm' àquilo é?!... Nunca vi p'r 'í bicho assim... Más, olhe, vem ali o sê Zé Manel e ele é moço p'a tirar já aqui as temas todas qu' ele conhêce qualquer coisinha disso.
- Atã, prècure-l'e lá a ver o qu' é qu' ele diz...
O moço, atão, nem foi preciso a gente l'e d'zer nada. Repàirô que se 'tava tôdes d' olhos pôstos no bicho, pôz-se tamém a olhar e nã tardô nada salta logo com a dele:
- Vê-se logo que vocêas nã percebem nada disso... Inda ontordia eles 'tavam a amostrar b'charada daquela na tel'visão. É tal e qual uns qu' eles l'e ch'mavam grifos. Até, béque-me, d'zeram qu' uns eram grifos e haviam ôtros mái ó menes par'cidos ch'mados abutres...
- O quem?...
- Sa senhora. E os brasilêros têm p'ra lá uns que l'e chamam urubus...
- Ora, brasilêros... Esses saganhetas tinham que l'e pôr logo um nome desses...
- Nã fale mal dos brasilêros, compad'e Jôquim... Olhe qu' ê cá vô-me pôr isto tudo na internet e, despôs, eles podem parcer-se mal... E há uns centos deles que usam a vir aqui bispar isto tudo...
- Atã, diga-l'e lá a eles qu' ê cá disse isto a mangar...
Quái que perdé altura, mái baté ôtra vez as asas...
- Vejam lá s' o estapôr do bicho me leva é alguma galinha... Ai minha bela "Bicosa", qu' é uma poedêra do melhor qu' ê cá já tive!... E a galinhita-da-índia que tem pintaínhos... Vô-me já gôrdá-la im casa...
- Nã s' apequente, minha mãe, o bicho des que só come carne de bichos já môrtos...
- Fia-te nisso, C'stóida, fia-te... Nã tarda nada 'tás más é com uma galinha a menes... S' ê fosse a ti, prendi-às más era já...
- Lá 'tá mecêa, mê pai... Atã s' ê l'e digo qu' o bicho nã é cacenho... Na tel'visão afiançaram qu' eles só comem o qu' incontrem morto aí p'r esses charazes...
Salta o "Verruma":
- E tu acraditas nisso tudo, Zé Manel?!... Nã sabes qu' esses da tel'visão sã uns mintirôsos que nã se pode uma pessoa fiar neles?... 'Pera aí qu' ê já te digo o qu' é qu' ê faço...
E voltô caminho da gente ôtra vez...
E joga-se a uma vara de calitro que 'tava ali incostada à parede da casa, põe uma escaida im frente d' adonde o bicho 'tava apoisado, assobe uns dôs ó três degraus de pau nas mãs, tôdo fêto p'a dar uma pàzada no b'chinho. Arrulha-l'e o Zé Manel:
- Ó ti Zé, dêxe o bicho descansado, home!... Atã, que jêto uma coisa dessas?... Gostava que l'e fazessem o mémo e l'e tanchassem aí com um pau na lombêra, sem mái nem menes?...
- Na lombêra?!... Ê dô-l'e logo é na cabeça, qu' ele há-de cair de pantanas ali no mê do chão...
- Nã tenhas cudados, Zé Manel, qu' ele nã l'e dá acertado. Pensas qu' o bicho é parvo?... Tã penas o pau chegue lá p' ô lado dele, dá um avoão e vai-se imbora... E inda quem se vai dar mal há-de o t' Zé. Dêxa que já vês...
Inda cuidí qu' o marafado se jogava a mim...
E assim foi.
O ti Zé Caçapo com aquela enfluêinça toda d' acertar na cabeça do bicho, desquecé-se que 'tava im cimba da escáida. Sigura na vara com as duas mãs, vai p'a dar o porradão no bicho, ele dá dôs passinhos mái p'ra cimba, furta-se à vara e dá um avoão.
A vara bate na ponta do telhado e desliza p' à banda de lá... A escáida dá varêjo, ele larga o pau das mãs, dá um gangueão e, nã l'es digo nada, foi p'r um nadinha que nã baté a apèraja no mê do chão...
O grifo, esse atão, abriu as asas e lá foi prê abaxo com elas esticadas a ver se dava tomado altura. Más a coisa nã l'e corré assim munto bem, teve que bater as asas três ó quatro vezes, q'ondo não, inda apoisava, mémo sem qu'rer, num milho paínço qu' o mê compadre tem sameado no cantêro do mêo.
Aí, dé mêa-volta e vêo, ôtra vez, p'ra este lado. Quái até que me vi inrascado com ele, qu' o marafado, a certa altura, imbicô d'rêto a mim, inda cuidí qu' ele nã gostasse de f'car no retrato... Mái o qu' ele tinha no sintido era apoisar ôtra vez no mémo dito telhado do mê compadre.
Só qu' o parente "Verruma" inda lá 'tava de pau alçado ô pé da escáida e o bicho, que nã é parvo dum todo, barimbô-se nele, baté a asas mái uma vez ó duas e foi apoisar, mái pralàzinho, nas casas da ti Zabel Tomé.
Passados três ó quatro dias, andava ele a avoar já lá p' às bandas de Vila Nova...
E c'm' à gente tinha qu' ir panhar mái uns madronhitos da parte da tarde, dêxame-se-o da mão e foi-se bater o almocinho qu' a c'mad' C'stóida tinha lá p' à gente.
Passados três ó quatro dias, tive precisão d' ir a Vila Nova e, ali na zona do Porto de Lagos, puz o gargalo de fora da janela da camineta da carrêra e inda o vi a avoar à roda, já a uma bela altura, nã sê se à prècura d' algum bicho que p' ali 't'vesse morto ó se p'a s' ir imbora p'a ôtre lado, qu' aqui, calhando, nã dava governado vida.
Ó se nã era ele, era um parente dele que l'e dava muntos ares...
Tenham munta saúde e até um destes dias.
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