03 julho 2009

Bonecos d' arêa

Construções na areia - Fiesa 2009
Im Pêra, fazeram uns bonecos d' arêa que sã méme bem-caçados...

Era uma coisa qu' ê cá tinha vontade de ver já há um belo tempo e inda nã tinha tido ocasião era isto dos bonecos fêtos d' arêa qu' eles, tôdes verõs, usam a fazer lá no Algarve, ali p' às bandas de Pêra.

Pôs, a semana passada parcé-me aqui o ti Luís Agúida p'a me comprar umas bajas temproas qu' ê tinha pr' ali - o homem faz a praça im Vila Nova - nã foi tarde nem foi cedo, fazemos logo duas contratas duma assentada: vendi-l'e as bajas todas p'r junto e combinamos a ir os dôs, no mata-velhos dele, a ver as tás bonecos fêtos d' arêa.

Aquilo foi uma coisa que calhô assim im conversa, num derrepente, e ê cá, logo de mimento, nem me vê à cabeça qu' o estapor do mata-velhos só pode levar dôs passagêros. Ora, c'm' é qu' a minha Maria ia tamém... E a ti Felismina, qu' é a m'lher?...

- Ó ti Luís, atã e nã se leva as nossas velhas?... - Dig'-l'e ê cá.

- Quem, a ti Maria e a minha Felismina?...

- Quem havera de ser?...

- Ó ti Refóias, dêxe-se disso... As velhas que fiquem a cudar no monte qu' a gente os dôs vai munto bem sòzinhos... Olhe, ê cá... tenho alturas que já nã dô aturado a minha...

Construções na areia - Fiesa 2009
Até do Camõs nã se desqueceram. E dumas moças qu' ele incontrô na Ilha dos Amores...

Aqui, f'quí-me... Más ele, levô a catarruar naquilo, nã se calava, e a minha Maria qu' andava a tabornequear ali no alpendre pôs-se à escuta e ôviu. Ora, salta logo de lá...

- O qu' é qu' o ti Luís 'tá p'r aí a d'zer, qu' ê nã panhí munto bem?!... É p'ra s' ir tôdes ver as construçõs na arêa?... Ó é só vocêas?...

F'quí logo incalacrado. Diz ele:

- Atã nã vê qu' o mê carrinho só pode levar dôs de cada vez... Só se mecêa s' amontar aqui na caxa adonde ê carrego as coisas p'a levar à praça...

- Tenha p' aí juízo... Era o que vocêas queriam era irem sòzinhos... Ê já resolvo isso. Sòzinhos é que vocêas nã vão. Que jêto?!...

E pronto. Assim abalô caminho da casa do mê compad'e Jôquim.

Inda a gente quái que nã se tinha tido tempo de tomar ar, já a vozêrrão delas as duas - a minha e a c'mad'e C'stóida - soava lá na rua deles. O que d'ziam nã sê, mái tamém nã tardô nada, já as novas tinha chigado até cá a esta banda.

- Já 'tá tudo arrenjado... O Zé Manel leva a gente. Vã os dôs aí nessa b'cicleta do ti Luís qu' ê cá e a c'mad'e C'stóida vamos nôtra via.

- Atã e o compad'e Jôquim, fica im terra?

- Nã te dê cudados qu' ele tamém vai com a gente...

Construções na areia - Fiesa 2009Construções na areia - Fiesa 2009
Atã e estes lá do Egipto, nã 'tã bem fêtos? É, béque-me, a rainha deles e um pobrezinho dum ênuco...

- Ó Maria, nã t' enfezes qu' a gente inda 'tava a combinar as coisas e tu nã f'cavas no rastolho...

- Ê bem ôvi o que ti Luís disse. Nã tens precisão de 'tar com desculpas...

E c'm' ê cá, d'zer a verdade, nã tinha mái nenhuma manêra de me defender, a coisa f'cô p'r 'lí e, no dia combinado, lá se foi todos caminho do Algarve.

C'm' à coisa 'tava combinada, a mim acabedô-me ir no mata-velhos do ti Luís. Ora, aquela trugia já 'tá mái velho qu' o dono, dêtava um fedôr a petrol que metia medo e o ti Luís, tamém, nã sê c'm' é qu' ele fazia aquilo, andava só ôs lóres duma banda à ôtra da estrada - q'ondo nã ia méme ô mêo, a pisar o traço e tudo, qu' os ôtros 'tavam-l'e semp'e apitando...

Ê cá, que nã uso a almarear c'm' alguma famila que nã prosa, desato a sintir assim béque-me umas ãinsas... Inda vi jêtos de bolsar. Aquilo foi p'r uma coisinha de nada...

- Eh ti Luís, tenha p' aí conta, homem!... Vá um coisinho mái brando com isso... Quer dar cabo da gente ó quem?...

- Mái devagar ainda?!... Atã isto só de ladêra à baxo é que dá uns sassenta. Agora vô-me a q'ôrenta e tal... Inda o Zé Manel, que vem logo ali atrás, s' aborrêce e passa adiante da gente...

- Dêxe-o passar!... A gente logo lá chega tamém. Mecêa nã sabe o caminho? Sabe. Atã, pronto.

Construções na areia - Fiesa 2009
Estes aqui 'tã a ver cinema. P'r o jêto, q'ondo eles inda amostravam o cinema na rua...

Más aí, já a gente ia chigando quái à recta do Rasmalho, as curvas acabaram-se e a coisa lá se compôs. Quer-se d'zer, inda se dé ôtra parte qu' ê cá nã contava com ela, E tudo p'r culpa do Zé Manel que chigô lá im baxo entes da Ladêra do Vau, mete p'a drento da a'to-'strada.

Se nã sabia ele qu'o mata-velhos nã pode andar nesses caminhos... Mái atão, desquecé-se... E lá se foi a gente os dôs sòzinhos p'ra estrada antiga até Alcantarilha. Tamém nã se perdé nada. Aparamos lá num certo sito, bobemos uma piquenalha cada um, aquilo sôbe que nem ginjas. E eles ficaram im seco...

E, já agora, semp'e l'es falo lá dos bonecos. D'zer a verdade, nem l'es sê incarecer. Custô-me um belo d'nhêrinho, lá isso custô, mái dí-o p'r bem gasto. Ê cá e a minha Maria inda se teve que pagar os dôs, já nã m' alembro bem, mái foi coisa aí duns doze eros e sessenta cêntimos... Qu' a gente somos os dôs já reformados e sai um coisinho mái barato.

Agora ê cá inda gostava de saber d' adonde é qu' eles desincantaram tanta arêa p'a fazer aquilo tudo. É que sã bonecos e mái bonecos, carros, casas, bichos, foguetõs, ê sê cá!... E tudo tã bem fêtinho que mecêas nem calculam...

Até o Camõs lá está a olhar p'ra umas moças qu' ele, p'r o jêto, incontrô lá num sito adonde elas andavam assim com pôca rôpa im cimba do corpinho, a Ilha dos Amores. E jêtosas qu' elas eram... A minha Maria é que nã gostô lá munto d' ê cá l'e 'tar a tirar o retrato, qu' ê bem vi ela fazer uma careta p' ô lado da c'mad'e C'stóida...

Construções na areia - Fiesa 2009
Estes 'tã a ver a bola na tel'visão. Só l'e falta ali um garrafanito de cinco litros...

E o ti Luís Agúida tamém se pôs a olhar munto p'a essas tás moças, q'ondo dé p'r ele já 'tava a fazer parvoêras. Veja lá que levava uns albricoques na alsebêra, drento dum saquinho de plástico, e, d' ora im q'onto, c'mia um. Lá isso, inda vá lá, mái já nã era grande figura no mêo daquela famila toda.

Agora, chegar ali, pôr-se a olhar p' às moças todo imbasbacado, puxar da sua faquinha dele, desbrugar o albricoque e jogar a casca p' ô mê do chão... Eh'q!... Nã é coisa que se faça... Vem de lá um estrangêro põe-se a fazer miécos c'm' quem diz:

- Isto aqui é algum monturo ó quem?!... Toca más é a apanhar isso...

Nã sê bem s' era iso qu' ele queria d'zer ó não, mái, se disse, foi bem dito. Volta-se o compad'e Jôquim p' ô ti Luís:

- Já viu o qu' é que mecêa arrenjô?... Panhe lá a casca do albricoque e ponha isso àlém naquele caxote... Atã que figura é essa?...

- Ai, punhana, 'tava a olhar p' às moças nem dí p'r o que fiz!... Isto, tamém, qualquer um tem um descuido. E com este calor, im menes de nada, seca...

- Que seque que nã seque, panhe lá isso. Nã vê qu' é uma vergonha?... Senã nunca mái venho consigo...

Aí, o homem, caí nele, panhô a casca e tudo se compôs.

Pôs, mês belos amigos, p'a quem goste daquelas coisas, vá lá à Fiesa 2009 qu' aquilo 'tá bonito. Mái vã assim à tardinha qu' à hora da calma que faz lá uma torrêra munto má de gramar. E nã joguem cascas d' albricoque p' ô chão...

Fiquem-se com Dés.

2 comentários:

  1. Ora viva!!
    Ao longe, deixei de ver a serra de Monchique outra vez,porque voltei à Finlândia. Estive em Lagos de férias,o tempo passa tão rápido, que não tive tempo para dar um saltinho aí a Fonte Velha, talvez aí encontre a resposta à minha origem, às raízes que enrolam minha imaginação e me acompanham com a imagem de "Marmelete".
    Um abraço amigo, do Reino do Algarve, espalhado por esse mundo fora.

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  2. Gsti munto desta parte! Mostra qu'ameceia leva jêto im cuntar estas xtóiras à famila. Pre menos a mim é cousa que me dá grande consolo! Na tenho à vonde cum ler isto e ando por i a amostrar à maltinha cum quim ê me dou tamém. Cá fico asperando per más!

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"