A Barraja d' Odelôca andô, andô, semp'e se fez...
Aqui há coisa dum mês ó dôs, contaram-me p'r' aí qu' a Barraja d' Odelôca já tinha sido tapada p'a ver se dava ajuntado uma gotinha d' água p'a, em chigando o Verão, matar a sede da famila lá de baxo do Algarve.
Des qu' até quem vêo fazer esse serviço - d'zeram-me, qu' ê cá nã vi... - foi o Pr'mêro Ministro, aquele homem que mora lá im Lisboa e manda nisto quái tudo. D'zer e verdade, q'ondo me contaram, nã f'quí assim lá munto certo nisso. E sabem premode quem?
Nã é qu' ê cá cude qu' o homem nã seja pessoa p'a fazer tal serviço - pro jêto ele até des qu' é ingenhêro... Mái fazerem-no vir d' aprepósito, bem de Lisboa, só p'a acalcar p' ali num botão e aquilo se fechar tudo... Se me t'vessem dado vaia, calhando, até ê cá fazia isso e pôpava-l'e esse encómado...
Agora, nã me querendem d'zer a mim, 'tá lá um mecinho, béque-me de Cabo Verde ó d' Angola nã sê bem, qu' um dia destes até dêxô a gente antrar lá drento, que bem podia desinrascar a coisa. S' ele sabe andar lá com uma inxada a arrenjar aquele rego, logo à antrada, munto melhor havera de saber acalcar no botão...
Tã penas a taparam, choveu logo tanto ó tã pôco que já 'tá quái a estibornar...
- Nã me venha cá d'zer que já antrô lá drento qu' ê cá nã vô nessa...
- Que jêto nã d'zer, compad'e Jôquim, s' ê cá antrí...
- Atã aquilo des que tem lá um sinal a proibir a entrada e um ferro atravessado logo ô prencipo...
- E o qu' é qu' isso tem?... Ê cá ia com o parente Tóino Rosa, no carro dele, um Mercedes qu' o homem tem...
- Ah, e os carros que sejam Mercedes podem antrar à vontade...
- P'r o jêto, podem. Atã a gente chigô lá, aparamos, 'tava esse tal moço e mái uns dôs ó três, cada qual com a sua inxada, a escrafuncharem p' ali na valeta. Olharam p' ô vrido do carro, nã haveram de ter visto nada que 'tava todo imbaciado, a seguir voltaram-se béque-me ali p' à frente adonde 'tá aquele coiso da marca Mercedes...
- E cudariam qu' era, ôtra vez, o tal ingenhêro lá de Lisboa?...
- Isso nã l'e sê d'zer. Mái qu' eles par'ciam uns polícias sinalêros logo a mandarem o carro seguir lá drento, isso par'ciam...
- Tó, raio! Inda me custa a crer...
- O parente Tóino Rosa inda l'es prècurô s' a gente podia antrar más eles nã aparavam de dar sinal com as mãs p' ô carro andar p' à frente...
- E mecêas antraram...
Qu' eles inda 'tão p'r lá a fazendo uns trabalhinhos...
- Ora nãinques!... O pior foi despôs...
- Atão?...
- Ora, andemos p'r lá com o carro, corremos aquilo tudo - semp'e a chover, que Dés a mandava... - já se vinha de volta p'a trás, 'parêce um, assim todo bem vestido, amontado num jipe, apara méme ô pé da j'nela do mê lado, dá im esbracejar, tive qu' abrir o vrido...
- Atã o qu' é qu' andam p'r 'qui fazendo?... - précurô-me ele a mim, assim béque-me com cara de gozo.
- O qu' é qu' havera de ser, anda-se a ver isto... Mal impregado 'tar a chover desta manêra que nem se dá saído do carro aí p' ô mêo desse lamatêro...
- Atã e mecêas nã sabem que nã podem antrar aqui?!... Olhe, já o mê chefe, qu' antrô méme agora - nã no viram passar aqui num Mercedes igual a esse?... - me dé uma desanda premode isso, qu' ê nem sê o que l'es diga!...
- Oh, mê belo amigo, quêra desculpar. A gente cudava qu' isto era livre...
- Livre?!... Só antra aqui a famila que trabalha cá!... Vã-se já imbora senã ele inda vem ôtra vez - e olhem qu' ele imbruta com pôco...
- O caso nã seja esse... Nã vê que já 'tamos voltados p' à saída e tudo?... Vá, parente Tóino, acalque aí no acelarador.... nã parêça o chefe dele...
'Tã alembrados desta ponte? Atã, agora, já nã se passa p'r cimba dela qu' eles já prantaram com ela no chão e fazeram uma nova logo preciminho...
Aqui, o mê compad'e Jôquim dé uma carcachada. O saganheta gosta é destas partes de q'ondo uma pessoa se vê im traquetes... Más ê cá, c'm' à conversa já nã me 'tava a calhar, desvií o assunto.
- Olhe lá, c'pad' Jôquim, isto, com tanto que tem chovido, im pôco mái dum mês, já dé p'a incher a barraja até adonde podia ser e a R'bêra d' Odelôca, cá p'r baxo, inda vai chêa.
- Nã me diga... Cudava qu' ela, agora, f'cava seca... Atã e a barraja? Assim tã chêa há-de par'cer a do Alqueva. Ó sará inda maior?
- Sê cá?!... Ê nunca vi a do Alqueva chêa... Más olhe que, p'r aquilo que vi, nã tem nada em l'e pedir meças. E méme no qu' eles fazeram ali à roda dela, tem que se l'e diga...
- Tamém faz elecsidade?...
- Nã. Nã é isso... 'Tô a falar dumas pontes qu' eles fazeram lá, coisa jêtosa... D' entes, p'a s' atravessar a R'bêra do Alferce - ó R'bera de Monchique, c'm' otres l'e chamam - tinha-se uma ponte velha. Agora, prantaram com ela no chão e fazeram uma nova.
- Aquilo, tamém, era fraquinha...
- Cá mái prebaxinho, p'a atravessar p' à Foz do Barrêro, era à pata p'r drento d' água. Agora, fazeram tamém uma ponte...
- P' à famila e p' a carros?...
Méme com a barraja tapada, a R'bêra d' Odelôca inda leva esta rebêrada...
- Sa senhora. A famila até passa bem. Carros é qu' é preciso ter mái conta.
- Atã que jeto?...
- É qu' um mata-velhos passa bem, agora um carro assim maiorinho é melhor que tenha um chòfer já com muntos anos de carta...
- Compad' Refóias, nã l'e esqueça o que 'tá d'zendo, mái, de repente, vêo-me uma coisa à idéa. Atã e s' a gente, um dia destes, se fosse dar um passêo à Barraja do Alqueva e tirava-se as temas a ver qual é a maior?...
- 'Té que nã era mal pensado, nã senhora. Atã e via? Im que via é qu' a gente lá vai? Nã dô p'r 'tar p' aí nenhuma excursão p'a ser fêta...
- Ê cá tamém não.
- Só se vomecêa desse uma vaiazinha ô sê Zé Manel e ele fazesse esse jêto d' alcançar a gente lá, um dia qu' ele 't'vesse de folga. Pagava-se-l'e a gasolina os dôs e uma bucha lá naquele restarante das avestruzes. O qu' é que diz?
- E levava-se tamém as m'lheres?...
- Calhando... Mecêa é que sabe. Mái veja lá isso, home...
Em o mê compad'e Jôquim falando assim, é certo e sabido qu' ele 'tá enteressado e vai arrenjar tudo p'a se dar ido. De manêras que, s' a coisa correr ô consoante c'm' ê cá cudo, e a gente lá ir, ê logo l'es conto o que se passô.
Fiquem-se com Dés.