17 março 2010

A Geada Dente-de-Cão

Geada dente-de-cão
Há já bem munto tempo que nã via geada dente-de-cão c'mo esta...

Nã sê se vomecêas já alguma vez viram geada ó não. Calhando, munto menes viram daquela de dente de cão, qu' era coisa que, q'ondo ê cá era moço-pequeno, caía muntas vezes.

Alembrí-me a falar disto premode um caso que se dé com-migo, inda há bem pôco tempo, numa volta qu' ê cá fui dar com a minha Maria e mái uma carrada de famila. Foi-se numa excursão qu' eles fazeram p' aí no Intrudo p'a quem qu'sesse ir ver as Grutas d' Aracena e dar p'r lá umas voltas à pata.

Aquilo iam p'a lá coisa dumas trinta ó q'ôrenta pessoas, más um menes um, tudo munto ad'vertido e fêtinhos p'a dar à perna, mái atão o tempo nã correu à nossa fêção e só no pr'mêro dia é qu' inda andemos quasequer coisinha de jêto. E, méme assim, com um geadão, uma coisa temente...

Alevantamos-se de manhãzinha bem cedo, rapimpamos-se com um quebra-jum qu' eles deram lá na pensão - aquilo era quái à descrição, ora, hôve menino qu' incheu a pança logo p' ô dia entêro... - mandaram a famila antrar toda p'a drento da camineta e foram largar a gente a uma belas cinco ó sês léguas de lonjura.

 Geada dente-de-cão
Era preciso ter munta conta p'a nã se dar algum escorregão...

Tã penas abriram a porta, ê cá fui logo o pr'mêro a sair que, com a barrigada que panhí ô café, já nã ia lá munto bom cá p' drento. Nã é qu' ê use a nã prosar, qu' isso a minha Maria é que l' acontêce quái sempre, mái o chòfer dava as curvas qu' até zunia e, atão, béque-me sintia já assim umas ãinsas e, d' ora im q'onto, até me vinha assim - com l'cença da palavra - um gole à boca.

De manêras que saí assim de rompante, panho aquele ar frio qu' até cortava, digo p'ra mim:

- Ai que barbêro qu' ele 'tá aí!... Minhas belas orelhas!...

E, d'zer a verdade, inda joguí assim a mão a uma e quái que me par'ceu qu' ela 'tava a incurrascar. E a ponta do nariz?!... Ai a ponta do nariz, mês belos amigos!... Nã sê se me doía se nã na sintia...

Mái nã foi sol de munta dura qu' ê cá desqueci-me logo disso tudo. E isso premode quem? É que dí com os olhos numas tôiças que 'tavam logo da bandinha de lá da valeta, tudo branquinho. Nã é qu' ê cá nã t'vesse já repairado, durante o caminho, que tinha caído um geadão marafado e 'tava tudo esbranquiçado, mái daquela ali já há mái que tempos qu' ê nã via...

- Nã vês, Maria... Olha lá p'ra isto!... Esta é de dente de cão!...

- Õi!... Que frio!... Olha lá, s' ê calho a nã trazer o mê barrêtinho de lã p'a pôr na cabeça...

Geada dente-de-cão
Cada passada qu' uma pessoa dava ôvia a geada a se esmigalhar debaxo dos pés...

E, inda mal nã tinha acabado de falar, já o 'tava a infiar na cabeça até ô canto de baxo das orelhas. Já do mémo nã me pude ê gabar que nem pensí im tal coisa. Qu' ê cá podia munto bem ter levado o mê boné d' orelhas e 'tava governado... Mái dêxí-o im casa. Alguma vez ê cudava d' ir dar com uma coisa daquelas assim tã desviado do monte?!...

O resto da famila que saíu à última da camineta tamém se foram aconchigando com os agasalhos que cada um trazia, mái faziam todos uma clamada qu' até dava dó. Menes um que vinha lá no banco de trás - tenho 'tado aqui a ver se me descorre o nome dele mái nã m' alembra. Esse, más um nada, f'cava fechado drento da camineta. Aquilo foi méme à escapúla...

P'ro jêto, o homem tinha perdido a nôte, assantô-se lá no banco de trás sozinho, ferrô a dromir, já tinha tudo abalado a andar q'ondo ele acordô e se viu na camineta sem companha. Desatô a bater no vrido e a ch'mar p'ra gente, vá lá qu' inda hôve quem desse por ela...

Saíu de lá, vinha béque-me mê' insampado, deu uma carrêra à mecha toda, aparô um coisinho à minha frente e desata a lambarear. O que me havera d' acabedar... Logo a mim que queria tirar retratos e nã me calhava nada ir ali a tramelear fosse lá com quem fosse. Vá lá qu' ele, logo a seguir, virô-se p' ô ôt' lado, ia uma moça toda jêtosa ali sozinha, f'cô todo crençoso com ela e desquecé-se de mim.

Geada dente-de-cão
P'ro jêto, os castanhêros gostam destes sitos adonde faça frio com fartura...

Ora ê cá aprevêtí logo o atopo, ponho-me a andar p'r lá a tirar retratos à manadia que foi um consolo. Um consolo até que pisí uma pôça d' água - cudava ê cá qu' era água... - e dí um escorregão. Olhem, aquilo, más um nada, dava tamém um bate-cu que ficava todo enlameado, más agarrí-me ali a um tróço dum castanhêro, enquilibrí-me e a coisa nã teve dúv'da...

Já agora, p'r falar im castanhêros, nã sê c'm' l'es incarecer aquilo que p'r lá vi. Andamos bem umas duas léguas - p'ra más que p'ra menes - e nã se via ôutra coisa que nã fosse tal arv'e. Mái, nã cudem, tudo alvoredo desposto im carrêras c'm' deve de ser, tratados a tempo e horas e tudo munto mái velho do qu' ê cá ó vomecêas...

Ora mái velhos... Até me d'zeram que 'tavam lá alguns que, se nã t'vessem duzentos anos, p'a lá caminhavam... E ôtra coisa: ali ninguém corta uma ar've daquelas ó a trata mal. Nã senhora. Nem que seja p'a os podar, pr'mêro têm que pedir l'cença lá a quem manda naquilo. Calitros?!... Isso naquela zona nã há...

Calhando mecêas nã se fiam em mim, podem cudar qu' ê cá 'tô a abusar, mái 'tejam certos qu' aquilo é uma coisa quái do ôt' mundo. Im tamanho, im 'tar bem arrenjado e im q'ôlidade. Fiquem sabendo que, méme nesta altura, inda panhí lá umas castanhitas p'r aqueles charazes e 'tavam quái todas boas p'a c'mer.

Castanheiros centenários
Im castanhêros, nunca tinha visto uma coisa assim. Grandes, bem tratados e muntos...

E boas qu' elas eram... Despôs d' incher a barriga é que me vêo à idéa uma coisa: já haveram d' andar um coisinho chafurdadas dos porcos brabos - os javalis... Mái já me tinha rapimpado com elas e bicho nã tinham... E que t'vessem. Nã se usa a d'zer que 'bicho qu' ê como nã me come ele a mim'?...

Pôs, nã sê se mecêas inda 'tão alembrados - os mái velhos c'm' ê cá, qu' os mái nôvos, esses não - já hôve tempo qu' aqui na nossa Serra tamém havia muntos castanhêros e a famila pôco mái c'mia do que castanhas.

Batatas nã as havia, pão munto pôco, vá lá umas bejoarias quem as tinha, e, atão, eram as castanhas qu' andavam semp'e p' à frente. P'a nã apodrecerem, até se gôrdavam com todo o precêto. Inda m' alembra do mê pai - que Dés o tenha - as interrar im arêa seca drento dum corcho e, em sendo preciso, ir-se lá desinterrá-las...

Querendem, acalquem aqui na Galeria de Aracena e Rio Tinto e vejam mái mêa-dúiza de retratos.

E p'r 'qui me fico.

Passem bem e até que Dés quêra.

1 comentário:

  1. Sou portuguesa da beira Baixa, morando no Brasil há 40 anos. Encontrei seu blog na net por acaso, e me encantei com o conteúdo. Parabéns!
    Obrigado por me fazer matar um pouco as saudades de nosso País.
    Abraço carinhoso.
    Irene Carvalho
    e-mail: laxarota @yahoo.com .br

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