Era aqui qu' a Corrida começava. Ê cá abalí logo a fugir...
Já havia uns belos dias qu' ê tinha ôvisto falar pr' aí numa "Corrida Fotográfica". A minha Maria, que nã dêxa passar nada, 'tava farta de m' impertenecer p'a ê cá tamém ir tirar p'r 'í uns retratos e apresentá-los, a ver o qu' a coisa dava.
Más ê cá, que pôco mái depressa ando qu' uma lesma, nã me queria opôr a isso cudando que, p' a antrar numa coisa dessas, uma pessoa tinha que dar andado a fugir do prencipo ô fim. Assim c'mo eles fazer no campo da bola...
E ela tém-mava que não:
- Ó homem, aquilo, cada qual anda c'm' pode!... Vai lá, munto bem, no tê passo e nã te rales com o dos ôtros que, em chigandes, logo chegas...
- Mái 'tão, nã vês qu' aquilo tem horas p'a s' intregar lá o cartanito da máquina dos retratos e, s' um f'lano nã chega a tempo e horas, já nã no arrecebem... Lá se vai o trabalhinho todo...
Isto é o que se chama uma casinha bem tratada...
- Qual o quem!... Aquilo é tudo famila conhecida, méme que chegues um coisinho mái tarde, eles nã se negam a isso...
- Olá!... Nã chegues lá a tempo que logo vês...
- E tem mái uma coisa. Inda esta manhão falí nisso ô compad'e Jôquim do Barranco e ele contô-me qu' o Zé Manel l'e tinha dito qu' aquilo nã se tem precisão nenhuma d' andar lá a fugir...
- Ah, sim?!... Atão chamam-l'e "Corrida Fotográfica" premode quem?
- Sê cá!... Eles é que sabem... Mái que se pode ir devagar, pode-se, nã cudes...
De manêras que, lá m' inchi de coraja, dí o nome e, no dia marcado, lá abalí com a máquina pindurada ô bescoço.
Tã penas estrapus da minha rua p'ra fora, parêce-me logo o ti Alvino - o das Martunhêras - p'ra frente, assim béque-me mê insonado, a esfregar as vistas - o homem vê pôco, des que tem a vista cansada:
P'ro andar do telhado, esta ch'miné de saia, se nã l' acodem, tamém nã dura munto...
- Venha com Dés, ti Refóias.
- Dés l'e dê saúde, ti Alvino.
- Adonde é que mecêa vai, logo de manhão, com uma pressa dessas, já com a tel'fonia de pilhas pindurada ô bescoço, hom'?... Vai tirar alguém da forca ó quem?...
- Lá isso, pressa, tenho. Más o qu' ê cá levo aqui ô bescoço nã é a minha tel'fonia. Nã vê qu' é a minha máquina de tirar retratos... Vô-me ali a uma "Corrida Fotográfica" qu' a famila lá da Câm'bra faz pr' aí...
- Ah, homem dum raio!... E acha que, na sua idade, inda tem posses p'a andar aí a fugir duma banda p' à ôtra?...
- Aquilo, pr' o jêto, méme chamando-se "Corrida", nã se tem preciso d' andar a fugir...
- Atã, s' ele é isso, posso ir tamém consigo?
Méme assim, inda há quem saiba fazer munto bom pão cá p'r estas bandas...
- Poder, pode, mái mecêa dará àgu-ento? Olhe que, méme nã se tendo míngua de fugir, ó anda-se ligêros ó hablitamos-se a nã dar chigado a tempo...
- O qu' é que faz de mim? Ê cá inda quái que dô um coice numa estrela...
Nisto, vejo vir um carro devagarinho assim p' ô nosso lado, apara ô pé da gente. Quem é, quem nã é, abre-se um vrido, era o mê parente Arlindo:
- Atã, parentes, com a máquina às costas, nã me digam que tamém vã tirar uns retratinhos p' ô concurso?...
O mê parente Arlindo foi criado cá na Serra, mái estudô, e, agora, dá escola lá pr' ô Algarve, se nã 'tô im erro, até é no liceu de Vila Nova. Mái, méme sendo dôtor, gosta d' acompanhar cá com a gente e aprecêa umas patuscadas, assim, à manêra, e uns porretes d' aguardente. Da boa...
- Olhe, parente, ê cá vô-me. Agora aqui o ti Alvino nã sê. Más a más qu' ele nem tem com que tirar os retratos... E ê cá l' imprestar a minha máquina nã pode ser...
Na côrela do mê parente Arlindo, o madronho já vai amarelando.
- Nã vô, nã senhora... Inda agora, disse-l'e aquilo mái 'tava a mangar...
- Atã, venha daí qu' ê cá leve-o até ô Largo dos Chorõs. É lá qu' a coisa começa, nã é verdade?
- Des que sim...
E antrí p' ô carro do mê parente. Aquilo foi um 'stante, assim se chigô lá. O pior é que, à nossa frente, já lá 'tavam espècados bem uns cinquenta... P'ra más que p'ra menes. Olho p' ô mê parente, ramôio um coisinho, dá-me assim uma gavierra, digo p' ô parente Arlindo:
- Parente, vô-me imbora, barimbo-me nisto!... O qu' é qu' ê faço aqui no mê desta famila toda, senhor?!... Isto é tudo gente que sabe tirar retratos, inda vã é incher o papinho à minha custa.
- Dêxe-se disso, homem. Venha com-migo que f'camos juntos o dia entêro. Méme que nã se tire retratos, em chigando a hora de comer, des qu' a Câm'bra tem p' ali um comes e bebes p'a dar a todos, o qu' é qu' a gente precisa de más?...
- Ai, home, ai home, p'r esse lado sa senhora, mái o pior é o resto...
Na hora da folga, uma manita ôs Três-Setes dá semp'e jêto...
O certo, o certo é que sempre se resolvemos a f'car os dôs e fazemos a "Corrida" cá à nossa manêra. Só basta que, ô almoço, fazemos-se rasmôlgos, os ôtros foram-se todos imbora, sentamos-se ali numa menza sòzinhos os dôs e foi comer e bober até mái não...
'Tá bem que, do mê dia p' à tarde, os retratos saíram todos um coisinho tremidos e tôrtos que nem um garrocho. Inda me voltí p' ô mê parente Arlindo, munto apequentado, qu' umas coisas f'cavam-me de cabeça p'ra baxo, ôtras p'ra cima e ôtras qu' ê tinha visto nem f'cavam no retrato:
- Nã vê, parente? É uma vergonha uma pessoa apresentar uma coisa destas lá... Ê nã intrego isto!...
Más ele sossegô-me logo:
- Que jêto?!... Nã diga uma coisa dessas!...
- Cale-se aí...
- Nã l'e dê cudados nenhuns... E olhe qu' ê cá sê munto bem o que digo. Eles, os que vã ver isto, inda hã-de cudar qu' a gente faz isto d'aprepósito e nã têm nada a inda darem algum prémio à gente...
- Atã nã dão!... 'Tá-se méme a ver...
A maçaroca já pende e a charrafa tamém. Calhando, já era altura de panhar o milho e fazer uma descasca. Ó, atão, afituram-se a nã no darem secado a tempo p' à dessabuga...
Mái, fosse lá o que fosse, a gente nã 'tava im condiçõs de dar fêto melhor, p' à frente é qu' é caminho!... Cada qual tirava o mái retratos que podia. Tudo o que par'cia na frente servia. Agora só nã sê é c'm' é qu' eles vã resolver este caso.
Às mesmas coisas qu' o mê parente tirava, ê cá tamém tirava. E às qu' ê cá tirava, ele fazia o mémo. Os retratos nã têm nada im ser todos iguales. Ó, se nã serem, é só p'r uma coisa. Vomecêas nã digam a ninguém, más o mê parente 'tava um coisinho mái escorvado do qu' ê cá.
E, atão, é certo e sabido qu' os retratos dele hã-de 'tar mái tôrtos qu' os mêos... O pior - e isto foi uma arrencada da minha Maria - é se lá os tales do júri cudam qu' aquilo foi mémo d'aprepósito e descaiem-se com os prémios todos p' ô lado dele...
- Prém'os?!... - Dizia o mê compad'e Jôquim do Barranco uma tarde destas - Atã mecêa inda cuda que l'e vai acabedar algum?!... Ó compadre, dêxe-se de coisas... Quer-se comparar com esses que sabem tirar retratos c'm' deve ser ó quem?...
- Lá isso nã quero... mái...
- Isso, os que vêem de fora levam tudo... E méme alguns de cá nã l'e dã atopo nenhum. Vá mas é pondo as suas coisinhas aí na internet e já nã fica mal... Vá lá qu' o sê parente Arlindo, c'mo é dôtor, ganhe alguma coisa, agora vomecêa...
É assim que se faz pedra p'a calçada. Mái, a nã ser aqui, já nã conheço mái sito nenhum...
E, d'zer a verdade, o mê compad'e Jôquim, calhando, nã dêxa de ter r'zão. Dêxa-me más é ir p'os conselhos dele.
Por isso, vejam más é estes retratos e, querendem, acalquem aqui na Galeria da 5ª Corrida Fotográfica de Monchique e vejam tamém os ôtros qu' ê cá tirí.
'Tá bom de ver que lá p' ô concurso só arreceberam quatro de cada q'ôlidade e escolhê-los é que foi uns trabalhos. De modes que, vi-me nuns traquetes tã grandes que fiz aquilo quái ô Dés dará.
E Dés l'e dê saúde.