28 abril 2006

Excursão da Mãe Soberana: uma bela enganifa

Andor da Mãe Soberana de Lôlé

Nã sê se mecêas sabem, mái, este D'mingo, é dia da Festa da Mãe Soberana de Lôlé. A famila aqui dos nossos lados tem c'stume de , tôd's anos, fazer uma excursão p'a ir a essa festa que, há quem diga, qu' é a mái antiga lá do baxo do Algarve. Des que tem p'ra cimba de quatr'centos anos ò mémo até um mê milhêro deles e ajunta-se lá pessoal de tôd' ô lado. Só aqui de Monchique, muntas vezes, chegam-se a enchêr duas caminetas, calculem...

Inda agora, passí ali à Fonte dos Ch'rõs, e vê-me à idéa uma passaja que se deu, há uns belos anos, méme naquele sito. Uma enganifa. Ê cá nã tive lá, senã no fim, qu' ê, esse ano, nã fui qu' a minha Maria, qu' inda era nova, embirrô que nã havera d' ir lá, p'r ca'sa dumas coisas dela, e atã nã se foi. Más o mê compad'e Jôquim, esse foi. Foi... Foi até à Vila. Ele até nem aprecêa nada que se l'e fale nisto. E mecêas já vâ ver ó perquém.

Pôs o caso foi este:

Andaram p' aí uns à cata de famila p'a ir na excursão. Na Vila, em Marmelete, béque-me no Alferce tamém, aí p'r tôd' ô lado, e iam logo fazendo o jêtinho d' arreceber o d'nhêrinho dos pobrezinhos. O mê compad'e Jôquim, qu' é de munto boas contas e gosta d' amostrar que tem p' além um d'nhêreco, q'ondo tem, puxô logo da cartêralha e prèguntô q'ont' é que tinha a pagar.

Nôt's lados, eles tinham só pedido à metade, mái q'ondo viram qu' o mê compad'e tinha a cartêra chêazinha de notas, d'zeram-l'e que s' ele pagasse logo tudo, inda l'e tiravam uns dez mem rés do preço que já l'e tinham dito.

O homem, que nã é má pessoa, mái por um destão nã sê o qu' ele é capaz de fazer, contô munto bem, p'r duas vezes, a conta que l'e pediram, dé-l'o, e combinaram que, despôs, era só irem lá, no D'mingo da Mãe S'brana, panhar a camineta ô pé da venda do Entradas.

No dia da festa, logo de manhãzinha bem cedo, p'a melhor d'zer, inda era bem de nôte, c'mecí a ôvir umas vozes além p' ô lado do monte deles, vi logo que se tratava da abalada. Já há um belo pôco qu' ê tamém nã d'rmia, pensí:

- Dêxa-me lá alevantar, vô-m' ali p'r trás de casa ôlhar ôs bichos e semp'e dô p'r eles abalarem. A minha Maria, que 'tava a caçar ratos voltada p' ô ôt' lado da cama, dé logo remôr:

- Atã, já te 'tás a alevantar?

- 'Tô aqui mal na cama, vô-me adiantar o servicinho qu' ê hoje quero ir mái cedo p' à Vila p'a ver se 'tô lá com o ti Alberto do Correpito qu' ele f'cô de m' arrenjar umas batatas de semente, dumas sigundêras qu' ele tem p' a lá, e ê tenho preciso delas a toda a hora.

- Nã ôves, atã hoje nã é a Mãe Sob'rana?... Por isso, ê, já há um belo pôco, que oiço barulhar além p' à dos compadres... Tenho um desgosto tã grande de nã ir... - Disse ela, devagarinho, já béque-me repesa de nã ter dêxado comprar os b'lhêt's.

- Se nã se vai, foste tu que nã qu'seste...

Bom, alevantí-me, fiz o que tinha a fazer e lá os vi abalar. Nã disse nada p'a eles nã pensarem qu' ê cá 'tava à coca a bispar tudo.

Mái tarde, 'í p'r essas onze horas em diante, lá abalí caminho da Vila, sòzinho, qu' a minha Maria inda f'cô em casa. Des que, despôs, logo s' encontrávamos no adro, ô fim da missa.

Tã penas apontí ô campo da fêra p'ra baxo - o campo da fêra era, naquele tempo, ond' é, hoje, o estacionamento de carros debaxo do chão - e alcanço a Fonte dos Chorõs, estranhí logo ver um gentío tã grande ali à porta do Entradas, mái pensí, c'm' aquilo era p' aí à hora rigular, inda nã tinham ido p' à missa.

Dô más uns passos p' â frente, vejo um abêrão preto a luzir no mê da famila, par'cé-me o do mê compad'e Jôquim do Barranco. Um chapéu d' aba larga qu' ele tem e faz presunção de levar sempre q'ondo vai algum lado. Mái pensí qu', àquelas horas, já eles 'tavam fartos de 'tar em Lôlé.

Asomí-me melhor, mái nã l'e via a cara. Ele é assim p' ô baxo com' ê cá, quái até um coisinho emblôtado. Mái, lá fui, lá fui, 'té que dí com ele, de costas, a esbracejar e a clamar alto, com-m' ôs ôt's quái tôd's, qu' aquilo par'cia uma fêra com o rèclame da banha da cobra e tudo...

Dô-l'e uma manetada nas costas, devagarinho, qu' o homem 'tava desalvorado, ele vira-se, bom, nem par'cia o mê compadre qu' ê conheço:

O abêrão, de lado, quái a cair da cabeça, o colete castanho com dôs botõs desabotoad's, a camisa com o colarinho com uma ponta p'ra fora ôtra p'a drento e toda desfraldada, par'cia ele qu' andava a vender aguardente, até as calças l'e tinha descaído e já as andava a pisar com os sapatos do D'mingo... Isto p'a nã falar da cara dele. Até 'tava desfigurado e o suôr corria-l'e em bica désna da testa até ô bescoço.

Dig'-l'e:

- Compad'e, mái atã o que foi isto? Inda aqui a umas horas destas?!... Nã me diga qu' o chòfer desquecé-se de mecêas... Ó saria a camineta que teve algum furo?...

Punhéfra, dá-l'e uma ravasca, vem d'rêto a mim, de braços abertos, par'cia que m' ia engolir:

- Compad'e Refóias, nã se ponha com coisas!... Olhe qu' ê já nã ' tô bom... Nã me diga nada!... Nã me diga nada!... Olhe qu' ê já nã sê o que faço...

Aí vi qu' aquilo 'tava méme ruim. O melhor era nã me descudar munto e ver se l'e dava fêto passar aquelas ganas.

- Ó compad'e, 'pere aí, nã s' a borreça com-migo, qu' ê sô sê amigo. Venha dái, vamos beber ali um calcesinho ô Entradas e nã se fala mái nisso. Ê nã no qu'ria apequentar, homem...

- Se vomecêa l'e sucedesse uma coisa destas, tamém nã havera de 'tar contente. Mê belo dinhêrinho... Logo ê cá paguí tudo naquele dia. Mê belo d'nhêrinho... - D'zia o compad'e Jôquim quái a chorar, já com as vistas chêas d´água.

Enq'onto ele falava, pus-me a olhar bem à roda de mim.

Aquilo era quái só m'lherío, todas com rôpa do D'mingo, a C'mad'e C'stóida um coisinho mái adiante, com a sua camisêra toda vaporosa, conversando com a ti Zabel T'mé, toda de preto qu' enviuvô faz dôs anos, a Cilinha nã na vi, do ôt' lado umas além de trás da Perna da Negra, ôtras do lado da Mariôila, tudo com bolsas e cestas de verga, daquelas adonde se leva o farnel, uma até tinha uma alcôfa com as asas atadas com uma tamiça e uma saca do amóino nã sê com o quem...

P' a quem 'tava de fora com' ê cá, era um pagode. Rir é que não, senã o mê compad'e perdia' ô tino. Mái, só cá p'ra mim, enchi bem o papinho...

E foi-se entrando à do Entradas, pensando ê cá que, lá drento, se podia falar à nossa vontade. Qual o quem, aquilo 'tva chêzinho até à porta... Custô-se a chigar ô balcão p'a pedir um calcesinho dela p'a cada um. Os homens tinham passado lá a manhã quái toda e, uma parte deles, já 'tavam escarados.

Lá se pusemos ali a um cantinho e começí a ôvi-los contar o caso.

O compad'e Jôquim vi logo adonde é que 'tava. Dé um arrulho que havera de s' ôvir na rua:

- Aqueles mariolas fugiram com o mê d'nhêrinho!... Mê belo d'nhêrinho... Tanto que me custô a ganhar. E assim m' o levaram...

Ê nã l'es disse qu' ele p'r d'nhêro é pior qu' o mê Trombão p'r rama de fava? Pôs só l'e faltava chorar...

- Ó compad'e dêxe lá isso, pode ser qu' eles nã tenham arrenjado camineta e inda l'e venham trazer o d'nhêro ôtra vez. E nã se desqueça que mecêa inda nã é dos más presicados, qu' eles tiraram-l'e dez mil rés p'a vomecêa pagar logo...

Enqónto isso, 'tava o Manel Cachimbo, ali ô canto do balcão, a falar com o Luís Pipa, mal se davam siguro de pé com os caláiços que já tinham emborcado. D'zia o Manel:

- Aquilo, calhando, o chòfer inda nunca vêo a Monchique e perdé-se, há-de ter ido parar a ôt' sito, quem sabe lá adonde...

- Qual o quem!... - respondia o Luís - Isto foi coisa de desastre. 'Pósto que foi desastre qu' eles t'veram aí p' ô Barracão ó coisa assim. Hõ-de ter fêto a camineta em fanicos e, sabe-se lá, com'm é qu' eles f'caram tôd's. Se calhar, morré tudo...

Ali más p' ô canto, encostados a um barril de vinho vazio munto ferrujento, e, tamém, já munto empeçados, o Cosme da Quinta d'zia p' ô Lexandre Texugo:

- Ê inda tenho aqui uma coisa que me diz qu' eles que parêcem. Atã iam dêxar a gente em terra despôs de se pagar?!... Nunca más eles antravam em Monchique...

E o Texugo, sempre de répla na ponta da língua:

- Parêcem, parêcem... A estas horas 'tam-se eles rapimpando com o nosso d'nhêrinho, sabe-se lá com quem, e a gente aqui à espera, fêtos parvos... Ê, tamém, inda só l'e tinha dado metade. Hoje é que l'e pagav' ô resto. Mái, méme assim, foi esse que perdi.

E, com isto, já havia de passar bem munto da hora rigular, despedi-me do mê compad'e Jôquim e fui andando até à Igreja que já nã tardava munto p' à missa da uma.

Sube, despôs, qu' a camineta nunca chigô a par'cer, os que s' entreteram no Entradas b'beram-l'e uns caláiços em forte e custaram a ir p' a casa com as pelhêgas que panharam e as m'lheres, pobrezinhas, f'caram à espera até mêa-tarde e t'veram que voltar p'ô monte com as cestas carregadas com-mo tinham abalado.

O Manel Cachimbo e o Luís Pipa, despôs do Entradas fechar, viram-nos na Estrada Velha, abraçados um ô ôtro, a ver se se davam sustido de pé.

D'zia o Manel p' ô ôtro:

- Tem cudado qu' isto aqui é de ladêra abaxo. Vê lá se escorregas p' aí...

- Agora, o que calhava era ir-se b'ber mái um calcesinho ali à da Açoreana p' a nã s' ir côxos. - Respondia o Luís.

Nisto, o Manel encalha com a biquêra duma bota no tacão da ôtra, nem teve tempo de d'zer nada. Amajulô no chão.

- Mái atão, 'tá aí um bajôlo no mê da estrada ó quem?!... É assim que se dã os desastres...

O Pipa vai p' ô ajudar a alevantar:

- Vá, sigura-te a mim. Força! Vá...

Conforme faz força, afocinha em cima do ôtro.

- Ah, fado dum ladrão, ê nã te disse p' a puxares p'ra baxo. Ê é que puxava p' a cimba...

E ali f'caram, que tempos, naquele enlêo...

Tã penas s' alevantaram, o Luís Pipa dá um gangueão, fica encostado ô v'lado a ch'mar p'lo grigóiro. O Manel nã dá p'r nada, anda ôs lóres quái dum lado ô ôtro da estrada, semp'e a falocar...

Vem o Luís, ôtra vez:

- , béque-me emborrachí...

E o Manel:

- Pôs, põs, o que calhava agora bem era más um copinho p' à abalada.

E foi, assim, a excursão da Mãe Sob'rana que nã se chigô a fazer. Contado à minha manêra, 'tá visto. Mái se algum de mecêas saber más alguma coisa do que se deu, conte. Nã fique vergonhôso de ter perdido o sê d'nhêrinho e nã ter ido à festa.

Bom, dêxa-me lá ir, qu' ê tamém tenho que m' arrenjar p'a ir à Mãe Sob'rana. Mái nã vô na camineta, nã pensem...

E, Sigunda-Fêra, vamos desmaiar... Olhem qu' o Maio é o nosso dia.

Fiquem-se com Dés.

27 abril 2006

Umas q'ontas flores que já quái que nã há

A munto custo, inda encontrí estas adelfas com os botanitos a crescer

Ontesdontem, dia 25 d' Abril, com-m' era f'riado, 'tive ô monte. Cudava ê cá que, nã sendo dia santo de guarda, logo arrenjava qualquer servicinho p'a fazer, qu' ê béque-me dá aflição de 'tar sem fazer nada.

P'a falar verdade, serviço nã me faltava, mái foi uma coisa que nã me dé cobiça jogar-me ô trabalho nesse dia. Alevantí-me bem cedo, é verdade, más isso é qu' os mês ossos já nã me dêxam 'tar munto tempo dêtado. Tenho p' aqui uns bicos-de-papagaio semp'e a m' apequentarem... Isto é herdança de famila, já o mê pai, Dés o tenha no Céu, tamém sofria do mémo.

A mê da manhã, c'mendo um pedaço de pã com chôriça, calhí a olhar p' à tel'visanita qu' a minha Maria usa a ver o romance, era só cerimóinas e mái e cerimóinas, os do governo, o presidente, os deputados, os juízes e ôt's qu' ê nã sê o qu' é que são, tudo famila que trabalha munto... Falocavam, falocavam, faziam miécos, muntos risos, munta coisa, más pôco ó nada s' apr'vêtava. Ora, ê gosto munto do 25 d' Abril, mái desses dos partidos... Éh'q!...

Pensí cá p'ra mim e, despôs, disse p' à minha Maria:

- Com um dia tã bonito qu' aí 'tá, calhando, podia-se ir andar um pôcachinho aí p'r os cerros. Nã digo agora já, mái mái-logo, despôs de se c'mer. Levava-se a Barb'leta com a gente, qu' ela tamém gosta d' ir, e podias d'zer alguma coisa à c'madre C'stóida.

- A c'madre C'stóida nã pode ir, qu' o Zé Manel 'tá além e ela tem de l' arrenjar a rôpa, e ê cá tamém nã tenho munto jêto d' ir. Vô-me aferventar ali uns milhos, já pus a cinza drento da panela e tudo, e aquilo leva bem munto tempo, de manêras que, logo se vai p' ô Maio qu' ê, despôs, faço aí um bolo de tacho e vai-se desmaiar p'a qualquer lado.

- Tamém 'tá bem. Mái atã e o qu' é qu' ê faço aqui, tôd' ô dia, que nã me 'tá a apetecer ir fazer nada?...

- Ó homem, vai tu, leva a canita, anda p'r lá até qu'reres e dêxa-me aqui s'ssogada a fazer o mê g'verno...

E f'cô a coisa terminada desta manêra. Tã penas se c'meu p' ali um jantar de grãs, e 'tava méme gostoso, peguí no mê chapèzinho do domingo, pus três ó quatro fig's na alsebêra das calças e pus-me a andar.

- Barb'leta! Barb'leta! Anda daí com o dono, anda já, b'chinha... Vamos, tôd's dôs, até além em riba.

A canita p' ali par'ceu e abalô-se. Foi-se andando, foi-se andando, nã se viu vivalma. Tirando um passareco ó ôtro, famila nada. Ô fim dum belo pôco, é que lá par'ceu nos ares um sapêro, d' asas munto abertas, a andar à roda, semp'e a engrilar p'a baxo a ver se lombrigava alguma cobra ó lagarto ó coisa assim, qu' é o qu' eles mái gostam.

Com isto tudo, chigô-se a um sito adonde ê qu'ria méme ir. Nôtr's tempos, ele havia p'r lá bem muntas adelfas, mái despôs dos encêndios nã voltí lá. E ê sê qu' essa flor já pôco há, de manêras qu' ê cá, com-mo gosto munto delas, 'tava em ferros p'a saber s' inda f'caram algumas.

Ah, mês belos amigos, padeci ô bem fêto... Corri seca e meca e nã dava com nenhuma. Só via era cepas d' urza, tudo quem-mado, çabolas d'albarrã (bispe aqui) e mongariças que já rebentaram e 'tã carregadinhas de flor. Até que lá fui, lá fui, inda encontrí um r'stinho delas, das tás adelfêras, no mê dum balsedo, já com os botanitos a mê cr'cer, a qu'rerem dar flor.

F'quí más contente que nem uma pega sem rabo!... Até dí vaia à minha Barb'leta e passí-l'e a mão p'r cima, qu' ela gosta munto que se l'e faça festas.

- 'Tá a ver, b'chinha, inda se dé visto aqui umas q'ontas adelfas... Isto dã uma flor qu' é uma categoria. Quasequer dia, temos que vir aqui ôtra vez, q'ondo elas abrirem flor. Nã te desqueças...

E lá fui andando, prê adiante.

Nisto, olho assim de través, vejo, béque-me, luzir uma coiseca encarnada,vô-me lá ô pé, era uma rosa-albardêra. Ôtra flor qu' ê já nã via faz bem munto tempo e tamém já nã há quái nenhumas. Más é bonita que dá gosto ver.

F'quí derretido a olhar p'ra ela, bem munto tempo. Levô-me até ôs mês sete ó oito anos, q'ondo inda andava na escola, e, tôd's dias, abalava de casa a pé, com a cartilha do João de Dés e pôco más dentro duma bolsa. No inverno, uma saca à cabeça, dessas do amóino, fêta num capuz. No verão, desc'rapuçado à torrêra do sol. A mê do caminho, passava ô pé dum monte de pedras grandes, num corguinho sem água, e lá 'tavam elas, pôcas, umas duas ó três rosas-albardêras...

Más, acordí do sonho e vieram-me à cabeça outras flores que tamém já pôco se vêem. Alembrí-me do gilbarbêro e do azevinho. Um dia destes, tenho qu' ir à prègunta deles. Mái, com o qu' ardeu, nestes anos, aqui na serra, já nem sê adonde haverá alguns.

E lá abalí, serra abaxo, caminho do monte, que iam sendo horas.

O Jericó e a Cochina 'tavam à espera qu' ê chigasse p'a c'merem alguma coisinha e ê gosto de tratar deles entes de escur'cer. Qu' a minha Maria nã é moça p' ôs dêxar passar fome... Mái ela tamém tem ôt's g'vernos dela e, atão, ê nã gosto d' abusar.

Já vinha chigando cá em baxo, ô passar d' azinhaga, encontrí o ti Manel dos Pôrtos, méme ali ô voltar daquela pedra rab'luda, nem se dâva passado os dôs duma vez.

- Eh, ti Manel. Venha com Dés.

- Venha tamém com Dés vomecêa.

- Tamém foi dar 'í uma voltinha ô campo?

- Éh'q, fui ver umas batatinhas temprôas qu' ê samií além naquela chanita. E aquilo corré-me bem. Nã vêo geada, olhe 'tão quái capazes d' arrencar. Calhando, p' à semana vô-me a elas.

- Fez mecêa munto bem. Se qu'ser vender algumas, ê precisava aí duma arrobinha ó duas, qu' as minhas inda 'tão munto atrasadas.

- Olhe, despôs logo se fala. Fique-se com Dés, qu' ê 'tô com um coisinho de pressa.

- Atã, vã com Dés e dê lá recomendaçôs à prima Lúiça.

Enqonto isto, voltí-me p'a seguir o caminho do monte e nã repairí que 'tava uma pôça de lama p'r trás de mim. Oh!... Atolí-me logo nela. E, más um nada, nã dava um bate-cu. Qu' atã é qu' havera de ser bonito, s' ê ficava com as calças todas enlocadas de lama...

Mái lá me safí daquela e só tive qu' alimpar munto bem as botas numa erva-azeda que p' ali 'tava, senã a minha Maria, qónd' ê entrasse, porta adentro, a dêxar cair postas de lama p'r a casa toda, dava-me logo um éco dos dela...

E, p' a arredondar isto, só l'es qu'ria d'zer mái uma coisa.

Q'ondo mecêas darem com alguma flor destas, aprecêem-na bem, mái nã l'e façam mal. Nã l'e toquem que nem disso elas gostam. Dêxem-na no mémo sito que lá é qu' ela 'tá bem. S' a levarem, ela murcha entes de chigar a casa, e daí, seca logo. As flores do campo sã com-m' ôs bichos. Nã foram fêtas p'a 'tar presas à famila. Q'onto mái longe, melhor. Elas é que sabem...

Atã, vã-se preparando p' ô Maio. Vamos tôd's desmaiar p' à serra. Ê cá quer' ir p'à Fóia. E, depôs, logo me contam...

Dés l'e dê munta saúde, mês amig's.

25 abril 2006

Viv' ô 25 d' Abril

M't'ôbrigado a tôd's os que fazeram o 25 d' Abril

Já faz 32 anos que se o Vint' cinc' d' Abril. Más ê cá inda m' alembro munto bem. Calhô a 'tar em Lisboa nesse dia. Atão, sem saber bem o que se passava, andí lá no mêo daqueles tãinques de guerra, dos soldados, do gentío todo que s' ajuntô naquelas ruas. Até no mêo dos barcos de guerra ê passí, logo bem de manhã, a atravessar o ri' Tejo dum lado p' ô ôtro.

Mái o más emportante foi nã ter havido, quái tiros nenhuns, ninguém morrer, termos visto livres daqueles estapôres que 'tavam no g'verno e na pide e coisas assim. E acabar-se com a aquela guerra d' África. Que nã tinha jêto nenhum a rapaziada do mê tempo ter qu' ir p'a lá, fêtos parvos, e perder-se três ó quatro da nossa vida.

E muntos perderam a saúde, pernas, braços e ôtras coisas más, p'a nã falar dos que morreram, pobrezinhos, só p'r uma embirração daquele velho que mandava nisto, o Salazar. Dés o tenha no céu tamém a ele, méme nã mer'cendo, Noss' Senhor me perdoe...

E pronto. Ad'virtam-se com-mo vomecês munto bem l'es apeteça, encham bem o papinho de festa qu' o dia 'tá soàlhêro, qu' amanhã tem que s' ir ôtra vez trabalhar.

E viv' ô 25 d' Abril!

Passem munto bem.

24 abril 2006

O que já levô s'miço e o que nã tarda nada a levar

Sabem que barroca é esta?

D'mingo, peguí em mim, fui ali prê arriba, ô calhas. Sem dar p'r isso, fui adonde nã ia há bem munto tempo. E nã ia lá méme a pr'pósito, p'rqu' ê cá sabia que nã havera de gostar nada do que lá se passava. E dé-se méme isso.

No pr'mêro ponto adonde cheguí, nôtros tempos, muntos aprenderam tanta coisa ó tã pôca qu' alguns até chegaram a dôtores, engenhêros, advogados, juízes, professores, escritores e por 'í fora. 'Tã espalhados aí p'r tod' ô país e lá p'r fora, tamém. Os men's, é que f'caram em Monchique. Sã uns belos milhêros, qu' inda agora, sentem soidades daqueles tempos do Colégio de Santa Catarina.

Pôs, nunca mái o vamos ver. Já deram cabo dele. Só f'cô esta barroca e inda se vê ali uns q'ontos ferros da grade do recrêo das meninas. Q'ondo olhí p' àquilo, ia-me dando um baque no coração. Logo, inda pensí que 'tava a ver mal, mái despôs de esfregar bem as vistas, tive qu' amòchar e engolir aquilo.

- Ah, malandros, qu' escalavardaram isto tudo!... - Pensí cá p'ra mim.

E fui de roda, quái a fugir, ver lá p'r cima s'a coisa era bem com-m'ê 'tava a pensar. Ora, era... De cima, inda men's se via.

Bom, 'tive ali, um belo pôco, a m' alembrar com-m' aquilo era. Semp'e m'çada p'a fora e p'a d'rento, à hora do recrêo era môç's e moças tudo num lanedo, bom, faziam um ôrío qu' havera de s' ôvir lá p'ra baxo p' à praça... Na parte de trás, de q'ondo em vez, jogavam ô jogo da bola, qu' era o qu' os môç's mái gostavam.

Os professores, alguns já foram p' ô ôt'o mundo - o Padre Zèzinho, o Dr. Palma, o Dr. Brás... - ôtr's, graças a Dés, inda cá 'tão - o Dr. Ventura, a D. Armanda, a D. Fernandinha, a D. Maria do Carmo, a D. Francisca... e ôtros que nã conheci tã bem ó a minha mimóira já nã alcança. Na secretaria, era o Sr. Fausto, tamém já nã 'tá cá. A ajudar e a aturar a moçada, a Senhora Beatriz, despôs a Senhora Amália e a Senhora Amélia, coitadas, que nã passavam pôco...

É que nã me entrava na cabeça uma coisa destas... Dêtaram o Colégio abaxo e pronto. O qu' aquilo representava p' a Monchique nã conta...

E inda l'es digo más. Se calhar, muntos de vomecêas nã conheceram, mái aquilo já tinha sido um colégio de raparigas que 'tavam lá tod' ô tempo. Eram umas frêras que t'mavam conta delas. Por acaso, munto boas pessoas. Uma vez, ind' ê era môç'-pequeno, ia ô Algarve, perdi a carrêra, até me deram lá dec'mer e tudo.

Nã aguentí más, c'meçô-me a nascer água nas vistas, abalí, ôtra vez, calçada acima, à pressa toda, nã sê p'rquém. Nisto, as pernas fraquêjaram-me ô méme tempo qu' uns canitos c'meçaram p' ali a ladrar. Olhí p'r tôd' ô lado, olhí, olhí, nã nos via, pensí:

- Mái atão nã 'tarê bom da cabeça, Senhor?...

Pus-me à coca, até que lá os alcancí im cima dum telhado. Eram logo três. Pequenalhos, pôco maiores qu' o mê Caça-ratos - o mê gato - mái munto enzàinadecos. S' ê cã nã fosse assim tã descorçoado, era mái que certo que me desmanchava a rir de ver um espectác'lo daqueles...

Inda me meti com eles, más os bichos nã 'tavam p'a brincadêras. Andavam em cimba das tapadêras, dum lado p' ô ôtro, melhor do qu' ê cá ando num caminho d'rêto. E vá de ladrar. Enq'ont' ê nã me fui embora, nã se calaram. Até a minha Brab'leta, a minha canita, já nã 'tava lá munto contente com aquilo. Más ela ladra pôco, méme no monte, e fora, atão, 'tá semp'e caladinha.

Fui, fui, passí p'r aquelas acáiças que 'tã logo mái preciminha, más umas passadas e 'tava ô pé do convento. Más uma pàxão. Nã sê com-m' é qu' aquilo inda s' aguenta em pé...

Olhem bem p'ra isto, isto e isto... E repairem bem neste resto de ladrilhos qu' inda lá 'tã à espera qu' arrebentem com eles, como fazeram ôs ôtros.

S' ê cá nã visse nã acreditava qu' há mái de vinte ó trinta anos qu' o resto do telhado 'tá siguro p'r paus pôdres de calitro. Béque-me sã de calitro, que lá p' ô pé deles é qu' ê nã vô, nã me vá aquilo cair tudo em cima...

Dá dó ver um trabalho daqueles e cismar que, nã tardando munto, pode-se dar o que se déu com o Colégio. Ó cai com a chuva e o vento ó com algum tremor de terra que p' aí venha, pequeno qu' ele seja, ó sê cá se nã o dêtam a baxo p'r qu'rer... Já vi tanto, nestes anos tôd's, que nã f'cava abismado s' isso se désse.

Mái inda nã é tudo. Exp'r'mentem a ir à Fonte dos Passarinhos e logo vêem... Ê tive a pôca sorte de seguir caminho e ir até lá. Nã l'es digo nada... Aí é qu' ê f'quí sem pinga de sãingue no corpo...

Aquilo eram um lugar adonde, naquele tempo, a gente gostava de levar as nossas namoradas, sem ninguém saber, 'tá claro, senã havia logo enredo com a mãe ó, inda pior, com o pai delas.

Neste sito, 'tive ê cá sentado com a minha pr'mêra namorada, vai p' a cinquenta anos. Parêce que foi ontem. Do ôt'o lado 'tava o Tòininho e a Zèzinha, que tamém tinha vindo com a gente. Sabia-se que se tinha pôco tempo. Eles levantaram-se e foram-se assomar ô tãinque que 'tá do lado de baxo. Aprovêtí e, munto a custo, qu' ela nã dêxava, lá l'e pus o braço p'r cima dos ombros e, f'camos os dôs a ôvir a água a correr da bica p' ô chafariz e a pensar nã sê no quém. E nã digo mái nada que me sinto embatucado...

Pôs agora, 'tá no estado que vomecêas podem ver. O chafariz já nã 'tá lá. A água vai p' ô tãinque num cano de plástico preto. A armação em ferro que 'tava sigura no pilar ô mêo com uma flor em cima p'a dar sombra, des'par'ceu. Inda 'tã uns q'ontos ladrilhos na parede, calhando, p'rqu' inda nã t'veram tempo dos rôbar tôd's.

Em tantos anos, nã hôve quem visse isto? Hôve, sa senhora. Muntas vezes, ôvi falar, béque-me assim mái q'ondo se 'tava prestes a ir a votos, qu' a Câmara qu' ia comprar o Colégio, qu' ia comprar o Convento, qu' ia fazer isto, qu' ia fazer aquilo...

Bom, nesse mimento, vêo-me tamém à idéa ôtro sito qu' ê gostava ô bem fêto, a Quinta de S. Sebastião. Pensí:

- Já que tirí p'a padecer, vô-me lá tamém. Há-de ser o que for...

E desengalguí ali prê abaxo, à rôpa toda, quái que nem repairava da magnólia do convento, uma arve já com uns belos anos, nã me prècurem q'ontos qu' ê nã sê em-maginar. O que valeu foi que, q'ond' ia passando p'r e baxo dela, com a pressa, dí um escorregão, e nã me dí furtado a um bate-cu no chão.

Olhí p'r a cima, vejo aquela grande copa bem fechada, o tróço largo que nã no dava abarcado. Inda disse p' à minha brab'leta, que tinha ido com-migo e aparô ali, espècada, a olhar p' ô dono, espaldêrado no chão:

- Atã, b'chinha... Nã tenha medo qu' o dono nã f'cô mal. Isto nã teve dúv'da qu 'o caminho tem munta erva. Se nã caio, nã repairava numa arve destas que já era grande q'ondo ê nasci. E nã há muntas p'r cá.

De manêras que, alevantí-me, sacudi os fundilhos das calças e lá fui prê abaxo ôtra vez. Mái já nã cheguí à Quinta de S. Sebastião. Era já um coisinho tarde e ê tamém nã ia lá fazer nada. P' a desgraças já tinha àvonde. Logo lá vô q'ondo calhar.

Olhem, vô mái é b'ber um calcesinho ó dôs d' aguardente p'a ver se me passa uma catarrêra qu' ê tenho já há uns q'ontos dias, e, ô méme tempo, afogo esta pàxão do Colégio e do Convento e dôtras coisas ruins que se têm dado em Monchique.

Uma terra qu' é uma categoria tem que ser estimada. Vamos tôd's, à uma, ôlhar por ela. Nã acham que tenho rezão?

Atã vamos a isso e Dés os ajude.

21 abril 2006

O pr'mêro retrato que tirí

Encontrí esta erv'lhaca na Foz dos Barrancos, já ô lusco-fusco

Hoje é p'a d'zer m't'ôbrigado a quem tem vindo ler as minhas mimóiras. Sim, qu' a maior parte destas coisas deram-se, más ó men's com-m' ê conto aqui e quái todas já nôtros tempos. Más os nomes de parentes e compadres sã intrujice minha. Nã liguem a isso.

Mòrmente, vomecêas qu' andam aqui quái todos os dias de roda disto a fazerem comentáiros e a mandar emails, nã sê c'm' l' agradecer. P' à semana, faço tenção de falar más da Vila.

E atão, aqui l'es dêxo umas umas duas ó três f'tografias p'a mecês s' entreterem a ver. Nã sã grande coisa, mái atão, tanto ê cá com' á mánica, somos de fraca quôlideza. Mái olhem, faz-se aquilo que se .

P'r ca'sa disso, 'tô-me a alembrar da pr'mêra vez que tirí uma f'tografia. Olhava p'a drento da mánica, p'r aquele buraquinho, e nã via nada. E o qu' é qu' ê fiz? Fui, sem ninguém ver, exp'r'mentar com o mê Jericó.

Ora, pusemos-se lá os dôs, ê disse-l'e:

- Aí, chó! Queto. Queto qu' o dono vai aqui fazer uma f'neza.

Pus-m' a olhar p'r o buraquinho, nã via nada. Voltí aquilo p' ô ôt' lado, inda men's. E o Jericó a olhar de lado, com as orelhas munto espetadas, já farto de esperar. De vez em q'ondo, abanava o rabo p'a enxotar uma mosca que l' andava ali a picar nos quartos. Vá lá que nã era um atabão, senã nem ele s' aguentava ali tempo nenhum...

Lá fui, lá fui, vi ali aquele botanito, pus o dedo, olhí ôtra vez p'r o buraquinho, vi béque-me uma coisa azul, carreguí com o dedo, aquilo dé um estralo:

- Pronto, já 'tá. - Pensí.

Exp'rimentí mái umas três ô quatro vezes. Inda disse ô Jericó:

- Olh' ô passarinho! - Qu' ê, uma ocasião, ôvi um parente meu, que mora em Almada, d'zer isso.

Uma das vezes, ele até abanô a cabeça, mái nã ch'guí a alcançar s' aquilo era a mosca que l'e tinha picado nas orelhas ó s' era ele a fazer pôrra de mim. Ô certo, ô certo, é qu' o leví p' à pastaja e inda exp'rimentí ôtra vez. Más, o marafado, 'tava ê cá a l'e tirar uma assim de trazêra, sem más nem quem, desata a fazer bonicos.

- Ah, grande lavajão! Atã fazes-me uma acção dessas, méme qónd' ê 'tava a carregar no botão?... Tamém há-de f'car bonita, esta...

Inda quái que me dé assim um gé-n'zinho, agarrí num torrão, fiz que l'e jogava atrás, más ele dé uns passinhos à frente e f'cô logo a c'mer uns sivalhos num combro que 'tava um coisinho más adiante. Ele, tamém, já sabe qu' ê nunca l'e faço mal. Gosto do bicho quái com-mo s' ele fosse da famila.

Bom, vim-me embora, dêxí-o lá preso p'r uma pata a um baraço bem comprido, qu' é p' ô bicho poder andar à vontade, e fui logo tratar de pedir ô Zé Manel, o filho do mê compadre Jôquim do Barranco, p'a me mostrar as f'tografias no comp'tador.

Más o saganheta começô logo a judear com-migo...

- Ó ti Refóias, atã mecêa, agora, já tira f'tografias?... Mecê errô no òfício, homem. Em vez d' andar p' aí a esgravatar nos cantêros, havera de ter abrido uma casa de retratos...

D'zia isto e desmanchava-se a rir. Mái, lá pôs p' ali aquilo. Par'cé logo quásequer coisa na tel'visanita do comp'tador. Era béque-me duas coisa pretas espetadas e o resto tudo azul.

- Põe lá isso bem, Zé Manel, qu' ê nã vejo aí nada que preste!...

- C'm'é que mecêa há-de ver alguma coisa de jêto se só panhô a ponta das orelhas do burro. Más um nada e só se via o céu, que nem uma nuvem tem p'a d'sfarçar...

- Ah, fado dum ladrão, aquilo par'cé-me tã mal... Só me dé vontade d' aventujar a mánica p'r aquela barrancêra abaxo que 'tá logo em par da rua!...

Ele passa p' à ôtra, o burro a fazer bonicos...

Atã é qu' ele enché' ô papinho de rir...

- O Jericó, agora 'tá-l'e a dar o presente, ti Refóias? E apr'vêtô-o bem? Sã gradinhos, de boa qôlidade...

Ê já 'tava a f'rver. Olha o que m' havera d' acontecer, han?!... Dá-me uma veneta, abalo caminho da porta, saio à rua, passo a toda a mecha p'r o Gargaludo, que 'tava ali com as galinhas dele, o bicho até dé um avoão com o medo que panhô.

- Ó ti Refóias, venha cá, nã se marafe, homem. Ist' é só uma brincadêra. Venha ver as ôtras que 'tã boas.

Bem podia ser verdade, mái lá p' ô lado dele é qu' ê já nã fui, nã.

- Olha lá, Zé Manel, dêxando de rir p'a mangar, anda cá aqui, qu' ê tenho ali uma garrafinha dela, na casa das batatas, e bebe-se-l'e aqui um calcezinho.

A ver s' ele dêxava aquilo e nã caçoava más com-migo.

Até qu' ele lá vêo e pronto. Foi assim a pr'mêra vez que tirí retratos.

Passem todos munto bem e que l'es saia o èromilhõs, mái-logo.

19 abril 2006

A Cochina teve bacorinhos

A Cochina teve onze bacorinhos que sã uma lindeza

Já há uns belos dias qu' ê 'tava à espera disto. A Cochina, a minha porca branca, andava-me já a dar sinás qu 'tava prestes a ter os bác'ros e ela nã usa a enganar. Já teve umas q'ontas barrigas e tem batido semp'e certo.

Aquilo é agente l' apolgar uma teta do mêo, em dêtando um pingo de lête, 'tá p'r horas... Foi o que se deu. A marafada tem é o c'stume de fazer aquele trabalho sempre de nôte. Lá tem uma pessoa de f'car ali ô pé dela até às tantas, d' alenterna acesa, panhando frio e batendo o quêxo.

Desta vez, a luz começô-me a fraquejar, ê bem dava ô resisto, mái atã sem pitrol, qu' o dêxí acabar, até a torcida ardeu quái toda. Toca d' ir a casa, a mê da nôte, encher a alenterna ôtra vez...

Mal voltí, já a Cochina tava-se a espremer p' ô pr'mêro bacorinho sair. E, inda assim, despachô-se em men's de nada. Só o últ'mo é qu' ê pensava dela já nã ter mái nenhum e inda par'cé aquele, passado um belo pôco.

Mái nã posso clamar munto qu' ela nã dá encómado nenhum. Aquilo é só panhar os b'chinhos do chão, alimpá-los méme com palha ó ôtros panascos e gôrdá-los drento duma casnastra, nã vá a mãe pisá-los enq'onto os ôtros narcem. Despôs, é só prantá-los ô pé da barriga da mãe p'a eles começarem a mamar.

Ô prencípio, custam a acertar, mái, em vendem com-m' é, até dá gosto vê-los a mamar. Q'ondo 'tão na apòjinha, atão, nã se fala...

E a Cochina trata bem deles. Vê-se os b'chinhos cr'cer de dia p'ra dia. É boa criadêra. Assim ela fosse em tudo o resto. Mái nã é. Q'ondo 'tá sòzinha é danada. O bicho parêce que tem azôgue...

Na última vez qu' ela andô de maré, enq'onto nã a leví ô varrasco, afossô-me aquele curral todo, nã parava nem um 'stante, empinava-se, ê sê cá o qu' é qu' o bicho fazia... Uma porca escrav'lhêra sem tirar nem pôr. O chão f'cô todo lavrado. Inda pensí em l'e pôr um anel, mái nã encontrí o alicate e passô-me. Aquilo foi a minha Maria qu' o usô p'a qualquer coisa e, q'ondo ela mexe numa ferramenta, já se sabe...

E q'ondo ê soltí a Cochina?!... Tã penas se viu na rua, punhana!, enfia-se p'r aquele caminho adiante a fugir, par'cia ela que já sabia adonde era o pecilgo do mê compadre Jôquim do Barranco... E, calhando, inda s' alembrava, qu' ela já tinha ido lá, q'ondo ressaíu a pr'mêra vez. E o mê compad'e tem lá um belo varrasco, lá isso tem. É o Trombão. Cada porca que lá vai nunca pare men's de dez bác'ros, é certo e sabido.

O mê compadre alomê-ô assim p'r ca'sa qu' ele tem o focinho munto comprido e revirado p'ra cima. E desta vez, o Trombão portô-se bem com' ele usa fazer. Fez lá o sê serviço dele, como deve de ser. Pobrezinho, via-se que já 'tava cansado, com a boca chêa de escuma a pingar p' ô chão e a afègar, más isso é o c'stume e dé bom resultado.

Más a velhaca, despôs, nã qu'ria abalar. Inda tive qu' arranjar uma varinha de vime p' à tocar. E foi, a bem d'zer, tod' ô caminho ela semp'e a qu'rer voltar p'a trás. Tém-mosa que nem um pórco...

É sempre assim, mái do resto nã me posso quêxar. Come tudo o que se l'e dá, é boa criadêra que nem tampôco inda matô um bacoréco, nunca se teve precisão de ch'mar o alvêtar qu' ela nunca f'cô doente... O qu' é que se quer más?

Bom, e com isto tudo dêxa-me lá ir ver com-m' é qu' os b'chinhos 'tã p' ali qu' ê já ôvi gornir. Nã há-de ser nada, más é semp'e bom m' assomar p'a ter a certeza. Tamém eles gornem p'r tudo e p'r nada, méme só p'r um irmão o empurrar da teta p'ra fora.

Até ôtro dia e Dés os ajude.

17 abril 2006

Q'ôresma e endoenças

O carvalhêro da Estrada do Alferce já tem candêo

Désna que escrevi a últ'ma vez, já se passô a bem d'zer uma semana. Mecês desculpem lá, mái foi p'r ca'sa daquilo qu' ê disse. Das endoenças e dos parentes e por 'í diente.

Q'ondo a q'ôresma chega, o alvoredo c'meça todo a arrebentar. Uma tarde destas, parí ô pé do carvalhêro da estrada do Alferce, só p'a ver com-m' ele 'tava carregadinho de candêo.

F'quí um pôcachinho a olhar p' àquilo. Sôbe-me bem ver aquelas folhas todas a nascer e as cachotas de candêo penduradas. Par'ciam quái os cachos das uvas das parrêras, que, neste tempo, tamém 'tã na méma.

Mái, se mecês qu'serem saber bem dessas coisas das arves, vã a um blog duma famila lá do Porto, alomeado por Dias com árvores, qu' aquilo é do melhor que há. Vê-se logo qu' é gente com estudos. Sabem tanto disso, qu' ê nã l'es dô encarecido... E, q'ondo calha, béque-me tamém parêcem p'r cá p'r a nossa serra.

Mái, falí ê cá que fui às endoenças. E fui. A minha Maria gosta daquilo que se péla, ê tamém nã desgosto, e atã, quái tôd's dias, lá se foi caminho da Vila.

'Tá bem que se tinha cá os parentes de Lisboa, mái eles tamém sã boas pessoas e, enq'onto isso, iam dar uns banhos de mar lá p'ra baxo p' ô Algarve, qu ' eles p'r praia sã c'm'à minha Maria p'r precissõs... T'veram foi pôca sorte que, na Sexta-Fêra da Paxão, a manhã 'teve embrulhada e, na tarde, chové d' enfiada até já bem de nôte.

Atã, vejam bem, qu' nem fazeram precisão nem nada, nessa nôte... Ora, a gente foi tôda a tarde metidos em casa a tramelar e a c'mer p' ali qualquer coiséca. Pôs, que nem tampôco se podia c'mer carne, qu' aquilo era dia santo de guarda, tinha que se respêtar o jum e abst'nência...

Ê cá até m' ia descudando. Tinha p' ali um resto dum presunto qu' ê comprí ô ti Alvino das Martunhêras, qu' os mê's inda nã os tirí do sal. Conversa p' aqui, dichote p' ali, vá mái uma cervejinha... Más um coisinho de palêo e vá ôtra cervejeca...

Dig' ê cá:

- Mái atão 'tá-se a qui a b'ber a cerveja às secas?!...

E jog'-me ô presunto, que 'tava ali, em cima da menza, embrulhado num paninho branco p'r ca'sa das moscas. Puxo da minha faquinha d' alsebêra, nisto, logo a minha Maria a me dar um eco. Quái que panhí medo e até ia dando um golpe aqui no dedo miminho:

- Ó homem, atã nã sabes qu' hoje é Sexta Fêra da Paxão nã se pode c'mer carne?...

- Uái, que já m' ia desquecendo... Atã assim, com qu' é que se acompanha a cerveja?... - Disse ê cá, um coisinho embatucado.

- Comam alcagóitas, se qu'serem... Nem tampôco cerveja haveram de bober num dia destes...

- Alcagóitas?!... Temos algumas em casa?! Só s' o ti Raúl, que Dés o tenha, inda andasse a vender nelas, com-mo nôtros tempos, ali p'as bandas da agência. Comprí-l'e muntas inda a três destõs...

Uma ocasião, fui ô mercado de Portimão ver se comprava p' a lá um mentão p'a uma vaca qu' ê tinha aqui. Q'ondo cheguí à agência p' a panhar a carrêra das sete, já o ti Raúl lá 'tava a apregoar:

- Olha a ervelhana! Ervelhana torrada!

Inda o 'tô vendo... Baxinho, chapéu na cabeça, com o sê colete dele, preto e já bem munto puído do uso, alcôfa de emprêta bem chêa d' alcagóitas torradas, sigura p'las asas, com a medida de madêra, em alto cagulo sempre pronta p'a aviar algum freguês que par'cesse e t'vesse, naquele tempo, três destõs p'a l'e pagar... E repisava, enq'onto dava mái uns passinhos até ô café, passando p'a porta dos bombêros:

- Ervelhana torrada! Olha a ervelhana!

Dé-me um derrepente, vô-me caminho dele, já a sigurar na cartêra:

- Eh, ti Raúl, que tal vai essa r'jeza, homem? Inda vende isso ô mémo preço?

- Q'ontas medidas quer? Uma ó duas? - Responde-me ele mái p' ô escrapanudo qu' ôtra coisa.

Béque-me nã gostô munto dos mês modes. Ele, quái nunca se ria, más era cá um amigo dos bons...

E lá l'e comprí duas medidas bem chêazinhas, qu' ele, lá nisso, acagulava bem a medida de madêra. Tamém, se fosse só rasa, levava pôco mái de três alcagóitas... Aquilo era p' aí um mêcôrtilho, se tanto.

T'vemos a falocar um pôcachinho, encomendí-l'e mê quilo de alcagóitas cruas p'a samear e más isto e más aquilo, q'ondo dí p'r mim já a carrêra 'tava a arrecuar da agência p'ra fora. Abalí logo a fugir senã f'cava em terra. Com a pressa, até o chapéu me saltô da cabeça e inda tive que voltar trás p' ô panhar. Mái nã teve dúv'da qu' o chòfer da camineta nã era homem de pressas e esperô p'r mim.

Inda voltando às endoenças, agora já nã há, mái, nôtro tempo, comprava-se as bulas lá ô senhor Prior p'a se poder c'mer carne na q'ôresma. Em tôd' ô caso, a Sexta-Fêra Santa tinha semp'e que ser respêtada.

Atã e os contratos qu' a gente fazia q'ondo s' era môces-pequenos?!... 'Tão lembrados?

Com o dedo miminho enganchado no do ôtro d'zia-se: "Contrato, contrato / contrato fazemos / sáb'd' aleluia / desmancharemos". E, tôd's dias, mandava-se o ôtro olhar p' ô céu... Era uma entretenga p' à gente e no Sábado d' Aleluia, o que d'zesse pr'mêro ganhava um pacotinho d' amêndoas ó ôtra coisa que se t'vesse combinado.

Agora, já nã se usa nada disso. Assim c'm' ôs compadres de palmas que se faziam no D'mingo de Ramos. E f'cavam a se tratar p'r compadres p'a sempre... Inda hoje, conheço alguns, nã cudem.

Bem, como isto já é tarde, logo se conversa mái um pôco lá p' amanhã ó despôs.

Passem munto bem.

11 abril 2006

Semana das endoenças

Rosaça da Igreja Matriz de Monchique
Pre mode a Semana Santa, tenho ido p' aí com a minha Maria às endoenças e nã tenho tido ocasião de escrever nada.
Tamém par'ceram por 'í uns parentes nossos de Lisboa, des que 'tã de férias de Páscoa, e só se vã imbora lá p'a D'ming' ó Sigunda.
Nã l'e parêçam mal por isso, más ê sê que mecêas comprendem qu' ê tenho andado bem munto empeçado cá com as minhas coisas e, atão, tem calhado assim.
Más, em podendo, logo l'es conto com' é que tudo se passô. Há-de ser prestes. Atã passem munto bem e m't' ôbrigado p'r virem tantas vezes ler as minhas parvidades.
E nã se desqueçam de c'mer uns belos folarinhos de Páscoa.

10 abril 2006

O madronho 'tá bem bom

Adega da Refóias fêta de pedra talisca e barro, há uns cem anos, perto ó certo

D'migo à tarde, tinha-se vindo cedo da missa, o tempo 'tava amoroso, ê disse p' à minha Maria:

- Nã sê o que faça. Isto é dia santo temos que respêtar, as tardes sã grandes, dá-me vontade d' ir ver o madronho e uns vimes que p' a lá tenho ô pé do barranco.

- Vai sim, homem. Leva o Jericó, monta-te a cavalo nele e, na volta, trazes uma carguinha de lenha, daqueles tanganhos de madronhêro qu 'tã lá p'r trás da adega. Ò atão, só se levares uma gòrpelha a trazes umas q'ontas cepas d' urza, que tamém sã boas p'a pôr no fogo.

- Ó Maria, atã nã vês qu' hoje é D'mingo e nã se pode fazer trabalhos desses?...

Bom, ela lá comprendeu qu' ê tinha r'zão e p' ali disse que 'tava bem.

Olha lá, calhando, era melhor ê cá levar aí uma buchazinha, qu' ê, q'ondo c'meço a assubir e a decer cerros, usa-me a dar vontade de comer. C'meça-me logo aqui um bicho a rabear qu' até perco as forças.

E assim foi.

Abalí, levo o Jericó d' arreata, vô-me p'r o caminho de cima, passo à porta do mê compad'e Jôquim do Barranco, ele sentado no pial a esbrugar uma laranja, com um refe qu' ele tem semp'e na alsebêra.

- 'Teja com dés compad'e.

- Venha com Dés.

- Atã adond' é que vai, ô D'mingo, com o burro d' arreata, homem?... E em vez de s' amontar nele, vai a pé? Até o bicho faz pôco de si...

E apresentô a casca da laranja ô mê Jericó. O animal chêrô, alevantô o bêço, amostrô os dentes, bem negros da erva qu' ele come, e, em men's de nada, baldeô a casquinha. Até se lembé', no fim...

- Compad'e Jôquim, vomecêa é qu' havera de gostar de vir com-migo. O serviço qu' ê vô fazer e ô sito adonde vô, sê que mecêa gosta.

- Atã adonde vai? - Diz-me ele, já com o olhinho a luzir.

- Olhe, vô-me à Refóias dar uma olhadela ô madronho. 'Tava ali sem fazer nada, béque-me aborrecido, peguí em mim e cá vô eu. Se qu'ser, venha daí, dá-se companha um ô ôtro.

- Nã 'tá mal alembrado, nã senhora. E calha bem qu' o mê Zé Manel nã vê' cá esta semana, 'tô p' aqui sòzinho com a m'lher. Dêxe-me lá calçar ali umas botas cardadas p'a andar bem lá nos cerros que nã demoro nada.

E, num nadinha, 'tava-se os dôs a caminho da Refóias, más o Jericó, qu' ia à frente, qu' ele sabe bem o caminho.

Foi-se lambareando no qu' a gente s' alembrô, o Jericó, de q'ondo em vez, jogava a boca a um silvalho, naquilo, um casalinho de perdizes a atravessar o caminho. Desandaram logo p' ô lado de baxo, nem avoaram nem nada, haveram de ter o ninho p' ali perto, de baxo d' alguma mongariça. Isto, já prebaxinho da Horta dos Brejos.

Dali a um belo pôco, sem se dar por isso, já se 'tava a descer p' ô lado do barranco. Ôve-se um fole a tocar. E era uma moda bonita, nã pensem. Nã 'tava era assim munto bem amanhada. Mái, no mê daqueles cerros, servia bem.

- Aquilo é coisa do ti Chico Bêço. - Diz logo o compad'e Jôquim.

- Atã, isso sabe-se... Nã mora aqui mái ninguém e o homem 'tá ali sòzinho, tem aquela entretenga. 'Tá bem qu' ele só sabe tocar aquela e mal... É sempre o méme "cerr' abaxo, cerr' acima, cerr' abaxo cerr' acima...", mái dá p'a gente s' ad'vertir.

E daí, calamos-se, qu' a gente ia-se passar ô lado de casa e, s' ele désse p'r a gente, acabava, logo, o toque. Mái nã dé p'r nada. Já a gente ia quái chigando à Refóias, inda ele s' ôvia lá ô longe.

Tã penas chigamos ô nosso destino, pus o Jericó lá nos cantêros, nem l'e tirí a albarda nem nada, tinha lá d'comer à farta - as côves, agora, 'tã todas espigadas nã servem p' a´mái nada senã p' ôs animás - e fomos, logo, caminho dos madronhêros que 'tã naquela chapada voltada más ô Sul, lá p'r trás da adega, qu' sã os que usam a dar melhor madronho.

- Ó compad'e Refóias, vomecêa, este ano, tem aqui uma carga de madronho qu' é uma coisa linda!... - Diz-me, logo, o compad'e Jôquim.

- 'Tô a gostar do que vejo, compad'e. 'Tá bem qu' os madronhêros inda 'tã pequenos e nã podem dar munto. Pôs, eles arderam faz três anos, se nã 'tô em erro, mái 'tá tudo bem rebentadinho e têm umas belas cachotas de madronhos. Nã venha ele p' aí algum má tempo ó fogo ó coisa assim, ôtra vez...

- Volte p'a lá essa boca, compad'e!... Sará assim tanta a desfortuna?!...

E lá andamos, andamos p'r aquelas chapadas, p'r aqueles córgos, foi-se até à chã da pôça de cima, dobrô-se a altura do rasmono, inda s' olhô ôs madronhêros da côrela do mestre Chico Martelo, tudo do melhor. Nisto, alembr'-me do farnel.

- Compad'e Jôquim, vamos más é c'mer qualquer coisinha, qu' ê dêxí o farnel além gôrdado na adega. Pendurí a bolsa naquele pau que 'tá ô mêo, p' ôs ratos nã l'e pegarem, qu' aquilo há além cada larião que parêcem coelhos.

- Mái atã ê nã truxe nada... - Diz-me o mê compad'e, embatucado de nã se ter alembrado disso entes d' abalar de casa.

- Nã s' apequente, qu' ê tenho ali que dá bem p' ôs dôs. Bebida é que nã truxe. Nã contava que vomecê viesse e ê cá, sozinho, nã bebo. Más a gente vai ali à fonte da samôquêra e bebe-se-l'e uma cocharrada daquela água fresquinha ali a correr no mê das aivencas e f'camos sat'fêtos.

Foi-se p'ra baxo, c'mé-se o panito com chôriça qu'ê levava, 'tava uma categoria qu' a minha Maria sabe fazer aquilo bem, bebé-se uma barrigada d' água da tal fonte e charolamos más um pôcachinho assentados ô pé da bica.

Nesse mê tempo, pus-me a olhar p' à bica e as minhas vistas foram atrás do fio da água até ô chão, adonde fazia uma pôça bem pequenalha. Méme assim, ponho-me a olhar bem, lombrigo, lá no fundo, uns coisinhos escuros a se mexêrem.

O qu' é que era? Perto dum quôrtêrão de sapo-sapinhos. Ali andavam tôd's dum lado p' ô ôt', com aquela g'ande cabeça com dôs olhos e o rabo a abanar, quái em cima uns dos ôt's. Aquilo foi uma arrã que vê' largar ali os ovos e os b'chinhos ali 'tavam.

S' ê calho a levar o mê Jericó p'a b'ber lá é que 'tava o diabo. Ele, q'ondo vê alguma coisa na água, já nã bebe. É munto com'chôso. Más ele, tamém, levô a tarde a c'mer côves, nã tinha sede nenhuma.

Com isto tudo, já o sol tinha estraposto p'r trás do vertente do cerro, mái nã era tarde. Inda fui aconchegar uns mólh's de vimes qu' ê tinha cortado, a ôt'a semana, nuns vimêros que tenho lá no barranco e demos ordem de partida. Foi uma tarde bem passada.

P'ra cima já o ti Chico nã tocava, as perdizes já 'tavam amalhadas, o sètestrelo e a estrela d'alva c'm'çaram a luzir lá no astro, já era lusco-fusco. Inda par'ceu um luzicuco ó ôtro e, ô longe, lá p' ô lado da Córga da Murta, soô um mocho - uuh!, uuh!... - quái c'm'a qu'rer meter medo à gente.

O jericó nã fez caso dele, nem as orelhas espetô. Béque-me 'tava com más cudados era de nã embicar numa pedra que 'tá lá no mê do caminho, numa parte munto embargosa logo pracàzinho da Horta dos Brejos, em par dos Tramecilgos.

O pobrezinho, a pr'mêra vez que lá passô, logo q'ondo o comprí, ia dêxando lá uma ferradura. Embicô com a uma mão, p'a nã se dêxar ir ô chão, dé um pulo, nã salvô bem a pedra, encalha com o rompante da ôtra ferradura duma pata de trás, até fez faísca... Mái nã caíu.

Nunca mái se desqueceu. Agora, q'ondo se passa lá, arrada-se sempre de manêra a nã l'e tocar. Inda dizem qu' os bichos nã pensam. Ai nã pensam...

E atão, q'ondo dêxí o mê compad'e em casa, já tinha anoitecido dum todo. Más aquilo é perto do mê monte e bom caminho, foi um 'stante. Mal dí sobiado uma moda qu' ê gosto munto de sobiar q'ondo vô a chigar a casa, qu' é a manêra de dar de vaia à minha Maria, e 'tava à ponta da rua.

Nessa altura, já a minha barb'leta, uma canita que me deram ontordia, tinha dado sinal e vê' lgo a fugir s' empinar a mim.

- Ó barb'letinha, venha cá b'chinho, venha... Ai que bela canita... - Disse-l' ê cá. E passí-l'e a mão p'r o cachaço. E o rabinho dela par'cia uma aventoinha a abanar...

Despôs disto tudo, já me sentia um coisinho maçado, mái lá fui desalbardar o Jericó, inda passí p'r a casota dos coelhos, más a minha Maria já tinha tratado deles, olhí ô pórco tamém já 'tava tratado, entrí em casa.

Vêo-me logo um chêro a quem-mado. Pensí: - Já entrô aqui o bispo...

Digo:

- Maria, atã que chêro é este?

- Ai, homem, atã nã dêxí quem-mar o d'comer?!... Fui tratar dos animazes, q'ondo voltí, 'tava tudo em cravão...

- Atã e agora o qu' é qu' a gente cêa?

- Só ser um resto de côve negra que sobrô a noite passada...

- Sim, m'lher, nã te mortifiques lá p'r ca'sa disso.

E assim acabô o dia. Mái f'quí encrençado com os madronhos. Se nã haver nada a contre, este ano quero fazer uma bela aguardentinha.

Atã até ôtro dia.