25 fevereiro 2010

A Cascata do Barbelote

Cascata do Barbelote - Monchique
Q'ondo enverna bem c'mo este ano, a Cascata do Barbelote fica méme bonita...

Andí p' aí com uma catarrêra, quái que nem saí do monte mái duma semana. A minha Maria, pr'mêro, queria qu' ê cá fosse ô dôtor - p'ro jêto, 'tava com cagúifa qu' aquilo fosse a tal gripe marafada qu' eles p' aí falam... - mái, odespôs, c'm' viu qu' isto era só uma const'pação, disse-me logo:

- Ó homem, nã te rales qu' isso é c'm' ôtro que diz: uma const'pação tratada dura trinta dias e nã tratada é trinta e um...

E, atão, foi-me fazendo p' aí uns chás nã sê do quem e a coisa foi-se compondo. Qu' ela, antão, já sabe que, cá p'ra mim, há chás que nã antram na minha goéla... Olhe, por exempes, o de hortalão, era o que faltava... Des qu' aquilo, nas minhas idades, dá um resultado escamungado e nã vá um homem f'car p' aí de jum e abst'nência...

Mái, c'm' à coisa já ia correndo bem, um destes dias abalí caminho do monte dos mês compadres. Nã foi lá grande idéa qu' o caminho 'tá um coisinho imbalsado, aquilo tinha caído um garrão na madrugada e as tôiças 'tavam todas orvalhadas. Mái leví umas botas de cano alto, lá me defendí c'm' pude.
Ia chigando perto da rua deles, desato a ôvir duas criaturas:

Barbelote - Fóia - Monchique
No caminho p' à Cascata do Barbelote dá-se com esta vista...

- Tal tem achado a esta enverna toda, prima C'stóida?...

- D'zer a verdade, já 'tá tudo p'r 'í bem orvalhado... A rôpa, bem na lavo, mái atão e p'a ela secar... É uns trabalhos, parente Zé...

- S' os mês cudados fossem esses... A rôpa, ê cá inxugo-a méme ô pé do fogo, c'm' à minha Larinda - que Dés a tenha im bom lugar - fazia.

- Eh!... Mái isso fica tudo chêrando a fumo qu' é um desconsolo... E é só rôpa miúda, qu' umas peças assim maiorinhas c'm' é que mecêa as pindura nas costas duma cadêra?

- Ê cá m' amanho... O que me tem dado cudados ô bem fêto nã é isso. É umas batatas qu' ê tinha lá bem abrulhadinhas p'a samear e, com esta enverna toda, nã nas dí metido debaxo terra.

- Samêe-as um destes dias, em o tempo alevantandoum coisinho. Inda vai a tempo...

- Agora?!... Têm uns abrulhos quái da minha altura... S' as ponho na terra, ficam com eles um palmo de fora, vem p' aí algum geadão, daqueles de dente de cão, nã escapa nem uma...

- Ó parente, mecêa tamém... Sossegue p' aí qu' o bom tempo logo parêce...

Isto era o mê parente Zé Caçapo a conversar com a minha c'mad' C'stóida. Logo, nã deram p'r mim. Más ê cá dí assim uma tossidela c'm' quem 'tava a alimpar o pigarro e eles viraram-se p' ô mê lado. A c'mad' C'stóida aprevêtô logo o atopo p'a me pôr à balha:

Cascata do Barbelote - Monchique
Em caindo um bom garrão d' água, a Cascata do Barbelote fica neste estado...

- Olha o compad'e Refóias... Atã o qu' é se tem fêto? Já há uns belos dias que nã no via. Tem andado com medo do tempo ó quem?...

- Que jêto medo... 'Tá-se é munto melhor aconchigados ô pé do fogo do qu' andar a panhar frio aí pr' o mêo das sobrêras...

E o parente 'Verruma' - 'Verruma' é o anexim do parente Zé Caçapo - semp'e munto cão, meté-se logo tamém:

- Põs, lá isso medo nã há-de mecêa ter... Tenho ôvisto falar que, quái tôdes dias o têm lombrigado lá p' às bandas do Brabelote... Com chuva e navoêro e tudo... Arrenjô p'a lá alguma namorada ó quem?... Tenho más é que ter uma conversa com a c'mad' Maria. Ah isso tenho...

- Lá 'tão vancêas semp'e com coisas... Nã pode uma pessoa fazer coisíssema nenhuma qu' anda logo tudo a bispar... Fui lá sa senhora. E o qu' é que têm com isso?

- Nã l'e parêça mal, parente. Isto é só uma conversa... Mái tamém nã l'e gabo o gosto d' ir bem lá p'a uns furjacos daqueles fazer nã sê o quem, im dias que nã se vê quái um palmo à frente do nariz...

- Bem sabe que fui ver aquela queda d' água que 'tá lá e, q'ondo ele chove a precêto é qu' ela tem que ver. E vomecêa se t'vesse querido ir com-migo c'm' ê cá l'e disse na bésp'ra, nã tinha f'cado repeso.

- Eh'q!... Querendo ver água vô ali im baxo à rebêra... Mái diga-me lá uma coisa. Aquela água toda que cai lá na Cascata do Brabelote vem d' adonde, sabe?

- Se mecêa lá fosse, via logo d' adonde vinha... Vem daqueles córgos todos qu' abalam lá de cimba do lado da Moita e dos Lamatêros... D' adonde é que queria que viesse?..

Cascata do Barbelote - Monchique
P'a quem se quêra molhar e ir lá p'a debaxo dela, tira retratos assim à Cascata do Barbelote...

- Sê cá, aquilo béque-me nã tem assim munta comprimenta e ajunta logo um poder d' água qu' é uma coisa temente...

- Lá isso é verdade. Mái aquele vertente da Fóia semp'e foi um sito de munta água. E vindo um tempo assim chuvoso c'mo ele tem vindo agora, ajunta lá uma r'bêrada qu' até...

- Há-de ter que ver...

- Se queria saber, fosse lá com-migo. Agora, só se pedir ali ô Zé Manel que l' amostre os retratos qu' ê cá tirí e pus na internet... 'Tá bem que nã f'caram grande coisa qu' o tempo 'tava ruinzíssemo - chovia, fazia navoêro, aventava... era tudo contre - mái semp'e dá p'a ver quasequer coisinha.

- Eh'q, ê cá nã tenho vagar p'a essas coisas da internet ó lá o que é.... Vô-me más é caminho de casa tratar dos bichos qu' isto anoitêce logo im mêa tarde...

- Ó parente Zé, nã tenha medo qu' o comp'tador nã l'e morde!... Se nã quer ir ver ô do Zé Manel, venha com-migo e vê-se àlém no meu. Leva é um coisinho mái tempo. Qu' ele até aquecer...

- Nã, nã... Vô-me andando qu' os bichos têm fome. Esta manhã só l'e dí p'a lá um retraço àquela mêa-dúiza de bicos que tenho lá no galinhêro e, ô sovão, joguí-l'e uns sarguaços p'ô do curral e nem o vi qu' ele 'tava incafuado lá p'a drento da cuêra. Fiquem-se com Dés.

O mê parente 'Verruma' é assim. Em l'e dando um derrepente, abala e vai-se imbora. Vá lá qu' inda se despediu, qu' ele, ás vezes, nã diz nada e q'ondo se dá por ele já ele estrapôs p' ô lado do monte. Más a minha c'mad' C'stóida tamém gosta do palêo e f'camos os dôs a dar à tramela:

Sítio do Barbelote - Monchique
Isto é qu' é o sito do Barbelote, à espera qu' alguém olhe por ele...

- Ó Compad' Refóias, mecêa diz qu' essa coisa da Cascata do Barbelote que levava munta água, mái atão ê, uma vez, fui lá e aquilo 'tava tudo quái seco... Veja já se 'tá p' aí a infiar alguma pua à famila...

- Que jêto?!... Calhando, mecêa foi lá no Verão...

- Pôs, nã m' alembra bem, mái aquilo havera de ser fins de S. Tiago prencipos d' Agosto...

- Atão, nesse tempo, o qu' é que mecêa queria.... Aquilo corre água im forte é agora no enverno. Em dêxando de chover, a água vai-se desgotando e chega uma altura qu' é c'm' aqui a nossa r'bêra. Ó seca dum todo ó só leva alguma pinguinha d' água que resuma do terreno nalgum sito mái fresco.

- Ai s' ê cá gostava de ver isso, assim ô natural, q'ondo ela corre munta... Mái atão, o mê Jôquim nunca s' opõe a essas coisas...

- Tem toda a rezão, c'madre. Aquilo, quem vai lá agora nesta altura, nã dá o tempo p'r mal empregue. Pode é panhar com uma carga d' agua im cimba da lombêra e tem de puxar bem p'las canôiras qu' o caminho é munto imbargoso.

- Pôs, isso atão, caminho mái impinado do qu' àquele é má d' incontrar...

E mecêas, mês belos amigos, querendem, acalquem aqui na galeria da Cascata do Barbelote e vejam os retratos qu' ê cá tirí lá, e os mái foitos, em podendem logo dão lá uma bispadela assim num dia que caia uma boa ripada d' água.

E, p'r o caminho, tenham munto cudadinho nã estraguem umas tôiças verde-negras que p'r lá há, parte das vezes, masturadas com balsas. São adelfêras. E tamém nã façam selada com as folhas delas. Senão, esticam o pernil.

Saudinha da boa.

03 fevereiro 2010

A Barragem do Alqueva

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Des que c'm' à Barraja do Alqueva nã há ôtra na Êropa...

Inda 'tão alembrados da conversa qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco me fez, ontordia, q'ondo ê cá l'e contí que tida ido ver a Barraja d' Odelôca com o parente Tóino Rosa, ó nã fazeram caso disso, cudando qu' a gente os dôs nã se era homens p'a abalar caminho do Alqueva?

Pôs, se cudaram, 'tão munto mal inganadinhos, mês belos amigos... A gente pôs aquilo à idéa, o mê compad'e arrenjô via e já se foi lá ver aquela mechas toda, fazemos boa viaja e já cá 'tamos prontos p'a ôtra. Só nã foi o parente Tóino Rosa qu' a gente quis-l'e mandar recado e nã t'vemos portador. Im vez dele, foi o Zé Manel. O filho do compad'e Jôquim e da c'mad' C'stóida.

Calhô foi mal o dia nã ter 'tado um coisinho mái soalhêro. Nã sê se p'r 'qui foi o mémo, mái lá aquilo, o astro, 'teve quái semp're toldado e inda panhamos com uns pingos im cimba da orgada e tudo. Coisa pôca, tamém se diga... que, lá p' à banda da tarde, ele até aliviô um coisinho.

Mái, com respêto ô resto, foi tudo do melhor. E a festa começô logo na viaja daqui p'ra lá, com o Zé Manel a ver se dava indròminado o pai. Aquilo, o moço anda afalcoado de d'nhêro, qu' ele tã bem o ganha c'm' o gasta logo a seguir - com as moças ó lá com o qu' ele munto bem l'e dá nos cascos - e, atão, levô o caminho quái todo a pertar com o pai p'a fazer uma aposta.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Tinha tanta água ó tã pôca qu' a comad'e C'stóida cudava qu' era o mar...

- Mê pai, posto consigo c'm' à Barraja do Alqueva é munto maior qu' a da Odelôca!... Quem perder paga a bucha mái logo num restarante qu' ê cá conheço. Aquilo é jêtoso e, nã s' abusando munto, fica mái ó menes im conta...

- 'Tás parvo ó quem?!... Quem é que nã sabe qu' a do Alqueva é maior qu' à ôtra? Atã, des qu' aquilo vai dar à Espanha e ingoliu lá a Aldêa da Luz e tudo... Queres fazer de mim inda mái nenso do qu' àquilo qu' ê cá sô?...

- Nã posta, nã posta, pronto... Mái, já agora, sabe q'ontas ilhas é qu' aquilo tem ô todo? Olhe que sã muntas...

- Isso nã sê, mái, calhando, inda tem p' a lá um q'ôrtêrão delas...

- Ai um q'ôrtêrão!...

- Um cento?...

- Ai um cento...

- Qu'nhentas?...

- Ai qu'nhentas... Mái de mil!... Posto consigo c'm' 'tão lá mái mil ilhas... E nã precisa de ser o almoço. Posta-se só a garrafa do vinho p' à gente bober no tal restarante.

- Olha que perdes... Mil é munta ilha, Zé Manel...

- Atã, poste. Tamém, que perca que ganhe, uma garrafa de vinho, tamém, nã é grande coisa...

- 'Tá bem. 'Tá postado. Uma garrafinha do tinto.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Sê cá q'ontas léguas aquilo tem d' água...

Ê cá, logo, nã liguí munto àquilo. Mái o Zé Manel, que nã dá ponto sem nó, tod' ô caminho foi repisando no caso. Até qu' ê cá vi qu' ali havia coisa. E havia qu' ê já l'es conto.

Despôs de se chigar lá e se bispar tudo o que se dé visto:
. tanta água ó tã pôca qu' a c'mad' C'stóida cudava qu' aquilo era o mar - inda p'r cima par'cé um pêxe qu' aquilo era um desparate;
. a barraja a descarregar de tornêrada qu' aventujava a água lá p'r aqueles ares - p'r o jêto, p'a fazer elecsidade;
. a famila tudo de boca aberta, abismados com uma obra daquelas;
. e ôtras coisas má's que nã adianta 'tar, agora aqui, a falar nelas;

chigô a altura d' ir c'mer uma bucha lá ô tal restarante qu' o Zé Manel sabia. É que, desta vez, as m'lheres fazeram-se rasmôlgas e nã trazeram farnel p' à gente se rapimpar...

Diz ele:

- Atão, e agora q'ontas ilhas tem a barraja? Tem ó nã tem mái de mil?...

- Nã nas contí, mái daqui vejo pôcas...

- Parente Refóias, o qu' é que vomecêa diz? Nã l'e parêce que sã bem p'ra cima de mil? Diga lá... Diga, diga...

Ora, ê cá, tive que tirar p'r o moço... Atã havera d' ir a favor do pai que tem munto mái posses qu' o filho?!... Dí-l'e logo os améns:

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Punhana, aquilo a descarregar água p'a fazer elecsidade, até urrava...

- Sim, Zé Manel, p'r aquelas qu' ê tenho levado repáiro, devem de ser até um belo coisinho mái do que mil.
- Olhem vocês os dôs 'tão-me a levar de trôxa mái tamém uma garrafa de vinho nã é nada p'r 'í além... Vamos lá buchar qu' ê tenho cá uma lazêra...
E lá abalamos.

Chigados ô restarante, cada qual escolhé lá munto o que l'e dé nas ganas - foi tudo o mémo: insopado de borrego - o Zé Manel foi falar com o homem lá ô balcão. 'Teve lá um pôcachinho, voltô p' à mesa e diz assim c'm' quem nã quer a coisa:

- Pronto, o vinho já 'tá incomendado. Agora vejam lá a figura que fazer. Nã bebam munto...

Naquilo, o homem com uma garrafa do tinto, toda bojuda, já a l'e espetar o saca-rolhas. Abre-a, fez assim aquele estralo de ser uma pinga ô consoante, e despeja um coisinho só p' ô copo do compad'e Jôquim. Ele f'cô a olhar p' ô copo.

- Vá, prove, mê pai. É p'a ver s' ele 'tá bom...

- Ora 'tá bom. Encha más é o copo...

O impregado lá despejô p' ôs copos todos - menes p' ôs das m'lheres que dizem semp'e que nã gostam de vinho - pôs a garrafa ali e foi-se imbora.

- Ó Zé Manel, tu qu' inda tens bons olhos, lê lá aí o rótalo p' à gente saber o qu' é que se vai bober...

Carpa da Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
A água 'tava um coisinho suja, mái, meme assim, par'cia lá com cada pêxe...

- ... ora, Herdade do Esporão, Reserva 2004... 14,5º ... é um v'nhito más ó menes... Mái nã bebam munto...

- Reserva? Já tinhas mandado reservar isso p' à gente, foi? - Diz o compad'e Jôquim do Barranco.

- Já, já, mê pai. Já lá vai p'a sês anos qu' ele 'tava aqui de reserva p' à gente - Diz o Zé Manel a antrar com o pai.

Nesse mê tempo, o homem vêo trazer o tal insopado e a conversa f'cô p'r 'qui. Comemos e bobemos, o mê compd'e aguenta pôco, já 'tava um coisinho escarado. E foi a sorte. Mái nã fez má figura. Qu' assim, o Zé Manel pediu a conta e nã l'a amostrô:

- Agora, traga aí uns cafézinhos e a conta. Mái, dê-me-a a mim qu' o mê pai tem munta falta de vista e nã intende nada disso. E o mê parente Refóias tamém já 'tá com os olhos um coisinho piscos...

Ê vi qu' ele 'tava tamém a fazer porra de mim, mái nã fiz caso. C'm' o pai dele é que pagava a garrafa...

E sabem q'onto é qu' ela l'e custô? Vô-l'es d'zer aqui, mái vomecêas nã l'e contem nada. É qu' o homem inda hoje nã sabe qu' o Zé Manel pegô-l'e na cartêra dele, pagô a parte deles os três e a coisa passô adiante...

Pôs, só a garrafinha foram trintas eros!... Punhana!... Mái lá qu' ele era do bom, era...

E dali, sabem p'r adonde fomos? Nem mái nem menes p'ra donde a tal garrafinha foi produzida: a Herdade do Esporão.

S' ê cá, uma umaocasião, t'ver jêto, logo l'es conto a nossa v'sita a essa dita adega.

Querendem ver os retratos qu' ê cá tirí na Barraja do Alqueva, acalquem aí p'r baxo:



E até qu' a gente se veja.