30 junho 2007

Noite de S. João em Marmelete

Noite de S. João em Marmelete
A noite de S. João, im Marmelete, ajuntô uma preçanada de gente.

Este ano, p'a ir ô S. João, pendi p' às foguêras de Marmelete. Falí com a minha Maria, ela nã atrasô nem adiantô, mái tamém nã disse que não, e a coisa f'cô assim incaminhada.

É que des qu' a Junta fazia p'a lá uma festa a precêto, com sardinha assada p'a c'mer à vontade, mastro p'a quem l' apetecesse a balhar e foguêra de jóinas p' ôs mái nôvos pularem - e algum mái idoso que tamém s' astrevesse, 'tá bom de ver...

Tã penas se combinô ir os dôs, mòrmente sabendo que se podia incher a barriga sem pagar um destão, foi logo falar à comadre C'stóida s' ela nã queria ir tamém com a gente. Ora a c'madre C'stóida nã qu'rer ir... A m'lher, q'ondo de trata d' ir p' ô laré, inda nunca disse que não...

O Compad'e jôquim, esse sim, nem sempre 'tá de boa avêa p'a abalar de casa assim sem más esta nem as aquela. De manêras que, prècurí logo à minha Maria, s' ela tamém tinha dito alguma coisa ô compadre.

- Ó homem, nã é preciso!... A C'madre C'stóida logo fala com ele, em ele vindo dos cantêros... Qu' ele anda p' ali a regar umas pèzêras de batata-doce que despôs esta manhã, entes que fiquem p' ali todas murchas.

- Atã e s' ele nã qu'rer ir?...

- Que jêto nã qu'rer... Lá pensas qu' a c'madre nã no sabe levar... Ele faz ali tudo o qu' ela diz, que nem um borreguinho...

- Maria, que conversa é essa?!... Vê lá, vê lá...

Mái, calhando, a minha Maria é que tinha r'zão, qu' ele, méme sendo um coisinho tem-moso - uma vez p'r ôtra... - béque-me nã se pôs com grandes empeços e, p'r o jêto, disse logo que sim.

Noite de S. João em Marmelete
Sardinha assada era o que se qu'sesse...

E sabem o qu' é que m' havera de dar na cabeça?... D' ir desafiar o mê compadre Jôquim do Barranco p'a, im vez de s' ir nôtra via, aparelhava-se as nossas bestas e fazia-se uma dexcursão de burro.

Ê cá levava o mê Jericó e ele amontava-se no Larga-Traques, qu' é um nome assim com pôca áira, más é c'm' à gente l'e chama ô burro dele. Más o homem nem p'r nada qu' o dí fêto ir nisso.

- Atã nã vê qu' isso nã tem jêto nenhum... Que tempos é qu' a gente nã leva aí a padecer p'r essa estrada adiente, com uma torrêra destas, qu' o sol agora dé-l'e p'a aquecer ô bem fêto?

- Ó compd'e, abala-se já assim de mêa-tarde im diante, qu' ele já nã acala tanto, e há-de par'cer uma arajazinha p'a rafrescar...

- E, más a más, que nã se dá ido tôd's amontados...

- Ó homem, amontam-se as m'lheres e a gente os dôs vai-se atrás, tocando as bestas... Olhe, c'm' d'zia o ôtro, vai-se uns pôcos a pé, ôtras andando...

- Nã... Dêxe-se de coisas, qu' o mê Zé Manel, quái tôd's dias, telefona p' à mãe a saber c'm' à gente 'tá, e ê logo l'e digo p'a ela l'e pedir que venha cá p'a alcançar a gente tôd's a Marmelete no carrinho dele...

- Lá nisso, ele nã é moço p'a d'zer que não, mái tinha mái graça ir-se c'm' ê cá digo...

- Nã brigue mái com-migo qu' ê cá, a nã ser de carro, nã vô lá...

- Pôs atão, se tem que ser assim... Mái logo l'e diz qu' ê quero dar p' aí algum p' à ajuda da gasolina. Qu' aquilo nã anda a água...

- Nã tenha cudados com isso, qu' ê cá nunca o dêxo ir de mãs a abanar...

E, desta manêra, nã no dí convencido. Mái, fica p'a ôtra ocasião, qu' ê logo arrenjo manêra do fazer ir dar uma volta de burro...

Pulando a fogueira - Marmelete
Até os mái piquenalhos pulavam a foguêra c'm' uns valentes...

Chigado o dia, o Zé Manel, logo p'r sorte, calhô a 'tar de folga. Aquilo, inda o sol ia bem alto, já ele pertava com a mãe p'a se aviar... Qu' ele, atão, é assim. Faz o favor de boa vontade, mái tem de ser lá à manêra dele. Em podendo ser, é c'm' levar o gato drento duma saca, chigar lá, despejá-lo e ele ir là munto bem à vida dele.

E foi o que se deu. Largô os velhos lá no adro, ô pé do mastro, e foi nã sê p' àdonde. Que nã há-de ter sido p'a munto longe, qu' ele, tã penas puseram as pr'mêras sardinhas nas brasas e desatô a se sintir aquele chêrinho no ar, par'cé logo a me prècurar:

- Atã, ti Refóias, jà se come p' aí alguma coisinha?...

- Olha, Zé Manel, chêra melhor do qu' ô que sabe. Inda 'tã a dar a volta às pr'mêras...

- Mái a gente pode-se ir já molhando o bico, inq'onto se assam e nã assam...

- Que jêto não?!... Chama lá aí o tê pai e vamos caminho além do "Clube dos Amigos da Floresta", qu' eles têm além qualquer coisa qu' ent'ressa à gente.

- E as m'lheres nã bebem nada?...

- Prècura-l'e lá o qu' é qu' elas querem qu' a gente alcança-l'e aqui...

- Mái, diga-me lá uma coisa... Atão, isto nã é p'a c'mer e bober, à vontade, sem se pagar nada?...

- C'mer, podes c'mer à vontade, qu' é p'r conta da Junta. Agora bobida, isso é p'r conta de cada um... Já munto faz a Junta im dar as sardinhas, pão e, méme, gôrdanapos. Agora vinho e cerveja, nã achas que tamém já era de más?...

- Tamém tem r'zão, sa senhora. E, más a más, qu' assim é uma manêra de s' ajudar além os moços do "Clube dos Amigos da Floresta" qu' eles bem precisam.

- 'Tás a ver?... É assim qu' ê cá gosto de ôvir falar... E olha que nã é só s' ajudar os moços, é qu' eles tamém têm além um tintinho de tornêra qu' até estrala na goéla... Mái tu, se qu'reres, podes beber cerveja, que tamém há...

- Eh'q... isto, com sardinhas, calhando, é melhor um v'nhito...

- E p'a quem nã aprecêe sardinhas, tamém têm além uma carninha frita que usa a 'tar da ponta da orelha... Mái nã te descudes com o tinto, nã vá a Brigada par'cer pr' aí...

- Isso, às horas qu' a gente vai daqui, já eles 'tã tôd's a dromir...

Pulando a fogueira - Marmelete
Cá im Marmelete a foguêra é fêta com jóinas, c'm' nôtr's tempos...

Pôs, o que l'es digo é que a famila foi-se ajuntando, sardinhas assadas era uma fartura, pão nã faltava, e bobida era um correpio caminho d' adonde ele havia. E, mái dali a um pôcachinho, rompeu a música. P'a quem qu'sesse balhar foi do melhor, p'a quem qu'sesse conversar é que tinha qu' ir um coisinho lá mái p' à banda de lá.

A gente os três foi-se aguentando ali p' ô perto, d'ora inq'onto, vá mái uma sardinhita im riba dum pedaço de pão, mái uma goladinha, mái um coisinho de conversa e tal e coisa, e lá se fez horas d' acender a foguêra.

Ê cá e o mê compadre - e as m'lheres - foi-se logo lá p' ô pé, mái, os ôtros béque-me nã 'tavam munto ent'ressados, que f'caram, quái tôd's, jogados a c'mer sardinhas e ôvindo as modas qu' o tocador p'a lá ia tocando.

Más, olhem, ê cá f'quí contente de ver aquele trabalho. É qu' a Junta tinha lá uma camineta chêazinha de jóinas... Só o chêrinho delas até consolava... 'Tá bem que nã 'tavam lá munto secas, mái, p'r um lado, até foi melhor, qu' assim nã ardiam tã depressa nem faziam uma labareda grande demás...

- Mái atão, os homens nã dã acendido a foguêra... Com uma ventania destas e as jóinas naquele estado...

- Ó compad'e jôquim, nã tenha pressa, homem... Dêxe lá qu' eles já se defendem. Em uma tôiça pegando, pronto, já nunca mái s' apaga...

- Uma ocasião, nã sê se 'tá alembrado, fazemos a foguêra lá na minha rua. Até vomecêa tamém trôxe umas jóinas que tinha lá e uns gamõs p'a s' aquecerem na foguêra e, despôs, esbroncar com eles numa pedra, p'a darem aquele estôiro...

- Atã nã m' alembro muntíss'mo de bem... Já ele havia tamém aquelas bombas d' um e dôs destõs, más isso era lá quem era que tinha d'nhêro p'a gastar nelas...

- E b'chaninas?... Tamém custavam p' aí, béque-me, uns dôs ó três destõs cada uma, mái aquilo era do mái ingraçado que podia ser...

- As moças é que nã gostavam lá munto delas qu' aquilo andavam a rabear dum lado p' ô ôtro e nunca se sabia adonde é qu' iam aparar...

Pulando a fogueira - Marmelete
Com o fogo bem alado é que se dã bons pulos...

- Pôs era... Mái o qu' ê cá ia d'zer, foi aquela parte de mecêa, a certo ponto, pôr lá um braçado de jóinas, qu' era um d'sparate, na foguêra , daquelas bem secas, qu' aquilo alevantô uma labareda qu' até foi chamuscar a ramaja daquela sobrêra que 'tá logo da banda de baxo da rua...

- Pôs foi... Más o pior foi o resto...

- Era aí qu' ê qu'ria chigar... 'Tava tudo já entradote, desata uns a desafiarem os ôtr's p'a pular a foguêra, as m'lheres a chasnarem qu' inda algum s' ia quem-mar, mái assim qu' o Portelas largô um salto que salvô a foguêra toda dum lado ô ôtro e foi f'car espatarrado do lado de lá, tôd's foram atrás, d' infiada...

- Ê fui logo o tercêro ó quarto...

- Ê, atão, fui o do fim...

- Mái já incontrô uma data deles, tudo engalfenhado p'r aquela rua...

- Pôs... Premode isso, batí tamém com os cascos naquele chão que foi um consolo...

- Atã, qu'ria ser mái qu' ôs ôtr's, não...

- E o fedorum a chamusgo que se pôs lá de roda da gente?!...

- Mal se sabia do qu' é qu' aquilo era...

- Tal e qual... Só no ôtro dia, é que se vê a saber que, pastanas, nã havia o pr'mêro que nã t'vesse f'cado sem elas - qu' arderam todas - e méme a gadelha d' alguns nã 'tava lá munto bem tratada, nã senhora...

Coisas d' ôtr's tempos, mês belos amigos... Inda nã se tinha tel'visão nem tel'fonia e, cinema, vinha aí umas duas ó três vezes por ano, se viesse, ali ô alagar da famila Furtado... Mái, alegria havia com fartura...

Agora vejam lá s' a Junta de Marmelete nã faz bem em apresentar uma festa destas na noite de S. João... Com jóinas e tudo!...

Pôs atão, os que qu'rerem ver o resto dos retratos do S. João, acalquem aqui na galeria do S. João de Marmelete.

Passem munto bem e viva o S. João!...

20 junho 2007

A Biblioteca de Monchique

Biblioteca de Monchique
A Biblioteca de Monchique tem o nome do homem que mái fez por ela: António da Silva Carriço.

Um destes dias, fui até à Biblioteca à prègunta dum livro qu' ê cá fazia gosto de ver. Foi até a menina Ana Pinto me disse qu' ele 'tava lá e valia a pena gastar um coisinho de tempo a desfolhá-lo.

É um livro que trata das imajas quái todas de santos que cá há, tanto se faz na Vila, c'm' im Marmelete ó no Alferce, e chama-se Inventário Artístico do Algarve - A Talha e a Imaginária - XIV - Concelho de Monchique.

Quem no fez foi um amigo bom, qu' ê cá conheci im moço-pequeno: Francisco Lameiras. Só l'es sê d'zer que ele creceu, moé a cabeça, encrençô-se com aquelas coisas da arte e, agora, ninguém dá conta dele... Pro jêto, nã há ôtro, no Algarve, que saiba tanto de igrejas, imajas e tudo o que seja de monumentos e coisas assim...

E a menina Ana Pinto, ó ê cá 'tô munto atribuído - que nã 'tô - ó vai p'r o méme caminho. Atã, a mecinha 'tá lá p' àquelas bandas de Lisboa, béque-me no Barrêro, e sabe tudo o que diga respêto aqui ôs monumentos de Monchique... E d' ôtres lados, tamém, nã pensem...

E a tirar retratos nã é qualquer um que l'e tira a palhinha. Se nã acraditam, vejam lá aqui no site dela que se chama "Aranni"... Vã lá que dã o tempo p'r bem impregue.

Biblioteca de Monchique
A Biblioteca fica nos altos da casa, mái tem lá uma famila tã porrêra a atender a gente...

Mái, voltando à Biblioteca, p'a l'es d'zer a verdade, é um sito adonde tenho ido pôco ô nada, que nã tenho tido munto vagar - dá semp'e jêto a gente dar assim uma boa r'zão p'a se fazer as coisas, qu' é o caso de nã se ter vagar... 'Tão a comprender, nã 'tão?...

E, atão, nesse dia, lá arrenjí um vagarinho e fui até lá.

Pus-me às escadas prê acima, de vagarinho p'a ver bem c'm' é a coisa era. Chego ôs altos da casa, nã sabia o qu' havera de fazer, f'quí assim um coisinho incolhido a olhar desapercebido p'a todos os lados a ver o qu' é qu' a coisa dava.

Nã tardô nada, uma senhora que 'tava p' trás do balcão, munto fina, prècurô-me o qu' é qu' ê cá queria.

- Eh'q, pôs vinha ver se me podiam emp'estar p' aí um livrinho qu' uma pessoa me disse qu' era jêtoso...

- Atão e que livro é? É qu' a Biblioteca pode tê-lo, mas não estar cá...

- Ah, pôs, más essa pessoa des que viu na internet e mecêas, ontem, tinham-no...

- Atã diga lá o nome...

- Ê cá sô ali daquela famila da Refóias... Sou o...

- Nã é isso qu' ê quero saber... É o nome do livro...

- Ah, s' é o nome do livro tenho aqui neste papelinho, qu' ele é bem munto comprido e ê tive medo nã me fosse desquecer...

E lá passí o papelinho p' às mãs daquela senhora tã bem falante - uma pessoa que nã era só ser bem par'cida, era tamém do melhor que podia ser e haver, qu' isso via-se logo p'r o jêto dela.

E, olhem, acalcô p' ali num botão do comp'tador, assim me disse logo:

- Temos cá, sa senhora.

'Tá bom de ver qu' ela nã falava assim c'm' ê cá 'tô a d'zer, qu' ela até béque-me nã sê s' é cá de Monchique se não é, mái, calhando, nã é.

- Atã, e trôsse o sê cartanito? Dê-mo lá aí, fazendo favor...

- Cartanito...

- Ah, nã tem nada im ser a pr'mêra vez qu' aqui vem...

- Agora é que mecêa acertô im chêo... Inda nunca tinha aqui antrado. Mái, o b'lhete d' identidade, tenho aqui na pataca...

Cartão da Biblioteca de Monchique

- Atão, 'tá tudo bem. Com esse, faço-l'e já aqui o ôtro.

E aquilo foi um foguete. A Senhora p' ali escrevenhô no comp'tador, prècurô-me adonde é qu' ê cá morava, adonde é que nã morava, e tal e tal, e assim me dé um cartanito do mái bonito que possa ser. Olhem bem p'ra ele...

Agora, disse-me ela, cada vez que lá vá, é só levá-lo qu' ela incost'-ô ali àquele aparelho, assim parêce logo o mê nome e os livros qu' ê tenho imprestados e essa coisada toda.

E lá me mandô ir escolher os livros qu' ê cá munto bem intendesse, désna que nã fossem mái do que três. Mái, p'a ê nã m' inganar, foi-me insinar adonde é que 'tava aquele qu' ê levava d' incomenda e disse-me logo:

- Olhe, esta estante aqui é tudo livros que dizem respêto a Monchique. É só escolher. Mái nã traga os da bolinha incarnada, qu' esses sã só p'a se lerem aqui drento!...

- Sa senhora, 'teja descansada qu' ê já intendi... E m't'ôbrigado, m't' agradecido...

Más, ê cá, logo, até quái que f'quí p' ali insampado, a olhar p' àquilo tudo, tant' ô livro, tanta estante, tante coisa... Olhava p'a um lado, só via estantes e livros. Olhava p' ô ôtro, a méma coisa... Chegô a um ponto, até já nã sabia bem p'a que lado é que 'tava voltado...

Mái, passí assim os dedos p'r as vistas, abaní a cabeça, dí dôs passos p' à banda de lá, cocí uma com'chanita que me deu aqui na cova do ladrão, e a coisa foi ô lugar. E lá me pus a ingrilar a ver se dava com algum livro que tamém me calhasse trazer, já nã falando do qu' ê ia b'scar d' apr'pósito.

Biblioteca de Monchique
Só vendo é qu' a gente sabe a livraria que p'ra lá 'tá...

Mái, nesse mê tempo, 'tavam p 'ali uns meçalhos e umas meçalhas assantados a umas mesas, cada qual com o sê livro na mão, béque-me falando baxinho uns com os ôtros. Pus-me a olhar p'ra eles, todo imbasbacado, qu' até me desqueci do que 'tava a fazer.

Más olhem qu' aquilo até dava gosto ôvi-los falar. Eram já c'm' dôtores im ponto pequeno!... Um porque assim e ôtro porque assado, e más isto e más aquilo, e despôs metiam p'r 'lí uns nomes im estrangêro, e vá de escrevinharem nuns cadernos... Coisa bonita...

Até qu' eles viram qu' ê cá nã l'e tirava as vistas de cima, puseram-se tamém a olhar p'ra mim. F'quí p' ô imbatucado, mái, passado um 'stante, desatô tudo a rir e cada qual voltô ô sê serviço. Eles puseram-se lá a ler os sês livrinhos deles e ê cá fui à prècura dos mês.

Jogo a mã, assim, à sorte, olhem no qu' ê cá agarrí logo. Mal o aibro, vejo uma cara conhecida... Digo p'ra mim:

- Mái atã isto nã é aquela rapariga, filha da D. Maria Laura e do senhor Dôtor Ventura, que faz uns quadros do mái bonito que há e trabalha com teares e tudo?!... Pôs é!...

E era. Era a senhora Zé Ventura, qu' é uma artista munto conhecida cá e im munta banda, mémo no estrangêro, e tem este livro com uma bela manchinha de coisas qu' ela fez. Ora, trusse-o logo... D'zer a verdade, ia-o era logo lendo todo lá, que 'tava ali uma mesa perto e apr'vêtí p'a m' assantar um pôcachinho...

Agora, aqui im casa, até a minha Maria, mal acaba d' arrumar a cozinha, assanta-se logo ô pé de mim e vá de l'e passar as folhas duma à uma. Ela, atão, fica emprensada é com aqueles lindos trabalhos fêtos no tear. Ê cá gosto tamém desses, mái os quadros acho-os béque-me inda mái bonitos...

Zé Ventura:
Mal olhí p' à estante, assim f'quí com este lind'ssíss'mo livro nas mãs...

- Nã ôves, atão esta mecinha nã é de cá de Monchique? Béque-me 'tô lembrada da ver p'r 'í im meçalha-pequena... - prècurô-me a minha Maria, uma nôte destas.

- Foi criada cá, até ser já uma bela rapariga... Atã nã t' alembras?!... Despôs é que foi estudar e já nã voltô p'ra cá. Agora 'tá lá p'ra baxo p'a Vila Nova.

- Ah, pôs...

- Mái tenho a firme certeza qu' ela gosta de Monchique tal e qual c'm' s' inda morasse cá... Nã há ninguém que tenha narcido ó morado nesta terra e se vá imbora que nã fique sempre com umas soidades marafadas disto...

- Ê cá, atão, às vezes, já m' aborrêce de certas coisas... Há famila que, béque-me, só sabe é s' emportar com a vida de cada um...

- Ó m'lher, isso é im todo ô lado... Dêxa isso da mão... Isso, agora, já é mái os qu' andam metidos na política, ó se querem meter nela, qu' andam sempre com p'lémicas... Há p'r 'í um ó ôtro que, méme nã valendo nada, pensa qu' é munto esperto e vá d' ingraxar os que lá 'tão ó os que pensa que vã a seguir...

- Nã digo que nã tenhas r'zão, sim... Mái já m' aborrêce dos ôvir... Uns e ôtros...

- S' ires p'a ôtro lado, é igual. Todos andam à cata do mémo, m'lher...

- Lá isso é verdade...

- Olha lá, mudando de conversa, q'ondo é que vás tamém lá à Biblioteca dar o nome?

- P'ra quem?...

- P'a teres um cartanito c'm' ô meu e trazeres tamém uns livrinhos p'a se ler...

- Isso, bastas tu... Trazes p' ôs dôs.

- Más é qu' aquilo tamém se pode ir e ler lá, que mesas e cadêras nã faltam... E nã cudes que só lá têm livros...

E, p'a quem nã conhece, semp'e l'es digo qu' ele há lá muito mái coisas do que isso... Olhem, revistas, jornás e coisas assim nã faltam. E p' ôs que gostam de comp'tadores e internet, isso nã se fala... Têm lá um cantinho méme ô queres. É só chigar, assantar-se e ver o que se quêra, à nossa vontade...

Biblioteca de Monchique
P'a quem goste da internet, tem este cantinho com comp'tadores...

Atã, mês belos amigos, em tendem um coisinho de vagar, façam c'm' ê fiz, ontordia. Vã caminho da Biblioteca, se nã saberem bem que livros é que lá 'tão ó quás são os mái bonitos, prècuram lá àquelas senhoras qu' elas dizem-l'e logo. E elas, béque-me, até fazem gosto d' ajudar a gente...

E, despôs, logo me dizem se valé a pena ó não...

Fiquem-se com Dés e até a gente se ver.

13 junho 2007

O Omega Parque foi-se!...

O fim do Omega Parque - MonchiqueOmega Parque - Monchique
Os b'chinhos que lá 'tavam já se sumiram quái todos. O Omega Parque fechô dum todo...

Des que tudo o que tem c'meço tamém tem fim, e é bem verdade... O Omega Parque, qu' a gente cudava qu' era p'a ajudar uns tantos animás, que tinham o inço quái acabado, a voltar ô prencipo, foi ele é que, inda mal nã 'tava no prencipo, assim chigô ô fim.

P' ôs qu' acraditam, Deus é o prencipo e o fim e é representado p'ra pr'mêra e última letra do alfabeto lá desses da Grécia: alfa e omega. E, calhando, tamém é essa a r'zão de l'e ch'marem Omega Parque. P'a tratar de q'ôlidades de bichos que 'tão quái no fim.

E atã nã querem lá ver que, um destes dias, abalí com a minha Maria e os mês compadres, todos munto contentes, sa senhora boa vida, caminho quái do Barracão, p'a s' ir ver lá os b'chinhos e a coisa corré-me mal... E vô-l'e já d'zer o perquem, qu' ê cá inda nã quero crer na rabana que panhí.

Já havia que tempos qu' ê cá andava p'a ir lá, mái fui-me pondo a pôco, uma vezes era premode o serviço que 'tava p'r fazer, ôtras era o tempo que nã convindava e más isto e más aquilo, e, a semana passada, antão, é que lá me opus e desafií a minha Maria.

Mái, c'm' nã se tinha via, o qu' é a qu' a gente s' havera d' alembrar?... Convindar o compadre Jôquim do Barranco e a c'madre C'stóida, a ver s' eles davam capeado o Zé Manel de manêras qu' ele levasse os quatro tod's no carrinho dele.

Nã é coisa qu' ele faça munto lá de boa mente, qu' ele gosta mái d' ir namorar as moças do que andar a alcançar os velhos aqui e além, mái c'm' já havia bem munto tempo que nã se l'e pedia nada, q'ondo o pai l'e falô nisso, ele inda, béque-me, franziu, assim, um sobrolho, mái lá disse que sim.

Omega Parque - Monchique
Esta chita, tã triste, já desconfia que vai mudar de casa...

E foi assim qu' a gente se resolvé a abalar, bem fornecidos com o que munto bem cada um l'e dé nas ganas im levar, p'a se c'mer qualquer coisinha lá naquelas lindas mesas qu' eles fazeram méme na frente da antrada do Parque.

C'm' o Zé Manel já tem munta prática de guiar o carrinho, aquilo, inq'onto a gente chigô e nã chigô ô nosso destino, foi um foguete. Mái atão e a apequentação qu' a gente panhô, tã penas se saí cá prá fora e se foi caminho lá da antrada p'a se comprar os b'lhêtes... Batemos com o nariz na porta!...

Salta logo o mê compadre Jôquim:

- Olha que esta!... Mái atão, logo calhô, vir-se no dia qu' isto fecha?!... Foi mal escolhido...

- Ê vô-me já saber disso...

Diz o Zé Manel, com aquele ar de safo qu' ele tem sempre. E pôs-se a andar ali à roda daquilo a ver se lombrigava algum que l'e d'zesse o que se passava. Mái, beh!... Nã par'cé fosse quem fosse.

Ê cá, vô-me atrás dele, ponho-me a olhar bem p'r àquilo, e nã vejo bichos denhuns... Dig'-l'e:

- Ó Zé Manel, mái atão eles levaram os bichos daqui!... Atã, nã vês? 'Tã àlém os paus e aquelas coisas todas, e bichos, viste-los...

Isto olhando p'r os buracos da rede, qu' aquilo, d'zer a verdade, vê-se munta coisa de cá da banda de fora.

- Tem r'zão. Aquilo, nã tem jêto nenhum de 'tarem ali bichos já há uns belos dias... Vamos lá ali ô ôtro lado...

E foi-se.

Omega Parque - Monchique
Até os macacos béque-me parêcem mê azôgados...

E nã é qu' inda demos de frente com dôs macacos e p' ali uma coisa que fazia alembrar um gato, assim p' ô grande, qu' ê cá, num derrepente, até falí logo p' ô Zé Manel:

- Nã ôves, atã aquilo sará o tal lince, qu' eles p' aí tanto falam, qu' anda aí p'a trás, nessa zona daqui até à barraja da Odelôca!...

- Ó ti Refóias, nã diga parvoêras dessas!... Atã nã vê qu' aquilo é grande demás p'a ser um lince?!... Um lince, dos qu' havia aqui mái já nã há, é c'm' um gato, só um coisinho maior. Aquele bicho àlém pesa mái que vomecêa...

- Tó, raio, que grande bicho!... Assim, ô longe, béque-me nã parêce...

- É uma chita... Olhe, a fugir é c'm' uma seta!... Nã há ôtro bicho, im terra, que fuja tanto c'mo ela...

- Punhana!... P' ô pé dela é qu' ê cá nã vô...

- Nã tenha medo qu' ela 'tá presa. Ná vê ali aquelas redes?...

- Pôs, sim. Mái ê cá gosto mái ali daqueles macacos. Se t'vessem aqui mái perto, dava-l'e uma alcagóita.

- Nã me diga que tem aí alcagoitas...

- Tenho, sa senhora. Nã sabes qu' ê cá, tôd's anos, sameio lá uma bêradinha delas p' ô gasto da casa?...

- Nã coma munto disso que, na su idade, pode-l'e fazer mal... Pode-l'e dar munta reacção...

- Qual o quem!... Tu cudas qu' ê preciso disso p'a esse efêto?!... Nã senhora... Gosto é de l'e comer uns bagulhinhos, de q'ondo im vez... E p'a tapar um calcesinho dela, é uma classe. Mái dêxa-me lá tirar uns retratos ôs macacos...

E vá lá qu' ê tinha a máquina méme ali à mão, pindurada ô bescoço, senã nã tinha apr'vêtado nada daquilo... Inda se 'tava nesta conversa, já os marafados saltavam p' aqueles baraços abaxo qu' assim des'parceram no mê do mato que nunca mái ninguém l'e pôs as vistas im riba.

Omega Parque - Monchique
Quem havera de d'zer que p'a fazerem isto tiraram o estacionamento ôs carros...

De manêras que, lá se voltô p' ô pé dos ôtros, fêtos parvo, que ninguém sabia o que havera de d'zer duma coisa daquelas. Assim, sem mái nem quem, aquilo tudo fechado e bichos, quái nenhuns... O qu' é que se teria dado?...

Diz a c'madre C'stóida:

- Isso, calhando, dêxaram-nos fugir e andam pr' aí cada um p'r sê lado...

Salta logo a minha Maria, qu' é munto medrosa:

- Ai que medo!... Vamos más é já todos imbora daqui, entes que parêça p' aí algum e faça mal à gente...

- Nã tenha medo, ti Maria... Os que faltam ali é tudo b'chinhos que nã fazem mal nenhum. É só papagaios e uns macaquinhos piquenalhos... e, béque-me, uns que l'e chamam lémures...

- Dêxem-se de conversas dessas, que nã fugiram dali bichos nenhuns... Ó morreram ó levaram-nos fosse lá p'a donde fosse... Calhando, p' ôs incasalarem com ôtros, quem é que sabe?...

- Uma coisa é certa. Já temos parte do passêo estragado. Qu' a gente vinha com este fito e, agora, nem os pôcos qu' aí estão se dã visto, qu' a porta 'tá fechada...

- Olhem lá, e s' a gente s' assantasse ali numa mêzinha daquelas e se c'messe uma bucha?...

- É o melhor que se faz... Se nã temos mái nada p'a fazer...

- Atã, o Zé Manel aconchega melhor ali o carrinho, p'a dêxar os ôtros passarem, qu' isto, d'zer a verdade, f'cô munto bonito, mái nã tem é sito p'a estacionar os carros...

- Isto, a estrada é larga, nã há problema...

E lá se foi paleando e rapimpando-se com os decomeres qu'as m'lheres tinham arrenjado p' à gente. Qu' elas, atão, q'ondo é assim p' à festa, fazem semp'e coisa do melhor...

Mái, verdade se diga, nã foi a méma coisa c'm' s' a gente, pr'mêro, t'vesse ido ver os b'chinhos lá nos lugares deles...

Omega Parque - Monchique
Méme com as letras todas incambulhadas umas nas ôtras, inda quái que se lido o nome...

Más aquilo f'cô-me cá na idéa e, ô voltar p' ô monte, fui ramoendo cá p'ra mim:

- Isto nã fica assim. Ê cá tenho que deslindar bem o caso... Dêxa 'tar qu' ê logo vô saber bem c'm' às coisas são...

E, passado um pôco, descorré-me a quem prècurar. É qu' ê tenho um parente que trabalha ali naquela coisa das Águas das Caldas, homem já de grande posição lá drento - p'r o que me dizem, daqueles que mandam já nos ôtros - e ele é pessoa p'a me desenlear bem isto. E assim foi.

O mê parente dexplicô-me bem a coisa, qu' ele, atão, 'tá semp'e d'sposto p' ô que seja preciso p'a qualquer amigo... Des que o Omega Parque tinha méme fechado dum todo, qu' aquilo havia p'a lá uns problemas e andavam a levar os b'chinhos todos p' ô estrangêro e toma abaxo e toma acima, e aquilo pifrô, pronto.

Punhana!... Aqui é qu' ê cá f'quí duma tal manêra, que só visto... Tanto qu' ê gosto da b'charada, saber qu' eles 'tavam ali a olhar p'r uma manchinha deles, dos que já nã há quái nenhuns, a ver s' eles amentavam a criação p' nã des'par'cerem mémo de vez, e, agora ir-se tudo imbora...

Mái tamém, dé-me uma gavierra, digo p'ra mim:

- Vô-me saber isto melhor!...

E fui.

E sabem o qu' é qu' a famila me disse? Memo os de lá do Omega Parque? Nem mecêas calculam...

Des que t'veram que fechar aquilo premode que a Junta das Estradas resolvé a l'es tirar o parque de estacionamento im frente da porta e fazer o tal parque de merendas adonde a gente c'mé a buchazinha...

Sem lugar adonde pôr os carros, a famila dêxô d' ir lá visitar os b'chinhos e, sem o d'nhêrinho dos b'lhetes c'm' é qu' eles arrenjam decomer p'a l'es dar?... Mandaram-nos p'a ôtr's Parques, no estrangêro, adonde haja quem os trate bem...

Mái, méme assim, inda me d'zeram qu' o que mái l'es custô nã era a falta de d'nhêro... O pior de tudo foi verem que, im Portugal - e ê cá digo im Monchique - os que mandam "pensam que é mais importante as pessoas terem um parque de merendas para fazer picnics do que um Parque de Acolhimento de várias espécies de animais em vias de extinção".

Omega Parque - Monchique
Querendem ir lá ô site do Omega Parque, acalquem aqui.

Mês belos amigos, nã pensem qu' isto é conversa minha... Isto - tenho quái vergonha de l'es d'zer - mái foi verdade!... Aqui im Monchique...

Nã hôve Câmara que se metesse nisso? Nem Junta de Freguesia, nem aí esses do Ambiente, nem ninguém?!...

P'r este andar, nã sê adonde se vai parar. Mái, com o que p' aí vai, qu' a famila béque-me dé tudo im parvo, isto nã há-de durar munto tempo, nã senhora...

E só de pensar nisto, já nã sê o que diga...

Olhem, tenham todos munta saúde...

10 junho 2007

O passêo do Corpo de Deus

Passeio do Corpo de Deus - Monchique
Entes da abalada, hôve quem desse o derrijo, p'a ninguém s' inganar...

Dia de Corpo de Dés, fazeram p' aí um passêo a pé p'a quem qu'sesse ir. Foi a Câmara que se meté nisso - e fez muntíss'mo de bem, qu' ele há p'r 'í famila que já quái que nã tira, com l'cença da palavra, as nalgas da cadêra - e, p'r o jêto, já nã é a pr'mêra vez que faz tal coisa, que já hôve ôtro nôt' ocasião.

Tã penas sube, mái õ menes à mêa-nôte da béspra, que foi q'ondo me fui assomar lá ô site da Câmara, pus-me logo a fancos p'a m' alevantar cedo e dar de vaia à minha Maria p'a ela s' alevantar e ver se s' achava com coraja p'a ir tamém e, ô méme tempo, arrenjar um farnelinho p'a se buchar a mê do caminho.

É que vê-me logo à idéa qu' a Câmara, c'm' anda assim um coisinho de cartêra vazia, nã havera de dar nada a quem lá fosse. Ó atão, vá lá que desse - c'm' deu - p' ali uma garrafeca d' água a cada um. E méme assim, calhando, nã teve nada im ser alguma lembrança lá deles das Caldas...

Isto, agora, tamém, já sará um coisinho de má-língua, qu' ê cá nã sê, ô certo, se foi se nã foi. A gente, quái sempre, tem-se p'r c'stume de d'zer mal das coisas sem mái nem quem e, d' ora im q'onto, só saem é parvoêras da boca de cada um.

Passeio do Corpo de Deus - Monchique
Logo ô prencipo, era a decer, nã custava nada...

De manêras que, falando verdade, só tenho a d'zer bem, que foi uma bela idéa dos da Câmara e, em fazendem mái alguma coisa daquelas, digam, qu' ê cá e a minha Maria só s' a gente nã saber ó nã se dar ido p'r qualquer r'zão é que nã se vai.

E p'a se saber, nã saria má idéa pôrem p'r 'í uns editás, mái que nã fosse, ali no Largo dos Chirõs e anunciarem na Rádio Fóia - qu' é uma coisa que toda a gente ôve - e méme até na missa. Calhando, pedindo-l'e com jêtinho, o senhor Prior era capaz de nã se furtar a fazer esse favorzinho...

Mái, dêxemos isso e vamos ô resto.

O dia 'tava do melhor p'a tal serviço. Bem munto infarruscado, mái, d' ora im q'onto, par'ceia um coisinho de sol. Fresquinho, com uma arajazinha ali do lado da Fóia, andava-se qu' era um incanto.

Ô prencipo, até ali p' ôs lados da Amorosa, era a decer, tudo andava qu' até zunia, mái im se voltando p'ra cimba, aí, a coisa t'mô ôtro jêto, qu' as canoiras d' alguns deram im fraquejar... É qu' aquilo, p'a quem nã tenha grande fôl'go, inda é uma ladêra marafada...

Passeio do Corpo de Deus - Monchique
No Corte Perêro, via-se montes com uns belos assentamentos de casas. Famila de posses, 'tá bom de ver, mái inda tudo a dormir...

P'a alcançar o Corte Perêro, más a más já vindo a pé désna da Vila, nã é qualquer um que , sem que nã l'e escorram umas bagas de suor p'r a cara abaxo e tenha qu' aparar a mê do caminho p'a tomar fôl'go...

Más, im chigando ô canto de cima da ladêra, dá-se com uma vista bonita. Uns belos assentamentos de casas - de famila com posses, 'tá bom de ver... - e uns belos cantêros, tudo tratadinho.

C'm' dava ares à famila inda 'tar tudo a dromir, que nem r'môr davam, inda hôve quem l'e viesse à cabeça panhar p'r 'lí uma laranjinha ó duas, qu' elas 'tavam méme a pedi-las e calhava bem ingolir quasequer coisinha. Mái foi só um derrepente que nã passô dali, nã fosse a famila l'e par'cer mal.

E lá s' abalô, ôtra vez, d'rêto à Nave, com os santos tôd's à ajudarem, qu' era a decer e de que manêra. S' um homem nã metia travõs a fundo, abalava à mecha toda, nã sê adonde é qu' o iam panhar. Drento d' algum balsedo, calhando...

Passeio do Corpo de Deus - Monchique
Na decida p' às bandas da Nave, dé-se com esta vista. De fêa que é, até fica bem no retrato...

E, com os tacõs das botas semp'e bem afincados no chão, nã tardando nada, já se 'tava a ver a pedrêra da Nave. Aquilo, cá p' à serra, é c'm' uma chaga qu' a gente tenha na nossa orgada. E daquelas que nunca mái se curam, das bem malinas... Mái p'a tirar retratos, dá semp'e jêto.

Um destes dias, em tendo jêto, logo l'es falo p' aí desta pedrêra com mái tempo, qu' isto é uma coisa que tem que se l'e diga. Mái, d'zer a verdade, inda ando a dar voltas ô miolo p'a ver c'm' é qu' ê cá vô-me fazer a coisa, de manêra a nã d'zer muntas alarvêrices. Qu' aquilo s' é ruim p'r um lado é bom p'r ôtro, e, atão, tem-se que ver bem o que se diz.

Ora, passando do em par da Nave já a gente levava mái de mê caminho fêto e, agora, era só manter aquele passinho compassado e aguentar até à Vila. Sim, que ninguém 'tava p'a dar parte de fraco e meter-se na carrinha qu' andava atrás da gente, carregada de garrafas d' água.

Méme uma senhora, que des que p'a lá ia com umas infias nos pés, aguentô-se até ô fim que nem uma valente. E olhem qu' isso nã é calçado capaz p'a se fazer, assim, uma viaja à pata. É certo e sabido que se fica com umas roeduras... Ela, pobrezinha, nã há-de ter grande prát'ca de coisas destas, más agora já f'cô sabendo que, p'a s' andar um belo pôco, tem-se que levar calçado im condiçõs.

Passeio do Corpo de Deus - Monchique
Ô fim, inda s' ajuntaram uns q'óntos p'a f'carem no retrato...

Ô certo, ô certo, é que, pôco passaria do mê-dia, já tudo 'tava a chigar ô Largo dos Chirõs. P'r menes ê cá, qu' os pr'mêros, calhando, chigaram uma mêa-hora entes.

E falo da minha Maria que, a seguir à subida do Corte Perêro, pôs-se a andar, mái l'gêra que nem sê o quem, nunca mái l'e pus as vistas im riba. Só a panhí na chigada, mái já ela 'tava assantada naqueles bancos, todos bonitos, que p' ali 'tão.

E nã sê s' é verdade ó não,mái já hôve p' aí uns zum-zuns qu' iam mexer naquilo ôtra vez p'a mudar o Largo. Más ê cá nã acradito nisso.

E, c'm' ê uso a fazer, aqui l'es dêxo mái uma manchinha de retratos do passêo do Corpo de Deus. Querendem ver, é só acalcar aqui im retratos que vã parar adonde eles 'tão.

Fiquem-se com Dés e até que se faça ôtro passêo destes.

09 junho 2007

A Igreja de Nossa Senhora do Pé da Cruz

Mercearia
Pôcos conhêcem esta imaja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, qu' a Igreja 'tá quái semp'e fechada...

Désna do dia de Vera Cruz qu' ê cá tinha isto p'a l'es mostrar, mái fui-me pondo a pôco e passô-se este tempo todo que nem um foguete e só agora é qu' arrenjí algum vagar p'a falar no caso.

Pôs, c'm' vomecêas sabem tôd's melhor do qu' ê cá, no 3 de Maio é o dia da festa da Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, premode ser o dia de Vera Cruz. E, atão, usava-se a fazer uma festa, méme que piquenalha, p' à famila ir lá à missa e rezar lá à vontade.

De manêras que, na béspra, falí com a minha c'mad'e Daniela p'a l'e prècurar c'm' é as coisas iam ser. Sim, qu' aquilo era dia de trabalho e tinha-se qu' orientar bem o serviço p' à coisa bater certa.

- Ó c'madre, atã amanhão semp'e fazem alguma festinha lá no Pé da Cruz?...

- Olhe, compadre, este ano, o senhor Prior des que nã faz nada. Tirando a missa da parte da tarde, 'tá bom de ver, aí p'r essas quatr' horas, qu' isto é dia de semana e a famila 'tá no trabalho...

- Pôs atão, ele é que sabe, mái dá-me desgosto de nã se fazer mái quasequer coisinha...

- A minha Carmelita, qu' é ela que tem a chave, e mái umas q'ontas m'lheres, na manhã, vã lá dar uma barr'dela à igreja, pôr umas florinhas e afêçoar aquilo tudo munto bem afêçoadinho...

- Veja lá, se terem preciso d' alguma coisa, no qu' ê cá possa ajudar...

- Dés l'e pague, mái, aquilo, elas já têm tudo combinado e, c'm' é coisa pôca, amanham-se bem sòzinhas.

- Atã e, despôs d' almoço, vã abrir a igreja a que horas?

Mercearia
A Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, méme no sito adonde 'tá, passa quái desapercebida...

- Olhe, 'tã pensando aí das três im diante já ter aquilo aberto. Mái o compadre, qu'rendo panhar lugar sentado, nã há nada c'm' ir um coisinho mái cedo, qu' a igreja é pequenina, c'm' vomecêa sabe, e, aquilo, im menes de nada, 'tã os bancos tôd's chêos de famila.

- Ê cá munto cedo nã dô ido, qu' ê tenho um servicinho a fazer ali p' às bandas dos Casás e, atão, tamém 'tô às tenças de c'm' as coisas me correrem. A minha Maria é que nã gosta lá munto de 'tar d' em pé. Ela que vá mái cedo, s' ê nã 'tar despachado...

- Pôs atão...

- Más ê cá tamém nã tenho míngua de tirar o lugar a quem tem mái precisão dele... Qu' ele há-de par'cer lá munta famila com mái idade, que nã podem 'tar d' em pé.

E assim foi.

Mái teve graça qu' ê, no dia da festa, até que me despachí l'gêro, dé-me bem tempo p'a ir a casa jogar uma chapada d' água p'r à cara, vestir p' ali uns trapos menes labuçados e abalar com a minha Maria - qu' ela nã perde coisas dessas - caminho do Pé da Cruz.

Inda ele nã tinham batido as três da tarde já a gente lá 'tava a chigar à porta da igreja. A minha Maria dé logo com a c'madre Daniela, a filha - a Carmelita, qu' é nossa af'lhada - e o resto da famila toda, pronto, já nã na vi más.

'Tá bem qu' ê cá, tamém, inda 'tava ali à porta ramoendo s' havera d' antrar ó não, e, nesse entrementes do antro nã antro, parêce-me ver o Chico Arvela debaxo da tilêra que 'tá logo ali im frente, panhando sombra, qu' o sol 'tava quente c'm' um raça.

Copos de aferir
Lá drento tem este lindo altar. E pôco más...

Ora, nã foi tarde nem foi cedo... Assim qu' ele me vê tamém, brada logo p'r mim:

- Ó ti Refóias, ande cá aqui!...

- O qu' é que tu queres, Chico?... Nã vês que tenho qu' antrar p' à missa?!...

Isto era ê cá a fazer-me de novas, que mái sabia ê qu' aquilo era caso p' à gente se ir molhar as goélas e palear um pôcachinho inq'onto nã se fazia a hora da missa. E inda faltava uma hora bem medida...

- Venha cá qu' inda falta munto p' à missa ... Nã tenha medo...

Lá atravessí a rua p' à banda de lá e vá uma tanganhada.

- Olhe lá, isto aqui 'tá-se do melhor, à fresquinha, qu' a tilêra dá uma sombra qu' é um incanto, mái e s' a gente fosse até ali à venda um pôcachinho?...

- Qual?

- A da ti Glóira... Quer d'zer, a qu' era dela, qu' ela, pobrezinha, já lá 'tá e que Dés a tenha im bom lugar.

- É verdade... Pobrezinha. E tã boa pessoa qu' ela era... Respêtadora e trabalhadêra. Atã, toca a andar. Más olha qu' ê nã quero faltar à missa...

- Tamém ê nã, ti Refóias. 'Tô aqui p'ra isso. Mái, c'm' nã sabia bem a que horas era, vinhe um coisinho mái cedo...

O que se foi fazer lá p'a drento já vomecêas tôd's sabem, nã vale a pena 'tar a contar, qu' aquilo, naqueles lugares, é semp'e a méma coisa, mái até que calhô bem que dé p'a se descansar um pôcachinho e bober umas coisinhas p'a ajudar à digestã.

Copos de aferir
Era caso p'a l'e darem uma caiadelazinha, que semp'e f'cava com ôtra cara...

Dé-se o caso qu', inda mal a gente nã tinha antrado, parêce logo o parente Cosme da Quinta. O homem, c'm' vai quái tôd's dias lá p' ô Algarve fazer a praça a Vila Nova e ôt's sitos, tem a mania que nã há nada qu' ele nã saiba e, tã penas l'e b'bemos um porrete cada um, desata a falar da igreja do Pé da Cruz:

- Mái atão, nã era caso p'a já terem caiado aquelas paredes, que 'tã num estado daqueles qu' até dá dó...

- D'zer a verdade, aquilo 'tá um coisinho p' ô desmazelado... - disse ê cá.

- E vomecêa vai à missa e põe lá alguma coisa de jêto no peditóiro qu' eles fazem?... - diz o Chico Arvela, que faz semp'e até presunção de pôr uma bela maquia na bolsinha do peditóiro, todas vezes que vai à missa.

- Ê tenho pôco vagar p'a essas coisas. Nã vê qu' o mê governo tem que se l'e diga?... O tempo nã me chega p'ra nada... E ali no Senhor do Pé da Cruz, atão, inda nunca antrí...

- No Senhor do Pé da Cruz?!... Tal é essa, han... Com qu' então, no Senhor do Pé da Cruz...

- Sa senhora, nunca antrí ali... Na calhô...

- 'Tá a ver, parente Refóias, nã vã lá e despôs, dizem estas patochadas... Nã é o Senhor do Pé da Cruz, é a Nossa Senhora do Pé da Cruz!...

- Pôs, é p' aí uma coisa dessas...

- Nã vê qu' isto representa a grande pàxão qu' a Nossa Senhora teve q'ondo tiraram o filho dela todo insanguentado da cruz - e já morto, pobrezinho - e ela l'e pegô?!... Vá lá drento e veja a imaja...

- 'Tá bem, ê logo lá vô um destes dias... Mái tamém l'e digo uma coisa, que mecêa nã sabe...

- Pode ser que sim...

- Aquela igreja já é munto antiga, mái eles, aí há uns anos, qu' o mê pai bem me contava, mudaram aquilo tudo qu' ela nem parêce a méma. E se nã acradita, vá lá ô site da Junta de Freguesia qu' eles prantaram um retrato d' há muntos anos, lá na Fototeca deles, e vê-se logo qu' ela 'tá d'f'rente.

Copo de aferir
Esta laja 'tá colada na parede da frente, pôsta p'r o que mandô fazer a Igreja.

- Aí, dô-l'e toda a r'zão, que lá disso nã conheço...

- E há p'r 'í um blog que tamém já pôs esse mémo dito retrato. É o Monscicus.

- E o qu' é qu' ela tem agora que nã t'vesse nesse tempo?

- Aquilo, a porta , as janelas e méme o telhado... a coisa nã bate munto certo...

E dig'-l' ê cá munto limpêro, cudando que fazia uma grande figura:

- Mái a laja na parede da frente, essa nã nega... Foi fêta im 1680 e o homem ch'mava-se Afonso Anes...

Qu' ê tinha olhado p'ra lá, q'ondo chiguí, e f'cô-me aquilo na cabeça...

- Olhe, méme essa ê já hôve quem me d'zesse que sabe-se lá...

- Punhana!... que vocêa 'tá semp'e a desconversar... Olhe, ê cá, acradito naquilo e pronto...

- Faça c'm' qu'rer, más olhe qu', isto, hoje im dia, já nã se pode crer nem no qu' os nossos olhos vêem... Nã vê o mintiredo que vai aí tôd's dias na tel'visão e nisso tudo...

- Olhe lá, vamos lá mudar de conversa... Nã tem aí uma faquinha que m' impreste, p' a ê cá desbrugar um pero qu' ê tenho aqui na alsebêra? É que desqueci-me da minha im casa, ô mudar de calças.

- Tenho, sa senhora. Aqui 'tá ela... e, cudado, qu' ela corta que nem uma lanceta... Nã vê, pega aqui na unha qu' até dá gosto...

E lá se pôs a passar com o gume da faca p'r a unha do dedo grande p' à gente ver qu' ela pegava bem. E pegava, home...

De manêras que, lá esbruguí o pero p'a se tapar mái uma rodadinha qu' o mê amigo Chico já tinha mandado vir e, com aquilo tudo, eram horas da missa.

Copos de aferir
No dia de Vera Cruz, o altar é aconchigado e põem-l'e umas florinhas...

E p'r qui me fico, que fartos já vomecêas 'tão de tanto palêo.

Calhando a qu'rerem ver mái um retrato ó dôs da Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, já sabem, é só acalcar aqui na galeria dela.

E tenham p'r 'í munta saúde.

06 junho 2007

A Mercêria

Mercearia
Mercêrias destas já quái que nã há p'r 'í nenhuma...

Mercêrias destas já é d' adregue se ver alguma, mái ê cá sê muntíssemo de bem adond' é que fica esta. E, atão, alembrí-me de l'es falar dela premode uma coisa. D'zer a verdade, ele é até mái do que uma, qu' isto coisas d' ôt's temp's têm semp'e munto p'a contar.

Olhe, a pr'mêra é logo qu' a m'lherzinha qu' era a dona dela já cá nã 'tá - Dés a tenha im bom lugar - e foi semp'e do mái mê amigo que possa ser, no bom tratar, 'tá bom de ver. E cá o Parente f'cô-l'e a dever muntas obrigaçõs e nunca l'e sai da mimóira.

Se nã fosse ela, hoje nã l'e dava apresentado aqui, tanto se faz a balança c'm' os cop's d' af'rir, que foi ela qu' os comprô e os dêxô cá, ac'm'dados drento dum cestinho de verga que já tem uns belos anos. Invernizadinho e tudo.

Pôs atão, repáirem bem nesta balança...

Nã sê os anos que tem. Mái que tem muntos, é certo e sabido. P'a tirar temas, só é preciso olhar p'ra ela com olhos de ver... Inda, ontordia, se falô no caso. 'Tava ê cá mái o parente Cosme, ali na venda, a se b'ber uns solvinhos, qu' ê tinha-l'e vendido umas bejoarias p'a ele levar p' à praça e, tã penas voltô, vi-me e vêo-me logo pagar.

De manêras que, 'tava-se cá fazendo as nossas contas, assim ali àquele cantinho da venda ô pé da porta da mercêria, cada qual com o sê calcesinho dela na mão - um mosquitinho, que dos grandes nã pode ser premode eles, qu' andam aí semp'e na estrada à cata disso...

Mercearia
Seja adonde seja, tamém já nã se veêm muntas balanças destas, nã senhora...

Nisto, o parente Cosme da Quinta, põe-se a olhar, munto emprensado, p'a drento da mercêria, p'r a fresta da porta, que 'tava só incostada. C'm' o homem nã tirava os olhos de lá e ê nã via nada, que 'tava de costas, tive que l'e prècurar:

- Parente, mái atão o qu' é que 'tá p' aí a lombrigar, que pôs os olhos àlém p'a drento nunca más olhô p'a mái banda nenhuma?...

- Cale-se aí, parente, 'tô a ver ali uma coisa que já nã via faz bem munto tempo. E, calhando, já nã há mercêria denhuma cá im Monchique que tenha daquilo.

- O qu' é que sará que vomecêa lombrigô p' aí...

- Atã nã vê aquela balança ali?!... Aquilo é coisa que já nã se usa... Ê cá, p'r menes, p'r donde tenho andado - e mecêa sabe qu' ê vô-me a bem munto lado - nunca vi tal coisa...

- Atã, mái nôt's temp's, era o que havia. E nem tõd's tinham...

- Eh'q, mái aquilo, agora, já nã serve de nada... Há-de 'tar ali só p' à famila ver. E coisas daquelas já nã hã-de ser de lê. Inda eles panham alguma murta de terem aquilo ali...

- O quem?!... Nã é de lê?... Ai nã é de lê... Inda nã sê q'ondo, ê vi o af'ridor 'tar ali a fazer exp'rimentaçõs com ela a ver se 'tava certa...

- E 'tava?

- Se 'tava ó se nã 'tava, nã sê, mái qu' ele, ô fim, pegô num pontêralho e num martelo que trazia e pôs-l'e a marca ali naquele selo de chumbo, isso pôs.

- Sará o qu' eles l'e chamam o cunho?...

- Calhando... Más, ê sê pôco disso. É uma marca im c'm' foi 'speccionada. O que vi foi ele, a seguir, vir cá p'ra fora, passar um papel e arreceber nã q'ontos eros foi.

- Ah, atã assim, 'tá legal e pode pesar à vontade... Qu' isso aí, ê conheço qu' é assim.

E dig'-l'es, já fui deslindar bem o caso e a balancinha 'tá a foncionar do melhor e pode pesar tudo o que seja preciso que tem l'cença p'ra isso. E inda pede meças às qu' eles, agora, têm pr' aí, daquelas que parêcem um comp'tador...

Copos de aferir
Um é o maior de tôd's, leva um litro. O ôtr', o mái piquenalho, leva das cem partes uma...

- Parente Cosme, más inda l'e digo ôtra.

- Olhe lá, nã se desqueça do que 'tava d'zendo, mái entes disso, nã saria melhor a gente l'e beber mái um calcesinho cada um?

- Calhando, até se b'bia... Isto 'tá quái na hora da bucha e semp'e ajuda a abrir o apetite. Que fastio é coisa qu' ê cá nã tenho, mái vã lá...

- Ó minha senhora, ponha lá aí mái dôs, fazendo favor...

- Dos piquenalhos!...

- Mái, inda voltando à conversa, o qu' é que vomecêa ia d'zendo?..

- Ah, é verdade... Ia-l'e ê cá d'zer qu' a antiga dona desta casa - que Dés tem - uma ocasião, amostrô-me uns cop's qu' ela tinha ali - coisa bonita!... - tôd's cada qual da su medida.

- E p'a qu' é qu' ela qu'ria isso, home?

- Aquilo des qu' era obrigatóiro ter nestas casas... Tinham que ter désna do maior, que levava o litro, até ô mái pequeno, que levava das cem partes uma!...

- Ah, um centilitro...

- Sa senhora, era isso. Mandavam-nos vir lá da fábrica da Marinha Grande. Aquilo vinham tôd's com a su graduação marcada ali de lado e nã havia confusã denhuma. O que 'tava ali é que era... Que no vrido nã se dá fêto malandrice, nã l'e parêce?...

Copos de aferir
Désna do mái pequenalho até ô de litro, aí 'tã eles...

- Munto gostava ê cá de ver isso...

- Dêxe 'tar qu' ê logo peço aí à famila, um dia que se tenha os dôs vagar, qu' eles amostram isso à gente.

- Atã, veja lá isso, parente Refóias...

- 'Teja descansado qu' isso arrenja-se. Ê dô-me com esta famila já há bem muntos anos e eles nã se negam a uma coisa dessas.

- Olhe lá, às tensas disso, venha lá aí mái dôs...

- 'Pere aí parente... Atã inda ê cá nã bobi este...

- Se nã b'bé, b'besse... Vá, emborque-o lá qu' é p' à impregada o incher ôtra vez...

- Isto nã sará demás?... Olhe qu' ê cá inda tenho uns servicinhos a fazer, esta tarde...

- Nã tenha medo que nã perde o serviço... E esta tamém é fraquinha... Já sabe qu' eles, nas vendas, eles usam a baptizá-la com um coisinho d' água...

- Ê sê cá... Ela, béque-me, já me 'tá é a chigar aqui à cabeça...

- Isso é premode vomecêa 'tar de barriga vazia. Em l'e metendo uma buchazinha, fica que nem dá p'r ela...

- Isso é o que mecêa diz, mái quem é que vai p'r mim regar uma tãincada d' água qu' ê tenho ali na presa...

- Ó homem, nã l'e dê cudados... Isso, mecêa chega ali num pôcachinho, tira-l'e o tempadroiro, dêx'- à de tornêrada, im que 'stantes rega mêa-dúiza de quadras...

- Ai, mêa-dúiza... Aquilo tem munta água... Dá-me p'a regar alguns dôs cantêros...

- Olhe lá, desvia-se metade da água, inq'onto vocêa rega o de cima ê rego o debaxo.

- Essa conversa já nã tem munto jêto... Atã nã vê que, méme de pancada, nã vem água que dê p'a dôs ô méme tempo...

- Nã dá o quem!...

- E inda tem más ôtra, ê cá gosto de regar a minha manêra, com pôca água qu' é p'a ela nã me levar a terra toda dos quebradoiras e incher bem as casêras. Fica p' a ôt'a ocasião...

E, lá se foi, lá se foi, f'camos assim combinados, despedim's-se e cada qual desandô p'a sê lado.

Copo de aferir
Vejam lá s' eles sã ó nã sã de lê... Tôd's têm a marca...

Mái, c'm' ê cá tinha p' aqui estes retratos, dé-me p'ra l'os amostrar a vomecêas e, atão, é o que 'tô a fazer. Qu' ô mê parente Cosme que nã tem comp'tador, logo peço lá à famila ó, atão, trague-o aqui à minha casa, tã penas possa ser.

Come-se-l'e aí um coisinho de chôriça, ó coisa assim, inceta-se um garrafanito dum casêrinho qu' o mê amigo Hortêncio me dé, a semana passada - ele trôxe-me dôs, más um já envaziô dum todo - e amostro-l'e esta coisa da internet, qu' o homem tamém há-de gostar de ver isto aqui.

E é, calhando, o mái certo qu' ê vô-me fazer.

Nã era p'a prantar aqui o tal cestinho de verga da senhora Celize, qu' os copos vêem-se mal premode o imbrulho, mái pus-me a olhar bem p'ra ele e dé-me assim, béque-me, remôrsos daqueles tempos qu' ela era viva e os punha ali tã bem ac'm'dadinhos, imbrulhados im papel, e nunca se partia nenhum. E olhem que eles sã uma dúiza...

E ela, qu' há-de 'tar lá im cimba a ver isto tudo, tamém há-de f'car contente da gente s' alembrar e ter sôidades de q'ondo ela cá 'tava p'r este mundo.

Passe bem, minha bela amiga e Dés l'e pague.

Copos de aferir
A dona estimô-os cinquenta anos. E dêxô-os ac'm'dados neste lindo cestinho de verga...

E pr'a vomecês tôd's, fiquem-se na paz e até qu' a gente se veja.