29 janeiro 2007

Coisas de Morteporque - 1ª pagela

Uma bucha de coiratos e cachola Inq'onto a assadura nã 'tava pronta, c'mia-se uma bucha de cachola e coirat's.

Vô-l'es falar dum c'stume qu' é do mái antigo e emportante que se tem p'r cá. Mái tamém l'es digo qu' é bem munto descontrafêto que faço tal coisa. E o perquem dexplic'-l'e ê cá já, qu' é coisa que nã gosto é de vacas incoiradas...

Toda a vida, a famila cá da serra usô a matar um p'rquinho p' ô gasto da casa. Era, quái sempre, um cevanito que levava um ano bem medido a ingordar com aquilo que s' apurava na fazenda e mái umas coisalhas.

Olhem, o bicho, nã sendo de má-boca, c'mia de tudo. E em sendo de má-boca ajuntava-se com um que c'messe de tudo, nã se l'e dava mái nada a nã ser o qu' ele nã gostava e, im menes de nada, ele desatava a c'mer de tudo.

Désna de rama de fava às lavaduras, logo no prencíp'o, das amêxas ó peros às abób'ras, lá p' às bandas do V'rão, e das batatas-doces cozidas e esmigalhadas com farelos até à lãinda e milho, já no tarde, q'ond' ele já 'tava de mêas-carnes p'ra diante, tudo servia p' ô bicho pôr peso e dar carne boa e gostosa. E ôt'as coisas que nã adianta 'tar aqui a alomear.

E, em chigando o mês da Festa, ó ali a seguir ô Ano Bom, marcava-se um sáb'do que desse boa matação, convindava-se a famila e amig's, e fazia-se a morteporque. Calhando, a melhor festa que se tinha im tod' ô ano. Calhando não, era mái que certo...

Presuntos para salgarFolha de toucinho No sigundo dia, já o pórco 'tá desmanchado.

Pôs agora, mês amig's, se qu'rerem matar um pórco - e quem diz um pórco, diz ôt' bicho, qualquer qu' ele seja - têm qu' o levar vivo ô matadoiro... Arrenjem uma camineta p'a carregar gado vivo e levem-no a Lòlé. Mái nã se desqueçam de marcar a consulta com tempo que semp'e sã uns sassenta quilóm'tr's ó más e, se nã terem marcação, voltam p'a trás...

Despôs deles o matarem lá - im condiçõs munto mái ruins do qu' a gente sabe fazer aqui, qu' até o deventre l' arrebentam, as más das vezes - arrenjem ôtra camineta p'a carregar carne, daquelas figoríf'cas, que nã pode vir dôtra manêra p'r 'í afora. E paguem a conta qu' eles l' apresentarem, que, com mintira e tudo, vai-se logo o valor do pórco quái todo...

E, atão, o qu' é qu' a famila tem que fazer? O méme que fazia, nôt's tempos. É proibido, mái matam na méma im casa c'm' se nã fosse nada... E vai tudo correndo assim, neste fingemento, até que algum pague p'r os ôt's tôd's. Atã, nã é?

Vejam lá bem:

Os políticos fazeram a lê e agora fazem de conta que nã sabem de nada e nã têm nada a ver com o assunto.

Eles, a guarda, andam p'r 'í, mái fazem de conta que nã ôvem os pórcos gornir q'ondo os 'tã a matar. Senã tinha qu' ir lá adonde se 'tá fazer tal serviço, t'má conta daquilo tudo e murtar a famila.

Esses dos tribuná's e do estado tamém 'tã fartos de saber disso tudo e, parte deles, des que tamém fazem c'm' os ôtr's e vã a morteporques e tudo.

E s' a gente fosse falar aqui da estila de madronho e ôtras coisas má's, é tudo a méma desgraça.

Olha que esta, han?!.. É qu' uma pessoa, parte das vezes, nem tã pôco sabe o qu' é qu' há-de fazer...

Bom, mái esta conversa toda p'a d'zer qu' aqui na serra inda se fazem morteporques, seja ele proibido ó não. É o qu' ê tenho ôvisto p' aí d'zer... qu' ê cá nã sê nada disso...

E, atã, c'm' nã sê nada disso, vô-l'es contar só um coisinho duma morteporque qu' ê cá e a minha Maria se foi uma vez - nã foi no Sáb'do e D'mingo passados, foi já há uma pr'çada d' anos, q'ondo inda nã havia esta lê, 'tã a comprender?... Olhem que nã foi no Sáb'do e D'mingo passados... Mái se nã qu'rerem crer, isso com vomecêas...

De manêras que, no sigundo dia, já o pórco 'tá desmanchado, as m'lheres fazem os mólhes e as morcelas. Pr'mêro, os mólhes, despôs, as morcelas e morcelas de farinha.

Carne de assaduraAssadura E há semp' uns amigos bons que nã s' emportam de fazer bem ôs ôtr's...

Mái, inq'onto isso, há semp' um amigo bom ó dôs, com orde dos donos da casa, 'tá bom de ver, que se resolvem a acender o fogo e assar uns belos pedaços de carne magra p'a se c'mer uma assadura. Que tanto se pode c'mer logo im cimba dum pedaço de pão, assim que se tira das brasas, c'm' migada im pedacinhos p'a drento dum prato, com salsa, azête e alhos.

Nesse tal D'mingo - d' há muntos anos... - assim se deu. Puseram uma mêzinha na rua, pão coiratos, zêtonas e cachola que sobrô de Sáb'do - 'tava tã boa qu' até se lembiam tôd's... - e uma garrafinha de vinho, mái p' a enfêtar qu' ôtra coisa, im cimba da mesa.

Sim, qu' o amigo Tóino Arraúl, assim c'm' quem nã quer a coisa, apresenta-se com um garrafanito de plástico de cinco litros e acaçapa-o ali à ponta da mesa sem d'zer nada a ninguém. Ora, f'cô logo tudo de pulga na orelha a olharem p' àquilo, que lá drento 'tava uma coisa assim pôco mái que cor-de-rosa.

Diz logo o Chico Arvela, que nã é moço de conter:

- Atão, foste ô pitrol? Nã tens elecsidade lá im casa?... Ó isso é alguma coisa que se beba?...

- Um belo pitrolêro me saíste tu, cã danado... 'Tás semp' a fazer pôrra, tamém agora nã no há-des provar que te barimbas!...

Já tôd's se tinha visto qu' aquilo era as provas dum vinho moranguêro qu' ele tôd's anos faz das uvas duma parrêra qu' ele tem p'a lá p' ô pé da casa. E, p'r mode, sabe fazer aquilo bem e tem presunção em apresentá-lo im qualquer banda adonde vai c'mer.

- Ah, nã provo não, qu' ê cá nã 'tô p'a me dar aí alguma soltura s' emborcar um veneno desses p' ô bucho. Cudas qu' ê 'tô parvo ó quem?!... Tenho alguma falta disso, s' o patrão da casa tem aí vinho bom im condiçõs...

- E ê cá tamém não. Nã toco im tal peste...

Diz o Pedro Raspinga, já com um copo chêo nas mãs, qu' ele tinha despejado do garrafão sem o Tóino ver, inq'onto ele dava réplas ô Chico Arvela. E põe-o à boca, bebe-o todo duma assentada, pisca-me o olho, desata a fazer caretas e a fazer que cuspia p' ô chão e diz p' ô Tóino Arraúl:

- Méme assim, quim perde tempo a fazer uma porra destas, inda l'e gabo o gosto... Ist' é pior que bober vinagre. Munto pior...

Diz-l' o João da Chã:

- Nã ôves, põe-me lá aqui só uma pinguinha p' a provar a ver s' é verdade o qu' eles dizem...

E o Abíl'o Pastana:

-S' isso é assim, vô tamém prová-l'o. Se me dá p' aí alguma ralêra é qu' há-de ser bonito...

E, dum em um, lá se foi tôd's inchendo o copo e dando-l'e a pr'mêra arrencada. Ora, aquilo, acompanhado com aquela carninha a sair ali das brasas, punhana!, corria p'as goélas abaxo que nem se sentia... Era quem mái despejava copos...

Mái tôd's l'e punham petafes qu' era p'a ver se faziam marafar o Tóino. E, d'zer a verdade, inda hôve ali uma ocasião que quái que l' ia chigando o sãingue às ventas, mái desatô tudo a rir e ele, béque-me, teve quái vergonha, enrolô um coisinho, b'bél'e tamém uma golada e trocô-l'e as voltas.

Tacho de Arame ou das MorcelasTacho de Arame ou das Morcelas Naquilo, já as m'lheres 'tavam a fazer os preparos p' ôs mólhes e p' às morcelas...

O qu' ê sê d'zer é que aquilo foi um vê se t' avias, im menes de nada, já o garrafão ia do mê p'ra baxo. Pensí:

- Bom, isto, o melhor é a gente l'e passar a mã p'lo pelo, a ver s' ele inda vai más é b'scar ôtro garrafanito de pitrol...

Do mémo s' alembrô o Arvela, que, já desquecido do que tinha charolado antes, se volta p' ô Arraúl:

- S' ê cá fosse a ti, ia más era b'scar ôtr' garrafanito p' amostrar aí a esta malta quem é que sabe fazer vinho...

- Ai, agora, já dobraste a língua?!... Com qu' então, queres mái um garrafanito... Vai b'scar do teu... qu' há-des ter lá munto bom, assim c'm' o que corre ali da bica da fonte, que nã fazeste nenhum... Da minha casa é que já nã vem pr' aqui mái nenhum hoje... Ah, isso não...

- Ó Tóino, dêx' ô falar... Nã ligues... Vai, sim, b'scar ôt' garrafanito qu' eles têm 'tado p' aí na charola, mái isso é tudo da boca p'ra fora. Olha, falando ô sério, inda este enverno nã tinha provado pinga tã boa, se queres que te diga...

- Tamém tu, Refóias... Agora 'tás-me a qu'rer insampar com essa conversa, não?... Tamém fazeste algum? Ó nã tens coraja do apresentar?...

- Este ano bem sabes que nã fiz, mái se t'vesse fêto, tejas certo que trazia pr' aqui todo o que fosse preciso... ó p'a ôtr' lado adonde 't'vessem amigos bons c'm' estes qu' aqui 'tão...

Nisto, salta a C'mad' Olália lá de drento de casa, num grande cagaçal, sem saber de nada do que se passava cá na rua:

- Mái atão, que garrafã é este que 'tava ali incostado à parede, p'r trás daquela cadêra d' atabúa?... Fui puxar a cadêra p'a m' assentar, vejo um garrafão, béque-me com petrol, a andar de raboleta, panhí cá uma rabana... Se calha a ser de vrido, tal era isto, tinha-se fêto im cacos...

- Ó mana, tem conta com ele, nã no dêxes derramar, qu' isso é um garafanito de vinho qu' ê cá gôrdí aí p'a mái logo, senã estes marafados despachavam-no inda entes da cêa...

O marafado do Tóino Arraúl, qu' é mano da c'mad' Olália, tinha lá más um garrafão de pitrol, nã d'zia a ninguém e inda 'tava a judear com a gente, fêto cão...

Só l'es digo qu' aquilo foi mái uma paróida das grandes e, toda a tarde e nôte, nã faltô vinho moranguêro do Tóino, qu' é um amigo do melhor que pode ser e haver.

Mái, nesse mê tempo, já as m'lheres 'tavam a fazer os preparos p'a incher os molhes e as morcelas, e ê cá tive d' abalar p' ô pé delas a ver se dava tirado uns dôs ó três retratos. S' acuaso eles nã prestarem, nã é só o f'tógrafo qu' é ruim, foi tamém o moranguêro do Tóino que me fez a parte, qu' ele tinha perto duns catorze...

Panela de couve Ô chigar ô pé delas, já tinham uma panelada de côve ô fogo p' a se c'mer à cêa...

E, dessa manêra, c'm' nã há vagar p'ra má's, logo l'es conto o resto assim que possa ser.

Dés l'es dê saúde.

22 janeiro 2007

A costa d' Al'zur é uma lindeza...

Zambujeira do Mar A costa d' Al'zur, désna de Sagres até nã sê adonde, é do mái bonita que pode haver im mar...

Naquela vez qu' ê dêxí o tal amigo a gràdear lá à antrada d' Al'zur, nã foi qu' ê cá 't'vesse num correpio de vir p'ra casa, nã cudem, qu' aquilo inda era de manhã. Ê 'tava era às tenças de quem me levô, a mim e à minha Maria, a dar um passêo ali p' àquelas bandas e mái pralàzinho p' à rés do mar.

Qu' ê bem que gostava de 'tar lá mái um coisinho no palêo com o homenzinho, qu' ele bom amigo era, e semp'e l'e tirava lá mái uns três ó quatro retratos. Mái, quem anda às tenças tem que s' assujêtar, e nã me calhava nada f'car im terra inq'onto a minha Maria e as amigas dela desandavam sabe-se lá p' àdonde. Qu' elas é que levavam a gente no carrinho duma.

Cudava ê cá qu' elas haveram d' ir à Praia da Amorêra ó ôs Montes Clérig's ó à Arrifana e se voltava p'a casa q'ondo calhando, p'a se fazer p' aqui um dec'merzinho dos qu' a minha Maria sabe fazer e incher-se a barriguinha ô consoante.

Pôs, 'tava munto bem inganado. Tã penas se chigô ô canto de baxo da Igreja Nova, a Zèlinha, qu' era quem guiava o carro, vira p' à d'rêta, passa o encruzamento da Praia de Amorêra e desata a andar p'r a estrada d' Odemira adiente. A minha Maria, que vai semp' d' olho à esprêta - ela, méme q'ondo se dêxa dromir no carro, vai semp'e a caçar ratos... - salta logo:

- Mái atã, p'a donde é qu' levas gente a gente?!... Cudava que s' ia aqui à Amorêra...

- Nã. Hoje vai-se a um sito inda mái bonito. Às Azenhas do Mar. E, s' haver tempo, tamém se pode a ôtras bandas qu' ê fui à bomba e inchi o carro de gasolina. Calhando, à Zabujêra ó Vila Nova de Mil Fontes...

- Munto bem me calhô essa conversa. S' há coisa qu' ê gosto é de dar passêos, e q'onto maiores melhor... Maria, Dêxaste os bichos presos?

- Dêxí sim, homem. Atã ia dêxar as galinhas soltas p'a ir lá alguma zôrra ó algum escalavardo e c'mê-las?!... Ele até des que tem andado p'a lá uma dóininha, que já, ontordia, matô nã sê q'ontas à ti 'Zabel T'mé... E méme os cãs nã tinham nada im m' ir ôs ovos, s' elas puserem alguns.

Azenhas do Mar A famila de Monchique usa munto a ir às Azenhas do Mar. Come-se lá um p'xinho...

'Tava-se nesta conversa, passa-se ô Rogil, alembrí-me duma parte que se lá com-migo faz coisa duns dôs p'a três anos. Tive preciso de comprar umas alcagóitas p'a semente - inda ê cá tenho aqui uma manchéca das filhas delas - e d'zeram-me que ele havia lá um homenzinho que vendia disso.

De manêras que, apr'vêtí um dia qu' o mê amigo Mané C'stóido teve qu' ir a Odecêxe e fui com ele. 'Tá bom de ver qu' as m'lheres foram tamém... Ora c'm' à gente nã se sabia adonde o homem das alcagóitas morava, lá foram elas à prègunta dele e ê e o Manel f'cô-se no carro.

Más, aquilo, passô-se tempo e tempo e elas nunca mái 'par'ciam. O Manel, o más qu' ele s' emportava era com isso, agora ê cá já me 'tava a fazer espéce. Digo p'ra mim:

- Nã... Isto pr aqui há gato... Dêxa-me más é ir ver o qu' é que passa.

E abalí. Nesse mê tempo, já o Manel dromia espaldêrado no banco do carro, com a cabeça incostada o vrido da porta e um braço pindurado até à capacha do carro.

Vô-me andando ali prê adiante, aquilo era D'mingo, 'tava tudo fechado. Já ia chigando quái à ôt'a ponta, dí de frente com uma m'lherzinha, assim baxinha, imbrulhada num xale preto - nã sê p'ra quem qu' aquilo já era à tardinha mái tinha 'tado um dia soàlhêro ô bem fêto - dig'-l'e:

- 'Teja com Dés. Vomecêa nã sabe adonde é que mora aí um homem que vende alcagóitas?

- Sê, sa senhora. Olhe, é logo ali. Nã vê além aquela porta? É logo na ôtra a seguir.

- E nã vi aí duas m'lheres, assim, que nã sejam de cá?

- Ê ver nã vi, mái ô passar àlém ô portão do armazém adonde o homem guarda as alcagóitas, ôvi p'a lá um ôrio, umas carcachadas e era, béque-me, vozes de m'lheres...

- Ah, atão, nã diga mái nada qu' ê já sê onde 'tô. Dés l'e pague e até ôtro dia.

- Vá com Dés.

Desalvoro d'rêto ô dito portão - a m'lherzinha até f'cô a olhar p'ra mim... - aquilo era umas carcachadas qu' ô longe já s' ôviam e de que manêra... E o portão 'tava quái incostado. O que faria se 't'vesse tôd' aberto...

Ponho-me à escuta, atã nã é qu' o saganheta do velho, méme já quái com uns oitenta anos, 'tava a 'pertar com elas que nem l'es digo?... A brincar, isso sabe-se. Mài a brincar, a brincar... Nunca fiando...

De manêras que, antrí, o escamungado diz logo:

- Olha, aí vem ôtro freguês... Já tinha aqui duas moças tã jêtosas, agora antra um moçobem-par'cido...

- Um moço?!... Atã ê sô quái da su idade... E aí a minha Maria 'tá na méma.

- Ai vomecêa é casado aqui com esta menina?!... Ai que belo gosto que teve... S' ê voltasse a ser novo, era uma assim, bonita c'mo esta qu' ê cá acareava...

A minha Maria até inchô...

- Se vomecêa t'vesse qu' a gramar tôd's dias, logo via...

- Cala-te, cala-te... que, se nã fosse ê cá, c'm' é que tu te vias?... O que saria de ti...

Diz logo a minha Maria, c'm' quem 'tá munto ofendida, toda embêçada p'r mode o qu' o rai' do velho tinha dito delas - melhor qu' ê cá, sabem vomecêas munto bem qu' elas querem é qu' um qualquer l'e diga qu' elas sã munto jêtosas, novas, magrinhas e p'r 'í adiante...

E, despôs do velhote judear lá mái um belo pôco com a gente e a gente com ele - que l'e ferramos bem o dente im tudo o qu' ele tinha lá que fosse bom p'a c'mer - comprí-l'e dôs quilos d' alcagóitas e umas batatinhas-doces e nã sê más o quem.

Más olhem qu' as alcagóitas eram boa q'ôlideza. Sami-í-as e prod'ziram munt'ss'mo de bem. E g'stosas qu' elas são... C'm' já disse, inda ê cá tenho p' ali umas três ó quatro p' à semente, drento duma alcofinha. Mái este ano 'tô com pôca vontade d' as samear, qu' aquilo é uma sementêra que quer munta água e ela há pôca.

Mái dêxamos isso da mão e vamos más é ô passêo com a Zèlinha e Florbela.

Aquilo foi um foguete já se tinha dêxado o Odecêxe p'a trás e 'tava-se a chigar às Azenhas do Mar. Nã sê se vomecêas conhêcem. Aquilo nã tem nada que ver im casas que sã bem pôcas, mái com respêto ô resto, tudo p' ô lado do mar, tem umas vistas...

E se qu'rerem c'mer um p'xinho 'panhado méme p'r 'lí, 'tá lá uma casa que nã conheço melhor. Pode haver igual... mái, melhor, calhando, não.

Nã é que se tenha c'mido lá dessa vez, que dali inda se foi p' à Zamb'jêra - ôt' sito do mái bonito que pode ser e haver - e inda era cedo demás p'a se c'mer fosse o que fosse. Mái b'bé-se-l'e um calcesinho - ê cá qu'ria madronho, más c'm' nã havia do bom, bobí o méme que elas, um martine, uma coisa assim p' ô doce - p'a ninguém ter fastio ô almoço.

E segui-se viaja p'a Vila Nova de Mil fontes.

Rio Mira Q'ondo dí p'r mim, 'tava a ver o sol a se pôr im riba da ponte do Ri' Mira

E, olhem, aquilo foi chigar e imbarcar... Dé-se lá com um sito, logo à rés do campismo, uma coisa tamém do melhor. Elas mandaram p' ali arrenjar um arroz com uns caranguejos lá drento e mái umas coisas assim, uma tachada bem acagulada, aquilo era de c'mer e nã pastanejar, que 'tava daqui...

P'a desembaçar, vem de lá um um v'nhito ali alentejano, daquele bem carregado, até estralava nas goélas... E o gosto qu' ele dêxava na boca duma pessoa?... E logo qu' a Zèlinha teve que bober laranjada p'r mode ser ela que guiava o carro. Atão, lá me calhô ter que apr'vêtar a parte que l'e d'zia respêto. P'a nã f'car lá, 'tá bom de ver... Pagava-se na méma...

Nã l'es digo nada, batemos aquilo tudo... até a m'lherzinha f'cô imbasbacada a olhar p' à gente:

- Mái atão, nã me digam que l'e trusse pôco... Se qu'rerem mái um coisinho, ê vô-me b'scar...

- Qual o quem!... Chigô muntíss'mo de bem... Ê cá já nã dô ingolido mái coisíss'ma nenhuma, que já tenho uma bazelgada... E vomecêas?

- Alguma vez?!... Já 'tô tã chêa que nã aguento más. - Clamava a Florbela.

- Nem tanto ê havera de ter c'mido qu' ingordo logo... - D'zia a Zèlinha.

E a minha Maria:

- Ê cá, atão, nã ligo a essas coisas das adiatas, mái, d'zer a verdade, já nã posso más...

Isto tudo no mê dum lanedo qu' até a famila - os que tinham chigado despôs da gente e inda nã se tinham ido imbora - 'tava tudo espècado a olhar p' à nossa mesa. Calhando, a ch'mar serrenhos à gente, mái a gente, tamém, nã s' emporta nada... Chamem ó não!...

Mái, lá foi, lá foi, fomos imbora e andô-se p'r lá a desmoer o almoço ô pé da praia. Ê tirava retratos, elas faziam cagaçal e d'ziam das suas das amigas que nã 'tavam lá, e lá se foi devassando aquilo tudo. E bonita que tal terra é...

Nã ôvem, é qu' aquilo tem o mar, tem o rio, tem a praia, tem aquela ponte... dá gosto passar assim ali uma tarde dum lado p' ô ôtro. E passa-se depressa, que, logo, uma pessoa despàirêce, e, despôs, os dias, agora, sã pequenos de más.

O que l'e sê d'zer é que, q'ondo dí p'r mim, 'tava im riba da ponte do Ri' Mira a ver o sol a se pôr. F'quí insampado... E vomecêas haveram de ver tamém, que logo me d'ziam...

Pôs, de lá é que nã hôve quem m' arrencasse inq'onto nã escureceu. Chigô ali a uma altura qu' elas bem arrulhavam p'r mim, mái t'vessem santa pacência qu' ê tinha qu' apr'vêtar aquilo bem apr'vêtadinho...

Ora vejam lá se tenho r'zão ó nã tenho...

Rio Mira Rio MiraRio MiraRio Mira Ô sol-pôsto no Ri' Mira até parêce que se 'tá nôt' mundo...

Mái nã se fiem nos retratos e, uma vez que tenham jêto, vejam é lá no sito que logo sabem o qu' é bonito...

E fiquem-se com Dés.

16 janeiro 2007

Im Al'zur inda se gràdêa a terra

Gradeando a terra Com Al'zur já à vista, dí com este amigo bom a gradear um pedaço de terra p'a samear favas.

Ontordia, fui ali p' àquelas bandas d' Al'zur, qu' é uns sitos qu' ê cá gosto ô bem fêto. Nã vêem, a famila de lá é quái c'm' à gente aqui, qu' aquilo, a bem d'zer, é méme ô fim da decida da serra, passando ali ô Marmelete, p'a poente, e eles lidam na terra tal e qual c'm' à gente usa aqui.

E olhem qu' inda têm p'r 'lém umas varjas que pr'duzem que, p'ro jêto, paga bem a jorna. Com respêto atão a batatinha-doce, nã há melhor qu' àquilo... E, falando de blancias e alcagóitas, s' a gente prècurar désna de lá até ô Odecêxe, atravessando ali prê adiante p'r o R'gil e Mari' Vinagre, têm semp' coisa de pr'mêra...

Mái c'm' ê cá ia d'zendo, fui p' ali p' àquelas bandas e dí com uma coisa que já nã via há um belo tempo. Andava um amigo de lá a gradear um pedaço de terra qu' ele já tinha lavrado, p'a tapar umas favas, qu' a estas horas, calhando, já têm flor. E tudo à moda antiga.

Lá tinha o sê carrinho-de-besta dele, a mula e a grade de madêra. A charrua é que havera de 'tar gôrdada im casa qu' o homem já tinha lavrado a terra tempos antes. Já se vê que nã dí passado sim meter conversa com ele. Más a más qu' o homem via-se logo que nã s' emportava com isso, que tinha cara de boa pessoa.

E méme a besta, uma mula bem apresentada, um coisinho mái p' ô magro que p' ô gordo, - o dono, tamém, nã l'e podia dar as favas todas de r'ção que tinha qu' as samear... - nã l'e par'cé nada mal um coisinho de palêo do dono qu' assim semp' descansô um belo pôco. Más a más que l' andavam p' ali umas moscas cavalares a picar p'r tudo q'onto era sito e, assim, semp'e l'e jogô um fiaço com os dentes...

Gradeando a terra A pobrezinha da mula nã emportô nada qu' a gente f'casse um coisinho no palêo...

Ê bem l'es gostava de d'zer a conversa toda qu' ê cá tive com aquele amigo, mái c'm' já se passaram uns belos dias, qu' é c'm' quem diz uns dôs meses ó três, e nã t'mí nenhum apontamento, que papel e láp's, naquela altura, vist-los, já nã m' alembra bem de tudo.

Atão, o mái que posso fazer é l'es contar as que m' alembro e engeròcar p' aqui ôtras tantas, qu' isto tamém nã há-de fugir munto ô que se passô e o homem nã é pessoa p'a l'e par'cer mal p'r tã pôco:

- 'Teja com Dés, amigo!...

O homem dá logo vaia à mula:

- Aí, ó!... Quetinha, aí!...

Põe as duas arreatas da mula na mã esquerda, sigura na pala do boné com dôs dedos da ôtra, e, com os ôtr's três, põe-se a acossar na cabeça, um coisinho p'r cimba da orelha. Franze a testa e os olhos, inq'onto me fita um belo coisinho, c'm' quem diz:

- Quem sará este, que nã no conheço de lado nenhum, mam?...

E lá se resolvé a me falar:

- Venha com Dés, amigo... Mái atã, 'tô p' aqui a dar voltas ô miolo e nã m'a lembra s' o conheço ó não...

- É mái certo nã me conhecer que me conhecer, qu' ê cá pôc' p' aqui venho, a nã ser assim uma ocasião de festa ó coisa assim... E, béque-me, tamém nã tenho idéa de já o ter visto. Só se p'r aí nalguma fêra daqui d' Al'zur ó ali de Marmelete ó da Monchique, que se tenha calhado a ir os dôs...

- Eh'q, ê tamém pôco vô-me aí p'a essas bandas, qu' isto, agora, as fêras já nã têm jêto nenhum. Désna que se dêxô de poder comprar e vender gado, atão... 'tá tudo morto...

Aí, a conversa desandô p' ô lado dos g'vernos e dos partidos e dessas p'requêras todas, mái isso é coisa que nã ent'ressa agora aqui e passa-se adiente:

- Atã, inda vai gradeando a terrinha méme dessa manêra?... Já quái tôd's têm p'r 'í nem que seja um trectorzalho daqueles pequenos, uns qu' um homem l'e vai sigurando que nem no guiador duma b'cicleta a podal...

- Olhe, p'a l'e d'zer a verdade, já pensí tamém im comprar uma coisa dessas, mái, aqui há temp's, fui à do mê compad' Zé Junquêro e ele tem lá um. Tanto brigô com-migo, tanto brigô, qu' ê fui exp'r'mentá-lo. Mái, achí-l'e pôco jêto...

- Nã me diga que nã s' intendé com ele...

- Ôtra coisa é qu' ê nã l'e posso d'zer... Cale, se aí, home. Aquilo, logo, pôco mái faz que esg'ravatar no chão, volta a terra de cima e, lá no fundo, nã l'e toca. Despôs, tem que s' andar l'gêro atrás dele e p' ô aparar carregar p' ali nuns botõs e numas coisas qu' aquilo tem ali que parêcem travõs de b'cicleta...

- Ah, sim?...

- Sa senhora. Más um nada, inda ia prantando com ele dum cantêro pr' ô ôtro, veja mecêa bem... Aquilo, uma roda pasô p'r cimba dum talicão que p' ali 'tava, dé um gangueão, volta-se p' ô ôtro lado sem más esta nem más aquela, se nã é o mê compadre l'e jogar as unhas, ia ô combro abaxo. Ora ia...

- Mái atã, aquilo nã é quái o mémo qu' ir agarrado aí às arreatas da su mula e...

- Que jêto?!... A minha mula é só l'e dar vaia, ela obedêce logo. Dig'-l'e "aí, mula!", ela apara. "Anda, mula!", lá vai ela. "Toma, chó! Vai ô rego, Ramelosa!...", e ela end'rêta logo o passo. Olhe lá p'ra estes regos qu' aqui 'tão... Já vi' coisa mái bem fêta?... E com o trector nã é nada disso...

Gradeando a terra O homem desatô, ôtra vez, a gradear e, d'zer a verdade, a velhaca da mula Ramelosa 'tava bem insinada...

Ê cá olhí p' àqueles reguinhos tã bem fêtos mái pensí qu' o homem que saria um coisinho - com l'cença da palavra - caganêroso a fazer a lavoira com a charrua. E, atão, dig'-lhe:

- 'Tá um trabalho bem fêto, sa senhora. Atã, e despôs, o qu' é que vai samear aí?... - Cudando qu' ele havera de 'tar a arrenjar a terra p'a umas batatas de retorno, coisa assim.

- O qu' é que vô-me samear?!... Atã nã vê que já 'tão aqui favas e 'tô a tapá-las com a grade...

E volta-se p' à mula e dá-l'e ordem de marcha:

- Anda, Ramelosa!... Qu' é do rego, mula!... Toca a andar qu' inda se tem munto que fazer hoje...

Aí, dêxô-me desarmado... Béque-me, até, assim um coisinho embatucado, qu' ê cá, com aquele palêo todo, inda nã tinha dado p'r o qu' o homem andava a fazer. Eh'q, ê tamém tinha-me era posto a olhar mái p' à mula que p' ô chão. Qu' o bicho lá bem arreado 'tava...

Tinha ali os preparos tôd's qu' era preciso p'a fazer o trabalho. Mái inda o qu' ê gostí más foi três coisas: a grade, - uma coisa im condiçõs - o cabresto - com uns entrólhos ô consoante - e o molim - quái novo e com umas cores méme d' encher o olho. Aquilo, q'ondo o homem l'e põe o carro-de-besta im cima, há-de fazer um figurão...

mulaCarro de besta A mula 'tava bem arreada e o carro-de-besta im munto bom estado...

Qu' o carro-de-besta vê-se qu' anda ô serviço, mái tamém 'tá im munto bom estado e pintadinho c'm' deve de ser. E bem ac'm'dado, bem d'rêtinho no sê descanso, estribo voltado p'ra cá e travõs a fundo p'a nã abalar dali. Só nã l'e vi foi o taipal de trás, a ver se l'e tinham posto as letras do nome do dono, c'm' no do ti Armindo de Boavista.

De manêras que, lá foram eles, homem e besta, gradeando até à ponta e, em chigando, ôtra vez, ô pé de mim, nã tive ôtro reméd'o senã d'zer-l'e adés. Eles qu'riam o serviço fêto e ê cá tinha qu' abalar qu' os dias sã pequenos e o tempo nã chega p'ra nada...

- Atã, até um dia destes e passe munto bem p'r cá...

- Vá com Dés, amigo, e parêça p'r 'qui lá p' às bandas da Páscoa qu' ê dô-l'e umas favinhas p'a mecêa c'mer...

- Dés l'e pague. Calhando a vir, logo o précuro...

- Nã tem precisão disso. Venha aqui e, se nã me ver, panhe à su vontade e leve.

- Olhe, s' ê nã vir cá nessa altura, venho, despôs, à fêra da batata-doce e logo se come ali uns percebes os dôs...

- E nã vem nas duas vezes p'r mode quem?... Olhe qu' a fêra inda 'tá munto desviada.

- Logo se vê, logo se vê...

Nã se pode d'zer que nã tenha havido boa vontade de parte a parte, lá isso não...

E lá f'cô ele a gradear, semp'e a dar vaia à Ramelosa e ela a fazer o qu' o dono mandava, béque-me, até com um coisinho de presunção. Nã sê é s' era p'r mode o molim que levava no pescoço ó se p'a amostrar que nã era burra e aprendia o qu' ele l' insinava...

Gradeando a terraGradeando a terra Com l'gêreza do animal e as vozes do dono qual era o trector que fazia o serviço mái depressa e tã bem fêtinho?...

E p'r 'qui me fico qu' o tempo nã dá p'ra más.

Haja saúde e até qu' a gente se veja.

10 janeiro 2007

De Lisboa até quái ô fim do mundo: Dakar

Lisboa-Dakar 2007 Uma corrida de carros désna de Lisboa até quái ô fim do mundo - Dakar l'e chamam - p'r caminhos do mái ruim que possa ser...

Andô pr' aí uma preçanada de carruaja a fazer corridas p'r esses cerros fora. Cerros é c'm' o ôtr' que diz. Cerros, barrancos, p'rtelas e tudo q'onto era sito, tanto se diz cá de Monchique c'm' de Vila Nova.

Dé-me na cabeça - c'm' nunca tinha visto tal coisa - e abalí com a minha Maria a ver c'm' é qu' eles faziam aquilo.

Pôs, nã l'es digo nada. Inda a gente s' ia a mê caminho, já s' ôvia uma urrada tã grande ó tã pequena qu' ê nã dava intendido nada daquilo. Ora soava béque-me p'à frente, ora já os ôvia da banda de cá... Pensí:

- Mái atão estes marafados im vez d' irem p'r o caminho mái perto andam aí p'a trás p' à frente p'r mode quem?... Gostarão tanto d' isto que 'tã com pôca vontade d' abalar lá p' ô deserto p'ra donde des qu' é o caminho deles?...

É verdade, sa senhora... P'r o jêto, abalaram de Lisboa p'a chigar a Dakar daqui a uns belos dias, mái, calhando, p'a devassarem p'r 'í os nossos cerros, que sã tã bonitos, andam aí p'r essas carr'lêras, p'ra baxo e p'ra cimba e passam p' drento das r'bêras c'm' s' elas nã levassem pinga d' água...Más olhem qu' ele hôve uns q'ontos que se barimbaram e f'caram lá drento a boiar...

E as travajas qu' eles fazem?!... Alevantam uma pòzêra que nã se vê nada... e uma pessoa ali a ter que suster a respiração que, se calha a abrir a boca ó o nariz p'a t'mar ar, desata logo a tossir que nem que t'vesse chêo de pòlmêro...

E béque-me até que gostí daquilo, nã cudem. Só se me punha era aqui uma pàxão de ver c'm' uns carrinhos novinhos im folha e tã bonitos f'cavam num estado qu' até dava dó. Olhem este, p'r exemp's, dé umas cambalhotas qu'ê cá até f'quí im pele de galinha... A minha Maria, atão, fechô os olhos e pôs-se a rezar:

- Ai, pobrezinhos!... Ai, pobrezinhos!... S. Cr'stóvã os protêja... Nossa Senhora dos Aflitos l'e valha...

P'a desfortuna dos pobrezinhos qu' iam lá drento - eram dôs qu' ê cá, despôs, bem nos vi saírem cá pra fora - este jipe nã s' aguentô e dé cá umas pinotes qu' ê vi jêto daquilo se partir p' ali tudo. E olhem qu', inda assim, nã teve munta dúv'da...

Aquilo foi coisa qu' os homens haveram de vir a conversar lá coisas deles ó apararam p'r o caminho e b'beram algum calcesinho e, calhando, já vinham escorvados, ó fosse lá o que fosse, contanto qu' eles nã hã-de ter repairado qu' a carr'lêra era bem munto a decer e a curva apertadíss'ma até mái não.

Já p'a nã falar qu' os que tinham vindo à frente deles fazeram saltar terra e pedras p'r tôd' ô lado e aquilo, béque-me, dava mái ares a uma lavoira fêta a charrueco qu' uma carr'lêra p'a passar carros...

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Nunca vi uma coisa destas. Im menes dum farol, f'cô de pantanas...

Pôs o que l'es posso d'zer é que mal o homem pisô os travõs com um coisinho mái de força, o jipe desata d' arrôjo ali prê abaxo, alevanta as rodas dum lado - ê cá só via era terra, calhaus e pòzêra p'r aqueles ares... - e vá d' andar de raboleta, que f'cô tudo de boca aberta a ver um trabalho daqueles...

Logo, c'm' ê cá disse, dé-me aquele arrepio na espinha, cudando qu' os homens nã saíam dali vivos, mái despôs, a famila pôs-se quái tudo a fugir lá p' à rés do carro e vá d' impurrarem aquilo a ver s' o davam posto im pé ôtra vez e ê vi logo que falta d' ajuda nã tinham, lá isso não.

O pior é qu' atrás deste vinham logo mái uns dôs ó três jipes danados p'a l'e passarem à frente e se nã é um qu' ali 'tava dar uns arrulhos im forte p'a eles fugirem da estrada p'ra fora, nã sê munto bem s' algum nã tinha sido atracado de baxo do que passô nã tardô nada...

Aí, a minha Maria, que já tinha abrido os olhos, põe-se ôtra vez numa chasnada:

- Ai, acudam além, qu' eles ficam debaxo do carro!... Mái p'ra qu' é aquela gente s' ir meter além no mê da estrada, Senhor?... Atã nã 'tã ali os guardas p'a tratarem das coisas?...

- Ó m'lher, nã vês qu' eles têm que se despachar senã atrasam-se munto e, 'tá bom de ver, se chegam lá ô fim já os ôtr's se foi tudo imbora, é uma vergonha p'ra eles... E a guarda tamém nã pode fazer tudo sòzinha...

Más, a famila, consoante o ôtro jipe vinha a chigar, fugi tudo a tempo cá p'ra fora e, tã penas ele passô, foram logo p'ra lá de carrêrinha.

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Se me contassem, ê cá béque-me nã acraditava. Saíram lá de drento com os ossos tôd's entêros...

E aquilo até se tornô quái ad'v'rtido. Eles nã f'caram mal, o jipe f'cô tal e qual, a famila que 'tava a ver e foram ajudar nã l' acontecé nada e, no fim de contas, inda se fartam de rir e bater palmas... E ê cá tirí retratos à farta, que nunca tinha visto uma coisa assim. E c'm' é qu' havera de ver s' ê nunca tinha ido a uma corrida de carros...

Mái tamém l'e digo uma coisa. Os homens têm uma prát'ca naquilo que nã se passaram nem cinco minutos - qual o quem!... - já eles 'tava a pular p'a drento do carro e com ele a trabalhar. E assim abalaram que nem umas fitas à mecha toda ôtra vez a ver s' inda davam panhado os que l'e passaram à frente naquele entrementes. Logo lá prebaxinho, já o carro dava rateres...

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Este jipe, 'tô parvo c'm' é qu' ele inda f'cô a andar...

Despôs disto tudo se dar, os ôtr's, nã sê s' alguém l'e disse ó o qu' é que foi, já passavam lá com mái cudadinho qu' até hôve menino qu' aparô e só despôs é que lá abalô ôtra vez com munto jêtinho...

Mái inda há uma coisa qu' ê cá q'ondo vi nã qu'ria crer. Mecêas já viram isso na tel'visão, mái atã nã é que munta famila foi p'a lá passar a nôte?!... Olhem, fazeram lá fogo numa preção de sitos, qu' ê visse. Já o sol ia bem alto e inda eles ardiam. Quem t'vesse frio era só se chigar lá p' ô pé que nã l'e faltava adonde s' aquecer.

E dec'merzinho?... Só se via era famila com o bornal às costas e, d' ora im q'onto, vá de c'merem uma buchinha. Já o méme nã se cá com o parente que só levava uma laranjinha da baía drento da alsebêra, que nã cudava d' aquilo durar assim tant' ô tempo, e quái qu' inda se vi lá com uma bela larica...

É qu' a gente nã se sabia c'm' às coisas eram, mái pr' ô ano, s' haver ôtra vez e a gente dar ido, ê logo l'es digo c'm' é que é. Há-de-se levar ali um farnel, bem arrenjadinho à manêra da minha Maria, qu' há-de dar p' à gente e p' ôs amig's...

P'a d'zer a verdade, desta vez, inda 'par'cé p' ali um amigo dos bons que, méme sem a gente se conhecer, d'spensô-me uma cervejalha que tinha de sobra e munto l' agradêço que já tinha as goélas secas e bem secas com a pòzêra qu' andava no ar...

E com isto tudo, foram passando neles, foram passando... até que já nã vinha mái nenhum - ó cudava a gente que nã vinha - e resolvemes-s' ir imbora. Já se tinha andado um belo pôco, oiço assim uma zunida, olho p' ô lado, inda vinha lá um... Nã sê saria méme o últ'mo ó não, mái, calhando, era.

E s' era o últ'mo, era tamém o mái bem caçado. Olhem bem p' ô retrato e digam-me lá se nã tenho r'zão... Béque-me nem dá ares a ser um carro de corrida. Mái, se tem lá o númbre colado é que é...

Pôs, lá ia ele devagarinho, quái sem fazer barulho nenhum, desapercebido, mái, p'a quem repàirava nele, fazia um figurão. Nã sê s' aquilo dará chigado ô fim ó não que na altura qu' a gente o viu já os ôtr's haveram de 'tar quái a chigar a Marrocos, más ê cá gostava qu' ele chigasse lá a essa tal Dakar. Que coisa mái bonita...

Lisboa-Dakar 2007 Este foi o qu' ê mái gostí de tôd's. Lá ia ele devagarinho... já os ôtr's haveram de 'tar quái im Marroc's...

Mês belos amig's, até um dia destes...

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06 janeiro 2007

Foi-se o ano velho, chigô o ano novo

Fogo de artifício Levaram a gente a ver os fôg's de Vila Nova, aquilo foi quái mêa hora de foguetes de lágr'mas...

- Ó c'pad' Jôquim, 'tá bem que seja c'm' vomecêa 'tá d'zendo, mái atã ê cá nã vejo bem as coisas dessa manêra, o qu' é que mecêa quer?...

- Ê tamém nã no quero contradiar, mái atã, s' ê cá gosto, vô-l'e d'zer que nã gosto?...

- 'Tá bem que nã diga, mái comprenda que mecêa gosta e ê cá, béque-me, nã gosto...

- Más devia de gostar. E, olhe, já qu' ele é isso, nã há nada c'm' à gente nã se falar mái do Natal e resolve-se assim a questã...

- Agora é que vomecêa acertô. E, más a más, qu' o Natal já se foi e já chigô o Ano Bom. Até os dias já sã um coisinho maiorinhos. Nã sê se repàirô, mái já àmentaram que dá p'ra ver.

- Ora repàirí... Ê quái que levo as tardes a olhar ô sol a se pôr. Nã s' alembra daquele ditado que "do vinte dôs ô Natal, vai um passo dum pardal e do Natal ô Ano Bom, vai um passo dum boi bom"?...

- Atã nã m' alembro!... Semp' ôvi d'zer tal coisa e olhe que 'tá munto bem caçado, qu' até bate certo e é verdade.

- Cá p'ra mim, esta coisa dos dias nã serem tôd's iguás, se nã fosse pecado - Dés me perdoe, qu' Ele fez ist' assim é que lá vi' qu' havera de fazer - nã l' acho lá grande idéa. E atão, mudarem a hora desta manêra, qu', a mêa tarde, anoitêce, nem se fala...

- Ó c'pad' Jôquim, nã se estique munto com a língua, olhe que pode ser castigado... Nã é qu' ê cá goste de tal coisa - que munto bem me calhava os dias serem semp'e c'm' no verão - mái um pessoa tem q' se conformar com o que l'e 'parêce. Iss' é uma coisa que nã se dá mudado... E o que nã tem reméd'o, arremediado 'tá...

Ist' era uma conversa qu' ê cá e o mê compad' Jôquim do Barranco se 'tava a ter no dia d' ano bom à tarde, assantados ali no mê pial, panhando uma luzerna de sol que passava p'r o mê da ramaja das sobrêras, inda mê ensarampantados p'r mode se ter perdido a noite da passaja d' ano.

E já agora que désna do ano passado qu' a gente nã se via e, cá, inda se usa a falar ôs amig's, 'tejam tôd's com Dés e sejam munto bem 'par'cidos. Só l'es tenho a pedir desculpa de 'tar este dias tôd's sem l'es dar uma vaiazinha, más, olhem, isto nem sempr' é c'm' um homem quer.

Logo, qu' o Natal é um tempo desconsolado cá p' ô Parente, despôs com este desalvôro de tanta famila e tanta festa e tanto bolo e mái a passaja do ano e mái nã sê quem... uma pessoa até fica mê àguádo e nã l'e d'scorre nada de jêto da cabeça méme que s' oponha a isso.

De manêras qu', o melhor é um homem desquecer-se da internet, dar um coisinho de descanso ô comp'tador e, em passando este alv'riamento todo, aí, logo se joga, ôtra vez, a escrev'nhar mái umas patochadas.

Fogo de artifício Nesta passaja d' ano há-dem-se ter quem-mado uns belos eros im fôg's....

E atã, vô-me falar da passaja do ano que do Natal já vomecêas viram qu' ê nã 'tô munto p' aí virado.

Se fosse nôtro tempo, f'cava-se tud' im casa, vá lá que se c'messe umas fatias ó umas f'lhózes e ô chigar da mê-nôte, já se 'tava, tôd's arregalados, a dromir na nossa caminha.

Até que pr' ali par'cesse uma joldra ó ôtra a cantarem as janêras e uma pessoa tinha que s' alevantar, acender uma alenterna e, calhando a nã se ter aprecatado a trazer uma chôricinha p' ô quarto da cama, inda tinha qu' ir ô varal b'scar uma p'a dar de 'smola ôs janêrêros.

Parêce ê qu' inda 'tô a ôvi-los... Mal chigavam, pregavam uns porradõs na porta p' à famila acordar e vá:

- Canta-se ó reza-se?...

Calhando a ser já às tantas e 'tar uma pessoa num sono dremente, qualquer um acordava enzamboado que, logo assim de chofre, nem tampôco sabia o qu' havera de responder. E eles vá de tancharem mái uns cacetadõs na porta:

- Ó famila, canta-se ó reza-se?...

- Cantem lá, home, mái nã batam com tanta força qu' inda me dã p' aí cabo da porta...

E aí rompia o fole - nas joldas qu' o traziam - e o apontador com o sê vozarrão:

- Esta noite é de janêras / é de grande morcimento / por ser a nôte primêra / em que Dés passô tromento...

Os da jolda respondiam e lá iam desbobinando os versos tôd's qu' eles l'e dava na cabeça. Q'ondo qu'riam arreceber a esmola, tamém tinham uns versos ô consoante, mái ó menes assim - qu' ele havia ôtras, 'tá claro:

- Inda l'e canto más uma / em lôvor de Santa T'reza / nã l'e canto mái nenhuma / sem ver a candêa acesa...

Ora, era aí q' um homem tinha que se jogar à garrafinha da madronhêra e dar uma rodada àquele crujedo todo, parte das vezes, já escarados que mal se sustinham d' em pé. E, nesse entrementes, pegava na chôricinha e infiava com ela p'a drento da saca das esmolas q' um trazia às costas - quái sempre, o que sabia cantar mái mal.

Lá agradeciam, os mái g'lôsos p' ali ensovacavam a ver se panhavam mái um calcesinho dela e iam bater a ôtra porta, despôs de cantarem mái umas duas ó três a agradecer:

- Quem tã boa esmola deu / dada p'r tã boa mão / Dés quêra que vá p' ô céu / ô colo de S. João...

Mái nã cudem, q'ondo ê cá era moç'-pequeno, aquil' era um correpio que, certos anos, já o sol 'tava a romper e inda eles andavam a bater às portas de cada um... Verdade se diga, ê cá tamém inda chiguí a ir e fazia o méme qu' os ôtros. Era a noite toda no pagode...

E, em vindo umas duas ó três à méma casa, já nã tinham preciso d' acordar a famila qu' eles já 'tavam era com uma espertina marafada que nã davam dromido nada de jêto tod' à nôte...

Fogo de artifício Mái bonito qu' estes fôg's, só ôvir cantar as janêras p'r uma joldra bem insaiada, c'm' se fazia nôt's tempos....

Mái, voltando à passaja deste ano, isto agora já nã há quem fique im casa... Vai tudo p' à ratôiça.

Uns p'a sitos adonde fazem méme passajas d' ano - mecêas sabem isso melhor qu' ê cá - ôtr's comem numa casa qualquer que faça decomeres e, lá p'r essas onze horas, onze e tal, vai tudo p' à rua, adonde haja uns fôg's e uns cantoríos - quái semp'e uns estapôres daqueles que fazem um barulho duma tal manêra com as sus gradessíss'mas aparelhajas qu' ê nã dô falado nada com o mê compad' Jôquim. É que se pode d'zer qu' a gente nã se dá ôvisto um ô ôtro...

Pôs, foi o que se dé, mês belos amigos. O Zé Manel carregô com a gente p'a Vila Nova - des que sabia dum sito adonde se c'mia mái ó menes e im conta - e lá se foi incher uma bazelgada do qu' eles p'a lá apresentaram.

'Tá bom de ver qu ' aquilo foi c'mer até mái não, que tanto pagava o que c'messe munto c'm' o que c'messe pôco, e, tã penas o v'nhito c'm'çô a chigar à cabeça, calem-se aí!, aquilo era um ôrío naquele restàrante qu' até metia medo...

A minha Maria fugi-me lá p' ô ôt' canto da mesa p' ô pé das amigas dela. D' ora im q'onto, lá alevantava a mão e fazia-me adés. Foi uma coisa bem pensada, sa senhora, qu' ê assim f'quí à rés do mê compad' Jôquim e d' ôtr's amigos que tamém foram com a gente.

O pior é qu' o Zé Manel - munto cão - f'cô na nossa frente e era só qualquer um se descudar a olhar p' ô v'zinho do lado, ele, munto desapercebido, inchia-l'e logo o copo de vinho quái a té estibornar.

Punhana!... Aquilo q'ondo chigô a altura d' a gente s' alevantar p'a s' ir imbora, havia menino qu' as nalgas l'e pesavam bem munto mái do que 'tava à contar. Ê cáalomêo quem foi, mái hôve um que só se dé posto d' em pé à fim de duns três fiaços...

É que, méme quái ô fim, o dono lá daquilo inda prantô uma garrafinha d' aguardente na mesa, p' a quem qu'sesse provar da dele. Ora quem é que nã gosta de provar a madronhêra dum amigo? Más a más, dada assim de tã boa mente... Qu' inda nã se tinha pagado a conta...

E olhe que nã era das mái ruins... 'Tava já um coisinho baptizada, mái aquilo há-de ter sido só uma pinguinha d' água p'a l'e baxar a força. Qu' ela, méme assim, calhando, inda tinha os sês dezanove degraus, p'a dezanove e mêo.

Fogo de artifício Eles tiçavam foguetes de lágr'mas e a gente, inq'onto s' olhava, bobia-se uns calcesinhos dela...

Mái nã cudem qu' ê cá e o mê compad' Jôquim se vinha desaprecatados... Qual o quem!... Entes de s' abalar de casa, combinô-se logo qual era o que trazia uma garrafinha dela, pequenalha que fosse, p' à gente molhar o bico q' ondo se t'vesse a boca seca. E, desta vez, calhô-l'e a ele.

De manêras qu' o homem, lá arrenjô uma garrafinha daquelas pequenalhas de plástico da água de Monchique - aquil' é coisa p'a levar uns três mêcôrtilhos, pert' ó certo - e inché-a bem, até ô gargalo, dum madronho qu' ele tem além num garrafanito de verga, d' há uns dôs anos, qu' aquilo é uma especialidade. Tapa os vinte e mêo, tenho a certeza. E g'stosa qu' ela é...

Ora, naquele mê tempo qu' a gente esperava a mêa-nôte p'a c'm'çarem os fôg's, bem se viu aquele gentío todo que lá 'tava - isto já na rua, à rés do rio - jogados a umas garrafas daquelas que têm uma bobida estrangêra que, ô abrir, dá um barrano, salta a rolha e derrama-se quái uma àmetade p' ô chão...

Mái a gente os dôs nã se 'tá ac'st'mados àquilo, qu' até pica na língua, faz espuma e, com l'cença da palavra, faz alembrar mái mijo de burro qu' ôtra coisa, atão jogamos-se à nossa garrafinha e vá c'pinho a mim c'pinho a ti. Qu' o frio tamém pertava um belo coisinho...

Naquilo, dá a mêa-nôte, desata tudo num lanedo, os foguetes de lágr'mas a alumiar o astro quái c'm' de dia, a famila toda, de copo na mão, a s' abraçar, olhem, um cagaçal qu' era uma bruteza...

Vai o mê c'pad' Jôquim, já entradote, chega ô pé da m'lher dele, a minha c'madre C'stóida:

- Atã, C'stóida, já dêxaste sair o ôtro? Agora vê lá se dêxas antrar...

- Parvo!... Já 'tás más é a passar da conta com o que bobeste... Nã vês qu' a famila inda ôve essas parvoêras e é uma vergonha?...

- ... o ano novo bem... Era o qu' ê cá 'tava a qu'rer d'zer, m'lher...

E a charola lá foi durando noite fora. Só os fôg's, nã l' olhí bem ô relójo, mái aquilo foi coisa p'a perto de mêa hora. E uns bras'lêros a cantar - qu' é coisa que nã se vê p'r 'í munto... - foi até às tantas. Qu' a gente inda se vêo imbora e eles p'ra lá f'caram a batucar...

Ô certo, ô certo, é que, q'ondo o Zé Manel foi pôr a gente im casa, já tinham batido as quat'o da manhã. A minha Maria e a C'mad' C'stóida, tôd' ô caminho dromiram qu' até roncavam.

Ê cá e o c'pad' Jôquim p' ali se vêo falocando um com o ôtro, p' ô Zé Manel nã se dêxar dromir tamém e nã prantar com a gente dalguma barrêra abaxo. Mái atão, ele ia no banco da frente, ê d'zia-l'e alhos, ele respondia-me b'galhos, ele prècurava-me nã sê o quem ê nã sabia o que l' havera de responder...

E o Zé Manel desmanchava-se a rir. Aquilo é qu' ele, d' ora im q'onto, dava umas carcachadas méme de gosto...

E, assim, se chigô a casa, tudo im bem, mái bem munto desmarridos... É qu' aquilo nã eram horas da gente se dêtar, eram era as horas qu' a gente usava a s' alevantar q'ondo se tinha qu' ir desfolhar milho ó acêfar trigo e acartá-lo p' à êra.

Ora dêtando-se uma pessoa àquelas horas, c'm' é que nã s' havera de 'tar os dôs dados, ali assantados no pial... O mê compadre até, béque-me, tinha cá umas ôlhêras que mal dava abrido os olhos...

Atã e vomecêas, que tal passaram do ôtro p'ra este? Falam pr' í qu' este 'tá-se a ajêtar p'a nã ser grande coisa, más ê cá nã gosto d' acarditar im tudo o que dizem e, atão, désna que tenha saúde e o d'nhêrinho nã me falte dum todo, já fico sast'fêto.

Olhem, tenham tudo o que vomecêas quêram de bom, que nã tenho precisão de 'tar a d'zer qu' é isto e más isto e más aquilo... E méme que quasequer coisa nã l'es calhe munto bem, nã s' apequentem com isso qu' a seguir ô má-tempo vem semp'e um dia soàlhêro.

E já agora, qu' inda nã seja este ano qu' a passarada apegue p' aí a plèmónica à gente, a ver s' eles inda vã a tempo de fazer p' aí umas bacinas a tempo de nã se panhar aquela gripe marafada.

E olhem que de paz e sossego nã sê o que l'es diga... Im mái novo, semp'e cudí qu' as guerras acabavam no séc'lo XX - ond' é qu' ele já lá vai... - a fome des'parcia, toda a famila ia aprender a ler e a escrever e até os padres haviam de c'meçar a casar.

Que tal acham a parvidade do animal?... Até o mê Jericó, méme sendo burro, via logo qu' isso nã ia ser assim. E, p'r o jêto, inda agora a pr'cissão vai no adro... qu' as coisas im lugar d' andarem p'ra diante, andam màs é p'a trás.

Mês belos amig's, Dés l'es dê um bom 2007 a tôd's...

Brinde a 2007