10 janeiro 2007

De Lisboa até quái ô fim do mundo: Dakar

Lisboa-Dakar 2007 Uma corrida de carros désna de Lisboa até quái ô fim do mundo - Dakar l'e chamam - p'r caminhos do mái ruim que possa ser...

Andô pr' aí uma preçanada de carruaja a fazer corridas p'r esses cerros fora. Cerros é c'm' o ôtr' que diz. Cerros, barrancos, p'rtelas e tudo q'onto era sito, tanto se diz cá de Monchique c'm' de Vila Nova.

Dé-me na cabeça - c'm' nunca tinha visto tal coisa - e abalí com a minha Maria a ver c'm' é qu' eles faziam aquilo.

Pôs, nã l'es digo nada. Inda a gente s' ia a mê caminho, já s' ôvia uma urrada tã grande ó tã pequena qu' ê nã dava intendido nada daquilo. Ora soava béque-me p'à frente, ora já os ôvia da banda de cá... Pensí:

- Mái atão estes marafados im vez d' irem p'r o caminho mái perto andam aí p'a trás p' à frente p'r mode quem?... Gostarão tanto d' isto que 'tã com pôca vontade d' abalar lá p' ô deserto p'ra donde des qu' é o caminho deles?...

É verdade, sa senhora... P'r o jêto, abalaram de Lisboa p'a chigar a Dakar daqui a uns belos dias, mái, calhando, p'a devassarem p'r 'í os nossos cerros, que sã tã bonitos, andam aí p'r essas carr'lêras, p'ra baxo e p'ra cimba e passam p' drento das r'bêras c'm' s' elas nã levassem pinga d' água...Más olhem qu' ele hôve uns q'ontos que se barimbaram e f'caram lá drento a boiar...

E as travajas qu' eles fazem?!... Alevantam uma pòzêra que nã se vê nada... e uma pessoa ali a ter que suster a respiração que, se calha a abrir a boca ó o nariz p'a t'mar ar, desata logo a tossir que nem que t'vesse chêo de pòlmêro...

E béque-me até que gostí daquilo, nã cudem. Só se me punha era aqui uma pàxão de ver c'm' uns carrinhos novinhos im folha e tã bonitos f'cavam num estado qu' até dava dó. Olhem este, p'r exemp's, dé umas cambalhotas qu'ê cá até f'quí im pele de galinha... A minha Maria, atão, fechô os olhos e pôs-se a rezar:

- Ai, pobrezinhos!... Ai, pobrezinhos!... S. Cr'stóvã os protêja... Nossa Senhora dos Aflitos l'e valha...

P'a desfortuna dos pobrezinhos qu' iam lá drento - eram dôs qu' ê cá, despôs, bem nos vi saírem cá pra fora - este jipe nã s' aguentô e dé cá umas pinotes qu' ê vi jêto daquilo se partir p' ali tudo. E olhem qu', inda assim, nã teve munta dúv'da...

Aquilo foi coisa qu' os homens haveram de vir a conversar lá coisas deles ó apararam p'r o caminho e b'beram algum calcesinho e, calhando, já vinham escorvados, ó fosse lá o que fosse, contanto qu' eles nã hã-de ter repairado qu' a carr'lêra era bem munto a decer e a curva apertadíss'ma até mái não.

Já p'a nã falar qu' os que tinham vindo à frente deles fazeram saltar terra e pedras p'r tôd' ô lado e aquilo, béque-me, dava mái ares a uma lavoira fêta a charrueco qu' uma carr'lêra p'a passar carros...

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Nunca vi uma coisa destas. Im menes dum farol, f'cô de pantanas...

Pôs o que l'es posso d'zer é que mal o homem pisô os travõs com um coisinho mái de força, o jipe desata d' arrôjo ali prê abaxo, alevanta as rodas dum lado - ê cá só via era terra, calhaus e pòzêra p'r aqueles ares... - e vá d' andar de raboleta, que f'cô tudo de boca aberta a ver um trabalho daqueles...

Logo, c'm' ê cá disse, dé-me aquele arrepio na espinha, cudando qu' os homens nã saíam dali vivos, mái despôs, a famila pôs-se quái tudo a fugir lá p' à rés do carro e vá d' impurrarem aquilo a ver s' o davam posto im pé ôtra vez e ê vi logo que falta d' ajuda nã tinham, lá isso não.

O pior é qu' atrás deste vinham logo mái uns dôs ó três jipes danados p'a l'e passarem à frente e se nã é um qu' ali 'tava dar uns arrulhos im forte p'a eles fugirem da estrada p'ra fora, nã sê munto bem s' algum nã tinha sido atracado de baxo do que passô nã tardô nada...

Aí, a minha Maria, que já tinha abrido os olhos, põe-se ôtra vez numa chasnada:

- Ai, acudam além, qu' eles ficam debaxo do carro!... Mái p'ra qu' é aquela gente s' ir meter além no mê da estrada, Senhor?... Atã nã 'tã ali os guardas p'a tratarem das coisas?...

- Ó m'lher, nã vês qu' eles têm que se despachar senã atrasam-se munto e, 'tá bom de ver, se chegam lá ô fim já os ôtr's se foi tudo imbora, é uma vergonha p'ra eles... E a guarda tamém nã pode fazer tudo sòzinha...

Más, a famila, consoante o ôtro jipe vinha a chigar, fugi tudo a tempo cá p'ra fora e, tã penas ele passô, foram logo p'ra lá de carrêrinha.

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Se me contassem, ê cá béque-me nã acraditava. Saíram lá de drento com os ossos tôd's entêros...

E aquilo até se tornô quái ad'v'rtido. Eles nã f'caram mal, o jipe f'cô tal e qual, a famila que 'tava a ver e foram ajudar nã l' acontecé nada e, no fim de contas, inda se fartam de rir e bater palmas... E ê cá tirí retratos à farta, que nunca tinha visto uma coisa assim. E c'm' é qu' havera de ver s' ê nunca tinha ido a uma corrida de carros...

Mái tamém l'e digo uma coisa. Os homens têm uma prát'ca naquilo que nã se passaram nem cinco minutos - qual o quem!... - já eles 'tava a pular p'a drento do carro e com ele a trabalhar. E assim abalaram que nem umas fitas à mecha toda ôtra vez a ver s' inda davam panhado os que l'e passaram à frente naquele entrementes. Logo lá prebaxinho, já o carro dava rateres...

Lisboa-Dakar 2007Lisboa-Dakar 2007 Este jipe, 'tô parvo c'm' é qu' ele inda f'cô a andar...

Despôs disto tudo se dar, os ôtr's, nã sê s' alguém l'e disse ó o qu' é que foi, já passavam lá com mái cudadinho qu' até hôve menino qu' aparô e só despôs é que lá abalô ôtra vez com munto jêtinho...

Mái inda há uma coisa qu' ê cá q'ondo vi nã qu'ria crer. Mecêas já viram isso na tel'visão, mái atã nã é que munta famila foi p'a lá passar a nôte?!... Olhem, fazeram lá fogo numa preção de sitos, qu' ê visse. Já o sol ia bem alto e inda eles ardiam. Quem t'vesse frio era só se chigar lá p' ô pé que nã l'e faltava adonde s' aquecer.

E dec'merzinho?... Só se via era famila com o bornal às costas e, d' ora im q'onto, vá de c'merem uma buchinha. Já o méme nã se cá com o parente que só levava uma laranjinha da baía drento da alsebêra, que nã cudava d' aquilo durar assim tant' ô tempo, e quái qu' inda se vi lá com uma bela larica...

É qu' a gente nã se sabia c'm' às coisas eram, mái pr' ô ano, s' haver ôtra vez e a gente dar ido, ê logo l'es digo c'm' é que é. Há-de-se levar ali um farnel, bem arrenjadinho à manêra da minha Maria, qu' há-de dar p' à gente e p' ôs amig's...

P'a d'zer a verdade, desta vez, inda 'par'cé p' ali um amigo dos bons que, méme sem a gente se conhecer, d'spensô-me uma cervejalha que tinha de sobra e munto l' agradêço que já tinha as goélas secas e bem secas com a pòzêra qu' andava no ar...

E com isto tudo, foram passando neles, foram passando... até que já nã vinha mái nenhum - ó cudava a gente que nã vinha - e resolvemes-s' ir imbora. Já se tinha andado um belo pôco, oiço assim uma zunida, olho p' ô lado, inda vinha lá um... Nã sê saria méme o últ'mo ó não, mái, calhando, era.

E s' era o últ'mo, era tamém o mái bem caçado. Olhem bem p' ô retrato e digam-me lá se nã tenho r'zão... Béque-me nem dá ares a ser um carro de corrida. Mái, se tem lá o númbre colado é que é...

Pôs, lá ia ele devagarinho, quái sem fazer barulho nenhum, desapercebido, mái, p'a quem repàirava nele, fazia um figurão. Nã sê s' aquilo dará chigado ô fim ó não que na altura qu' a gente o viu já os ôtr's haveram de 'tar quái a chigar a Marrocos, más ê cá gostava qu' ele chigasse lá a essa tal Dakar. Que coisa mái bonita...

Lisboa-Dakar 2007 Este foi o qu' ê mái gostí de tôd's. Lá ia ele devagarinho... já os ôtr's haveram de 'tar quái im Marroc's...

Mês belos amig's, até um dia destes...

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10 comentários:

  1. Meu caro Parente

    Naturalmente, numa ocasião destas, o fotógrafo não podia faltar. Atentento, paciente, à espera de uma boa oportunidade para poder disparar e caçar um bom boneco.
    O resultado vê-se na pela bela sequência de fotos que documenta o azar de alguns (os pilotos) e a alegria de outros (os espectadores) por terem tido parte activa na corrida ao ajudarem os concorrentes azarados.
    Depois foi só ver a banda passar... e atrás do 400 deve ir o carro vassouda.

    Um abraço e bom Ano 2007.

    PS: Parabéns também pelas fotos do fogo de arificio. A da palmeira está...!!!

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  2. Ah parente, mai que coisa mai bem apanhada! Atãn na vêen, fo~i-se logo põr naquele sitio, até parcia que ad'venhava qu'isse sia dar. Mai ainda le digo mai outra, que retratos tãn bem tirados, vocemecêa saíu-me cá um jornalista de primêra classe. É cá já ouvi falar desse tal Dakar, mai inda nã tinha visto como era. Munt óbrigadinhe por mostrar isse cá á malta. Um abraço para si e para a sua Maria.

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  3. Ai parente, mai que coisa mai bem arranjada. Até parece que vocemecêa ad'venhou, foi-se logo pôr lá naquele sitio. Mai e ainda le digo outra, que belo jornalista que mecêa me saiu, atãn nã querem lá ver, daqui a pouco tenhe que me põr a pau qu'inda me tira o lugar lá no jornal hahaha. Mai, agora fora de brincadêra, tou mêmo encantada com os retratos que vocemecêa tira. É cá já tinha ouvisto falar dessa coisa do dakar mai inda nã tinha visto nada, munt'obrigada por mostrar á malta. Um abraço para si e para a sua Maria.

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  4. Parente: que alegria senti ao ler este seu post e ao ver as fotografias espectaculares que tirou! Sabe que sou uma grande fã desta prova (influências do marido) e que conheço bem o ambiente e a camaradagem que se cria nestes dias! É uma festa, em todos os sentidos, a espectativa, a alegria, os comes e bebes (só uma laranjinha é pouco, amigo, tem de ser um farnel compostinho onde os bebes são parte fundamental)... Como já lhe disse, este ano fomos mais comedidos por causa da Zabelinha, fomos tarde e viemos cedo mas pró ano, se Deus quiser organizamos a "logística" de outra forma! Vale a pena! Está de Parabéns pela reportagem, pelas fotos e pela experiência (vai ver que o "bichinho" agora não o larga +!!)!
    Beijinhos meus e da pequena que dorme ao meu colo...
    Carla

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  5. Teja com Dés parente!
    A gente até já sabe qu'o parente até gosta de andar prí na galdêrice, em tudo quonto é festarola, mas a preocupação que mecêa tem em tirar os retratos pra nos contar tudo c'os pormenorzinhos todos ...
    Olhe, só tenho mesmo é que lhe agradecer estes mementinhos que me oferece e à su Maria por lhe aturar as ausências em prol cá da vizinhança. Cumprimentos pra si e prá D.ª Maria e fiquem-se com Dés.

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  6. Impagável, Parente, esta história da sua ida ó Dakar e mail'as fotografias.
    Um abraço.

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  7. Pois não estava nada à espera de entrar aqui e ver-me logo envolvida nesta confusão de pessoas a correr, barulho de motores, rateres, gritos, gargalhadas, rezas. Sim senhor, valeu mesmo a pena. Só assisti uma vez, há muitos anos, à passagem por Sintra dos carros que entraram no Rally de Portugal mas não houve nada destas emoções fortes... fortíssimas :))
    Um abraço

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  8. Só para saber... O seu carro preferido, o magnífico 2CV, não passou da 3ª etapa... :( É pena, ia fazer um vistaço a chegar ao Lac Rose... Bom fim de semana!

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  9. Uma lindeza esta sua sequência! O Parente está pronto para se lançar por aí, com eles, a reportar os acontecimentos. Um abraço amigo.

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  10. Pôs, lá ia ele devagarinho, quái sem fazer barulho nenhum, desapercebido, mái, p'a quem repàirava nele, fazia um figurão. Nã sê s' aquilo dará chigado ô fim ó não que na altura qu' a gente o viu já os ôtr's haveram de 'tar quái a chigar a Marrocos, más ê cá gostava qu' ele chigasse lá a essa tal Dakar. Que coisa mái bonita...[Photo]Este foi o qu' ê mái gostí de tôd's. Lá ia ele devagarinho... já os ôtr's haveram de 'tar quái im Marroc's...Mês belos amig's, até um dia destes...

    Adorei a citação a es fotos.
    Muito Bom Blog.

    Cumps e saudações
    Bicavalista GT

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"