19 outubro 2011

A Descasca de Marmelete 2011

Descasca de Marmelete - 2011
Ele inda há quem saiba descascar bem uma maçaroca...


- Nã quero. É que já me fazeram marafar! Já me fazeram marafar!...

Saltô o ti Batizar, tã penas a menina Marta, a Senhora Presidenta da Junta - sem ofensa, sempre munto jêtosinha... - l'e pôs a cesta dos bolos ô alcance e l'e prècurô se, im cimba da fatêa do bolo de alforge, tamém queria molhar o bico com um calcesinho dela.

- Já, o ano passado, foi a méma coisa... Fazeram-me marafar!...

E olhava assim de esguelha, munto desconsolado, p' ô calcesinho dela qu' a senhora presidenta levava numa mão e, inda mái desgostoso, p'à garrafinha de madronho, já im mêo esvaziar, que ela sigurava na ôtra.

D'zer a verdade, nãs sê o qu' é que fazeram ó d'zeram à criatura. Mái teve que ser coisa munto manhosa. P'a ele f'car daquela manêra e nem tampôco se jogar a bober um solvinho... E digo um solvinho qu' aquilo nã podia acabedar um copalho daqueles chêo a cada um, senã a garrafa ia-se num 'stante e nã dava p'a dar as provas a todos...

Descasca de Marmelete - 2011
Hoje em dia, as m'lheres nã se ficam atrás dos homens. Im qualquer serviço...


- E isto passava-se adonde? - Prècuro ê cá a vomecêas todos.

Ora adonde é que havera de ser... Foi na descasca de Marmelete!... Pôs foi. Todos anos, a Junta de Marmelete arrenja esta descasca p' ôs velhos c'm' ê cá, s' alembrarem do que faziam nôtres tempos e p' ôs nôvos, que nã conheceram tal coisa, f'carem a saber c'mo era.

E olhem qu' ê cá, se há coisas qu' ê aprecêo, é ir a uma descasca e ver ali tudo jogado à maçaroca a l'e tirar a folhêrasca c'm' 'tava aquela famila toda a fazer na Descasca de Marmelete...

Uns d' em pé com as botas atafulhadas nas folhêrascas, ôt's assantadas no monte das maçarocas panhando com a pòzêra do milho e uns cabelos de charrafa im cimba da cabeça e dos ombros, vá de descascarem nelas...

Vá lá que, ô meme tempo, iam ôvindo umas modinhas qu' o tocador de fole p' ali arremendava... E tamém aprevêtavam p'a d'zer umas patochadas p'a todos se rirem. Quái sempre, lá isso é verdade, era mái umas puas p'a inzainar este ó aquele do que ôtra coisa.

Descasca de Marmelete - 2011
A menina Marta esvaziô uma garrafa de madronho com aquela famila toda. Mái o ti Batizar nã quis...


E, desta vez, a famila era béque-me más qu' o ano passado. Ó ê cá 'tô atribuído ó atão nã sê. Ô certo, ô certo, é qu' aquilo, im menes dum foguete, já 'tavam as maçarocas todas descascadas. Calhando, tamém a coisa andô mái depressa premode 'tar tudo com o fito no balho que, em acabando a descasca, ia haver drento da Casa do Povo...

Mái, meme assim, inda par'cé lá uma maçaroca incarnada, coisa qu' ê cá já nã punha os olhos im riba faz uns belos anos. Qu' isto, d' há uns tempos pra cá, já ninguém samêa milho do antigo. Agora é só deste moderno, híbrido l'e chamam. Ó nã sê até se nã sará dum ôtro, inda mái moderno, qu' eles enventaram que se tem que comprar, tôdes anos, a semente. Dizem que é geneticamente modificado...

E desses marafados, atão, aquilo, as maçarocas, parêcem todas iguás, do mémo tamanho, da méma cor, com os mémos bagos e até charrafa pôca têm... Ora, dar com uma que tenha milho incarnado, isso atão, só se p'r milagre. E desta vez, p'ro jêto, hôve lá uma moça que foi milagrêra. Dé com uma no mêo das ôtras todas. Só que nã fez o que tinha a fazer...

Descasca de Marmelete - 2011
Hôve quem l' acabedasse uma maçaroca de milho incarnado. Mái nã fez o que tinha a fazer...


No mê tempo, quem desse com uma maçaroca de milho incarnado, tinha que pagar uma rodada de bêjos e abraços. Se fosse um moço, dava nas moças, se fosse uma moça, dava nos moços...

Esta, na Descasca de Marmelete, negô-se ô puxo e dé uma ronciada. Mái lá que f'cô contente com a maçarocalha, lá isso f'cô. Qu' ê bem na vi andar o resto da nôte de maçaroca na mão, que nã na largô nem tampôco inqonto andô lá no balho a balhar im forte. Mái dêxamos isso agora da mão...

Ôtra coisa qu' ê cá leví repáiro foi que a Cambra, desta vez, mandô uma camineta com a famila lá da Vila. E fez ela senã bem... Assim, ajuntaram-se mái uma bela mêa-dúiza. E alguns, pr' aquilo que vi, foi a pr'mêra vez que lá foram. Mái nã deram o tempo p'r mal impregue. Disso tenho a firme certeza...

Descasca de Marmelete - 2011
A famila da Cambra tamém 'tava tudo no pagode...


P'r menes, a famila que manda lá na Cambra 'tava tudo ad'vertido qu' até dava gosto. Tanto se faz o Senhor Presidente c'mos ajudantes dele, foi até mái não... Descascaram maçarocas à rôpa toda, c'meram bolo d' alforge, boberam uns calcesinhos dela e, d' ora im qonto, judiavam uns com os ôtros.

E, a pôco e pôco, já nã havia lá nada naquele chão senã um monte f'lhêrascas. Sim, qu' as maçarocas descascadas, essas, já 'tavam drento de sacas de ráfia, im moitons, prontas para serem jogadas p'a drento da camineta da Junta, p'às irem levar p' ô almêxar.

Qu' ê cá, atão, nã l'es posso afiançar qu' o dono tenho fêto algum almêxar. Mái o que era uso fazer-se era isso. Pôr-se-as a secar, todas munto bem estramalhadinhas, num sito d'rêto, adonde panhassem o solinho todo do dia. E f'car-se semp'e com o olho no astro, nã fosse ele vir alguma chuvinha que marafasse aquilo tudo...

Descasca de Marmelete - 2011
Ô fim, inda par'ceram as f'lhozes da Senhora Ester, que sã do melhor que possa ser e haver...


Lá já do mêo pr' ô fim, - c'm' ê cá falí logo no prencipo - vêo, atão, a Senhora Presidenta da Junta, a menina Marta, com uma cesta de fatias de bolo d' alforge e uma garrafinha d' aguardente de madronho e lá foi dando aquilo a quem se quis rapimpar.

A fartura, verdade se diga, nã era munta, mái foi de boa vontade. Lá isso foi qu' ê bem vi que foi. E semp'e deu p'a alimpar as goélas daquela pòzêra que saía da fatana do milho... Havia menino que, entes de provar a aguardentinha, só fazia era tossir. Parecia que 'tava tudo com polmêro. Mái, tã penas impinavam o calcesinho dela, já nã havia tosse denhuma e rôquêra inda munto menes...

Olhem, fica-se p'r quí hoje. Querendem ver o resto dos retratos, acalquem aqui na Galeria da Descasca de Marmelete. E podem ver, tamém, os vídeos, logo aqui mái prebaxinho ó, atão, no YouTube.

E tenham todos munta saúde.






01 outubro 2011

O Banho do Vinte Nove 2011

Banho do Vinte Nove - 2011
Chigaram lá umas moças todas trajadas e com o farnel bem arrenjado...


Em dia de S. M'guel, vai-se ô Algarve e molha-se os caguêtes. P'r menes, era assim qu' os nossos avozes usavam a fazer. Já tinham o almêxar de milho na êra a secar, as alcagoitas pinduradas no sobrado p'a nã abolecerem, fruta, pôca p'r panhar a nã ser alguns margotons mái sarôidos ó peros que venham no tarde... Toca a ir p'ô coçáiro...

Foi o que se deu ontordia, melhor d'zendo, já esta semana. P'a todos os que se oposeram a dar o nome, a Junta arrenjô via - as caminetas da Cambra, 'tá bom de ver - e lá abalô tudo caminho da Praia do Vau. Isto im béspra do S. M'guel à nôte, qu' a gente faz a função à hora da cêa e amargulhamos no mar logo à mêa-nôte.

E isto premode quem? Premode os algarvios, nôtres tempes, terem a mania de fazer cachamorra da famila cá de cima. Chemavam serrenhos à gente, parentes e ôtras coisas inda mái ruins e riam-se duma pessoa ir lá, nã ter rôpa c'mo eles tinham p'a antrar na água e tomar banho im ciroilas, os homens, e as m'lheres im combinação. Nã bastando isso, era-se munto brancáizos e, a maior parte, ficava-se todos insiados tã penas vinha uma onda e molhava os dedos dos pés à gente.

 Banho do Vinte Nove - 2011
Estes dôs tamém qu'seram f'car no retrato...


Este ano, pertí com a minha Maria p'a se ir trajados à moda dos nossos avozes, mái nã dí fêto nada dela qu' a marafada, nem p'r um raça, quis tal coisa e, atão, foi a minha c'mad' C'stóida que se descoseu a vestir a farpela dela. Qu' o mê compad' Jôquim do Barranco, esse, tamém ninguém o fez infarpelar-se com os trajes do antigamente. Quái à hora da abalada, inda me virí p' à minha Maria:

- Ó m'lher, atã que jêto nã te trajares? A c'mad' C'stóida vai...

- Olha, nã m' atentes mái com isso!... Já disse que não, é que não!... Munta sorte já tu t'veste d' ê cá t' arrenjar ali o farnel que me dé um encómado que só visto. F'lhozes de milho, pexinhos da horta, piques de fresneco e aquele grandessíssem'ô tacho de papas qu' inda ali tenho ô fogo a ver se cria umas belas arraspas, qu' é c'm' ê gosto delas... Inda achas pôco?!...

- 'Tá bem m'lher. Nã te marafes qu' isto é só uma conversa...

Acudi ê cá logo, todo munto brandinho, entes qu' ela se danasse e a coisa corresse p'a donde nã me dava jêto a mim... E passí-l'e, logo, a mão p'lo pelo:

- Tens toda a r'zão, Maria. E tenho a firme certeza que nã parêce lá material c'mo este!... F'lhozes de milho c'm' tu fazes, nã há ôtra. Atã e papas com t'mates?... Já me 'tô lembendo e inda nã nas proví...

 Banho do Vinte Nove - 2011
Nã há nada c'm' um tocador de fole p'a ad'vertir a famila...


De manêras que, lá a amansí e ela enregô caminho do quarto da cama, pro jêto, p'a s' ir vestir. E f'quí ê cá mexendo as papas com o colhêrão nã fossem elas ficar com as arraspas quem-madas. Más inda me vêo à idéa mái umas coisinhas que nã podiam faltar lá:

- Maria! Nã ôves?...

- Nhôra? Nã vês qu' ê 'tô-me vestindo, nã oiço bem o qu' é que tu 'tás p' aí a ramocar?!...

- Ó m'lher, era só p'a te prècurar se já puseste uma garrafinha de madronho na cesta p' à gente bober lá uns calcesinhos dela e dar tamém ôs amigos?...

- Lá isso é que tu nunca dêxas passar... Cudado aí com as papas!... 'Tás a mexê-las? Se terem munto fogo, tira-l'e uns tiçanitos p'ra fora, nã vã elas se quem-mar...

- Fogo de más?!... Isto só 'tá aqui quái é cinza debaxo do tacho... Calhando, inda tenho é de l'e pôr mái uma lenhita p' ô fogo nã se apagar...

- Só se coisa munto pôca... Já l'e pus o tempero há um belo pôco, calhando, é caso é p' às tirar do fogo e gôrdar nessa alcôfa que 'tá ai na pelhêra da casa de fora.

- O pior é qu' isto inda é um coisinho cedo - sã o quem, sã pôco mái de sete horas - e elas vã arrefecer e ficam logo im posta, já sabes...

- Arrefecerem, que jêto?!... Atã, nã s' inrola o tacho aí nuns papelons?!... Aguentam quentinhas três ó quatro horas, se fôr preciso... E, más a más, qu' a gente nã se pode descudar com as horas. Bem sabes qu' a camineta abala às oito...

- Pode ser daqueles ali do retraço dos pintos?...

- Pode, sim. Sacode-os bem qu' ê cá já os inrolo.

 Banho do Vinte Nove - 2011
À mêa-nôte, foi quái tudo molhar os artelhos...


E assim se fez. A minha Maria afêçoô p' ali tudo munto bem aconchegadinho e desalvoramos caminho da paraja da camineta qu' era além naquela coisa adonde apoisa o helicóptero. Logo a seguir ôs bombêros, mecêas sabem.

E daí, foi só andar de cu tremido até à Praia do Vau. Más ê cá, leví um raminho de hortelão, drento da alsebêra da camisa, p'a ir chêrando p'r o caminho. E isto premode quem... Premode uma pessoa ir fazer a viaja sem nada no bucho. Nã é que nã prose, mái, de barriga vazia, um f'lano, calhando, pode-se dar o caso de l'e vir umas gasturas e chigar ô fim da viaja um coisinho atarantado.

Olhem... e serviu. D' ora im q'onto, chêrava naquilo, até desintupia as ventas... Foi um descanso. E a minha Maria fazia o memo...

De modes que, ajuntamos-se com aquela famila toda que lá ia, tudo munto ad'vertido, e chigamos im bem à Praia do Vau. Aí, foi só cada qual ajuntar-se com os sês amigos mái chigados, masturar os farneles e rapimpar-se com o que mái gostasse.

A mim o que me dé cobiça foi as belas tachadas de papas que p'r lá havia. Tirando as da minha Maria, nã sê qual delas melhor 'tava. Umas era com t'mates, ôtras com torresmos, soltêras, com brabrigons, com côve, ê sê cá com o que más...

 Banho do Vinte Nove - 2011
Ele inda hôve quem se molhasse por intêro...


Atão e as garrafinhas de madronho que p'r lá andavam?... Cada qual s' apresentava com a sua e todos d'ziam qu' era da boa. Haveram de criar um concurso p'ra ver se eram todas boas ó se algumas nã eram assim tã chigado ô que é bom, c'm' os donos afiançavam. A minha sê qu' é da melhor, méme o ti 'Verruma' 'tando sempre a pôr petafes:

- Tó diebe, tens pr' aqui uma prequêra d' aguardente qu' isto quái que nã se dá bobido!... - D'zia ele, a antrar com-migo.

- Diga lá, ti Zé... Nã gosta desta especialidade? Atã, nã beba... Dêxe lá que, no sê tempo, havera de fazer melhor...

- Pôs fazia!... Tinha alguma comparação com isto?!... Inda tinhas que narcer ôtra vez, Refóias, p'a fazeres aguardente c'm' ê cá fazia...

- 'Teja p' aí calado, ti Zé... Mecêa, às vezes, tamém fazia com cada bodega... Uma vez, até a caldêra dêxô imborrachar. Já nã s' alembra? Até ê cá tinha ido, nesse dia, lá à sua adega com o mê compad' Jôquim do Barranco, levamos umas chôriças p'a assar na forneca, fazemos uma tiborna com o panito quente qu' a prima Larinda tinha cozido nessa tardinha e inda t'vemos que l'e 'tar a ajudar a limpar aquela trugia toda...

- Nã m' alembra nada disso... Vê lá s' isso nã se deu mái foi contigo, na tua adega lá da Refóias...

- Ó mê belo amigo, nã se ponha com coisas que cá o Refóias nunca dêxô imborrachar uma caldêra... E já fiz muntos centos de estilaçons...

C'm' é qu' o ti Zé Caçapo s' havera d' alembrar, nã l'e convinha... E, malino c'mo ele é, arrenja semp'e jêto é de desfazer nos ôtros...

Bom, mái dêxemos lá isso.

 Banho do Vinte Nove - 2011
D' ora im q'onto, vinha uma onda que andava tudo de zambareta...


O qu' ê l'es posso d'zer é que, comendo, brincando e mangando, o tempo passô-se que nem um foguete e, im menes de nada, chigô-se à mêa-nôte.

- Vá ti Zé, venha dái, vamos ô banho!... Descalço já 'tá, agora só falta pôr-se im ciroilas... Ele, frio nã faz nenhum. Isto quái que imita o verão...

- 'Tás parvo, Refóias?!... Vai tu, se quereres... Ê cá nã me meto nisso!...

-Atã, tem medo de s' afogar? Nã tenha medo que 'tã ali dôs môces que salvam qualquer um em sendo preciso...

- Vai-te...

- E mecêa, c'madre C´stóida, tamém nã vem? Venham daí, punhana!... Maria!... Compad' Jôquim!... Mái atão vancêas sã c'm' os gatos, têm medo da água?...

Ô certo, ô certo, é que só ê cá é que molhí os calcanhares. Sim, que, com água dos artelhos pra cimba, nã me afiturí. Qu' ê sê nadar pôco melhor que nem um prego e o mar 'tava um coisinho alterado. Cá p' ô mê gosto, 'tá bom de ver... Mái, méme assim, f'quí todo pingando até às v'rilhas, qu' a água assubiu-me pr'as ciroilas acima e ele inda hôve tamém p'a lá um ingraçadinho que dé um margulho méme ali ô pé de mim só p'a me salpicar todo.

E pronto. Acabô-se o Vinte Nove deste ano.

Querendem ver mái retratos, acalquem na Galeria do Banho do Vinte Nove de 2011. Ó, atão, tamém podem ver no Picasa.

Passem todos munto bem e até qu' a gente se veja.

07 julho 2011

As Pedras da Picota (Sienito nefelínico)

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
Verdade se diga, a Serra de Monchique tem sido Mãe d'a gente todos...


- Falando da Picota, ele andam p'r'í uns zum-zuns que há quem quêra fazer p' além mái umas pedrêras...

- E é bem verdade, sa senhora. Premode isso, ontordia, dí-me ô trabalho e fui ali à Caxa Agrícola, a uma reunião qu' eles fazeram p'a falarem desse caso.

- Atã e nã me disse nada?!... S' ê cá sabesse, tamém tinha ido...

- Olhe, ti Zé - era o ti Zé da Côrcha a falar com-migo - nã me leve a mal más ê cá tamém nã sabia. Calhô foi a ir nesse sáb'do, despôs do almoço, até ali ô alto da Praça e dar de frente com o parente Zé Caçapo na conversa com o mê compad'e Jôquim do Barranco.

- E o qu' é qu' isso tem?!...

- 'Pere aí qu' ê já le digo.

- Já 'tá a enventar...

- Que jêto?!... Os homens vinham tã emprensados na conversa um com o ôtro, com uma latomia qu' ê cá até cudí que tinha morrido alguém da famila... Olhe, nem deram p'r mim...

- E iam p' à Caxa Agrícola?

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
Os que 'tavam contre eram más...


- Nã senhora. Iam a tramelear a respêto dessas tás pedrêras que vomecêa falô inda agora.

- Ah, atã eles tamém tinham ôvisto d'zer alguma coisa a esse respêto...

- Pôs tinham. Mái nã se davam era intendido os dôs. Um que toma, outro que dêxa e cada qual clamava p'r sê lado.

- Atã e despôs?

- Despôs, tive que ir, assim, d'rêto a eles, dar um encalhão no ti Zé Caçapo - o "Verruma" l'e chama a gente - e foi c'mo eles deram notiça de mim. E, aí, meti-me tamém na conversa e foi q'ondo eles me d'zeram que, dali a um coisinho, ia haver essa runião na Caxa.

Voltí-me p'ra eles:

- Atã s' a gente fosse tamém ver o qu' é qu' os homens têm lá p'a apresentar?...

- 'Tá bom de ver qu' o ti Caçapo disse logo que sim. Agora o sê compad'e nã sê, nã sê... O homem, béque-me, tem medo desses sitos.

- D'zer a verdade, o mê ompadre é assim p' ô vergonhoso mái, inda assim, nã se fez munto fêo. E lá abalamos.

-Atã e que tal?

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
Assantados à mesa 'tavam lá uns dôtores. O da ponte de cá nã 'tava lá munto sast'fêto, nã senhora...


- Ora... É o de c'stume. 'Tavam uma remessa deles assantados num mesa, tudo dôtores, a darem a lição e os ôtros, c'm' à gente, da banda de cá, assantados cada qual na su cadêrinha, à escuta do qu' eles d'ziam.

- E falaram bem?

- Falar, falaram. Más aquilo era assim: os de cá de Monchique eram, béque-me, tudo contre. Ó se nã eram todos, faziam de conta. Os que nã eram de cá, punhana!, era tudo a favor.

- Atã, marafaram-se uns com os ôtros... Ai logo ê cá nã ter ido!...

- 'Pere aí, ti Zé, qu' isso nã foi bem assim. Inda hôve p'a lá uma quesilha com senhor Presidente e um dôtor que vêo, calculo ê cá, de Faro, mái aquilo nã teve dúv'da. Agora lá com uns estrangêros que se metiam no mêo da conversa dele é que a coisa teve que se l'e d'zesse.

- Ah, 'tavam lá estrangêros... E o qu' é qu' eles têm que se meter no caso?...

- Têm. Atã nã vê, eles moram já bem muntos àlém p'r aqueles charazes. 'Té l'e digo más: 'tavam lá mái estrangêros a ôvir aquilo do que memo cá dos nossos. E fique sabendo, eles inda eram os que 'tavam mái inrèxados com aquilo tudo. Levaram lá uns cartazes e tudo...

- P'a impertenecerem os ôtros?

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
O senhores Presidentes da Assemblêa M'nicipal e da Cambra tamém lá 'tavam assantados...


- Sa senhora, ti Zé. P'a d'zerem que sã contre.

- E lá esses tales dotôres nã se importavam?

- Ai nã s' emportavam... Aquele qu' ê cá disse que vêo de Faro chigô a um ponto que 'tava tã infèzado, tã infèzado, qu' ê cá vi jêtos dele abalar porta fora. É que havia lá umas alemôas que, d'ora im q'onto, nem no dêxavam falar...

- Atã e que jêto a famila nã querer dêxar eles tirarem as pedras de lá da Picota? Aquilo fazia algum mal? Só a mim ninguém me tira as que 'tão lá interradas nos mês cantêros. Q'ondo calha, dô-l'e com cada inxadada qu' até faz faísca...

- Ó ti Zé, nã sã pedras dessas, home... O qu' eles querem é arrencar aqueles moledos munto grandes que há debaxo do chão, c'm' fazem ali na Nave. P'a blocos e brita e essa coisa toda.

- É da manêra que arrenjam sito p'a muntos trabalharem...

- Sê cá se é p'ra muntos se é só p'ra mêa-dúiza qu' eles trazem logo lá d' adonde são?... Desem-magine-se qu' isto agora é tudo fêto com maquinaria.

- Mái semp'e hõ-de dêxar cá alguma coisa. Vã ôs cafés, ôs restarantes...

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
Inda assim, ajuntõ-se uma bela famila lá na Caxa p'a os ôvir...


- Isso hã-de ir. Atã e o resto? O mal que fazem?

- O qu' é eles poderão fazer p' aí assim tã ruim?

- Olhe, à uma, estafajam a Serra toda que nã se pode olhar p'ra ela, à ôtra, escalavardam aí as estradas adonde passam com esses camions carregados com um peso de bruteza.

- A Cambra logo as arrenja...

- Com que dinhêro? Atão eles vã pagar os impôstos é lá adonde eles pertencem... Nã sê se sã de Lisboa, se do Porto, se d' adonde são...

- Disso nã intendo nada...

- E ôtra que tamém tem que se l'e diga...

- Inda más?!...

- E a pòzêra p'a quem mora lá ô pé e samee lá umas batatas, um milho, umas bejoarias e tenha umas arvezinhas p'a c'mer uma frutinha em chigando o tempo dela?...

- Isso aí é que já é pior... Se me estragam uns albricoques qu' ê cá tenho ali que sã uma lindeza, má da volta...

- E há munto mái coisas, nã cude. O qu' é que 'tá agora aí a amentar todos dias?

Exploração de feldspatos no concelho de Monchique - Sessão pública de esclarecimento
Posto qu' a maior parte dos que 'tavam lá eram estrangêros. E danados qu' eles eram...


- Sê cá?!... O preço das coisas...

- Atã nã é os turistas? Mòrmente aqueles que gostam de andar à pata aí p'r essas veredas? Esses nunca mái além põem os pés, fique sabendo.

- Sabe-se lá... E isso já f'cô memo resolvido eles fazerem essas pedrêras?

- Nã f'cô nã senhora. Eles, agora, só querem é que os dêxem fazer p'r' í umas experimentaçons a ver se a coisa vale a pena. Despôs, logo se vê. Más sabem eles já, nã cude...

- Ah, isso, é mái que certo qu' eles já sabem muntíssemo de bem o que têm no sentido.

- Atão, aprecate-se que, daqui p'r dôs ó três anos, vai haver novas... Assim ê cá m' ingane.

Mês belos amigos, pensem vomecêas tamém no caso e, em havendo mái alguma reunião, vamos lá todos e cada qual que digo aquilo que acha bem ó mal. E logo se vê.

Dés l'e dê saúde a todos.

07 junho 2011

Dia da Espiga 2011

Dia da Espiga 2011, Monchique
A mêo da manhã, lá abalí caminho do Barranco dos Pisons com a famila da Junta...


Mái uma quinta-fêra d' às-sunção, mái um Dia da Espiga. E quem é que nã havera d' ir p' ô coçáiro num dia destes?!... Atã ele até é o feriado cá do nosso concelho... E digam-me lá se nã foi uma coisa bem pensada? À uma, que semp'e t'vemos este c'stume - quer-se d'zer, más as m'lheres qu' os homens... - de s' ir p'r 'í panhar flores p'a fazer o Ramo da Espiga. À ôtra, calha semp'e ô dia de semana - quinta-fêra...

D'zia-me o parente Tóino Rabaça, uma tarde destas, - foi no Domingo - àlém no adro da igreja, contando-me que a m'lher dele, a parenta Larinda do Tòjêro, tã penas chigô a casa, nessa tarde de quinta-fêra, assim pindurô o Ramo da Espiga p' trás da porta da antrada e aventujô o ôtro que lá tinha do ano passado:

- Se nã fosse isso, c'm' é q' uma pessoa, despôs, tinha saúde, sorte e fartura tod' ô ano?...

- Pôs, pôs. E alegria, tamém. E o qu' é qu' a gente fazia, em se vendo aflitos premode os trovons?...

- Inda más essa. É qu' aquilo, em fazendo trovons, uma pessoa quem-ma um pèzinho daqueles - p'r exempes, um coisinho d' olvêra - e jã nã cai nenhum perigo adonde a gente 'teja...

Dia da Espiga 2011, Monchique
E ia tudo munto advertido...


- Tal e qual, parente. Sem tirar nem pôr, foi o que se deu, inda este enverno. Uma ocasião, já bem de nôte, vem um trovão, ôvi-se aquele grande barrano, a minha Larinda, qu' é do mái medroso que possa ser e haver, panhô uma rabana tã grande ó tã pequena, abala a fugir da cama d'rêto à casa de fora, nã tardando nada, já ê cá me chêrava a chamusco...

- Quem-mô-se nalguma brasa do lar ó o perigo tinha caído lá?...

- Nã senhora, parente!... Foi b'scar a caxa de forfes, puxô fogo ô Ramo da Espiga, aquilo 'tava já bem munto seco, alô im menes de nada...

- Atã dé fim dele todo logo duma assentada...

- Olhe, quái que dava... Mái, d'zer a verdade, ê cá tamém m' alevantí logo atrás dela, dí-le uma manita e inda l'e salví uns q'ontos panascos.

- E os trovons, parente? Desparceram ó quem?...

- Inda soô ôtro, bem forte, ali p' ô perto, mái a gente usa tamém a pedir logo à Santa Bárba e demos em ôvi-los lá mái p' ô longe...

- Santa Bárba bendita, que no céu 'tá escrita e na terra...

- Foi isso mémo, parente Refóias. Foi isso mémo... Aquilo, a santa Bárba, é uma santa que nunca falha. Em havendo trovons, rezo-l'e semp'e a oraçanita dela. E veja lá se já alguma vez me caíu algum perigo im cimba da minha casa. Nunca!...

 Dia da Espiga 2011, Monchique
D'ora im q'onto, panhava-se mái uma florzalha p'a compôr o ramo...


- Atã, daquela vez que mecêa inda morava lá na Chã da Mula Velha, nã se deu uma coisa dessas? Diziam pr' aí, béqueme, que tinha caído lá um perigo...

- Mái nã foi im riba da casa, parente... Foi numa sobrêra que 'tava lá quái no bico do cerro, uma bela sobrêra, más inda era longinho do mê monte. Uma coisa assim c'm' daqui àlém a S. Roque. Mái estrameceu tudo, nã cude...

- Numa sobrêra, parente Tóino? Mái, atão, ê cá tinha idéa que foi madronhêro...

- Ehq!... Só se caíu mái algum im tempos qu' ê cá inda nã morava lá. A sobrêra até f'cô toda arrachada e perdé-se e tudo... Aquilo antrô-l'e pro bico, vêo pro tróço abaxo im parafuso e meté-se pra terra adrento, veja lá...

- E a sobrêra caíu logo im fanicos?

- Nã... Ela arrachô d' alto a baxo, f'cô com a corcha toda descolada, mái levô inda um belo tempo a cair p' ô chão. Pr'mêro, secô-se. Despôs, passados aí uns três ó quatro envernos é qu' o tróço f'cô todo podrido e ela amajulô no chão.

- Pro jêto, aquilo era um sito munto dado a essa coisa dos trovons...

- Ora se era!... Eles, béque-me, até atraíam lá. Havia quem d'zesse que, drento do cerro daquela banda de lá, logo preciminho da pôça do córgo alto, havia umas pedras que tinha azôgue e, atão, os trovons acudiam lá todos...

 Dia da Espiga 2011, Monchique
A mêo do caminho, ó pôco más, já ele havia quem t'vesse uns ramos mái vistôsos que sê cá o quem...


- Mái, voltando ô que se 'tava a falar, que tal achô a festa lá no Barranco dos Pisons?

- Cá p'ra mim foi do melhor. Ali a mêo da manhã, meti-me na camineta da Câmbra, levaram-me até lá, já a minha Larinda tamém lá 'tava que tinha ido a pé com a famila da Junta p'a arrenjar o tal Ramo da Espiga. Ôvi a missa assantado numa pedra lá à rés do barranco e, despôs, inchi a barriguinha com umas coisas que puseram lá p'r aquelas mesas...

- Pôs... Ele era frango assado, panito do casêro, bolo de tacho e p'r 'í fora... P'a nã falar numas garrafas que tamém lá 'tavam...

- Cale-se aí, parente!... Vinho, melosa, aguardente... Cada qual apresentava o melhor que tinha. Ê cá proví umas q'ontas, más aquela do ti Costa... Ai a do ti Costa!... Homem marafado!... Aquilo nem se sentia às goélas abaxo...

- Era da boa, sa senhora, qu' ele tamém me deu um calcesinho e sôbe-me que nem ginjas. Más ê cá 'tava mái afalcoado que vomecêa qu' ê tamém fui à pata désna da Vila até lá, atrás da famila da Junta.

- Nã t'vesse sido parvo. Fosse com-migo na camineta que nã se pagava nada... Se 'tava com medo pagar b'lhete, já sabe que a Câmbra nã leva nada. É tudo de graça.

- Lá 'tá mecêa!... Nã foi lá premode isso. Ê cá é que gostí d' ir assim a pé. Bem sabe qu' é uma coisa qu' ê gosto de fazer é andar...

- E que tal?

 Dia da Espiga 2011, Monchique
A Missa Campal, 'tá bom de ver, é tôdes anos no mémo sito...


- Ora... Foi do melhor. A lonjura nã era munta, a companha era boa, aquilo, a maior parte da famila era mulherio e moços-pequenos - aqueles meçalhos fardados de calçanitos e camisa v'rde-negra...

- Ah, os escutêros...

- Sa senhora. E já sabe c'm' é que é o mulherio. Vai semp'e tudo na galhofa... Era a ver qual é que se apresentava com o Ramo da Espiga mái bonito. E olhe que parceram lá algumas que saberam compor aquilo muntíssemo de bem...

- Parente, nã conhece aquele ditado que d'zia: 'quem sabe da luta é quem na labuta'? E elas é que lidam com flores é que sabem compor o Ramo...

- 'Tá bem visto... Já há bem munto tempo qu' ê cá nã ôvia essa. Tamém vomecêa sabe bober umas boas copadas d' aguardente. Toda a vida panhô madronho e o estilô...

- E mecêa, não?!... Olhe que lá nesse dia, ê bem no vi já com olhos todos piscos e a rir e mangar c'm' nã é sê c'stume...

- Isso é que 'tava sast'fêto...

- Ê bem vi que 'tava. E sê munto bem o perquém. Foram aqueles calcesinhos dela que mecêa imborcô lá da do ti Costa masturada com a d' ôtres amigos que tamém levaram umas garrafinhas da deles...

- Nã diga isso, parente Tóino!... Inda alguém cuda pr' aí qu' ê cá sô algum relaxado...

- Nã digo tanto. Mái que mecêa, parente Refóias, já 'tava um coisinho escorvado, nã diga que nã 'tava...

- Alguma vez?!...

 Dia da Espiga 2011, Monchique
À hora das sopas, parêce semp'e alguma coisinha p'a se dar ô dente...


- Atã e despôs, naquele estado, c'm' é que dé voltado p'a casa?

- Nã goze qu' ê cá nã 'tava escarado. Vá lá que 't'vesse, assim, um coisinho p' ô antrado... Más, olhe, despôs daquilo tudo, tive lá um amigo bom que me vêo trazer à porta de casa. Calhô-me mémo ô queres. Nã tive que 'tar à espera da via da Junta nem de me pôr a andar ôtra vez a pé...

- Quem é ruim, tem semp'e sorte...

Pronto, mês belos amigos, foi assim a minha quinta-fêra d' às-sunção, mái conhecida por Dia da Espiga.

Querendem ver mái mêa-dúiza de retratos desse dia, acalquem aqui na Galeria do Dia da Espiga.

E, já agora, vejam tamém este video da Missa Campal lá no Barranco dos Pisons:



Ó, atão, vejam aqui todos os 'Videos Refóias no YouTube'

E, fiquem-se com Dés.

18 maio 2011

Em Dia de Vera Cruz...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
A Senhora do Pé da Cruz e o sê rico f'lhinho, pobrezinho, fêto num frangalho...


Im Monchique, no três de Maio, dia de Vera Cruz, inda se usa a ir à missa à Igreja do Pé da Cruz. E, este ano, isso dé-se, c'm' de c'stume. Ê cá fui lá más a minha Maria. E o Vergil Penusga tamém lá parceu. Mái só m' incontrí com ele já no fim daquilo tudo, qu' a famila era munta e a ermida nã é nada camposa.

Tamém, nã sê que jêto terem quái todos o mémo c'stume marafado de, à medida que vã chigando, im vez de se acomodarem lá p' à frente p' ô pé do altar, ficar tudo logo ali ô pé da porta. Ora, os que chegam ô fim, c'm' ê cá m' aconteceu, têm que f'car ali da banda de fora... Ô sol, à chuva e ô vento, consoante o tempo que faça, tá bom de ver...

D'zer a verdade, desta vez, panhí ali uma soalhêradanada nos cascos que chigô a pontos q' até cudava que já tinha os miôlos a fritar. E mái q' uma pessoa ingrilasse lá p'a drento, nã dava visto nada premode tar incandeado do sol. E, ôvir o qu' o senhor Prior diz, só espetando munto bem a orelha...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
A Vera Cruz, calhando, nã tem nada im ser esta...


- Olha o Vergil!... Atã tamém vieste à missa hoje? Mémo ô dia de semana?!...

- Que jêtes não?!... Foi semp'e mê c'stume vir a esta festa, nã havera de faltar agora que já tô fêto num caneco e, nã tardando, tarê qu' ir prestar contas ô Criador...

- Cruzes!!... Mái que conversa é essa, primo Vergil?!...

Saltô logo a minha Maria, toda chêa de cagufa, qu' ela inda é um coisinho mái velha do que ele e alembrô-se que a hora dela tamém nã havera de tar munto longe...

- Eh'q, ê cá semp'e gostí de vir à missa, mái dá-me uma grande paxão olhar ali p' à imaja da Nossa Senhora com o filhinho dela no colo, morto e todo chêo de feridas... Olhem, désna da pr'mêra vez qu' aqui antrí, faz mái de cinquenta e tal anos, f'quí com esta coisa na idéa...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
Em Dia de Vera Cruz, abre-se a porta da Senhora do Pé da Cruz...


- Mái, dêxando isso da mão, nôtros tempos, isto nã era assim só uma missazalha, ô fim da tarde, p'a mêa-dúiza de gatos pingados. Era uma festa c'm' devia de ser...

- Pôs era. Mái atão, isto os tempos tão todos mudados. E munta sorte temos a gente d' inda haver quasequer coisa...

- Lá isso é verdade. Mái c'm' à coisa vai, nã sê, nã sê... Já repàiraste c'm' é tão ali as paredes da parte de drento da Capelinha?

- Já vi, sim. Munto bem, até. B'larentas qu' até dá dó e o cafelo todo a cair... Mái nã vás sem reposta qu' isto já foi fêta há mái de 330 anos, mê belo amigo...

- O quem?!... C'm' é que tu sabes disso? Ó tás a querer antrar com-migo?...

- Olha àlém pr' àquela pedra p'r cimba da porta e logo vês o qu' é que diz lá...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
...e, quái ô solpostinho, há uma missa p'a quem quêra lá ir...


E nã é que diz mémo lá qu' a ermida foi fêta na era de 1680?... Aquilo custa-se a ler que, p'ra mim, é quái béque-me latim, mái foi um tal Afonso Anes qu' ê cá nã l'es sê d'zer quem ele era que mandô fazê-la e des qu' a pagô da alsebêra dele. Bendçoado!...

- P' à idade que tem, até que nem tá assim munto velha... Nã te parêce, Vergil?

- M't'ôbrigado... Já foi arrenjada q'ontas vezes despôs disso?... Até já l'e prantaram ali umas imajas fêtas de cera p'a l'e dar ôtros ares. Nã nas viste ali ô pé das janelas?

- Atã nã vi?!... A minha Maria prècurô-me s' aquilo tamém sariam do tempo antigo. Mái, despôs, é qu' a gente l'e descorreu qu' elas eram das qu' eles fazeram p' aí, o ano passado, na Semana Santa. P'a serem das deste ano, já tão assim um coisinho enravelhadas...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
Ac'modaram p'a lá umas estátuas de cera fêtas o ano passado...


- Sã do ano passado, sim, qu' ê cá sê que são. Elas tão assim tã enravelhadas nã sê s' é premode calor que panham ali no verão ó se do qu' é que é, mái uma coisa te digo, um destes dias inda derretem p' ali todas. A pomba até já tem a asa aberta...

- Atão, s' ela tá, béque-me, a querer voar, nã admira ter a asa aberta. As duas asas...

- Nã é isso, parente! Tem mémo uma asa esbrocada. Aquilo foi a cera que ressequiu e abriu uma fresta. Ó saria o artista qu' a fez que quis dêxar logo aquilo assim?

- Só-se!... Alguma vez o homem ia fazer uma coisa dessas?!... Atã, eles tão dejando é de fazerem tudo o mái bem fêtinho que possa ser e haver...

- Olá!... Isso é o que tu cudas... Inda ontordia hôve quem me d'zesse que lá no estrangêro tem havido quem faça mêa-dúiza de riscos num papel que ninguém sabe o qu' aquilo representa e despôs dizem qu' é um quadro do melhor e vendem-no p'r uma fortuna...

Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, Monchique
... mái, andam, andam, inda elas se derretem sem ninguém dar por ela...


- Isso é os estrangêros que sã todos parvos. Agora a gente que somos escretos, nã se dêxamos ir atrás disso...

- Pôs é. Somos tã sabidos, tã sabidos que tamos c'm' tamos...

E a conversa desandô p' ô lado da política. Qu' isto, agora, anda aí tudo enfluído com o falatóiro dos partidos. Uns que fazeram ôtros que nã fazeram, uns que fazem ôtros que nã fazem, uns que vã fazer ôtros que nã vã fazer. Mái esses assuntos nã são pr' aqui ch'mados.

E, atão, munta saudinha p'a todos e até à ôtro dia.