25 outubro 2007

Uma Tiborna do melhor

Uma Tiborna
P'a uma tiborna precisa-se d' azête, alho que nã falte e uma pedrinha de sal...

Um destes dias, um amigo daqueles bons convindô-me p'a ir à casa dele ajudar a c'mer p'a lá um pedaço de pórco. P'a bem falar, aquilo nã era bem pórco dos nossos, aquilo era béque-me desses brabos qu' andam aí p'r os cerros e, à nôte, vêem afossar tudo o qu' uma pessoa tenha calhado a samear aí nos cantêros.

Nã sê adonde é qu' ele foi b'scar aquilo, mái - p'r o jêto, eles já vendem carne dessa aí im quái tôd's os talhos - calhando, comprô-a. E bem cara l' há-de ter custado qu' eles valem-se daquilo, um pessoa qualquer nã nos poder criar aí num curral e, atão, atancham a unha no freguês.

Más isso, lá o preço, tamém nã conta munto qu' o mê amigo e parente é homem de posses e nã é por aí qu' ele dêxa de fazer umas pangalhadas de javali e convindar os amigos qu' ele lá munto bem intende. E fez ele senã bem im me dar uma vaiazinha a mim e à minha Maria qu' a gente até se pela p'r coisinhas daquelas.

Bom, más o qu' ê cá l'es queria falar inda nã era bem disto. Era do qu' a gente s' alembrô de fazer às tensas de se ter a tarde toda p'r nossa conta e, c'm' jogar às cartas ninguém 'tava ent'r'ssado - fartos de jogar ôs três-setes já a gente 'tá... ó quem diz ôs três-setes, diz ô porro ó à bisca.

Diz-me ele, nas béspras:

- Ó ti Refóias, atã e s' a gente, amanhã, a seguir ô assado, aprevêtasse ali o mê forninho inda 'tar quente, l'e pusêssemos mái uma lenhita - pôca - e fazia-se tamém uma cozedura de pão? Nã tenho é léveda qu' a que se dêxô da ôtra abol'eceu...

Uma Tiborna
A seguir, um panito, inda quentinho, e uma garrafinha de vinho...

- Atão, é só a gente se opôr... Tem-se é que resolver isso hoje p' à m'lher ter tempo d' acrecentar p' ali o fermento, que léveda tem a minha Maria com toda a certeza. Se há coisa qu' ela nunca se desquece é tirar logo um coisinho de massa tã penas c'meça a tender...

- S' ele é lá por isso, fale lá com a ti Maria e veja s' ela incaminha as coisas à manêra dela, qu' ê cá vô-me já d'zer à minha p'a s' aprecatar ali com os altrafices tôdos p' àmanhão 'tar tudo im orde.

- Atã, fica-se combinados. As m'lheres alevantam-se de manhã, amassam as duas logo, qu' é p' a dar tempo à massa de crecer e 'tar pronta p'a tender tã penas tires o assado do forno e a gente, s' haver precisão, vai-se b'scar um fêxinho de lenha p'a l'e dar mái um calorinho.

- Qual o quem... Tenho ali lenha que dá p'a assar um pórco intêro e fazer q'ontas cozeduras mecêa quêra...

- Olha, melhor p' à gente que nã se tem qu' alancar com esse peso na lombêra...

Mái, a conversa f'cô p'r 'qui e ê cá nã cheguí a saber ôtra coisa qu' ele tinha im mente. Só no D'mingo, já as m'lheres 'tavam quái a acabar d' amassar, é qu' ele se descoseu:

- Sabe uma coisa, ti Refóias?... Ê cá ontem nã l'e disse logo, mái resolvi a fazer uma fornadinha de pão nã era qu' a gente nã t'vesse inda uns panitos p' ô gasto da casa, fêtos a semana passada...

- Atã e que jêto te dar p'a cozer mái pão s' inda aí tens que chegue?

- Foi p'a fazer uma supresa aí ô resto da famila que vêm cá. Em eles comendem o pórco todo, q'ondo mal s' aprecatem, apresent'-l'es com uma tiborna im cimba da mesa qu' até vai lendo...

Uma Tiborna
Despôs, é só comer e bober...

- Olha que nã 'tá mal pensado, nã senhora... O pior é qu' há-de 'tar já tudo de bazelga chêa e, calhando, nã pegam na tiborna...

- Ai nã pegam... Dêxe que logo vê. Ponho-l'e ali um azêtinho do bom, alho que nã falte e uma pedrinha de sal ô consoante, até se lembem... E, más a más, que se tem a tarde toda e a noite p'a s' entretermos...

- Nã digo que não, mái nã sará decomer a más?...

- Atã e um v'nhito alentejano qu' ê cá tenho ali p'a ajudar a escorregar à goéla abaxo?... Pósto consigo c'm' nã sobra nenhum...

- Lá no que diz respêto ô vinho, há-des ter r'zão, sim... agora a tiborna... sê cá... Ele até des que convindaste aí famila que nã é cá da serra, calhando, nem sabem o que é uma tiborna...

- Descanse qu' em eles l'e tomandem o gosto, aprecêam. E s' algum nã gostar, inda tenho ali uns barbiganitos p'a abrir...

E a coisa f'cô assim.

De manêras que, à medida que se fez horas, chigô-se tudo p' à menza, foi-se comendo e bobendo, d'zendo umas chalaças e o tal vinho alentejano a dar efêto. E, ali já p' ô mê da tarde, panito a se cozer no forno...

Foi foi, foi foi, aquilo fazeram-se horas do tirar e nã se podia a gente descudar munto nã fosse a côida f'car p'a lá munto quem-mada e, despôs, o pã nã tinha graça nenhuma. Ora quem é qu' havera de fazer tal serviço?... Acabedô-me a mim.

Uma Tiborna
Nesta tiborna qu' a gente fez, era à bicha...

Logo, puseram-me a pá nas mãs, o campo era pôco, roçí com cabo na parede. Vá lá que nã foi com a frente... Despôs fui p'ra ir metê-la drento do forno e tirar o pão, nã dava aberto a porta. Tamém, estes fôrnos modernos, agora, pôem-l'e umas portas de ferro p' ali com uma aldraba qu' um homem nem percebe c'm' é qu' aquilo fonciona...

E, inda p'r cima, 'tava quente duma tal manêra que me quem-mí nas pontas dos dedos. Inda ê cá aqui tenho o sinal das borrefas no sito adonde sigurí na aldraba... E, se nã é ter logo ali o barredoiro à mão, inda molhado, p'a alimpar os dedos e rafrescá-los, 'tava o caso mal parado...

Mái, tirando isso, só o que me vi inda impeçado foi p'a dar infiado a pá na porta do forno, qu' o resto corré tudo bem. E, tamém, nã era caso p'a admirar: a porta é pertada e a pá larga qu' ê sê cá... Parêce daquelas d' aventujar o trigo na êra...

Eles inda p' lá d'zeram qu' era ê cá que já 'tava um coisinho escorvado com o tal vinho alentejano ali da Vidiguêra, mái ninguém acraditô. E mecêas tamém nã quêram crer nisso, qu' aquilo nã passa conversa deles só p'a ver se me dã fêto invergonhar...

Más a coisa lá se compôs e, com uma manita da minha c'madre, nã foi nenhum aparar ô chão.

Aí, em vendo os panitos todos no tab'lêro, nem teve precisão do dono da casa d'zer nada, p'a fazer a tal supresa. Hôve logo um que s' acusô:

- Atã e s' a gente fazesse uma tiborna?... Com o panito, agora, quentinho era do mái lindo...

Uma Tiborna
As moças da cidade têm que ter munta conta com as unhas ó ficam enzêtadas...

Mái ninguém disse nada, béque-me imbatucados de 'tarem im casa alhêa, e ê tamém me f'quí, fazendo conta que nã era nada com-migo. Más o dono da casa já lá 'tava na cozinha agarrado a um prato e vá de l'e prantar alhos p'a drento.

Pôs, o que l'es digo é qu' aquilo, tã penas caí im cimba da menza, era, à bicha, tudo agarrado ô pão, méme quente a dêtar fumo, e vá do molharem no azête e c'mer q'onto mái melhor. Par'cia eles qu' inda nã tinham c'mido coisíss'ma nenhuma nesse dia...

Só as meçalhas pequenas é qu' inda nunca tinham visto tal coisa, nã se resolviam, p'r menes, a provar. Lá andavam as mães de roda delas: "come filhinha, come qu' é bom!...". Qual come nem qual o quem!... As meçalhas olhavam p' ô pão insopado d' azête, p'r o jêto, chêrava-l'e um fedor a alhos qu' era um desparate, quem é qu' as fazia ingolir tal coisa...

Más ele hôve lá uma dessas mães que teve-se barimbando p'ra isso. Era uma moça assim espigada - nã m' alembra o nome dela... - via-se qu' havera de trabalhar numa cabelerêra ó coisa assim, com as gradessíss'mas unhas e munto bem arrenjadas qu' ela tinha.

Pôs nã l'es digo nada, jogô-se a molhar sopas e a imborcar nelas, até nas unhas ela acartava azête p' à boca... Más aquilo é c'm' q'ondo se come barbigõs. Chupa-se bem os dedos e bebe-se mái um calcesinho de vinho... Foi o qu' ela dé im fazer. Bençoada!...

Bom, vô más é me calar, senã vomecêas aborrêcem-se com-migo. Em l' apetecendo uma tiborna, façam c'm' à gente: cozam panito e, tã penas o tirem do forno, joguem-se a ele, com azête, alhos e um coisinho de sal. E tamém há quem l'e ponha açucre ó sumo de laranja. Más ê cá nã gosto munto.

E até qu' a gente se veja. Tenham tôd's munta saúde.

19 outubro 2007

O Borda d' Água

Tabua - planta silvestre
A atabúa, em 'tando seca, é do melhor que há p'a arrenjar vasilhas que dêxem ir...

Esta tarde, 'tava ê cá munto bem, ali à porta da arramada, a dar aqui um jêto às minhas unhas, com uma faquinha d' alsebêra que me saíu na carmesse da fêra d' artesanato de Marmelete, q'ondo nisto, desato a ôvir uma sobiada ali às sobrêras abaxo.

Pus-me à escuta, quem havera de ser, quem nã havera, lombrigo o Martinho do Almarjão. Lá vinha ele sobiando uma moda qu' ê já tenho p' aí ôvisto na Rádio-Fóia, béque-me daquele marafado que toca fole e canta umas coisas assim mái p' ô malcriado que ôtra coisa, o tal Quim Barrêros.

Pôs o Martinho - o Pata-Rasa, l'e chama a gente - com aqueles grandes pèzarrõs, foi c'm' uma fita, e, im menes de nada, 'tava à ponta da minha rua. Aí já tinha aparado de sobiar, dé assim um tossido ó dôs, puxô o lenço da alsebêra e assoô-se com toda a força, c'm' quem 'tava a dar de vaia.

Más ele, tamém, dé logo com-migo ali debaxo do alpendre e falô-me:

- Eh, Refóias, atã 'tás bom ó nã queres d'zer?...

Vi logo que já andava ali uma copadinha a más...

- Eh, Martinho, o qu' é que fazes p'r 'qui, hó?... 'Tás bom c'm' parêces?

- Ora 'tô bom... 'Tô do melhor!...

- Atã, essa é qu' é a tu canita, agora? Morde... ó posso-l'e fazer uma festa?

- Faz à vontade qu' ela é mansinha... Penusga, anda cá aqui!... Nã vês que mansinha qu' ela é... 'tá semp'e a abanar o rabinho...

- E 'tá bem tratada... com o pêlo todo lustroso... e farto...

- Lá isso, atão, se tenho os bichos, é p' ôs tratar bem... Nã é c'm' lá um v'zinho meu, que tem um cão qu' aquilo só tem a pele e os ossos... Vêem-se-l' as costelas todas que parêce ele que drome drento duma canastra...

- C'm' é qu' a famila faz coisas dessas...

- Más, olha, vinhe cá p'a ver se tu me despensavas ali uma folhinha ó duas d' atabúa - qu' ê sê que tu tens isso ali im baxo, ô pé do tãinque - p'a ê cá ver se dô vedado uma vasilha de madronho que me 'tá a dexar ir e ê nã posso ter aquilo assim.

- Ó mê belo amigo, leva as que qu'seres!... Vai-se já ali tratar disso...

- 'Tá bem, mái, entes, diz-me lá uma coisa: Já compraste a folhinha p' ô ano que vem ó inda não?

O Borda d' Água
Quem é que pode passar sem o Borda d' Água, senhor...

- Olha, inda nã tive jêto... E tamém nã sê s' ela já saíu...

- Atão, aqui a tens que dô ê cá. 'Tava ali na venda, a beber uns calcesinhos com uns amigos bons, parcé um catelêro a vender jogo e trazia tamém o Borda d' Água. De manêras que comprí dôs duma assentada.

- Que bela idéa que t'veste... Q'onto é qu' isso custa este ano, p'a t' ê dar logo o d'nhêro?...

- Atã nã te disse já qu' é dado?!... Guard' ô lá já e vamos más é à atabúa, vá...

- Ó Martinho, nã olhava p'r tanto...

- Nã se fala mái no caso... Guard'-ô e anda daí.

Lá abalamos prê abaxo, falando nisto e naquilo, más o Borda d'Água, vê, ôtra vez à conversa. Dig' l' ê cá:

- Isto, a folhinha, é uma coisa munta boa, mái, certas ocasiõs, quái que me parêce qu' aquilo nã bate munto certo...

- O quem?!... Nã digas isso, Refóias!... Ê cá pôco ligo até ô qu' eles dizem na tel'visão. Em vendo aqui na folhinha, já sê o tempo que faz... Nunca falha!...

- Ê sê cá s' isso é bem assim...

- Ai nã é... Já agora, dêxa cá ver uma coisa. 'Tava pensando im matar o mê pórco no dia dos mês anos, vamos lá ver c'm' é que 'tá a lua e s' ele chove ó não.

- Tu és de Janêro, nã és?

- Sô de vinte dôs. Vê lá aí se dá boa matação...

- 'Tás mal, Martinho, 'tás mal... Dá quarto da lua méme nesse dia e chuva p' à semana...

O Borda d' Água
O Martinho do Almarjão 'tá com pôca sorte, que, no dia dos anos dele, nã dá boa matação...

- Ah fado dum ladrão!... Já 'tô charingado... E isso calha a que dia da semana?

- É à Terça.

- Tamém, ô dia de semana nã dava munto jêto... Logo vejo c'm' à coisa vai ser. Calhando, mato no Sábado entes ó, atão, no ôtro a seguir.

- Olha que, no a seguir, inda é capaz de chover...

- Atã, des que nã tinhas munta fé na folhinha...

- Ê cá só disse qu ' aquilo nem semp'e bate certo, mái nã abuso...

- Pôs, atão, aponta aí bem e logo vês se bate certo ó se nã bate...

E assim se f'cô. O Martinho Pata-Rasa p' ali levô umas folhas secas d' atabúa e foi concertar a vasilha p' a nã dêxar perder o madronho, qu' ele, este ano, béque-me até nã há grande coisa, e ê cá apr'vêtí e fui p' ali mondar uma lêra de cinoiras que 'tã, agora, a l'e começar a crecer a rama.

E fiquem-se com Dés.

16 outubro 2007

O Banho do Vinte Nove 2007

Banho do Vinte Nove 2007 - Praia do Vau
À mêa-nôte, que chova qu' avente, vai quái tudo p'a drento d' água...

Já ele saria noite çarrada - sim, qu' ô lusco-fusco, inda ê 'tava a tratar dos animazes - oiço a minha Maria a clamar lá p' à cozinha, numa aflição qu' ê cá até panhí medo:

- Ai, valha-me Nossa Senhora, que grande desgraça!... Mái, atão, o qu' é qu' ê faço agora, mê Dés...

Ê 'tava p' ali à porta d' antrada, junto ô pial, sacudindo as botas duns restos de esterco, qu' ele já há uns belos dias que nã tenho tido jêto d' alimpar a arramada e, atão, q'ondo saio de lá, é d' adregue nã me f'carem uns pedaços de bóstia agarrados às solas.

Oiço aqueles gritos tã aflitos, abalo a fugir, casa-de-fora prê adentro, cudando qu' a m'lher l'e taria acontecido alguma desgraça. Sê cá... ó que se quem-masse, ó que t'vesse partido p'a lá algum copo ó coisa assim...

- Maria, o qu' é que foi, m'lher?... Que gritaria é essa?...

- Atã nã vês?!... 'Tava a fazer as papas p' à gente levar p' ô Vinte Nove, já com o tempero drento do tacho e tudo, é que vejo qu' a marafada da farinha já tem têa...

- Já tem têa?!... Atã que jêto?...

- Sê cá?!... Calhando, é premode esta ser duma mái velha qu' ê pus p' ali na pelhêra, ontordia, fui-me desquecendo dela e... o bicho pegô-l'e...

-Olha que esta!... E nã tens mái denhuma aí, que jogues isso e faças ôtra tachada?

Banho do Vinte Nove 2007 - Praia do Vau
Inda nunca tinha visto tanta famila no Banho do Vinte Nove...

- É só a que tenho é desta. Nã vês aqui este restinho, qu' inda dava bem p'a fazer umas papinhas p' à gente os dôs, mái atão... Olha lá bem se nã vês aqui uns coisinhos de têa...

Pus-me a olhar p'a drento da bolsa de pano adonde ela guarda a farinha das papas e, d'zer a verdade, nã dí visto nada. Aquilo 'tava um coisinho de escuro e ê cá, com as vistas cansadas c'm' tenho, já nã alcanço a ver assim certas coisécas miúdas.

Mái c'm' ela disse que tinha têa, ê tamém nã me desmanchí, más a más qu' agora já me dava nonjo de c'mer papas daquela farinha:

- Calhando, 'tás certa, sim. Béque-me brilha ali um vè'zinho que parêce uma penusga... Isso é mái que certo qu' o bicho já antrô aí... Joga já a farinha más é ali p' ô balde das lavaduras qu' ê cá, amanhã, logo faço uma travia com ela p'a dar ô pórco.

- Atã e agora, c'm' é cá me governo?!... 'Tava contando de levar umas papinhas de t'mate p'a se c'mer lá...

- Olha, Maria, nã t' apequentes qu' isso, d' alguma manêra, s' há-de resolver.

- Só se tu fosse além, à da c'mad'e C'stóida e l'e pedisses uma farinhita imprestada, inq'onto ê adianto aqui o resto das coisas...

- E inda dá tempo de fazeres ôtro tacho delas?...

- Atã, exp'r'menta-se... Se nã f'carem lá munto boas, pacência...

Lá fui ê cá, a fugir, caminho da casa da c'mad'e C'stóida l'e pedir um coisinho de farinha de milho. E Vinhe logo ôtra vez a fugir qu' a pressa era munta... Qu' isso, atão, a c'mad'e C'stóida foi logo munto lesta a me prantar farinha que dava p'a dõs tachos de papas numa bolsinha de ratalhos qu' ê cá levava.

Banho do Vinte Nove 2007 - Praia do Vau
Ele havia munto quem fardasse a rigor...

De maneras qu' a minha Maria, nesse mê tempo, já tinha adiantado bem munta coisa - aquilo era pexinhos da horta, uns charrinhos fritos, uns pedacinhos de carne da banha e por 'í diante... - e já 'tava com o tacho ô fogo, com a água quente, p'a l'e jogar a farinha p'a drento e cozer as papas, tã penas ê chigasse.

- Olha, tu é que podias ir mexendo aqui as papas, p'a elas nã s' apegarem e nã criarem granhõs, qu' ê cá ia-te pôr ali a rôpa p'a vestires, im cimba da cama. Mái vê lá o qu' è que fazes p' aí!...

- Sim, m'lher!... Atã cudas qu' ê cá sô o quem?... Lá é preciso ser dôtor p'a fazer umas tristes dumas avelas...

E lá f'quí, de colhêrão nas mãs, acrecentando farinha e mexendo nelas.

E uma coisa l'es digo: a nossa sorte foi que nã se ia na camineta da Câmara... S' acuaso se fosse nela, nã l'es afianço qu' a gente a t'vesse panhado. É qu' o raça das papas q'onto mái fogo ê l'e fazia p'r baxo, béque-me, mái incruadas elas f'cavam...

Até que lá vêo a minha Maria e tomô contas delas qu' ê cá jã nã as 'tava a ver munto bem... E, aí, fui vestir a minha farpela, que já 'tava na hora combinada p' à via - o carrinho do Zé Manel - abalar com a gente todos caminho da Praia do Vau. E ele que nã gosta nada de esperar...

E o caso é qu' aquilo nã tardô nada, já o ôvia apitar lá adiante, a dar de vaia à gente p'a se pôr tudo ali a jêto p'a, q'ondo ele chigasse à rua, ser só jogar a trôxa toda lá p'a drento do porta-bagajas e pôr-se-mos todos a andar.

E assim foi. Más a minha Maria inda nã tinha as papas bem cozidas, pôs ali tudo menes o tacho. Esse 'tava ô fogo e com um brasedo debaxo daquela trempe qu' elas só o que faziam era espirrar p'a fora, p' ô chão, que ficô tudo chê de marcas de papas secas até quái a dôs palmos dos pés da trempe.

Banho do Vinte Nove 2007 - Praia do Vau
Despôs da barriguinha chêa, era ver quem melhor balhava...

Chega o Zé Manel com os compadres - eles nem saíram - vá de aconchigar aquilo tudo no carro - bolsas, cestas, o garrafanito de vinho e uma garrafinha de madronho, e mái sê cá o quem - ia ele já p'a se pôr, ôtra vez, ô v'lante, salta a minha Maria:

- Ó Zé Manel, 'pera lá 'í um coisinho qu' inda falta um tachinho de papas qu' ê tenho ali ô fogo p'a s' acabarem bem de cozer... Vô-me já b'scá-las...

E abalô a fugir d'rêto à cozinha. Aí, o Zé Manel volta-se p'ra mim:

- Ó ti Refóias, mái atã o qu' é isso? Nã vê que já nã há aqui lugar p'a mái coisíss'ma nenhuma?!... Olhe p'ra isto. Tudo chêo...

- Tem lá p' aí pacência, Zé Manel... A m'lher levô p' ali a brigar uma preção de tempo com o tacho das papas, agora nã nas havera de levar...

- Atã nã vê que nã cabem?!... Só se vomecêa as levar no colo...

- E, sendo preciso, 'té que sô homem pr'a isso... Mái, com jêtinho, semp'e s' as há-se dar aconchigado aí junto ô resto das coisas. Vê lá isso pr' aí com calma e tem pacência...

Chega a minha Maria com o tacho das papas nas mãs.

- Ó Maria, queres qu' isso vã assim, nesse estado?!...

- Nã, homem... Vai lá ali b'scar uma cestinha de verga que 'tá lá pindurada às tábuas do sobrado, na casa das batatas...

- E isso dará cabido lá drento?...

- Dá sim, quê já a exp'r'mentí uma vez que se foi a uma banda qualquer e se levô farnel.

Lá fui b'scar a cesta que nem uma fita, qu' o Zé Manel já nã 'tava nada contente com aquilo. Mái vá lá que, méme já um belo coisinho desalvoriado e munto a custo, lá aconchigô aquilo tudo p' ali c'm' ele intendeu. Que, d'zer a verdade, ê já 'tava era a contar ter de levar a cesta ô colo, com o tacho das papas lá drento, até Vila Nova...

Banho do Vinte Nove 2007 - Praia do Vau
Que novo que velho, tudo s' ad'verte no Banho do Vinte Nove...

E com respêto méme ô Banho do Vinte Nove nã vale a pena 'tar com mái conversas, qu' ê já l'es contí, o ano passado, c'm' é qu' aquilo era. Querendem ver, acalquem aqui e aqui Só o que teve de d'frente foi que, este ano, inda era mái famila.

Só caminetas da Câmara, desta vez, im vez de três eram quatro. E pessoal nôtras vias nem l'es sê incarecer. Os que chigaram à últ'ma t'veram d' ir pôr os carros sê cá pr' àdonde...

Contentem-se im ver aqui na Galeria do Banho do Vinte Nove os retratos da gradessíss'ma charola qu' a gente todos fez lá na arêa da praia e os que t'veram a foiteza de se jogar à água q'ondo chigô a mêa-noite.

E, qu'rendem ver uma apresentação desses mémes retratos no YouTube, mái de q'ôlidade um coisinho mái ruim, acalquem aí duas vezes im cada coisa dessas:

E haja saúde da boa.

03 outubro 2007

António Manuel Venda, 'O Mágico Velhinho'

'O que Entra nos Livros' - António Manuel da Venda
Quer saber o qu' é isso do Mágico Velhinho? Atã, lêa este livro...

Inda hoje, 'tô parvo c'm' é que se dé uma coisa destas. Atã nã querem lá que vieram ali à Fóia apresentar um livro novo dum escritor cá de Monchique - e olhem qu' o homem, méme novo c'mo é, já escrevé uma boa mêa-dúiza deles - e t'veram a lembrança de me convindar p'a par'cer p'r lá?!...

Ora, ê cá, que nunca tal coisa tinha visto, q'ondo arrecebi o tel'fonema, nem tinha reposta p'a dar à pessoa que 'tava com aquele encómado. Fui panhado assim de chofre e, nessas ocasiõs, um homem nem sabe c'm' se defender.

Mái lá dí uma no cravo ôtra na ferradura e disse o senhor Dôtor que gostar d' ir, lá isso gostava, nã sabia era se podia, e, atão, ia pensar bem no caso. Se t'vesse jêto, logo lá par'cia.

- P'r mái que nã seja, p'a matar a c'rusidade... - Pensí só cá p'ra mim.

- Mái venha, amigo Refóias, e traga tamém a su Maria, qu' a senhora há-de gostar tamém de ver aquelas coisas. Olhe que nã se vã arrepender... - Pertava o tal Dôtor com-migo.

- Pôs, sa senhora, ê cá vô-me conversar com ela e, despôs, logo se vê...

- Olhe qu' a gente até se l'e mandô um email e nã servi de nada, que vê de volta.

- Ai, m't' ôbrigadinho e quêra desculpar, senhor Dôtor, mái, parte das vezes, aquilo 'tá p' ali tudo chêo que nã cabe lá mái coisíss'ma nenhuma e, atã, dá-se isso. É qu' ê cádô àgu-ento a ler tanta coisa que me mandam lá p'a drento daquilo. Q'ondo calha, inda peço à minha Maria p'a ela me dar uma manita, mái, méme assim, nã se dá conta, veja lá...

- Atã, pronto, ficam convindados agora p'r o telefone e lá espero p'r os dôs. Agora veja lá se nã vão...

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Quem l'e comprasse um livro ele escrevia lá uma dedicatóira...

Despedimos-se um do ôtro e abalí, fui d'zer à minha Maria. Ela, logo ô prencípo, inda béque-me desconfiô de mim. Calhando achô munta fartura 'tarem a convindar dôs parvos c' m' à gente p'a uma coisa assim tã emportante. E vá de me exp'r'mentar:

- Isso nã sará conversa tua p'a te safares aí p'a alguma banda com os tês amigos e ê cá ficar aqui im casa, sòzinha, cudando que tu 'tás lá nessa coisa do livro e dos dôtores?... Vê lá, vê lá!...

- Ó m'lher, atá s' ê já te disse que tu tamém vás... O homem disse mémo p'a ê cá levar tamém "a minha senhora"...

- Lá 'tás tu com pastelêrices...

Respondé-me ela a fazer que nã acraditava, mái ê cá bem vi qu' ela f'cô foi toda inchada p'r mode o Dôtor l'e ter ch'mado senhora... Que mecês nã cudem, aquilo, q'ondo ela se resolve a inpinocar, é um cu d' asnêra que só ê cá é que sê...

A verdade que se diga, o certo, o certo é que, em chigando ô dia, foi ela que me disse, logo bem cedo, p'a ê cá me despachar com o mê governo que, da parte da tarde, tinha-se qu' ir, lá ô bico da Fóia, ver c'm' àquilo era.

- Ai, já!... Atã, inda ontem 'tavas com umas caganêrices tã grandes que nã sabias o qu' haveras de vestir p'a par'cer lá ô pé daquelas senhoras e qu' o melhor era nã ir e nã sê quem nã sê quem, e, agora, já 'tás com essa pressa toda?!...

- Eh'q, já incontrí p' ali um vestidinho, qu' ê nem m' alembrava qu' o tinha, e, agora, vô-me ali à D. Helena arrenjar o cabelo e tu vestes aquela rôpinha que levaste ô baptizo do meçalho-pequeno do tê sobrinho, o ano passado...

E assim foi.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Na mesa 'tava tudo gente de estudos. Alguns sabem mái qu' o dicionáiro qu' ê aqui tenho...

Chigados lá àquele café que 'tá lá Fóia - fazia um vento qu' até assobiava e chuva 'tava-se méme a ver que, nã tardando nada, tamém par'cia -, pusemos-se a olhar p'a donde é que se havera d' ir. Mái, tã penas olhí p' ô piso de cimba, vi logo qu' era lá, com toda a certeza.

E isto p'r mode quem. É qu' ê lombriguí logo lá uma preçanada deles a andarem, assim devagarinho, dum lado p' ô ôtro, tudo de copo na mão que mal provavam a bobida que lá 'tava dentro, munto dirêtinhos, tudo munto sério e a tramelear uns com os ôtros, em se cruzandem...

Pensí logo, só cá p'ra mim, que nem disse à minha Maria:

- Agora é qu' ê 'tô bem aviado... Mái atã, tarê que fazer a méma figura?!...

Más, isto era visto cá de fora. Lá drento, a coisa nã era bem assim. Semp'e 'tava quái tudo gente conhecida e a famila falavam uns com os ôtros desafrontadamente.

Ê cá e a minha Maria, logo, f'camos assim um coisinho imbatucados, mái, ódespôs, perdé-se tamém o acanho e vá de se dar tamém à tramela com quem par'cia e pronto. Qu' isto, nã adiantava nada 'tar-se p' ali incolhidos a um canto... E até f'cava mal.

De manêras que, cada qual pegô no sê calcesinho de vinho do porto e desatô-se a beber assim uns sôlvinhos. D' ora im q'onto, vinha uma mecinha, tazia uns coisalhos de pão espetados num palito e um conduto qualquer - tã bem era presunto, c'm' uma coisa que sabia a pêxe, c'mo ôtras qu' ê nunca tinha provado...

Mái, c'mia-se tudo, nã cudem. Qu' ê cá e a minha Maria, bicôsos, atão, nã somos. O qu' apar'cer p'r a frente, désna que 'teja im condiçõs, baldeamos tudo. E más a más, nestas condiçõs... d' amor im graça...

E, olhem, até uma homem a tocar umas músicas assim munto lentinhas, num saxofone, lá 'tava. Andava p'r um lado e p'r ôtro, no mê daquela famila toda, qu' era p'a acontentar todos.

E isto tudo, p'a chigar ô qu' int'ressa.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Logo no prencípo, 'tava tudo quái sem saber o que fazer...

A pásnas tantas, lá s' assantô tudo e, os de lá da menza, vá de falarem dum livro qu' um escritor cá de Monchique - um mecinho inda novo, mái com uma cabecinha que tomara muntos, ch'mado António Manuel Venda - escreveu.

É um româinço, que lá o senhor de barbas que 'tava assantado ô mêo da mesa - que des qu' insina os môços na Universidade de Faro, e, p'r o jêto dele falar, calhando, nã passava sem ser o que mái sabia deles todos - disse qu' era um româinço.

E é um romãinço, sa senhora. Qu' ê cá, agora, já o li todo com a minha Maria e vi-se que era. E nã é qu' aquilo fala lá de coisas qu' à gente os dôs béque-me faz até lembrar famila conhecida?... Isto p'a nã falar nos bichos e nos caminhos e terras e por 'í diente, qu' o homem escreve aquilo e a gente, ô ler, até parêce que 'tá ver tudo na frente dos olhos...

Pôs o qu' ê l'es sê d'zer é que aquilo durô até já bem noite - p'r menes lá na Fóia, qu' aquilo çarrô-se de navoêro que nã se via um palmo à frente do nariz - que todos os que 'tavam lá à frente t'veram que falar. 'Tá bem qu' inda nenhum tida lido o livro, a nã ser o tal senhor das barbas, mái falaram...

E gostí munto d' os ôvir. Méme nã panhando parte do qu' eles d'ziam, 'tá bom de ver... Nã qu' a aparelhagem nã 't'vesse bem alta, más ê cá é que nã sabia o qu' aquelas palavras queriam d'zer.

P'r mode isso, inda gôrdí umas q'ontas aqui na cachimóina p'ra, despôs, ver s' as incontrava num dicionáiro, já de folha a folha, que pr' aqui tenho, mái de munto me serviu...

Abalô-se dali, foi-se p' à descasca de Marmelete, aquilo desatô a chover, nã se descascô nada de maçarocas que fosse nem viesse, levô-se foi o tempo todo a impinar copos p'r as goélas abaxo, lá na Casa do Povo, desqueci-me tudo que já nã m' alembro de nenhuma.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
'Tava tudo munto emprensado a ôvir o qu' os que sabem tinham p'a d'zer...

Mái, voltando ô livro O que Entra nos Livros, qu' é c'mo ele se chama, nã percam de lê-lo. Aquilo, em se começando, só se descansa q'ondo s' o acabar... É qu' o marafado do Mágico Velhinho e o livrêro Sapinho Júnior nã dã descanso à gente, home...

Um - o Mágico Velhinho - andava a escrafunchar nos livros todos do ôtro qu' era uma desgraça, o ôtro - o livrêro Sapinho Júnior - já 'tava desalvorado com aquilo tudo que nã sabia o qu' havera de fazer, e o que escrevé o conto - o Antóino Venda - foi foi, foi foi, inda vá lá que deslindô aquela cachamorra toda p'a contar à gente...

Mái do qu' isto já ê cá nã l'es posso d'zer, senã nã tinha graça nenhuma q'ondo mecêas fossem ler o livro.

A minha Maria é que anda um coisinho descorçoada com o fim qu' o Mágico Velhinho teve. Já uma preçanada de vezes que me diz que, no dia a seguir à gente ler o livro, até teve sonhos com o pobrezinho...

D'zer a verdade, nessa nôte, a m'lher dé voltas na cama até mái não e, às tantas da madrugada, num de repente, dá-me um rafujão d'rêto a mim, infia-me com um cot'velo na espinha qu' ê cá até me faltô o ar. Inda ando pisado aqui duma costela e tudo...

Mái qu' ela tem andado um coisinho até p' ô abismado com aquilo, lá isso tem. Já tive qu' a sossegar, a ver s' ela p' aí l'e passa aquela pàxão, e nada...

- Ó m'lher, dêxa lá isso da mão. Atã nã vês qu' aquilo é uma coisa que 'tá só na idéa de cada um...

- Ai, coitadinho do Mágico Velhinho!...

- Atã, ele, tamém, andava a fazer a parte ô desinfeliz do Sapinho Júnior... O qu' é que l'e esperavas?...

Ela é que nã quer saber lá disso...

Mái p'r 'qui me fico. Em lendem o livro, logo me contam que tal.

E vã, tamém, bispar o blog Floresta do Sul, que pertence à méma pessoa que escrevé O que Entra nos Livros.

E, qu'rendem ver mái alguns retratos da apresentação do livro, lá bem no bico da Fóia, acalquem aqui na Galeria António Venda.

E até qu' a gente se veja.