C'm' ê cá ia d'zendo, aquilo foi chigar ô Vau e, num 'stantinho, já 'tava tudo a c'mer do bom e do melhor. Tôd's trazeram d'comer que dava p' ô drôbo da famila incher bem a barriga e p'a mái uns q'ontos.
E andavam, a bem d'zer tôd's, num correpio bispando o que cada um tinha levado e provando o farnel uns dos ôtr's. Mái sô franco. Os más andavam jogados às papas, que 'tavam lá dôs tachos delas, umas com t'mates e ôtras béque-me tamém, qu' aquilo até davam gosto.
Logo, 'tava tudo esfòmeado, puseram-se a c'mer, nã s' ôvia quái barulho nenhum. Nã conhecem aquele dito dos antigos qu' "ovelha que berra, bocado que perde"?... Mái, d' ora im q'onto, semp'e um ó ôtr' dizia assim uma chalaça. Tirando isso, 'té se dava ôvisto o barulho da tel'visão lá d' "Os Costas" a atazanoar os ôvidos d' uma pessoa só com aquelas parvoêras qu' as tel'visõs agora dão.
Mái, passado um belo pôco, com a barriguinha más aconchigada, já tudo falocava bem alto e com fartura e a coisa já tinha ôt' jêto. Inda p'ra melhor, rompé o fole a tocar - um mecinho inda novo mái que s' ajêta muntíss'mo bem - e, 'tá bom de ver, a festa com fole é logo ôtra coisa...
O tocador era um mecinho novo, más olhem que tocava munto bem...
Fui aprevêtando a tirar uns q'ontos retratos, mái atão de nôte nã fica nada de jêto, e o que l'es sê d'zer é que nã f'quí a perder tudo. 'Tá bem qu' os retratos sã o que 'tá à vista, mái os calcesinhos dela, bolos e ôt'as coisas qu' a famila 'tava semp'e a me dar, esses já cá cantam... E era tudo material de pr'mêra.
Os bolos, tudo fêto à manêra antiga, os dec'meres, tamém e o madronho nã se fala... Bem agraduado, macio e com um gosto qu' até chêrava na boca. P'a melhor d'zer, ele até estralava era às goélas abaxo...
Havia menino que bobia cada calço duma assentada, qu' é c'm' à gente usa a fazer p'r cá, e ô fim até se lembia e, p'lo jêto, f'cava-l'e luzindo o olho p'r mái uma copadinha...
'Tava lá um amigo com uma aguardente, atão, qu' até as m'lheres gostavam. Logo q'ondo s' olhava p' à garrafa, 'mar'linha c'm' 'tava, béque-me par'cia melosa, mái, ô bober, aquilo era madronho e do melhor. Ó ê cá m' engano munto ó ela, s' a gente a pesasse, nã dava menes duns 21 degraus...
Quem é que l'es disse qu' as m'lheres nã gosta de b'ber a su copadinha?...
Mái dêxemos lá isso e passa-se adiante. É qu' o melhor inda 'tava p'ra vir. Despôs da barriga chêa, com as modas qu' o tocador tocava, a famila dé em s' apròchigar lá mái p' ô pé dum estrado de madêra que 'tava logo ali à rés do restaurante.
Aquilo há-de ser p' ôs 'strangêros passarem ali de pata descalça e nã atancharem os pés na arêa, na hora da calma, qu' ela há-de 'tar tã quente qu' até dá p'a l'e esfolar os calos... Mái tamém se tem que ter conta d' andar ali descalço, qu' aquelas ripas, nã l'e garanto que nã larguem uma pua, uma vez p'r ôtra, que s' atanche na pele.
Pôs, olhe, aquilo, nã demorando nada, parte deles, já 'tava tudo engalf'nhado uns nos ôtr's a balhar. Uns im cimba do estrado, ôtr's méme na arêa, mái acertava tudo bem que nem uns danados... E valsas e tudo, hã!...
Atã e nã era ingraçado ver aquela famila toda a balhar vestidos daquele jêto - os homens em cirôilas e as m'lheres em combinação?... Olhe, que só no Vinte Nove é que se vê uma coisa destas...
E, despôs, c'm' 'tava tudo de boa avêa, cada qual diz as maiores parvoêras e faz trinta p'r uma linha. 'Tavam lá umas munto marafadas p' à brincadêra, a pásnas tantas, encambulharam-se, cai tudo num fêxe p'r aquela arêa. Aquilo é que foi uma barrigada de rir...
Inda bem nã tinham dêxado de balhar, qu' o tocador tamém tinha precisão de sossegar um coisinho, desata tudo a prècurar as horas. Ora, aquilo já era noite adentro, más inda nã se tinha chigado à mêa-nôte. Era p' aí umas onze e tal.
De modes que, c'm' só im o reló'jo tapando bem a mêa-nôte é que se podia ir p' à água, que só aí é que já era dia Vinte Nove, aquela malta mái gozona levaram inda ali um belo pôco na galhofa e ê cá fui tirando mái uns retratos.
E olhem qu' aquilo, vist' ô pé, até que tinha bem munta graça. Ê, ás vezes, da graça que me dava, até me descangalhava a rir e até os retratos se me estragavam. Qu' isto, tamém, apr'vêtam-se pôcos, mái, nalguns, semp'e se conhêce as caras...
Ô soar da mêa-nôte, já 'tava tudo à rés da água, foi só dar mái um passinho ó dôs à frente e meter os pés de molho. E fiquem sabendo qu' aquilo foi uma chusma de gente a antrar ô mar adrento qu' ê nã pensava.
'Tá bem que só dôs ó três é que margulharam, os ôtr's andavam p'r 'lí a chap'nhar e, mal a água l'e chigava preciminho dos artelhos, já s' ensiavam tôd's. Mái ninguém pode d'zer qu' eles nã foram ô banho...
Cá p' ô mê lado é qu' a coisa nã andô lá munto bem. Atão nã querem lá ver qu', embasbacado c'm' andava a tirar retratos, nem me vê à idéa tirar os sapatos e arregaçar as calças?!... Nã é qu' ê fosse lá p'a mê da água mái funda, qu' andí semp'e ali à babuja, mái é que, q'ondo mal dí p'r isso, vem uma r'bêrada d' água - c'm' d'zia o ôtro - e, p'ra baxo dos joelhos nã me dêxô nada inxuto...
Punhana!... Inda dí um salto em q'onto pude, mái de munto me serviu... Logo, que já tinha os sapatos bem incharcados, e despôs, que nã dí salvado a água e f'quí com os pés drento dela ôtra vez.
Mái tamém l'es digo. Pôca d'frença me fez ó nenhuma. Ele, frio nã fazia, e com os caláiços d' aguardente qu' ê tinha no bucho, calor era o que nã me faltava. De manêras que, só o mal que fez foi que tive d' andar o resto da nôte com os pés mái pesados e, consoante dava umas passadas, lá s' ôvia chaloc-chaloc, chaloc-chaloc...
E más ingraçado é qu' hôve menino que antrô p' à água à mêa-nôte e só de lá saíu nã sê se nã saria aí já p' ô lado da mêa-hora... Môç's mái nôv's, 'tá bom de ver, qu' os mái antigos, a cabo dum pôco, já batiam o quêxo e t'veram que s' ir alimpar e mudar de farpela...
Q'ondo vim prê acima, até dí com umas moças, todas jêtosas, a s'enxugarem ô pé duma luz, que me dé cá uma vontade de rir... 'Tavam bem caçadas, sa senhora...
No Banho do Vinte Nove vai-se tôd's p' à água. P'r mái que nã seja, molha-se os calcanhares. E, despôs, há quem se vá inxugar...
E pronto. Assim desatô tudo a afêçoar as trôxas, a limpar tudo e a arrumar as cadêras da méma manêra qu' as tinha incontrado. Em coisa d' um pôcachinho, abalô-se tôd's caminho das caminetas e dos carros e a praia lá f'cô à nossa espera p'a pr' ô ano.
Assim se tenha vida e saúde, que lá 'taremos tôd's, sem falta, ôtra vez e, podendo ser, com mái alguns amigos qu' este ano nã foram. Uns que nã puderam, ôtr's que nã saberam e ôtr's que qu'seram.
E com respêto ô Vinte Nove, fic'-me p'r 'quí.
S' haver quem goste de ver o resto dos retratos, fazendo favor, acalque aqui - ver retratos - e veja à su vontade todos q'ontos quêra.
P'a tôd's munta saúde. Fiquem-se com Dés.
Já calculava, pelas descrições que oiço há anos do Banho do Vinte e Nove, que era uma noite única, cheia de convívio e tradição.
ResponderEliminarCom a sua descrição e belas fotos fiquei ainda mais entusiasmada, em especial pelo farnel (de fazer crescer água na boca), pelos trajes à moda antiga, que, combinados com boa música e espírito elevado, me fazem invejar não ter lá estado. Quem sabe, algum dia terei a oportunidade de partilhar essa experiência... Vou acalentar essa esperança em mim.
Obrigado por mostrar aos mais novos, como eu, o encanto de outros tempos nesta maravilhosa tradição, que ainda hoje se mantém, para nosso deleite.
Calorosos cumprimentos para si e sua senhora.
Parente
ResponderEliminarBanho de 29... vale por trinta é verdade!
Não há maleita que se aproxime de quem se banha a 29 :):):).
Tenho uma vaga recordação desse banho na praia de Armação de Pêra...
Lembro-me que havia levante, geralmente, lembro-me das combinações e ceroulas que atrapalhavam os nadadores, lembro-me do sabão, lembro-me do mar a enrolar tudo e todos, da melancia e do vinho metidos num buraco feito na areia, dos almoços na praia em que a mesa tinha direito a toalha e era posta na areia.
Era uma risada todo o dia...
Que bom foi recordar! Obrigada Parente!
~*Um beijo*~
Parabéns pelo Blog que ajuda a divulgar uma região e os seu usos e costumes, assim como a preservá-los. Coloquei, embora sem permissão, um post sobre O Parente de Refóias no Blog andandoderaboleta.blogs.sapo.pt. Parabéns e que Blog se mantenha por muito tempo.
ResponderEliminarOlá, querido Parente! Sabe que o dia 29 é dia de 4 arcanjos? Será por isso que é esta a tradição por aí? Como uma benção das águas por atitudes pagãs (e bem bonitas!)... E dia de contas dos "rendeiros" ... Sem ófensa, aqui vão os nomes dos ditos meninos com asas: Mikael, Gabriel, Uriel e Rafael (Almanaque Borda d'Água 2006). Abraço
ResponderEliminarCaro Parente
ResponderEliminarMais uma bela reportagem com o sotaque que caracteriza a vossa gente, que relata uma tradição que desconhecia.
O banho do 29, a ver pelos "retratos", deve ser festa de arromba.
Cumprimentos aqui da Raia
PS:Também já coloquei o REFOISTA nos meus links.