22 dezembro 2006

No Natal e Ano Bom, ad'virtam-se tôd's munto...

Fruto e fruto do medronheiro - Monchique

P'a tôd's vomecêas, um belo Natal e um Ano Bom do melhor que possa ser e haver

sã os empenhos destes amigos aqui da SERRA DE MONCHIQUE

O Parente da Refóias e a su Maria

21 dezembro 2006

Já aí 'tá o Natal ôtra vez...

Presépio tradiconal - Monchique Nôt's tempos, era assim que s' armava o Menino Jesus, que nã se tinha posses p'ra más. Agora, fazem coisas munto mái emportantes...

Fazia tenção e bem qu' ê cá gostava de l'es amostrar os presepos tôd's que p'r 'í fazeram - ó inda 'tã a fazer - mái atão, uns nã sê adonde eles 'tão, ôtr's inda nã nos tinham armado nesse mê tempo im qu' ê andí a tirar os retratos... É qu' isto, a famila tamém já s' ac'st'mô a dêxar tudo p' à últ'ma da hora e, atão, calham as coisas assim.

De manêras que, nã tenho mái remedo nenhum senã gov'rnar-me com os que tirado, e olhem qu' os retratos podem nã ser grande coisa - e nã sã, qu' ê sê que nã são - mái os presepos, se lá os irem ver ô lugar deles, sã do mái bonito que possa ser. Cada qual à su manêra, 'tá bom de ver...

Presépio tradicional - Monchique

E o pr'mêro que l'es amostro é duma parenta ali das bandas do Pomar Velho, que, méme ela me contô, désna de moça-pequena semp'e teve aquela queda p' ôs presepos. Des qu' aquilo não era só uma queda, era, béque-me, um viço qu' ela tinha, qu', em chigando o mês da festa, desatava logo a andar p'r 'qui e p'r 'lí à prègunta de coisas p'a armar o Menino Jasus e dêxá-lo bem infêtado.

Panhava tudo q'onto podia de coisas bonitas. Ele era levas de musgo, gilbrabêro, fêtos daqueles mái jêtôses, pedacinhos de côrcha, pedrinhas airosas e ê sê cá que más... E, uma vez im casa, inq'onto os ôtras s' ad'vertiam, c'miam f'lhózes e coisas assim, ela levava lá de roda a pôr tudo im ordem e a rever-se no que tinha fêto.

Nesse tempo, tôd's se tinha pôca coisa ó quái nada, e, atão, tudo servia p'a pôr lá. Era os bonèquinhos da Sagrada Famila - repáirem bem qu' este até tem dôs Meninos Jasus... - os rês magos, o anjinho e a estrela, o burro e a vaca, as borreguinhas e os moirales, casinhas e bonecos de toda a q'ôlidade.

E, c'mo este, havia um im quái todas as casas. Tôd's se tinha uma presunçanita d' amostrar o nosso a quem s' apròchigasse da nossa porta. E, quái nunca, faltava lá um pratinho p'a quem qu'sesse pôr uma moeda de cinco destõs p'a convindar os m'çalhos-pequenos que tinham ajudado a acartar as coisas p'a lá e a pô-las no lugar.

E aqui vão mái uns q'ontos.

Este é do maior negociante de fruta da estrada do Alferce e arredores - diz ele, o amigo Carlos...

Presépio tradicional - MonchiquePresépio tradicional - MonchiquePresépio tradicional - Monchique Se qu'rerem ver este presepo, vã ali à Carrêrinha das Moças, àquela casa que vende fruta e ôtras coisas. O dono gosta qu' a gente l'e chame o "Rê da Fruta"....

Logo, mái prebaxinho, adonde há chôriças, morcelas, mólhes e ôtras coisas do melhor, tudo fêto à nossa manêra p'a senhora Fátima, tamém há um presepo de se l'e tirar o chapéu.

Presépio tradicional - MonchiquePresépio tradicional - MonchiquePresépio tradicional - Monchique Inq'onto vêem este presepo, apr'vêtem a comprar uma chôricinha ó coisa assim. Que, na D. Fátima, há tudo do melhor im chôriças, morcelas, mólhes, presuntos e o que mái quêram....

E, agora, aqui vã dôs, assim mái p' ô moderno ó, sem ofensa, p' ô estrambólico. Qu' eles até que 'tão os dôs munto bem caçados e t'veram que dar munto trabalho e despesa... E fiquem sabendo que nã desgosto de nenhum, que tôd's têm o mémo fito d' amostrar o narcimento dum Meçalho-Pequeno, há mái de dôs mil anos.

Se foi assim c'm' se diz ó não, inda munta famila 'tá p'ra saber, mái c'm' o respêtinho é munto bonito, quem acradita, acradita, e os que nã 'tã assim tã certos ficam calados. Tanto dum lado c'm' do ôtro tem qu' haver boa-vontade p' à gente s' aturar uns ôs ôtr's.

O pr'mêro é do Alferce. 'Tá fêto com bonecos quái do nosso tamanho e é munto ad'v'rtido. Até um molêro tem, a caminho do moinho com o sê burro, de cabresto - com arreata mái sem entrólhos - carregado de talegos de trigo, bem albardado com um belo aparelho - com atafazes, arrabicha e tudo - cilha, sobrecarga, baraço de carregar e garrôcho.

E, se nã 'tô atribuído - que nã l' olhí bem e no retrato nã se vê - até tem b'quêra tanto na cilha c'm' na sobrecarga. Serrilhão, béque-me, tamém nã tem. Mái, c'm' o bicho é mansinho, o alm'creve fez munto bem im nã l' o pôr, p'a nã ferir o pobrezinho do animal, já que de barbilho tamém nã tem míngua que nã incontra nada de jêto p'a jogar a boca no caminho...

P'a f'car inda más ô queres, só gabava que tamém l'e t'vessem posto um paninho d' ancas e um pindurico de cascavés, p'a ir 'scalhando p'o caminho... Tinha logo ôtro ar de festa. Mái nã façam caso qu' isto é só uma conversa, qu' o bicho 'tá bem arrenjado, sa senhora, c'm' ê cá nunca pensí de ver...

Presépio do Alferce - MonchiquePresépio do Alferce - MonchiquePresépio do Alferce - Monchique Este presepo do Alferce já o fazeram mái do q' uma vez. E tem fama p'r cá....

O ôtro, tamém com figuras bem grandes, 'tá na Bica Boa.

Dé-se o caso d' ê cá ter ido lá p' àquelas bandas e, aquilo, uma pessoa, méme que nã quêra, passa na estrada e dá logo com olhos nele...

Presépio da Bica Boa - MonchiquePresépio da Bica Boa - MonchiquePresépio da Bica Boa - Monchique O da Bica Boa tamém é vistoso ô bem fêto....

E agora, mês belos amig's, despôs de l'es amostrar estes presepos, só gostava de l'es d'zer mái uma coiséca. Cá na nossa casa já nã se faz nada disto. Só a minha Maria é qu' inda põe p' aí uns bonecalhos - sem ofensa - que sã umas amençõs de presepos, só com mêa-dúiza de figuras, e acende um pavio, à nôte, q'ondo a gente 'tá p' ali a fazer tempo p'a se dêtar.

Des qu' o Natal é q'ondo a gente munto bem le dar nas ganas. Mái cá p' ô Parente, béque-me, nã é bem assim, qu' a vida, despôs de muntos anos de trabalhos, vai fazendo a gente alcançar qu' a famila nã é o que se cuda qu' ela é, e a paga de se fazer bem é, as más das vezes, arreceber o mal.

Atão, este tempo, qu' havera de ser de contentamento, nã me dá gosto nenhum. Que só vejo é fingimento e falsetas.

Premode, a famila cuda que comprando tudo o que 'tá drento das lojas e dando ôs ôtr's 'tá a fazer uma grande figura... Nã 'tá nã senhora, qu' o d'nhêro é um ingano.

O qu' os ôtr's têm precisão e 'tã à espera nã é disso. É dum palêzinho dum amigo daqueles de verdade, dum abraço de quem nã tem a coraja do dar, dum desagravo de quem nã nos dá incarado de frente - e lá sabe o perquém - ó uma menção, méme que desapercebida, de c'm' quem diz m't'ôbrigado. Qu' o resto dá-se fêto nôtra altura quasequer, havendo vontade...

Nã se desqueçam que, c'm' dizia o Meçalho que vai narcer dia 25, há os que andam vestidos de borreguinhos - e borregas - p'r fora mái p' drento sã lobos e lobas do pior...

Atã assim, fico em ferros p'ra que vomecês tôd's passem um Natal que dure tanto c'm' 365 dias, sim tirar nim pôr.

E qu' o Meçalho l'es traga o que mecêas munto bem l' es dê cobiça.

Presépio

16 dezembro 2006

De Monchique a Vila Nova já é um coisinho mái desviado...

Marco da estrada Os marcos antigos arrencaram-nos tôd's. E os que nã estrapuseram, deram-l'e uma marranada e fazeram-nos em cacos...

Alembram-se daquela vez qu' ê vinhe à pata de Vila Nova p'ra cá e f'quí descorçoado p'r mode ver os marcos da estrada quái tôd's arrencados e, parte deles, aventujados às barrêras abaxo? Pôs, um destes dias - foi no D'mingo... pôs foi. - pedi ô Zé Manel s' ele nã s' emportava de me levar, no carrinho dele, a ver c'm' é qu' eles tinham fêto o resto do serviço.

'Tá bom de ver qu' o moço se pront'f'cô, da melhor vontade, e disse logo ô pai, inda na minha frente, p'a ir tamém com a gente. Ora o mê compad' Jôquim do Barranco não é homem p'a ronciar a acompanhar com os amig's e nem tampôco pastanejô.

- Vamos sim. Vamos os três 'í prê abaxo. E calhava nã se demorar munto a abalar qu' as tardes sã curtas, isto, o sol põe-se logo sem se dar p'r isso, e desata logo a fazer um frio marafado.

Salta logo a c'madre C'stóida, que 'tava p' ali, no alpendre, agachada a escolher umas batatas, parte delas chêas de traquinoso e ôtras com uns arrebentos quái de palmo, que só o Trombão - o pórco deles - é qu' as dará c'mido...

- Atã e ê cá e a c'mad' Maria?... Fica-se im casa?!... Que conversa é essa, home, a gente tamém se gosta do laré, nã sã só vocêas...

- Ó 'nha mãe, vomecês vã tamém com a gente todas duas. Ê nã nas dêxava im terra. Vá-se lá preparar qu' é p'à gente abalar já, qu' ê cá, à noitinha, tenho más que fazer...

Disse logo o Zé Manel p' à mãe, munto l'gêro, com aquele jêto dele munto safo, já a fazer conta de 'tar livre à nôte, calhando, p'a ir arrojar a asa à Cilinha ó a ôtra qu' ele tenha debaxo d' olho.

O qu' é que mecêas querem, isto agora 'tá assim... Já nã se pode fazer nada qu' elas nã tenham qu' andar semp' im cimba dum homem.

S' uma pessoa quer ir b'ber um calcesinho à venda, elas tamém vã bober café. S' é p'a se jogar um coisinho à carta, ôs três setes, elas assentam-se na ôt'a mesa e fazem renda e "corte e c'stura". S' um homem quer ir ô balho dos bombêros, elas 'tã logo fêtas p'a ir tamém. E p'r 'í adiente...

Isto sã coisas do vinte cinco d' Abril... Ah isso são.

Bom, mái p'a encurtar de r'zõs, ê abalí à rôpa toda e fui d'zer p' à minha Maria se despachar. Isto, s'ela qu'sesse ir - ora nã havera de qu'rer... Nã se fosse dar o caso deles inda terem que 'tar à nossa espera e o Zé Manel l'e par'cer mal. E, a cabo dum pôco, lá se foi caminho da estrada de Vila Nova.

Pus-me d' olho à esprêta p'r a j'nela do carro e o mái ingraçado é que desatí logo a ver fartura de marcos, já munto bem atanchadinhos ô lado da estrada, qu' até f'quí c'm' parvo... Contí um, dôs... dez... vinte...

- Tó diébe! Mái atã os homes fazeram a parte deles bem fêta... Ê cudando que já nã nos punham no lugar e, ô fim de contas, im menes dum farol, 'tava lá tudo ôtra vez. Com esta é qu' ê me charinguí, que falí entes de tempo...

Marcos da estradaMarcos da estrada Estes marcos nã sã c'm' os ôtr's. O mat'rial é cimento im lugar de pedra e pintaram-nos de preto im vez d' azul.

Pensí ê, cá p'ra mim, e, logo, nã disse nada ôs mês camaradas de viaja. Mái, pus-me a matinar e aquilo, béque-me, nã me casava cá munto bem na minha cachimóina. Até que repàirí numa coisa, já se tinha passado do Gilbordal p'ra baxo. 'Tavam pintados d' ôtra cor...

- Ó Zé Manel, vai lá 'í um coisinho mái devagar p'a ver uma coisa, fazendo favor...

O moço antrô numa curva, féze-a e assim aparô, logo mái pralàzinho, adonde l'e dé mái jêto.

- Atã, inda mal s' abalô, já quer p' aí verter águas, compad' Refóias?

Salta o mê compad' Jôquim, ô meme tempo qu' já tinha abrido a porta e env'r'dado atrás de mim p' à berma do lado de baxo.

- Nã senhora... Ê vô-me é aqui ver que raça de marcos sã estes qu' eles puseram agora aqui, qu', em vez da azus c'm' eles eram, 'tão pretos que nem carôchos. Nã vê? Olhe lá p'ra isto...

- Mái atão, isto, nã sã os mémos qu' aqui 'tavam... Nã vê qu' eles sã de cimento pintado de preto e os ôt'rs eram azules e fêtos de pedra trabalhada a pontêro e maceta?...

Marcos da estrada

- Ai os filhos duma magana!...

- Calhando, a pedra já 'tava podrida, a se desfazer...

- Podrida?!... Podridos 'tamos a gente tôd's com estes mariolas que gastam o d'nhêrinho todo com coisas que nã era preciso...

- Dêxe lá isso c'pad' Refóias, estes sã nôv's semp'e sã mái v'stôsos...

- Qual o quem!... Ó mê belo amigo e compadre, isto fêto de cimento tem alguma aira?!... Más a más qu' os qu' eles tiraram 'tavam aqui désna qu' a estrada foi fêta, já no tempo dos nossos avózes e eram munto mái bonitos. Cá p'a mê gosto...

- Lá nisso, nã no posso contradiar... Tem toda a r'zão.

- E faça-l' as contas. Até Vila Nova sã, mái ó menes, vinte cinco dos grandes e uns duzentos e tal dos pequenos - sim, um grande e nove pequenos p'r cada quilómatro, dá isso, mái coisa, menes coisa. Ora, q'onto é qu' isso custa, diga-me lá...

O mê compad' Jôquim do Barranco, que tem pôca queda p' às contas, pôs-se a acossar na cabeça, com ela de lado e um olho pisco, a fazer uns miécos assim c'm' quem 'tá a fazer contas de murtiplicar de dôs núm'res ó más, volta-se ôtra vez p'ra mim e diz, compassadamente, com ar de quem já chigô ô resultado:

- Olhe qu' há-de ter custado p'ra cima dum d'nhêrão... Ah, isso custô...

- Ê tamém nã sê fazer essas contas de cabeça, mái nã custaram nada pôco, nã senhora....

- Atã, a gente bem que podia pedir ali ô mê Zé Manel, qu' ele tem um telemóvem que faz quái tudo. Olhe, fala-se p' ôs ôtros, escreve-se ali e as letras, despôs, parêcem lá no da ôtra famila, tira retratos e nã tem precisão d' os ir mandar revelar... e faz contas e uns jôg's de bonècada e tudo...

'Tava-se a gente munto bem nesta conversa, o Zé Manel, farto já de esperar, abaxa o vrido e arrulha de lá de drento:

- Fica-se aqui o resto da tarde, ó quem?!...

- Vai-se já, vai-se já. Nã se demora nada...

Só tive tempo de tirar p' ali dôs ó três retratos e vá p' ô banco de trás, p' ô pé das m'lheres. Sim qu' o c'pad' Jôquim, esse, ia à frente, todo rapimpado, ô lado do filho. E, béque-me, assim todo inchado, munto senhor do sê papel...

- E nã se desqueçam de pôr os cintos...

- Vá lá a gente nã os pôr e inda se tem que pagar pr' aí alguma murta...E des qu' eles, agora, nã perdoiam nenhuma. E grandes qu' elas são...

- Inda, nã sê q'ondo, o Tóino Pingueta ia na Zundap dele, levava o capacete pindurado no braço, panharam-no ali ô Pé da Cruz, qu' ele vinha do Alferce, foi méme à medida...

- Des que sim...

- Nã sê s' ele me disse que teve que pagar p'ra cimba duns cem eros...

- Pôs, atão ele, tamém, inda p'r más, nã levava as luzes acesas e aquilo já era de noitinho...

- C'm' é qu' ele havera de levar s' elas 'tã todas variadas...

Nisto, o Zé Manel apara ôtra vez o carro. Já se tinha passado do Barracão bem p'ra baxo e, com a conversa, nem dí p'r nada. Aí foi ele que lombrigô ôtra coisa que tinha que ver. Atancharam um marco dos nôvos e desqueceram-se d' arrencar o velho que 'tava logo mái prebaxinho...

Marcos da estrada Fiand'-se uma pessoa nos marcos da estrada, Vila Nova jã fica um coisinho mái desviado. É coisa p'a se ter de dar umas quinze passadas a más, pert' ó certo...

- Esta é que 'tá boa... Agora qual é o que vale? Sará o velho, sará o novo...

- Atã, isso sabe-se qu' é o novo... Senã p'ra qu' é qu' o tinha atanchado aqui?...

- Atã assim, a estrada esticô e já se tem d' andar mái umas quinze ó vinte passadas até Vila Nova... Já se 'tá mái desviados do Algarve e nã se era sabedores de tal coisa...

- Olha lá s' ê cá nã t'vesse fêto a minha viaja a pé entes deles pôrem os marcos aqui... Lá me saía mái comprida. E ê que, méme assim, custí a dar chigado a casa... o que faria com esta lonjura a más...

Foi uma barrigada de rir.

O qu' é que mecêas querem, p'a certa famila c'm' à gente, tudo serve p'a fazer pagode... Mái, lá p'r isso nã digam p' aí que somos parvos. Isto é méme de narcença... E q'ondo qu'rerem s' advertir, apròchêguem-se cá p' ô pé da gente.

E p' ali se levô uns com os ôtr's, cada qual a d'zer as sês d'chotes - parvoêras, 'tá bom de ver - mái tudo sast'fêto, inq'onto o sol já se 'tava a qu'rer desconder p' trás do cerro da banda de lá da r'bêra. Num derrepente, digo:

- Olha lá, Zé Manel, atã e s' a gente se fosse ali à do Màss'mino c'mer um coisinho de presunto e b'ber-l'e um sôlvinho?... Quem diz ô Màss'mino, diz ô Cinzas ó ô Recanto. É ô que tu qu'reres.

Diz logo o C'pad' Jôquim, que se péla p'r coisas dessas:

- Ah, que conversa mái bonita... Já, inda agora, ê cá me tinha alembrado disso. Só nã disse nada que pensí qu' inda qu'sessem ir mái p'ra diante.

- Maria, trazeste a tu pataquinha? As m'lheres, hoje, é que pagam... Nã é assim, compadre?

- Tal e qual... Hoje é a C'madre Maria e minha C'stóida que pagam a mêas. Vá C'stóida, puxa lá aí da nota, qu' uma vez tamém há-des pagar... Adonde é que trôveste o d'nhêro, na pataca ó enrolado no lenço, c'm' tu usas a fazer, com um nòzinho na ponta?...

- A gente nã se vem aprecatadas p'ra isso, qu', entes d' abalar, ninguém disse que s' ia ô café nem a sito nenhum desses...

Diz a C'mad' C'stóida, munto deç'dida. E a minha Maria, já no gozo, qu' elas sã as duas mái agarradas que sê cá o quém:

- Pôs é isso mémo, c'madre... Tanto qu' a gente gostava de pagar, mái atã ninguém avisô p'a se trazer a mala. Olhe, fica pr' à ôtra...

E assim foi. Voltô-se p' a trás, c'memos e bobemos e ê sê munto bem quem é que pagô... E nã 'tô repeso, que fui ê cá que desafií, tanto p' ô passêo c'm' p' à bucha.

E nã l'es conto mái nada que mecêas já hã-de 'tar desastinados com tanto palêo.

Marcos da estradaMarcos da estrada Nã me venham cá d'zer qu' os antigos nã eram mái jêtôsos. E melhores...

Passem muntíss'mo de bem e q'ondo virem cá, logo exp'r'mentam a ir a um desses sitos à rés da estrada, tanto faz no Barracão c'm' nôtra banda, e comam-l'e uns coisinhos de presunto do nosso ó uma assadura ó coisa assim, e logo me dizem se f'caram bem tratados...

Até um dia destes.

12 dezembro 2006

O Panito cá de Monchique é munto cobiçado

Tabuleiro de pão de Monchique
Cá o panito de Monchique é munto cobiçado. E com r'zão...

Ora, ia ê cá d'zendo, ontordia, qu' a massa p'a 'tar im condiçõs tem que f'car aí p' ô lado dumas duas horas a crecer, se nã ser más. Olhe qu' isto, no enverno, em dias frios c'm' ele às vezes vem, pode até amarroar e demorar um belo pôco mái do qu' isso.

De manêras que, em ela crecendo até a cruz e as chagas se dêxarem de ver e f'car lisinha, tem que se dar logo ordes a tender, qu' ela nã espera. Isso antão, não. É fazer tudo, no sê devido tempo, ó, é certo e sabido, qu' a cozedura nã corre bem...

E, ô méme tempo, tiça-se fogo ô forno qu' é p'ra ele ir aquecendo, nesse mê tempo qu' a gente tende e qu' os panitos, já afêçoadinhos no tab'lêro, ficam mái um belo pôco a fintar.

Qu' ele há quem diga qu' a massa 'tá a fintar désna que s' acaba d' amassar até que se põe os panitos no forno. Mái, p'r 'quí, usa-se a d'zer que, no alguidar, a massa crece e, no tab'lêro, finta.

Pôs, nã l'es digo nada, aquilo p'a se tender é cá uma cachamorra que, quem nã 'tá ac'st'mado, vê-se em traquetes p'a fazer tal serviço... Vá lá qu' a minha Maria ia-me dando p' ali as ordes c'm' é qu' havera de fazer e c'm' é que nã havera, senã nã sê lá munto bem c'm' é qu' ê cá me dava visto livre daquele enredo.

A massa agarrava-se-m' às mãs tanto ó tampôco que só à som de l'e jogar farinha p'r cimba é qu' ê dava conta dela...

- Ó homem, pr'mêro pões farinha nas mãs e só a seguir é que te jogas à massa. Atã nã te disse já isso, sê cá q'ontas vezes?!...

- Podes ter munta r'zão, Maria, mái é que, méme assim, ela agarra-se-m' aqui entre os dedos... E nã vês aqui na tábua de tender, faz o mémo...

- Se l'e puseres farinha ô consoante, nã s' agarra... Atã ê cá nã sê munto bem disso, s' ele há tantos anos que faço tal serviço...

Alguidar de massaAcendendo o fornoTendendo o pãoTendendo o pão
Tã penas a massa 'teja boa, tiça-se fogo ô forno, tende-se e dêxa-se os panitos a fintar no tab'lêro.

E, p'a ser franco, exp'rimentí a pôr mái uma far'nhita e aquilo dé-me em correr um coisinho melhor. Ê tamém, béque-me, l'e panhí o jêto ô fim de tender uns dôs ó três panitos...

Mái, nisto, 'tava ê cá a tirar o resto da massa do alguidar p'a afêçoar um brindêrinho - qu' ê pélo-me p'r ver um brindêro no forno a cozer junto ôs ôtr's pãs - 'parêce o mê compad'e Jôquim à porta da rua.

Logo, f'quí sem saber o qu' havera de d'zer, béque-me, assim um coisinho embatucado d' ele me panhar a fazer aquele serviço que pertence é a m'lher fazer. Inda m' ingasguí p' ali e vá de gaguejar, mái o mê compadre salta logo:

- 'Teja com Dés, compad'e Refóias. Atã 'tá dando aí uma ajudinha à c'madre?...

- Eh'q, ela 'tá p' ali um coisinho mal, duma pontada que l'e deu, tive que ser ê cá a fazer este g'verno...

- Nã me diga nada, qu' ê tamém, já uma vez, tive que fazer o mémo... Atã, em elas nã podendo, o qu' é que s' há-de fazer? Temos que ser uns p'r os ôtr's...

- Olhe, até já 'tava a apr'vêtar aqui os restos da massa p'a fazer um brindêrinho... c'm' à minha mãe usava a fazer q'ondo ê era moç'-pequeno. Qu' ê tenho pôco jêto p'ra isto...

- A olhar p' ô que tem aí drento do tab'lêro, vomecêa ajêta-se más é muntíss'mo de bem, nã 'teja com coisas...

- Eh'q, nã sará bem assim... Olhe lá, c'pad' Jôquim, e nã diga isso alto qu' a minha Maria oiça, senã inda quem tem que gramar com esta bucha, no fituro, tenho que ser ê cá... Nã sabe c'm' sã as m'lheres?...

- A c'mad' Maria nã é pessoa p'ra isso. Aquelas lá de Vila Nova, munto finas, é que mandam neles...

E, d'zer a verdade, até aqui, nã tenho munta r'zã de quêxa, qu' a minha Maria usa a me dar uma bela ajuda im tod' ô serviço. D' ora im q'onto, até me faz coisas qu' ê é qu' havera de fazer, só p'ra ê cá ter tempo de contar estas passajas.

Qu' a marafada, atão, perde-se p'r ler estas parvoêras e põe-se a rir munto de rijo, méme sòzinha. Nã sê bem é s' ela acha graça às coisas qu' ê cá digo ó se 'tará a fazer pôrra de mim...

E lá fiz o brindêro, tapí a tab'lêrada de pão com o tendal e pus-me, mái um coisinho, na conversa com o compad' Jôquim. Qu' o homem vêo aqui, c'm' nã tinha nada p'a fazer com o tempo mê de chuva c'm' ele 'tava, p'a s' entreter um coisinho com-migo, inq'onto a c'mad' C'stóida f'cô tratando do jantar.

Foi o tempo de pôr mái uma lenhita no forno, dar umas voltinhas às brasas p'a ele aquecer p'r igual, dêxá-las descair e alimpá-lo.

Mecêas sabem c'm' s' alimpa o forno, 'tá claro. Aquilo é só tirar-l' os restos das brasas p'ra fora com o rodo e, a seguir, alimpar a cinza do sôlo com o barredoiro molhado - mái que 'teja bem espremido, senã o calor vai-se a baxo - e prantar com os panitos lá p'a drento, pa se cozerem.

Pondo o pão no fornoPondo o pão no fornoPondo o pão no fornoSacudindo o tendal
Em se metendo o panito todo lá drento, sacode-se o tendal p' à boca do forno e põe-se a secar.

Aí, já o compad' Jôquim se tinha ido imbora à prècura do decormerzinho e ê já podia fazer as coisas mái desafrontadamente cá minha manêra. Nã é qu' ê nã gostasse dele 'tar ali com-migo, mái uma pessoa, sentindo-se sòzinha, sem ninguém a bispar, semp'e trabalha d' ôtra manêra...

E aquilo tamém é um serviço que tem de ser fêto depressa p'a manter o forno quente, sem o dêxar descair, ó atão, adés minhas enc'mendas, que lá fica o panito todo mal cozido. Más, inda assim, a coisa nã me corré munto mal. Num nadinha, 'tava tudo fêto e o panito drento do forno...

A minha Maria, que 'tava d' olho à esprêta, a ver tudo p'r o v'rido da j'nela da cozinha, dá-me logo um eco qu' ê até f'quí, béque-me, insarampantado:

- Atã e nã fazes a cruz na boca do forno?!... E a oraçanita, já a d'zeste?...

- Ai que quái que me desquecia. Se nã és tu...

- Creça o pã no forno e as almas no céu. Em lôvor de S. V'cente, N'oss' Senhor o acrecente.

Disse logo ê cá, munto limpêro, tal e qual c'm' à minha c'madre Maria da P'rtela Baxa m'a tinha insinado, uma ocasião que 'tive im casa dela. E vá uma cruz, com a pá, naquela parte bem tisnada do forno.

Pronto. Assim o panito desatô a crecer e a dêtar um chêrinho cá p'ra fora qu' até narcia água na boca de qualquer um... Até a minha Maria s' admirô. 'Tava lá p'a drento de casa, foi-l' o chêro, oiço-a ramocar:

- Õi, que belo chêrinho... Querem lá ver qu' o panito inda vai f'car alguma coisinha de jêto, méme fêto p'r ele?...

E assim vê' logo cá ô forno passar a revista dela, c'm' quem d'zia qu' ê nã dava conta do recado.

- Olha, inda assim, nã 'tá com munto má cara, nã senhora... Ali o brindêrinho é que, calhando, 'tá munto perto das brasas e quém-ma-se. Dá-l'e lá ali um empurranito com a pá, mái p' ô pé daquele pão...

Lá fui, lá dí o empurranito.

- Olha, agora, da quem nada, mexes neles todos p'a nã s' agarrarem uns ôs ôtr's e, despôs, vês s' é preciso voltá-los, nã vã eles se quem-mar dum lado e f'car crus do ôtro.

E, digam-me lá, o qu' é qu' um homem há-de fazer... Tem-se que ter p' aí pacência, pôs atão...

- 'Tá bem, Maria, e o qu' é que faço más?

Fazendo a cruzPão no fornoBrindeiro no fornoTirando o pão do forno
Com a pá faz-se uma cruz p'r cimba da boca do forno, diz-se a tal oraçanita e é dêxá-lo cozer... Calhando o forno a nã 'tar munto quente, põe-se-l'e umas brasinhas à porta.

- Olha faz lá c'm' ê cá te digo, que, daqui a um pôc'chinho, já cá venho ôtra vez p'a ver s' ele se 'tá a cozer im condiçõs. Qu' ê nã posso 'tar aqui que tenho ali a cama inda p'r fazer e o d'comer 'tá ô fogo, inda o dêxo quem-mar.

- Sim, vai lá ô tê g'verno e dêxa isto com-migo, qu' ê logo me amanho cá à minha manêra. Ó pensas qu' ê tamém nã sê c'm' se faz pão...

Isto, era ê cá já armado im canelas de chibo, que já tinha engrilado lá p'a drento do forno e visto qu' o panito ia bem incam'nhado...

Pôs o que l'es sê d'zer é qu' ele foi, foi... crecé, naquele forno, que foi um encanto, f'cô bem cozidinho e inda a gente 'tá a c'mer dele...

Tamém, nã vô qu'rer, agora, qu' ele seja tã bom c'm' o qu' a minha Maria faz. Mái come-se... Nunca a gente t'vesse pior.

Só me dá pàxão é de nã l'es dar dado um panito p'a vomecêas provarem. Mái pode ser qu' inda calhe, uma ocasião...

E agora que já l'es contí c'm' é qu' a gente faz o pão, Dés l'e dê saúde a tôd's.

06 dezembro 2006

Cá a gente faz o panito assim

Pão de Monchique
O panito fêto à nossa manêra é logo ôtra coisa. Olhem bem p'ra isto...

Faz uns oito ó nove meses, já tinha falado aqui duma cozedura de pão. Mái, c'm' era nos mês prencíp's, só apresentí um retrato do tab'lêro chêzinho de pão, qu' ê nã sabia lá munto bem c'm' fazer tal coisa. Agora tamém pôco mái sê, mái já p' aí umas com umas manêras de resolver isso, e atão vô-l'es amostrar mái alguns.

E olhem que calhô bem, qu' a Maraffaada falô no caso, e ê cá já fazia tenção disso, que, no prencípo da semana, fazemos mái uns q'ontos panitos. E nã f'caram ruins, nã senhora...

Pôs, cá a gente faz-se o panito assim. Inda à moda antiga. Foi uma coisa que, tant' ê cá c'm' à minha Maria, nunca se demos ac'st'mado ô pã da padêria. Aquilo é, béque-me, azedo, nã chêra c'm' o nosso e quem é qu' o dá c'mido em passando p' ô ôt' dia?!...

Nã há nada c'm' o qu' a gente faz... Fiqu' ele im-massarocado ó creça bem, désna que 'teja bem cozido, mês belos amig's, nã há coisa melhor. Come-se tã bem, logo inda quentinho, numa tiborna, c'm', despôs, condutado com um belo pedaço de chôriça de pórco escuro ó morcela ó seja lá o que ser.

Já nã falando com um belo jantar de fêjão ó de côve de novelo, ô fim, esmigalhar-l'e um pique de carne gorda bem cozida, um pedaço de papada ó coisa assim, numa fatia de pã bem grossa e rapimpar-se ali, qu' até berra...

E, se nã se t'ver conduto e a laberca apertar, méme às secas ele se come, nem que tenha três, quatro dias ó até méme uma semana. Se quer que l'e diga, até que gosto dele durinho, ir mordendo aquelas côidinhas devagarinho e tomando-l'e bem o sabor.

Qu' isto, agora, quem quêra já nã no dêxa f'car duro, que nã há já quem nã tenha figoríf'co e arca, e ponde-o lá, logo assim qu' ele arrefece, dura uns belos dias e, ô descongelar, quái que nã se nota d'f'rença nenhuma. Parêce que foi fêto naquele dia.

Mái, dêxamos isso... Se querem saber c'm' é qu' ele se faz, aqui vai:

Pr'mêro, tem-se que ter a léveda p'a se masturar com a farinha q'ondo s' amassa, senã a massa nã crece. E a léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra. Na béspra d' amassar, acrecenta-se. E pronto, é só despejar p' à farinha e amassar.

LévedaLévedaLévedaJuntando a léveda à farinha
A léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra e acrecenta-se de béspra. E daí, despeja-se p' à farinha e amassa-se.

Desta vez, a minha Maria 'tava p' ali com uma pontada nas costas - cá p'ra mim, aquilo, foi jêto qu' ela deu, um dia destes, e inda nã quis ir ô endrêta cudando qu' aquilo l'e passa, assim, sem mái nem men's - e, atão, falô-me s' ê nã l'e dava uma ajudinha, p'r mái que nã fosse, a amassar.

- Ó Maria, atão, se 'tás p' aí assim tã empeçada, dêxa lá qu' ê cá, mal ó bem, nã sarê capaz de dar fêto o serviço?...

- Mái tens que ter pacência e fazer as coisas com tempo, c'm' pertence. Nã é dares p' ali três voltas à farinha e, pronto, já 'tá amassada. Alembra-te bem do que se da ôtra vez, qu' o pão f'cô todo chê de granhõs e quái que nã crecé nada...

- 'Tá bem... Dêxa lá isso... E diz-me lá más é adonde tens o alguidar e a léveda, e aquece lá uma gotinha d' água, inq'onto ê vô ajêtando aqui a farinha e o resto das coisas...

- Atã nã sabes já o lugar de tudo?... O alguidar 'tá ali p'r baxo da p'lhêra, junt' ô ôtros, e a léveda, q'ondo a acrecento, guardo-a semp'e ali na caxa pequena, p'a nã l'e cair alguma p'rquêra p'a drento e p'r mode as moscas e bichos assim.

Só o que l'es digo é que, nã tardando nada, lá 'tava ê cá a dar voltas à farinha e a amassar ali qu' até zunia...

A minha Maria tirava retratos e despejava água na massa, à medida qu' era preciso, e ê cá vá de dar voltas à massa e mái voltas, qu' aquilo leva uma preçanada de tempo até 'tar im condiçõs da dêxar ficar a crecer.

Farinha e lévedaAmassandoAmassandoAlguidar de massa
Leví p' ali um poder de tempo a dar voltas à massa, já quái que me doía os braços com a forçaria que fiz...

Em levando ali uma hora, mái coisa menes coisa, já quái que me doía os braços com tanto zurzilar na massa. Atã e a espinha?!... Calem-se aí!... Uma pessoa nã 'tá ac'st'mado àquilo, põe-se-l'e aqui uma dorzinha finina, do canto de cima ô canto de baxo, que só dá jêto é dêxar aquilo da mão e seja o que Dés quêra...

- Maria, isto nã 'tará já bom?... Já 'tô infastiado de tanto amassar...

- Atã ê cá nã te disse que tinhas de ter pacência?... Amassa lá mái um pôcachinho q' é p' à massa f'car ím condiçõs. Senã o pão nã crece c'm' deve de ser e fica todo im-maçarocado...

- Ó m'lher, ê cá côme-o 'teja ele c'm' 't'ver. Até que nã desgósto dele assim p' ô im-maçarocado, ficas já sabendo...

Era a ver s' ela me dêxava acabar com aquilo, 'tá bom de ver... Más ela nã foi na conversa, que quer semp'e pão da melhor q'ôlideza que possa ser, qu' é p' à amostrar às ôtras qu' o sabe fazer munto bem, lá tive que levar inda ali, sê cá o tempo que foi. Foi o qu' ela munto bem l'e dé na cabeça...

'Té, que, a pásnas tantas, lá vêo p'ra mim:

- Bom, isso agora já há-de 'tar más ó menes... Puxa lá aí a massa p'ra riba, a ver c'm' ela liga...

E ê cá, assim joguí as duas mãs à massa, leví-a quái toda nos ares e estiquí-a até em par do nariz, c'm' quem diz:

- 'Tás a ver c'm' ela já 'tá im condiçõs e nã faz falta nenhuma 'tar aqui a mort'ficar-me más?!...

E a minha Maria, que nã é má pessoa - lá isso nã é, nã senhora - olhô p' à massa, olhô p'ra mim, vi-me já assim um coisinho escalfado, com a cara incarnada e umas bagas de suôr na ponta do nariz, voltô-se p' ô lado de lá e disse:

- Pode-se d'zer que já escapa... Se levasses aí mái um coisinho, nã l'e fazia mal nenhum, mái c'm' tu já t' aborrêce, dêxa lá isso da mão...

- Punhana! F'quí mái contente que nem uma pega sem rabo... Assim parí d' amassar, joguí-me à farinha e toca a escramalhá-la p'r cimba da massa, p'a, despôs, a tapar com o tendal e a ratalhêra qu' a minha Maria tem só p' àquele serviço.

Mái entes da tapar, tem que se l'e fazer a cruz e as cinco chagas e d'zer a oraçanita:

- Em lôvôr de Noss' S'nhor J'us Cristo...

Senã é d' adregue ela crecer im condiçõs. 'Tejam certos que nã fica c'm' deve de ser... Uma ocasião, a minha Maria desquècé-se, o pã foi p' ô forno, q'ondo se tirô tinha quái a méma altura de q'ondo foi posto. Nã creceu coisíss'ma nenhuma, que dava más ares era a calcanhares de S. Pedro - ó franciscos, l'e chamam tamém - e nã a pã de farinha branca. Más ele c'mé-se na méma, verdade se diga...

A cruz e as chagas tamém servem p' à gente saber q'ond' é qu' a massa 'tá boa p'a tender. É q'ond' elas despâr'cerem e a massa f'car lisinha, passadas umas duas horas ó coisa assim, consoante o tempo 'teja quente ó frio.

Alguidar de massaAlguidar de massaAlguidar de massaAlguidar de massa levedando
Quem quêra qu' o pã creça c'm' deve de ser, faça a cruz e as cinco chagas e tape-o munto bem tapadinho. A seguir, é só esperar umas duas horas, perto ó certo...

E, desta vez p'r 'quí me fico. Despôs da massa crecer, logo l'es conto c'm' é que se tende, s' aquece o forno e se põe lá o panito a cozer.

Fiquem-se com Dés, qu' ê, prestes, cá 'tarê ôtra vez.

02 dezembro 2006

A minha Maria faz anos hoje

Uma rosa para a Maria

- Olha, Maria, dêx'-te aqui estas três rosas - das tuas - p'a t' alegrar as vistas no dia dos tês anos. Mái nã te desqueças de vir ver...

Uma rosa para a Maria

E se ser coisa de nã gostares assim munto delas, diz-me qu' ê panho um braçado, todas p'ra ti. Mái, já sabes, qu' ê dá-me pàxão de tirar as florinhas ali das pèzêras, qu' aquilo quái que se pode d'zer que tamém sã viventes.

Uma rosa para a Maria

E vê lá se vás p' aí durando mái uma mêa-dúiza d' anos, senã quem é que me faz uns jantarinhos, me lava as cirôilas e com quem é qu' ê cá garrêo q'ondo t'ver ap'quentado?...

Atã f'camos p'r 'quí, qu' o resto a gente logo conversa os dôs sòzinhos, qu' a famila nã tem precisão de saber disso.

Mái, já agora, semp'e te mando um abraço e que tenhas muntos anos aí prê adiante, e ê cá que 'teja perto p'a ir vendo...

E se qu'reres ir c'mer um franganito assado ali a um restaurante desses à rèzinha da estrada, apronta-te e vamos tôd's dôs. Semp'e nã tens que pôr a mesa e lavar a loiça ô fim. Que tal achas?...

Parabéns, minha bela Maria!