16 dezembro 2006

De Monchique a Vila Nova já é um coisinho mái desviado...

Marco da estrada Os marcos antigos arrencaram-nos tôd's. E os que nã estrapuseram, deram-l'e uma marranada e fazeram-nos em cacos...

Alembram-se daquela vez qu' ê vinhe à pata de Vila Nova p'ra cá e f'quí descorçoado p'r mode ver os marcos da estrada quái tôd's arrencados e, parte deles, aventujados às barrêras abaxo? Pôs, um destes dias - foi no D'mingo... pôs foi. - pedi ô Zé Manel s' ele nã s' emportava de me levar, no carrinho dele, a ver c'm' é qu' eles tinham fêto o resto do serviço.

'Tá bom de ver qu' o moço se pront'f'cô, da melhor vontade, e disse logo ô pai, inda na minha frente, p'a ir tamém com a gente. Ora o mê compad' Jôquim do Barranco não é homem p'a ronciar a acompanhar com os amig's e nem tampôco pastanejô.

- Vamos sim. Vamos os três 'í prê abaxo. E calhava nã se demorar munto a abalar qu' as tardes sã curtas, isto, o sol põe-se logo sem se dar p'r isso, e desata logo a fazer um frio marafado.

Salta logo a c'madre C'stóida, que 'tava p' ali, no alpendre, agachada a escolher umas batatas, parte delas chêas de traquinoso e ôtras com uns arrebentos quái de palmo, que só o Trombão - o pórco deles - é qu' as dará c'mido...

- Atã e ê cá e a c'mad' Maria?... Fica-se im casa?!... Que conversa é essa, home, a gente tamém se gosta do laré, nã sã só vocêas...

- Ó 'nha mãe, vomecês vã tamém com a gente todas duas. Ê nã nas dêxava im terra. Vá-se lá preparar qu' é p'à gente abalar já, qu' ê cá, à noitinha, tenho más que fazer...

Disse logo o Zé Manel p' à mãe, munto l'gêro, com aquele jêto dele munto safo, já a fazer conta de 'tar livre à nôte, calhando, p'a ir arrojar a asa à Cilinha ó a ôtra qu' ele tenha debaxo d' olho.

O qu' é que mecêas querem, isto agora 'tá assim... Já nã se pode fazer nada qu' elas nã tenham qu' andar semp' im cimba dum homem.

S' uma pessoa quer ir b'ber um calcesinho à venda, elas tamém vã bober café. S' é p'a se jogar um coisinho à carta, ôs três setes, elas assentam-se na ôt'a mesa e fazem renda e "corte e c'stura". S' um homem quer ir ô balho dos bombêros, elas 'tã logo fêtas p'a ir tamém. E p'r 'í adiente...

Isto sã coisas do vinte cinco d' Abril... Ah isso são.

Bom, mái p'a encurtar de r'zõs, ê abalí à rôpa toda e fui d'zer p' à minha Maria se despachar. Isto, s'ela qu'sesse ir - ora nã havera de qu'rer... Nã se fosse dar o caso deles inda terem que 'tar à nossa espera e o Zé Manel l'e par'cer mal. E, a cabo dum pôco, lá se foi caminho da estrada de Vila Nova.

Pus-me d' olho à esprêta p'r a j'nela do carro e o mái ingraçado é que desatí logo a ver fartura de marcos, já munto bem atanchadinhos ô lado da estrada, qu' até f'quí c'm' parvo... Contí um, dôs... dez... vinte...

- Tó diébe! Mái atã os homes fazeram a parte deles bem fêta... Ê cudando que já nã nos punham no lugar e, ô fim de contas, im menes dum farol, 'tava lá tudo ôtra vez. Com esta é qu' ê me charinguí, que falí entes de tempo...

Marcos da estradaMarcos da estrada Estes marcos nã sã c'm' os ôtr's. O mat'rial é cimento im lugar de pedra e pintaram-nos de preto im vez d' azul.

Pensí ê, cá p'ra mim, e, logo, nã disse nada ôs mês camaradas de viaja. Mái, pus-me a matinar e aquilo, béque-me, nã me casava cá munto bem na minha cachimóina. Até que repàirí numa coisa, já se tinha passado do Gilbordal p'ra baxo. 'Tavam pintados d' ôtra cor...

- Ó Zé Manel, vai lá 'í um coisinho mái devagar p'a ver uma coisa, fazendo favor...

O moço antrô numa curva, féze-a e assim aparô, logo mái pralàzinho, adonde l'e dé mái jêto.

- Atã, inda mal s' abalô, já quer p' aí verter águas, compad' Refóias?

Salta o mê compad' Jôquim, ô meme tempo qu' já tinha abrido a porta e env'r'dado atrás de mim p' à berma do lado de baxo.

- Nã senhora... Ê vô-me é aqui ver que raça de marcos sã estes qu' eles puseram agora aqui, qu', em vez da azus c'm' eles eram, 'tão pretos que nem carôchos. Nã vê? Olhe lá p'ra isto...

- Mái atão, isto, nã sã os mémos qu' aqui 'tavam... Nã vê qu' eles sã de cimento pintado de preto e os ôt'rs eram azules e fêtos de pedra trabalhada a pontêro e maceta?...

Marcos da estrada

- Ai os filhos duma magana!...

- Calhando, a pedra já 'tava podrida, a se desfazer...

- Podrida?!... Podridos 'tamos a gente tôd's com estes mariolas que gastam o d'nhêrinho todo com coisas que nã era preciso...

- Dêxe lá isso c'pad' Refóias, estes sã nôv's semp'e sã mái v'stôsos...

- Qual o quem!... Ó mê belo amigo e compadre, isto fêto de cimento tem alguma aira?!... Más a más qu' os qu' eles tiraram 'tavam aqui désna qu' a estrada foi fêta, já no tempo dos nossos avózes e eram munto mái bonitos. Cá p'a mê gosto...

- Lá nisso, nã no posso contradiar... Tem toda a r'zão.

- E faça-l' as contas. Até Vila Nova sã, mái ó menes, vinte cinco dos grandes e uns duzentos e tal dos pequenos - sim, um grande e nove pequenos p'r cada quilómatro, dá isso, mái coisa, menes coisa. Ora, q'onto é qu' isso custa, diga-me lá...

O mê compad' Jôquim do Barranco, que tem pôca queda p' às contas, pôs-se a acossar na cabeça, com ela de lado e um olho pisco, a fazer uns miécos assim c'm' quem 'tá a fazer contas de murtiplicar de dôs núm'res ó más, volta-se ôtra vez p'ra mim e diz, compassadamente, com ar de quem já chigô ô resultado:

- Olhe qu' há-de ter custado p'ra cima dum d'nhêrão... Ah, isso custô...

- Ê tamém nã sê fazer essas contas de cabeça, mái nã custaram nada pôco, nã senhora....

- Atã, a gente bem que podia pedir ali ô mê Zé Manel, qu' ele tem um telemóvem que faz quái tudo. Olhe, fala-se p' ôs ôtros, escreve-se ali e as letras, despôs, parêcem lá no da ôtra famila, tira retratos e nã tem precisão d' os ir mandar revelar... e faz contas e uns jôg's de bonècada e tudo...

'Tava-se a gente munto bem nesta conversa, o Zé Manel, farto já de esperar, abaxa o vrido e arrulha de lá de drento:

- Fica-se aqui o resto da tarde, ó quem?!...

- Vai-se já, vai-se já. Nã se demora nada...

Só tive tempo de tirar p' ali dôs ó três retratos e vá p' ô banco de trás, p' ô pé das m'lheres. Sim qu' o c'pad' Jôquim, esse, ia à frente, todo rapimpado, ô lado do filho. E, béque-me, assim todo inchado, munto senhor do sê papel...

- E nã se desqueçam de pôr os cintos...

- Vá lá a gente nã os pôr e inda se tem que pagar pr' aí alguma murta...E des qu' eles, agora, nã perdoiam nenhuma. E grandes qu' elas são...

- Inda, nã sê q'ondo, o Tóino Pingueta ia na Zundap dele, levava o capacete pindurado no braço, panharam-no ali ô Pé da Cruz, qu' ele vinha do Alferce, foi méme à medida...

- Des que sim...

- Nã sê s' ele me disse que teve que pagar p'ra cimba duns cem eros...

- Pôs, atão ele, tamém, inda p'r más, nã levava as luzes acesas e aquilo já era de noitinho...

- C'm' é qu' ele havera de levar s' elas 'tã todas variadas...

Nisto, o Zé Manel apara ôtra vez o carro. Já se tinha passado do Barracão bem p'ra baxo e, com a conversa, nem dí p'r nada. Aí foi ele que lombrigô ôtra coisa que tinha que ver. Atancharam um marco dos nôvos e desqueceram-se d' arrencar o velho que 'tava logo mái prebaxinho...

Marcos da estrada Fiand'-se uma pessoa nos marcos da estrada, Vila Nova jã fica um coisinho mái desviado. É coisa p'a se ter de dar umas quinze passadas a más, pert' ó certo...

- Esta é que 'tá boa... Agora qual é o que vale? Sará o velho, sará o novo...

- Atã, isso sabe-se qu' é o novo... Senã p'ra qu' é qu' o tinha atanchado aqui?...

- Atã assim, a estrada esticô e já se tem d' andar mái umas quinze ó vinte passadas até Vila Nova... Já se 'tá mái desviados do Algarve e nã se era sabedores de tal coisa...

- Olha lá s' ê cá nã t'vesse fêto a minha viaja a pé entes deles pôrem os marcos aqui... Lá me saía mái comprida. E ê que, méme assim, custí a dar chigado a casa... o que faria com esta lonjura a más...

Foi uma barrigada de rir.

O qu' é que mecêas querem, p'a certa famila c'm' à gente, tudo serve p'a fazer pagode... Mái, lá p'r isso nã digam p' aí que somos parvos. Isto é méme de narcença... E q'ondo qu'rerem s' advertir, apròchêguem-se cá p' ô pé da gente.

E p' ali se levô uns com os ôtr's, cada qual a d'zer as sês d'chotes - parvoêras, 'tá bom de ver - mái tudo sast'fêto, inq'onto o sol já se 'tava a qu'rer desconder p' trás do cerro da banda de lá da r'bêra. Num derrepente, digo:

- Olha lá, Zé Manel, atã e s' a gente se fosse ali à do Màss'mino c'mer um coisinho de presunto e b'ber-l'e um sôlvinho?... Quem diz ô Màss'mino, diz ô Cinzas ó ô Recanto. É ô que tu qu'reres.

Diz logo o C'pad' Jôquim, que se péla p'r coisas dessas:

- Ah, que conversa mái bonita... Já, inda agora, ê cá me tinha alembrado disso. Só nã disse nada que pensí qu' inda qu'sessem ir mái p'ra diante.

- Maria, trazeste a tu pataquinha? As m'lheres, hoje, é que pagam... Nã é assim, compadre?

- Tal e qual... Hoje é a C'madre Maria e minha C'stóida que pagam a mêas. Vá C'stóida, puxa lá aí da nota, qu' uma vez tamém há-des pagar... Adonde é que trôveste o d'nhêro, na pataca ó enrolado no lenço, c'm' tu usas a fazer, com um nòzinho na ponta?...

- A gente nã se vem aprecatadas p'ra isso, qu', entes d' abalar, ninguém disse que s' ia ô café nem a sito nenhum desses...

Diz a C'mad' C'stóida, munto deç'dida. E a minha Maria, já no gozo, qu' elas sã as duas mái agarradas que sê cá o quém:

- Pôs é isso mémo, c'madre... Tanto qu' a gente gostava de pagar, mái atã ninguém avisô p'a se trazer a mala. Olhe, fica pr' à ôtra...

E assim foi. Voltô-se p' a trás, c'memos e bobemos e ê sê munto bem quem é que pagô... E nã 'tô repeso, que fui ê cá que desafií, tanto p' ô passêo c'm' p' à bucha.

E nã l'es conto mái nada que mecêas já hã-de 'tar desastinados com tanto palêo.

Marcos da estradaMarcos da estrada Nã me venham cá d'zer qu' os antigos nã eram mái jêtôsos. E melhores...

Passem muntíss'mo de bem e q'ondo virem cá, logo exp'r'mentam a ir a um desses sitos à rés da estrada, tanto faz no Barracão c'm' nôtra banda, e comam-l'e uns coisinhos de presunto do nosso ó uma assadura ó coisa assim, e logo me dizem se f'caram bem tratados...

Até um dia destes.

8 comentários:

  1. Com fome me fico! E não sei que terra de fadas e duendes é essa que há sempre que contar e ver.
    Abç

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  2. E que bem e com que talento o parente retrata esta linda serra, com as suas gentes usos e costumes.
    Por aqui fizeram exactamente o mesmo com os marcos quilométricos e hectométricos. Tenho resistido à tentação de trazer um para casa e pôr no jardim, antes que desapareçam definitivamente.

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  3. Eh lá modificar os marcos é ma coisa mas modificar o sitio é outra. Nã sê que jêto fazerem ma coisa dessas. Eu concordo com o Kuka, se tivesse aí acho que já tinha era levado um para casa de recordação. Agora só um apártezinho aqui só pá gente, já viram os meus 2 blogs novos que criei aqui no Blogger? Nã vou lá muntas vezes que me falta temp mas aquile é pa continuar a pôr retratos e falar diste aqui. Assim vocemecêas tamem ficón a saber coméqu'iste aqui é. Bjinhes pa todes.

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  4. Uma assadura no Ponte d'encontre e na se fala mái nisse.
    Dés le di saúde Parente!

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  5. Meu caro Parente

    Depois de ler esta história, fico-me com uma dúvida: "foi mesmo o Tóino Pingueta, com a sua zundap, que deitou os marcos abaixo?"

    Uma abraço e votos de BOAS FESTAS

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  6. Às vezes quando venho aqui tenho a sensação de ter entrado noutro mundo, de ter viajado para outro país...

    Fica bem!

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  7. "Podridos 'tamos a gente tôd's com estes mariolas que gastam o d'nhêrinho todo com coisas que nã era preciso..."

    Subscrevo totalmente esta sua frase, meu amigo.
    Não acho jeitos nenhuns em substituir uns marcos tão antigos, de material mais resistente, e feitos de uma forma quase que artesanal. Para não mencionar a cor!

    E pelos vistos, também mudou a própria distância entre Monchqiue e Vila Nova. Ora vejam bem...!

    E não bastava exibir o seu maravilhoso pãozinho, ainda tinha de me lembrar do presunto de porco preto. Não quero fazer publicidade, mas o que eu não dava por um niquinho de presunto da Casa Cinzas em cima do seu pão!

    Um enorme beijo para si e para a sua linda senhora.

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  8. Imagens chocantes. O desprezo pelo património histórico rodoviário atinge proporções horripilantes.
    Quem partiu esses marcos devia pagar uns novos.
    É preciso começar a restaurar essas coisas lindas.

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