A carrêra lá se foi e ê cá, p'a me desquecer dela, encostí-me ali ô v'lado do miradoiro do Àgua da Sola e desatí a olhar lá p'ra baxo p' ô Algarve, d' adonde tinha abalado há mái de quatro ó cinco horas. E dô com-migo a matinar:
- Tó, raio!... Olha bem a serraria que já atravessaste désna de Vila Nova até aqui... Mal empregado nã 'tar aí um dia melhorzinho, que semp'e vias o casario e a água do mar, azulinha qu' era um consolo, a luzir com o sol...
Mái atã, aquilo, fazia um escuro qu' os retratos nã f'cavam nada de jêto... Se panhava as casas das Caldas, nã panhava o resto até Vila Nova. Se panhava o resto, nã panhava as Caldas. Olha que esta, hã!...
Abalí fui-me imbora, caminho de casa, qu' aquilo era coisa p'a levar inda mái uma hora, perto ó certo, até ô fim da viaja. E, só aqui pr' à gente, ê 'tava de'jando disso, qu' as pernas já davam sinal e as botas, béque-me, cada vez pesavam más, nã sê perquém. Calhando p'r mode a chuva que tinham panhado...
E foi aí qu' ê cá desatí à prègunta a ver se dava com algum marco da estrada, p'a saber a que lonjura inda 'tava de casa. Mái, qual o quém. Atã e ele par'cia algum?... Vejam bem o que se deu.
Uns que têm andado p' aí a arrenjar a estrada, arrencaram os marcos tôd's - nã sê bem se tôd's se quái tôd's, más ê cá, lá adonde prècurí, nã dí com nenhum no lugar - e jogaram-nos p'r essas barrêras abaxo. E quem diz marcos, diz sinás. E, em lugar disso, agora, têm andado a pôr p' ali umas chapas de lata...
Pôs olhe, ê cá nã digo qu' as chapas nã façam jêto, mái mês belos marcos de pedra, muntos fêtos à mão, com uma maceta e um pontêro, p'r artistas daquele tempo, inda ê nã era narcido... E vejam bem como eles duram, qu' inda cá 'tão, quái c'm' nôv's, que nunca mái s' estragam. E, agora, jogam-nos fora...
'Té fico em pele de galinha de ver os marcos tôd's jogados aí p'r essas barrêras abaxo...
Ê, tamém, nã sê se 'tô a ser um coisinho má-língua, qu' eles inda os podem ir b'scar e pôr ôtra vez no lugar, mái, p'lo 'tô a ver, ach'-l'e pôco jêto disso. E vomecêas, fiam-se qu' eles inda os vã apr'vêtar? É que, só d' os ver assim jogados, dá-me cá uns fernicoques qu' até fico em pele de galinha...
Mái, vá lá, qu' inda dí com um, com as letras que m' ent'ressavam voltadas p' ô ar, e lá f'quí sabendo qu' o resto do caminho já nã chigava a uma légua. Béque-me, até me vê' assim uma alegria ôs olhos e, méme sòzinho, fiz ares de rir e falí p'ra mim:
- Olha, desta 'tás quái safo... Agora, munto mal corressem as coisas p'a nã dares chigado a casa...
E, ramordendo nisto, 'té quái que me vêo um chêrinho ô jantar de milhos qu' a minha Maria, calhando, havera de 'tar a fazer p'a q'ond' ê chigasse... Nã foi coisa qu' ela nã m' aprometesse, na béspra à nôte, ô dêtar, lá na casa das amigas dela. E vá de me narcer água na boca... Tamém, com a laberca qu' ê já levava, sê cá o qu' é que nã me sabia bem, se panhasse...
De manêras que, 'tava ali, 'tava na Nave. Mái, inda entes, logo preciminho do Gilbordal, ia, munto descansado, a sobiar uma moda das antigas, qu' a malta nova usava a cantar e a balhar assim em jêto de fandango, ch'mada " o Manel Abradas e o Manel Abreu" - nã l'es posso é d'zer os versos, qu' eles nã tem nada de mal, más sã, assim, um coisinho p' ô malcriado - q'ondo oiço um sobiado q'ôdrado e um arrulho c'm' quem 'tava a bradar p'r mim.
Volt'-me p'a trás, o Manel Cachimbo. Dig' p'ra mim:
- Olha, o que m' havera de sair na rifa...
- Ó Refóias, 'pera aí!... Atã já nã ligas ôs amig's?...
- Agora é qu' ê 'tô bem aviado... - Ramordí, assim, baxinho, p'a ele nã ôvir.
E lá vê ele, de passo aberto, béque-me quái a marchar, c'm' nos tempos que se 'tava os dôs na tropa, im Tavira. Num foguete, 'tava em par de mim.
- Atã, passaste e nã me viste ali na venda do Gilbordal?... Vinhas cego ó quém?
- Nã vês, ê tenho munto qu' andar a olhar p'a drento das vendas... E, olha lá, o qu' é que 'tás a fazer aqui p'a estas bandas logo a umas horas destas? A tu casa nã é àlém ô pé do convento?...
- Atã e o qu' é qu' isso tem?... Já hoje ê vinhe de Vila Nova...
- Nã me digas que tamém já fazes a praça...
- Nã... Fui aí com um amigo e despôs, na volta, ele aparô aqui, b'bé-se uns porretes e ê f'quí ali entretido um pôco.
Com esta conversa toda, q'ondo dí p'r mim 'tava-se na Nave, im par da pedrêra.
- Agora, 'pera aí um coisinho qu' ê tenho que tirar aqui uns dôs ó três retratos.
E tirí.
A pedrêra da Nave dá-me que pensar. Quái que nã sê o que diga...
Naquele pôcachinho que 'tive a tirar os retratos e o Manel p' ali ramocava sòzinho, olhí bem p' àquele serviço e, verdade se diga, f'quí sem saber o que pensar. É qu' aquilo, ô méme tempo pode-se d'zer qu' é bom e qu' é ruim.
- Atã, nunca mái te despachas com os retratos?...
- Já 'tá, Manel. Nã t' apequentes, qu' isto agora é a gente env'redar aí prê adiente e, im menes de nada, 'tamos na Vila. S' a chuva apertar munto, amalham's-se aí num lado qualquer. Ê cá tenho aqui este plástico, 'tô semp'e safo, agora tu vás aí todo desc'rapuçado...
- Mái tenho aqui um chapé-de-chuva na als'bêra do casaco. Nã vês? É daqueles qu' encolhem. Comprí ali naqueles chineses q'ondo s' assobe p'ra cima, p' ô lado da Fóia.
- Atã, 'tás governado... Vamos más é andando.
E lá se foi. Más ele, inda assim, nã 'tava munto escorvado e dé-l'e p'a antrar com-migo.
- 'Tavas a olhar tanto ali p' à pedrêra, nã me digas que queres ir trabalhar p'ra lá?... Ganão c'm' tu és, inda nã t' há-de chigar a reforma que já arrecebes...
- Tem p' aí tento na língua e nã digas parvoêras. O qu' ê 'tava a olhar era ôtra coisa.
- Atã diz lá, qu' ê semp'e quero ver...
- Tu já repàiraste qu' eles vai p' ô lado duns cinquenta anos que brigam naquele cerro a tirar dali pedra?... 'Tá bem que nã tem sido semp'e d' enfiada, mái méme assim o que nã saí' já dali...
- Têm arrenjado ali munto d'nhêrinho, Refóias. Só qu' a gente t'vesse uma àmetade cada um já se 'tava bem...
- Atã e o que têm pr'sicado aí o imbiente?... Isso nã dizes tu...
- Qual imbiente nim imbiente... Isso é o que dizem uns qu' andam pr' aí, que sã engenhêros mái nã conhêcem nada disto.
- Atã e esta famila que mora aqui ô pé e tem levado este tempo todo a engolir pòzêra e a levar calhàzadas im cimba dos telhados?...
- Lá nisso dô-te r'zão. É c'm' o ôtro que diz, ê tamém nã me calhava nada morar aqui ô pé, lá isso não...
- E olha lá além do ôtr' lado da estrada, o trabalho qu' além vai. Até o córgo já mudô de sito...
Pôs, uma coisa l'es digo. Aquilo, 'té se me põe aqui um aperto de ver aquele trabalho. Já 'tá ali um buraco que s' alcança de bem longe. E fica fêo, lá isso fica. Mái atão e aquela famila que trabalha ali e tem precisão d' arreceber o d'nhêrinho, todas semanas, lá p' às suas necessidades deles...
- O melhor é a gente se dêxar disso e vamos más é b'ber um calcesinho ali àquela venda...
Diz o Manel Cachimbo, munto lampêro.
- Olá, era o que faltava... Hoje nã penses nisso, qu' ê cá nã bebo nada inq'onto nã chigar a casa. Lá p' à tarde... pode ser.
Com este lambarêo todo, foi-se semp'e andando, andando, q'ondo dí p'r mim, já se tinha passado à Mêa-Viana e parêce-me o Pé da Cruz na frente.
Tã penas avistí a Vila, até se m' arrasaram os olhos d' água. Nã sê se foi p'r ver este lindo chalé no estado im que 'tá, se foi p'r 'tar quái a chigar a casa...
Os plátanos nã têm prosado nada bem, pertados que 'tão no mê das bombas da gasolina. Mòrmente os dum lado, sentiram-se munto...
Em se vendo dos plátanos p' ô lado de lá, o Manel, que 'tava im ferros que nã ia emborcar uma cervejalha, salta logo p'ra mim:
- Olha, Refóias, agora tenho qu' ir ali ô Grémo ver se compro uns pózes p'a dar lá num formigo que tenho lá numas bejoarias, se queres, anda daí com-migo.
Mintira, que nã era horas do Grémo 'tar aberto e ele qu' é munto crusidoso com as bejoarias ó seja lá com o que ser, que nunca tem nada de jêto...
- Ê cá, agora, daqui só p'ra casa...
Mái a mim até que me calhô bem, qu' ê cá, assim, despedi-me dele e fui d'rêto a casa o mái depressa que dí, derrengado c'm' 'tava, p'a ver se jogava umas chapadas d' água morna p' ô corpo, se c'mia o tal jantarinho de milhos com fêjão qu' a minha Maria m' aprometeu e semp'e fez e sossegar um coisinho, p'r mái que nã fosse, a sornar assentado num sòfá que 'tá p' aqui na casa de fora.
E assim acabí a minha viaja. Ficam tôd's convindados p'a tamém exp'rimentarem.
E inda l'es dig' ôtra. Nã tardando munto, assim Dés me dê vida e saúde, vô-me de Marmelete ô Alferce. Dêxem que logo veêm...
Passem tôd's munto bem e andem à pata que faz bem ô coração.
'Té um dia destes.
Com essa caminhada tão pitoresca, também me sinto tentada a fazê-la um dia, assim de chuva miudinha... Isso, se a minha preguiça mo permitir!
ResponderEliminarFiquei intrigada por andarem a derrubar os marcos das bermas da estrada, não vejo jeitos em livrarem-se de estruturas antigas, que pelos vistos até são bastante úteis aos transeuntes mais afoitos, como o Parente ;) Partilho da sua esperança, de que sejam recolocados.
É, de facto, curioso como a pedreira da Nave parece estar longe de se esgotar, mais de meio século depois de activa. Li algures que os japoneses deram um dinheirão para construírem lá uma sede enorme de um banco com o sienito de Monchique. Pode prejudicar o ambiente, mas pelos vistos é um negócio lucrativo, e por norma é isso que conta...
Da última vez que aí estive, vi que já tinham demolido aquilo que restava de uma taberna que há muitas décadas existiu do outro lado da estrada da pedreira. Conta-me a minha mãe que, ao domingo à tarde, passeava com as amigas até lá, para ver os "moçes". Coisas da junventude ;)
Aqui há uns tempos consegui encontrar na internet uma foto da entrada da vila há mais de 100 anos. É engraçado ver como os plátanos eram muito mais pequenos (naturalmente).
Por último, é triste ver o estado a que chegou o chalet do Sr. Duarte, que tem uma chaminé lindíssima (arrisco-me a dizer que é das mais admiráveis que Monchique ainda possui). Diga lá se não era bem empregue recuperarem um casarão tão jeitoso?
E como este, tantos outros, de que é exemplo a casa do Dr. Garcias (antiga sede do PCP). Ai, seu eu pudesse...!!
Mais uma vez, mil desculpas por me alongar desta forma excessiva.
Um beijo para si e outro para a sua Maria, que deve ser uma cozinheira irrepreensível ;)
P.S.: Estou a reler os Subsídios Para a Monografia de Monchique. Uma pérola! O sr. Gascon já merecia o nome dele numa rua da vila, pelo precioso contributo monográfico.
Concordo c a Ana Pinto, depois de ler a descrição da sua "viaja", dá vontade de a fazer também (confesso q foi coisa q nunca me passou pela cabeça... ir da Vila Nova a Monchique a pé!... mas que é fazível, como o compadre provou com determinação e resistindo à carreira e à boleia do amigo!)...
ResponderEliminarÉ curioso como se tem uma outra visão de tudo quanto já vimos vezes sem conta, mas "en passant", da janela do carro...
Em relação aos marcos, estou um pouco céptica... Quer-me parecer que no final das obras da estrada (lá p dia de S. Nunca... ) eles vão continuar pelos barrancos abaixo...
Mais uma vez lhe agradeço por engrandecer a nossa terra e os nossos costumes e por me fazer recordar expressões deliciosas que há muito estavam adormecidas nas minha memórias de infância(o "amalhar", o "apoquentar", a "cachamorra"... entre tantas outras!...)
Saúde e sorte, pra si e prá su Maria!
'Teja com Dés, minha linda menina Ana Pinto.
ResponderEliminarCada vez que mecêa diz aqui das suas, fico tã sast'fêto que nã Em-magina...
Olhe, ê tamém conheci munto bem essa venda lá na Nave que já acabô faz muntos anos. Mái, ele inda há lá ôtra que, se nã 'tô atribuído, inda fonciona. É da Viúva do mest' Zé d' Avó e, no telhado dessa, chigaram a cair calhàzadas dos barranos lá da pedrêra.
S' inda nã viu, exp'r'mente a ir ô site da Junta de Freguesia de Monchique/A vila de Monchique/Fototeca, que dá lá com uma mêa-dúiza de retratos bem antigos de Monchique e um é dos plátanos, qu' até se vê a ingreja do Pé da Cruz.
Com respêto ô chalé, tem toda a r'zão. Tanto a casa c'm' à ch'miné sã um encanto e nã sê c'm' dêxam aquilo se perder tudo... Verdade se diga, aquela ch'miné, a par da de S. Sebastião e mái umas quatro ó cinco qu' aqui há, até dã cobiça. P'r trás dessa casa do PCP 'tá uma par'cida.
Um dia, em tendo jêto, vô-me escolher as mái bonitas todas e apresentar os retratos.
Na Monografia do Sr. Gascon, aprende-se muito a respêto da nossa terra. Já o li mái não o tenho e dá-me pena. Arrenjí foi "Marmelete - Estudo Monográfico" de José Rosa Sampaio, que 'tá à venda na Junta de Marmelete. É um livro d' agora (2002), mái tamém gosto munto dele.
O autor é um monch'quêro do mái encrençado que possa ser.
Arreceba muntas rec'mendaçõs minhas e da minha Maria e dê tamém à su mãezinha.
Fique-se com Dés.
Minha bela amiga Maraffaada
ResponderEliminarQ'ondo a su Zabelinha ser um coisinho mái crecida, leve-a tamém a andar assim a pé - nã quer d'zer que seja logo uma viaja tã comprida... - qu' ela há-de gostar e faz-l'e bem. E vai-se logo ac'st'mando ô campo, sem esses ares estragados aí da cidade.
Ê cá é que l' agradêço vomecêa vir aqui, ler e d'zer das suas. Se nã fosse isso, nem tampôco ê tinha coraja p'a levar p' aqui a catarroar sòzinho.
Já agora, semp'e l'e digo que conheci munto bem o Sr. Mira d' Almeida, que Dés o tenha. E conheço o Sr. Tó Zé e a D. Rita, mái nã tenho lidação nenhuma com eles, é só de vista.
A minha Maria manda muntos bêjinhos p' à Zabelinha.
Dés l'e pague e até qualquer dia.
Meu querido Parente, nem a água que cai do céu o pára! E a humidade dá outra côr às suas fotos, brilham. A última deste post está nos meus olhos, cheios de saudade. A lonjura... Abraço
ResponderEliminarPara mim é também um consolo muito grande ver a sua obra. Sim, porque isto já é uma obra, e, insisto, que devia ser publicada!!!
ResponderEliminarParente Refoias, que bela ideia que teve ao pensar neste blog. Que maravilha ver descritas as imagens que nos apresenta com tanto amor e que vai matando as saudades que tenho da Serra mais linda do Mundo!!!