24 novembro 2006

A Procissão de S. Sebastião

Nª Sª do Desterro - Igreja de S. Sebastião - Monchique
Esta imaja da Nossa Senhora do Desterro era do Convento. Vá lá qu' a trazeram, inda a tempo e horas, aqui p' à do S. Sebastião...

A catorze de S. Tiago, já l'es falí aqui da ingreja de S. Sebastião, o Márt'e Sagrado, mái vô-l'es l'es falar, mái uma vez, do méme assunto.

É qu' o t' Zé Caçapo, nesse dia, disse-me uma coisa que nã 'tava bem certa e ê cá escrevi-a aqui, parvo, sem repáirar qu' aquilo era uma patuchada dele. Nã sê se 'tã alembrados qu' a gente falô qu' era p'ra ê cá, im Janêro, ir ajudar a levar o andor do Márt'e Sagrado p' à Matriz...

'Tava tudo munto bem s' a festa fosse no dia do Santo, qu' é a 20 de Janêro, más é qu' a gente aqui im Monchique tem ôt' c'stume e faz-se-l'e a festa logo no mês dos Santos... E, atão, foi já no D'mingo passado. De manêras que, fica o enlêo deslindado e nã se fala mái nisso.

Dé-me assim um coisinho d' empenho de saber o perquém disto se dar cá com a gente. Pôs olhe, nem o Sr. Prior, calhando, sabe munto bem o jêto. Mái ele há quem diga que nã tem nada em ser p'r mode o Santinho, já lá vã muntos anos, ter dado uma bela ajuda nas acolhêtas da famila que morava cá nesse tempo e eles adiantaram-se a l'e fazer uma festa tã penas t'veram jêto.

Qu' o S. Sabastião - mecêas hã-de saber isso melhor do qu' ê cá - é o Santo que tem a sê carrégo nã dêxar qu' a fome, a peste e a guerra parêçam p'r cá. Pedind'-l'e a gente, 'tá bom de ver... S' a gente nã l'e pedir, o qu' é que se pode 'tar à espera?...

Pôs ê fui à festa, mái descudí-me um coisinho, qu' a minha Maria levô p' ali tôd' ô tempo a pintar os bêços, e q'ondo lá ch'guí já a pr'cissão ia a assomar ali p' às bandas da R'bêra. E, atão, esperí-a ali méme ô pé da capelinha do Santo e, p'a nã perder tempo, fui tirando uns retratos lá drento.

E, méme eles sendo fracos, nã dí o tempo p'r mal impregue, qu' o altarzinho e a imaja da Nª Senhora, com o f'lhinho dela de mã dada, sã uma coisa que só vendo... Bonitos qu' até dã gosto e antigos qu' eles são...

Fui ô site da Cãm'bra de Monchique - nã é p'r nada, mái, agora, já 'tá um site todo bem apresentado, sa senhora - e des qu' aquilo é coisa p'a ter sido fêta aí p'r alturas do século XVII e que vêo tudo lá do Convento, tanto a imaja c'm' o "baldaquino e as colunas fantasiosas".

É, lá!... A imaja ê sê bem o que é. Agora o baldaquino... Tó, diacho!...

Ô ler aquilo, vê'-me logo à idêa:

- Nã ôves, atã isto puseram eles aqui p' à famila de Monchique ler, que somos tôd's pessoal enstruído, é que nã há-de ser nada do ôtr' mundo. Tens que lombrigar p' aí o qu' é qu' esse palêo quer d'zer, qu' é p'a nã dares parte de fraco. Nã caias nessa d' ir prècurar aí o compad'e Jôquim, qu' ele, calhando, sabe, e panhas uma vergonha...

E nã tive ôt' remédo senã jogar-me ô d'cionáiro e andar p' ali às voltas, p'a trás p' à frente, p'a trás p' à frente, a ver se dava com aquilo. Demorí um belo pôco, mái . Olhem, béque-me é aquela parte lá de cimba de todas que faz assim quái c'm' um telhadinho e que 'tá sustida nas c'lunas.

Igreja de S. Sebastião - Monchique Marcos da Estrada de Monchique
A Igreja de S. Sebastião mal empregada 'tar fechada tôd' ô ano e só se puder devassar no dia da festa...

Pôs, o que me dá pàxão é esta igrejalha, assim c'm' ôtras tantas, 'tar semp'e fechada. Qualquer um que venha aí, só s' ir pedir à senhora Cãindinha p'a l' abrir a porta. E, méme isso, nã sê s' a m'lherzinha tem vagar e pode amostrar aquilo, sem mái nem men's. Qu' isto, hoje em dia, tem que se ter munta conta...

É qu' ê cá, que nã sê nada disso, tenho a mania qu' aquela Nª Senhora há-de valer p'ra cimba dum d'nhêrão. S' há algum mariola que pensa im l'e pôr as mãs im riba, c'm' se tem dado aí p'r muntas bandas, lá se vai ela... E esses nem tampôco têm míngua de pedir a chave à senhora Cãindinha, que têm ôtras manêras d' antrar lá sem ninguém dar p'r isso. E vergonha inda men's, que já nem estas coisas respêtam...

'Tava ê cá munto bem descudado a ramoer nisto, oiço um cantorío, inda me pus à escuta mái só já ôvi: "... da fo-me, da pe-ste e da gue-rra".

- Mái atã, isto é a pr'cissão que já 'tá méme aí a chigar. Dêxa-me lá ir senã já nã l'e dô tirado retrato nenhum ali na rua. E já que nã fui ver a abalada da Matriz,ô men's aqui...

E lá vinha tudo munto bem no sê lugar, com um mandador ali à frente que via-se que sabia o que 'tava a fazer, um m'cinho e uma m'cinha, de branco, com uns alt'-falantes às costas e uma jolda de m'lheres a cantar lá mái ô pé do Santinho.

Lá mái p' a trás, vinha o andor, carregado ôs ombros duns homenzinhos, vestidos com opas brancas e incarnadas, a luzir, munto bem passadinhas a ferro, que s' iam arrevezando p'r modeescaldarem munto os ombros, qu' aquilo, o andor, par'cendo que não, semp'e tem um belo peso e o caminho é um coisinho a assubir.

Tã penas chigaram à rua da igreja, voltaram o Santinho p' ô lado do Convento, puseram o andor nos descansos - uns paus com uma f'rquêra na ponta, qu' eles trazem a fazer tamém a vaza de cajado - e vi-se méme que f'caram tôd's al'viados.

Nisto, o Sr Prior desatô a prègar o sê sermão e a famila f'cò tudo espècado a olhar p'ra ele e a t'marem sentido no qu' o homem d'zia. Qu' ele até que fala c'm' deve de ser e percebe-se muntíss'mo bem o que diz.

Procissão de S. Sebastião - MonchiqueProcissão de S. Sebastião - MonchiqueProcissão de S. Sebastião - MonchiqueProcissão de S. Sebastião - Monchique
Ô fim da pr'cissão, o Santinho vira-se p' à Magnólia e p' ô Convento e despede-se até pr' ô ano...

Tamém ê cá me 'tava a dar cobiça d' ôvi-lo, mái, calem-se aí!, pôca coisa apanhí. Méme ali à rés de mim, 'tavam duas que levaram o tempo todo no palêo. E alto qu' elas falavam... Aquilo, uma já era bem velha, havera de 'tar mê surda, falava de rijo cudando que falava bàxinho, a ôtra, p' à velha a dar ôvido, tinha que d'zer as coisas nã sê q'ontas vezes...

- Olhe, c'madre, ê tenho cá uma crença tã grande ó tã pequena p'r este Santinho que mecêa nã em-magina...

D'zia a mái nova, toda pespeneta, de cabelo encarniçado e todo esticado - via-se logo que tinha ido, na béspra, à cabelêrêra... - com uma blusa de malha ôs quadros e uma saia acastanhada até mêa canela, arrachada de lado até à dobradiça do joelho.

- Lá há-de ser más qu' à minha, que, tôd's anos, l' aprometo uma promessa p'ra ver s' ele me faz a graça d' arrecolher umas belas batatinhas - e quem diz batatas diz ôtras coisas - e nã dêxar antrar doença denhuma lá na minha casa. P'a já nã falar da guerra...

Saltava a ôtra, mái velha, já toda torta da espinha, com os cabelos branc's a fazer ondas, sustidas p'r ganchos pretos daqueles qu' a minha avó usava nôt's temp's, enrolada num xale preto, mái cinzento que preto, com os cadilh's já tã desfiados que davam más ares a uns rolos de penuja qu' ôtra coisa.

- Ai, mê belo S. Sabastião, coitadinho, o qu' ele padeceu... Atado a um madêro e todo espetado de setas... E méme assim, nã morré logo. Inda lá uma m'lherzinha olhô p'r ele e q'ondo se sentiu curado, foi-se apresentar ôtra vez àquele escamungado do emperador...

- Pôs, qu' ele era lá o chefe da guarda... e converté-se...

- Ora o emperador, qu' era um cão, logo, panhô uma rabana, que pensô dele ser um medo, mái, a seguir, mandô-l'e dar com uma vardasca até o matarem e qu' o jogassem p' ôs leõs o c'merem...

- Ele já hôve quem me d'zesse qu' o jogaram foi p' ô cano d'esgoto lá de Roma... Mái isso vai dar no mémo, que morto já ele 'tava, pobrezinho...

E q'ondo desgotaram este assunto, mudaram p'ra ôtro, béque-me lá uma amiga delas que fez a parte ô marido, nã sê quem, nã sê quem, qu' aquilo nunca mái tinha fim se nã é o Sr. Prior arredondar o sermão e mandar entrar o andor p' à casa dele.

Mal o panharam lá drento, nã hôve bicho-careto que nã se jogasse a tirar cravos, qu', ó ê munto m' engano ó nã f'cô lá nenhum... Até custí a dar tirado um retrato com o santinho já no sê lugar.

Quem me valeu foi a senhora Cãindinha que pôs orde naquilo e, inda más..., pôs lá as setas, ôtra vez, no corpo do S. Sabastião, que parte delas já tinham caído. Nã na veêm aqui ô lado dele, munto senhora do sê papel?...

Andor de S. Sebastião - Monchique
A senhora Cãindinha leva tôd' ô ano a olhar p'r a igreja de S. Sebastião. E olhem que 'tá tudo munto bem composto...

Porta da Igreja de S. Sebastião - Monchique

Passado um belo pôco, era horas de fechar a porta. Os que cá 't'verem, pr' ô ano, podem vir, ôtra vez, fazer uma v'sita ô S. Sebastião.

E lá s' acabô a festa de S. Sebastião. Aquilo, tamém, já era lusco-fusco, qu' isto, agora, os dias sã pequenos e anoitêce a mêa-tarde...

Despedimos uns dos ôtr's e abalô-se cada um caminho do sê monte.

E ê tamém de vomecêas me despeço.

Munta saúde e até qu' a gente se veja.

8 comentários:

  1. Ah parente, munto gostava ê de tar aí em monchique... Agente até podia fazer uma equipa e ir tirar retratos todos juntes, ê-cá com o mê hóme e vomecêa com a su Maria. tenho a d'zer-lhe que o admiro munto pois nã perde uma procissão ou festa pa mostrar ágente. Cumprimentos para si e para a sua Maria.

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  2. Só uma vez na vida entrei nessa capelinha, foi no dia de S. Martinho há seis anos atrás. Entretanto tenho-me remoído a pensar como poderia vê-la de novo, e o parente acab de me dar a solução mais simples do mundo. É só pedir à vizinha Mari'Cândida! Acredite que acabou de inundar o meu coração de luz.

    Nunca vi retábulo igual, nem a gramática, nem a imaginária com aquele leque de cores... é simplesmente único, e merecia ser apreciado devidamente por quem o quisesse ver.
    Até hoje, nem em livros versados na especialidade encontrei tal imagem. Talvez um dia, eu própria me dedique a divulgar o encanto dessa linda peça, tão bem escondida, e que merece contar a sua história.

    Isto, sem desfazer na magnífica imagem da Senhora do Desterro com o Menino pela mão. A lenda do velho frade que a seguiu desde o Convento até ao seu "desterro" na Capela de S. Sebastião em prantos,é comovente, e revela que, além do valor material que possa ter, é uma imagem muito querida, e que tem de manter-se preservada.

    Ora o nosso soldado romano convertido, crivado de setas, é outra imagem incontornável para o povo de Monchique. Reza esta lenda, que em época de peste, ao passar o S. Sebastião pela Rua das Cavalgas (uma das zonas da vila mais afectadas), a maleita se depositou nele, ficando a imagem esverdeada. Dias depois, os doentes se restabeleceram, graças ao poder anti-pestífero do santinho que por ali passou.

    Que linda procissão, cheia de cor, da singeleza, e do cenário verdejante de que tantas saudades tenho...
    Faz o Parente muito bem em aproveitar a sorte de viver num local tão belo. Passeie com fartura!

    Já agora, aproveito para felicitar a Marafada pela chegada da sua 'Zabelinha. O amor de mãe e filha é algo inigualável :D


    Um valente abraço para o ti'Refóias e respectiva Maria.

    P.S.: Tenho ideia de já ter mencionado aquelas lendas, de qualquer forma, é sempre bom relembrar histórias tão lindas.

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  3. À hora da procissão estava eu, + a minha família a abalar de Monchique... Tive pena de não dar uma espreitadela, para ver o andor ao vivo (magnífica imagem aquela do santo a despedir-se do convento) e para ouvir o sr. prior (que há-de ser sempre o "meu" prior, já que esteve anos a fio na paróquia de Vila Nova e, para além disso é filho de outra terra que a mim é muito cara: Silves)!

    Obrigada, Ana Pinto, pelas suas palavras! São momentos únicos, estes, que tenho a felicidade de estar a viver!

    Muitos cumprimentos a todos, principalmente ao Parente e à Sra. D. Maria.

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  4. Ainda não li, com atenção. Mas quero dizer-te meu amigo que poesia é tudo o que vês e fazes e escreves e comentas e transmites. Só isto é poesia pura e tua! Mesmo que me digas só "Olá" eu sei o que sentes. Amor à Terra.Um abraço do Norte.

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  5. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  6. A senhora Cãindinha, por acaso, é (ou era casada) com o Joaquim da Vila?
    Foi cá uma curiosidade que me deu, Parente!
    Se souber dizer, faça favor, diga.
    Volto cá a saber.

    Gosto de ver as fotos, o sê mode de falar!

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  7. Ora sejam todas munto bem par'cidas, minhas belas amigas.
    Vô-me dar p' aqui uma rèplazinha a cada uma, qu' ê agora tenho andado p' aí jogado a ôtras coisas e o vagar tem sido pôco.

    P' à Cèlinha, qu 'tá lá p' à terra duma universidade munto famosa, im Inglaterra, o qu' é que l' hê-de d'zer senã que cá o Parente nã l'e chega ôs calcanhares a tirar retratos, mái havendo ocasião, era bom que me desse p'r 'í umas liçanitas, lá isso era...

    P' à Anita Pinto, que p'r este andar, q'ondo menes a gente s' aprecata, há-de ser c'm' o Professor Zé Hermano Saraiva, há-de dar liçõs na tel'visão, ó coisa assim, qu' ê só gostava de voltar cá daqui a uns cinquenta anos p'a ver, l'e digo: escreva semp'e aqui tudo o que qu'ser qu' ê pélo-me p'r ler as sus coisas, a ver se, méme velho c'm' 'tô, inda vô pr' aprendendo alguma coiséca.

    Já a Maraffaada e a Maraffaadinha f'quí com uma grande pàxão delas nã terem par'cido na pr'cissão do S. Sabastião p'ra mim e pr' à minha Maria se f'car a conhecer a Zabelinha. Qu' a meçalha é do mái bonito qu'ê já vi, em retrato... E olhe, a minha Maria anda toda presunçosa, qu' inda nunca l'e tinham ch'mado Srª D. e agora cust' a dar conta dela...

    À Bettips, que com três letras faz um verso, ó m'lher d'zendo, tudo q'onto diz sã versos pegados uns nos ôtros, aqui l'e mando o tal "Olá!" tã comprido que chega daqui à Boavista, lá bem arrumadinho a Serralves e ô Parque da Cidade, qu' é do qu' ê cá mái gosto no Porto.

    E p' à Testa Alta, que nã sê d' adonde vem, venha com Dés. Olhe, a senhora Cãindinha - Maria Cândida - é viúva do mestre Zé Veríssimo, Dés o tenha em bom lugar, um carpintêro qu' era uma classe, que já lá foi há uns belos anos. E c'm' mora logo ali prebaxinho da igreja de S. Sebastião e tem uma grande crença p'r ele, tem a chave e toma conta dele. Nunca a conheci possuir mái nenhum homem.
    Um grand'ssíss'mo m't'ôbrigado p'a todas vomecêas.

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  8. Já cheguei atrasada mas não quis deixar de lhe dizer que todos os dias visito o seu cantinho e que realmente revela um coração apaixonado pelos seus lugares e suas gentes. Já sei que me estou a repetir, mas é o que sinto ao ler estes textos tão bonitos. Um grande abraço

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