23 dezembro 2007

Bom Natal

Feliz Natal
Agora, com três bonecalhos de barro, faz-se um presépio. E bem bonito...

Nã sê c'm' é qu' isto foi fêto, que já 'tamos ôtra vez no Natal. Béque-me inda tinha sido há tã pôco tempo...

Mái, assim sendo, o qu' é qu' uma pessoa há-de fazer?!... É comprar-se uma prenda ó ôtra p'a dar a quem a morêça e mandar desejos de Boas Festas a toda a gente...

É o qu' ê cá 'tô fazendo, mês belos amigos.

P' à minha Maria já l'e comprí estas três sombrinhas de escolate, màs ela inda nã sabe... Só amanhã à nôte é que l'as ponho no sapatinho...

Ontordia, hôve quem me contasse qu' era o qu' ela mái gostava qu' o Menino Jasus l'e desse de sapatinho era uma sombrinha de escolate. Só uma... que, naquele tempo, nã podia ser mái do que isso.

E o mái completo era que ela nunca a chigava a c'mer... Olhava-l'e tôd's dias e i-a gôrdando, meses a fio, até qu' o escolate se estragava dum todo...

Pôs atão, mês amigos, tenham um belo Natal, pre menes com três sombrinhas, c'm' à minha Maria.

E munta Saúde, Sossego e Crença p'a vomecêas e p' à famila toda do Mundo.

Feliz Natal

Boas Festas
Q'ondo ê era moço-pequeno, s' arrecebesse uma sombrinha destas já era munto...

22 dezembro 2007

O passêo da Almargem à roda das Caldas

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Em panhando uma ladêrinha abaxo, aquilo era tudo que nem umas fitas...

Nã sê se vomecêas já ôviram falar na Almargem. Ê cá, até há coisa dum mês ó dôs, o que sabia deles era o qu' ôvia na tel'visão. Assim naquelas ocasiõs que há p'r 'í uns que nã dêxam a famila cortar as sobrêras, e os carvalhêros, e as adelfas, e os azevinhos...

E quem diz isso diz as barrajas e aquela coisa duns gatos brabos - eles chamam-l'e Lince Ibérico - que des qu' inda havia pr' aí, mái a gente tôd's sabe que, desafortunadamente, já nã há nem um p' à amostra. Era bom era qu' eles inda havessem, mái atão...

Pôs, agora, já cheguí à fala com alguns e f'quí a saber qu' aquilo é famila que s' ajuntaram uns q'ontos e se combinaram p'a nã dêxarem acabar com o resto de coisas boas qu' inda p'r í há. S' irem ver lá no site deles, 'tá lá isto:

A ALMARGEM tem como objectivos principais: . o estudo e divulgação dos valores mais significativos do património natural, histórico e cultural do Algarve; . a defesa intransigente desses mesmos valores e a apresentação de propostas concretas para a sua recuperação e valorização; . a promoção de actividades que visem um desenvolvimento local integrado e respeitador da natureza;

E atão, q'ondo sube qu' eles vinham fazer um passêo ali p' às bandas das Caldas, nã descansí inq'onto nã fui dar o nome. E a minha Maria, que nã quis f'car atrás, fez o mémo. E nã dé só o dela... inda arrenjô mái umas amigas de lá de baxo do Algarve, que sã moças que tamém gostam destas coisas.

De manêras que, chigado o dia, lá par'cemos tôd's nas Caldas, cada qual com o sê farnel e uma gotinha d' água p'a bober p'r o caminho. 'Tá bom de ver que cá o Parente é que teve qu' alancar com aquilo tudo às costas qu' a minha Maria e as amigas dela nã 'tã ac'st'madas a cargas pesadas...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Na Azenha da Mitra, aparô-se um pôcachinho p'a ôvir uma dexplicação...

E inda leví uns bordanitos de castanho p'a cada um s' afincar naqueles lugares assim mái más d' andar. Um barranco, uma ladêra mái impinada, uma coisa assim. E tamém qu' um f'lano, em andando aí duma légua p'ra diante, méme im caminho d'rêto, dá-l'e jêto um bordanito p'a s' enqu'librar...

Mái, nã senhora... As velhacas, vergonhôsas c'm' são, assim que se viram lá no mê daquela famila toda, tudo senhoras dôtoras e pref'ssoras e nã sê quem, nã sê quem, jogaram logo os paus p'a drento da via e barimbaram-se nisso, foram de mãs a abanar.

Ê cá inda disse:

- Maria, olha qu' inda vás ter míngua do bordanito... Vê lá, mái tarde, nã fiques repesa de nã no levar...

- Qual o quem!... Vergonha tinha ê cá d' ir agarrada a um porro desses... Inda se fosse um c'm' àquele qu' aquela senhora além leva...

E c'mo é que era o dessa tal senhora?... Era uma coisa comprada, calhando aí num artesanato, que l'e custô os olhos da cara, com uma corrêa de coiro numa ponta, p'a infiar no pulso, e béque-me um picão de ferro na ôtra p'a s' afincar no chão.

D'zer a verdade, aquilo era bonito. E, calhando, tamém jêtoso p'a nã descorregar im qualquer caminho, seja ele barrento, cascalhento ó lá munto bem o que ser. Mái os mês bordanitos de castanho qu' ê cá fiz com tanto cudadinho - descasquí-os im verde e alisí-os, munto bem alisadinhos, com a minha faquinha d' alsebêra qu' ê comprí na fêra, vejam lá... - tamém serviam munto bem...

Más elas nã qu'seram, nã qu'seram... Olhem, semp'e tenho ôvido d'zer que "p'a quem nã quer há de sobra" e, atão, nã há nada c'm' à gente nã se ralar. Dexá-las...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Assubir uma ladêra impinada c'mo esta nã é p'a qualquer um...

E, assim sendo, lá se fez horas de pôr a trôxa às costas e abalar atrás daquela chusma deles. Delas e delas, 'tá bom de ver... Só se teve de pagar p'a lá uns dôs ó três eros cada qual, des que pre mode um seguro, coisa assim.

Aquilo, ô prencipo, a coisa corré que foi um consôlo. Era de ladêra abaxo, ia tudo que nem umas setas, ora, im menes de nada, se 'tava na Azenha da Mitra. Aí, aparô tudo e vá uma prelecção.

Pus-me à escuta, era um senhor, assim coisa da minha idade ó inda más, e o homem via-se que sabia bem o que 'tava a d'zer. Tanto que 'tava tudo com o fito nele duma tal manêra que nã s' ôvia mái nada que nã fosse o qu' ele d'zia e p' ali a água do barranco a correr.

Tamém inda par'cé p'a lá um passareco - um foinzalho qu' andava a panhar mosquitos no ar - dé dôs ó três pios e assim se calô. Nã sê se f'cô tamém a ôvir o homem falar ó se nã gostô da nossa companha e abalô foi-se imbora de lá do bico da f'guêra adonde ia descansar de cada vez que dava um avoão atrás dos mosquitos.

Mái, com respêto à Azenha da Mitra, em tendo jêto, logo l'es falo dela mái a precêto, que hoje nã dá tempo.

E assim abalamos até lá mái prebaxinho da Foz do Banho, adonde 'tá aquela pontezinha p'a s' atravessar p' à banda de lá. Assubir aquela chapada toda até estrapôr da altura p' ô lado da Arqueta foi já uma coisa que alguns viram-se e desejam-se, agora q'ondo tocô a ir mémo ô bico do Cerro da Arqueta, aí nã l'es digo nada...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Já se tinha c'mido uma bucha, era horas de assubir o Cerro do Navete...

Olhe, a minha Maria e as amigas dela qu'seram-se armar im fortes - qu' ê cá bem l'es disse p'a irem prê adiante p'la carr'lêra qu' iam dar ô mémo sito, más elas nã ligaram - e abalaram a trás de mim, cerro acima. Ora aquilo é quái a pique, q'ondo olho p'a trás, lá 'tavam elas béque-me já a arrèlar, uma sigurava num braço da minha Maria, ôtra puxava-l'e p'r o ôtro...

Abalo prêabaxo, oiço-as numa grande conversada:

- Ai qu' ê nã posso más!... Custo já a tomar ar... - Chiava a minha Maria.

- Vá que só já falta metade!... Nã é verdade, ti Refóias?...

- Uma àmetade ó menes...

Disse ê cá munto limpêro. Ora uma àmetade... Inda elas nã tinham assubido das três ó quatro partes uma, q'onto más uma àmetade...

- Atã, 'tã p' aí impeçadas?...

- Eh'q... É a su Maria que 'tá a fraquejar um coisinho... Des que tem andado com falta d' ar...

- Ah, s' isso é fraqueza, arrenja-se já aqui uma buchazinha. Queres pã com chôriça ó com morcela, Maria?

- Nã quero nada... Nã vês qu' ê tenho é falta d' ar?!... Vai lá andando qu' a gente já lá chega...

Mái, olhí assim p' à bandinha de lá, vejo umas madronhêrazalhas baxinhas - eram arrebentos das que arderam nos fôg's - todas carregadinhas de madronho e tudo madurinho qu' era uma lindeza. Vô-me caminho delas e panho uma manchinha.

A Florbela, qu' é mái g'losa p'r madronhos que sê cá o quem, assim que me vê com aquilo na mão, salta logo p'a ê cá l'os dar:

- Ai que coisa tã boa que mecêa traz aí!... Gosto tanto!...

- Ai mecêa gosta?!... Atã, tome-os lá e dê tamém um ó dôs à Bétinha e à minha Maria, a ver s' ela toma coraja e assobe o resto do cerro...

É, menino!.. Jogaram-se as três a c'mer madronhos, inda tive qu' ir panhar mái uns q'ontos qu' elas nã me largavam...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Nã bastava os tojos e as mongariças no mê do caminho, senã inda este p'nhêro atravessado...

- Tenham conta com isso, olhem que, se c'merem muntos, inda ficam p' aí almareadas... Olhem qu' eles já 'tã bem munto maduros e, com o sòlinho que tem vindo aí, rendem bem...

Naquilo, olho bem p' à minha Maria, vejo-a agarrada a um bordão dos tás com o picão e a corrêa de coiro.

- Mái atão, nã qu'seste trazer o bordanito qu' ê cá te fiz e, agora, já vás, aí, agarrada a esse?!...

A Bétinha, qu' é munto marafada p' ô lanedo, nã esperdiçô a dêxa, salta, logo, sem papas na língua:

- Ora, atã ela incontrô aqui um pàzinho munto melhor qu' ô seu... Foi um moço novo que l' o imprestô. Olhe p'a esta categoria... Tem uma agarra do melhor e uma ponta dura que nem ferro... Olhe p'ra isto, ti Refóias... Adonde espeta nã desagarra nem p'r nada...

- Cala-te aí, desbocada!... Tem tento naquilo que dizes, qu' a famila ôve... - Diz logo a minha Maria, a fazer-se d' invergonhada.

- Atã, nã é verdade?!... Compara lá isso, um pàzinho tã manêrinho, com aquele tanganho qu' o tê homem queria que tu trazesses. Torto que nem um garrôcho...

- Vocêas fazem pôco do velho, mái dêxem 'tar qu' ind' às hê-de ver repesas...

E nã conto más, que, q'onto mái ê cá l'e puxava p'la língua mái ela se chigava p' à frente, e dá-me um coisinho de vergonha de pôr aqui o resto. Mái que disse das boas, lá isso disse...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Ô fim, méme tudo desmarrido, inda se tirô o retrato à jolda toda...

Agora, só mái uma coisa. Atã nã é que no mê daquilo tudo - e olhem qu' era p' à banda de mê-cento de homens e m'lheres... - nã 'tava famila nenhuma de cá de Monchique... Tirando ê cá e a minha Maria, nem más um que lá foi!...

Têm medo d' andar a pé ó quem?... Ó é premode terem de pagar três eros cada um? S' é premode isso, assocêem-se na Almargem, c'm' à gente fez, que eles tiram-l'e um ero no preço. Ó sará que têm vergonha d' ir dar à perna p' ô pé dos de fora...

S' é esse o caso, nã tenham medo qu' eles, a maior parte, a mê do caminho, já vã a afègar e, nas ladêras acima, atão, nã se fala... E s' a gente s' ajuntar muntos, semp'e pode ser qu' eles p' aí se vejam obrigados a arrenjar uns q'ontas v'redas p'r essa serra p' à famila fazer uns passêos destes sem ter que se passar p'r o alcatrão.

'Tã a ôvir, pessoal aí das Juntas e da Cam'bra... Vejam lá se olham p'r isso, senã, qualquer dia, só se dá andado p'r as estradas alcatroadas, e mal, que nem bermas têm, sujêtos ôs carros passarem p'r cimba da gente.

E agora vejam, na Galeria do Passêo da Almargem nas Caldas, os retratos deste passêo e digam lá se vale a pena ó se nã vale.

Tenham muntas prendas no sapatinho e passem um Natal munto contentes com os filhos de vomecêas e toda a famila.

10 dezembro 2007

A Apanha do Madronho

Medronhos maduros
Chega a esta altura do ano, até dá gosto ver fruta assim...

Desta vez, vô-me falar aqui de madronhos. Mái ficam já a saber qu' os retratos ó foram tirados já há muntos anos, q'ondo isto inda 'tava livre, ó atão sã mintirôses. E o qu' ê cá d'zer é tamém tudo mintira. Invençõs cá da minha caximóina.

É que nã vã eles p' aí cudar - esses do asae ó lá o que é - qu' ê cá andí a panhar madronhos p'a fazer alguma pinguinha d' aguardente p'a mim bober com a minha Maria - olhe qu' ela, ô mata-bicho, gosta dum solvinho... - ó com um amigo ó ôtro que s' ajunte com-migo e tamém aprecêe um calcesinho da boa...

Atã fiquem a saber qu' isto agora, aqui im Monchique, já é privido fazer quái tudo:

Mórteporques nã se pode fazer qu' eles vêm, murtam a gente, e, inda p'r cimba, levam o porquinho já arrenjadinho e tudo;

matar um chibo ó ôtro bicho qualquer qu' ele seja, dá-se o mémo;

fazer uma aguardentinha de madronho isso inda tem mái que se l'e diga... Vã lá adonde a gente a tenha, lacram a porta e, agora, dêxa-te p' aí f'car à espera, que nem na casa um homem pode entrar... E, a seguir, ó um f'lano se legaliza - c'm' eles dizem - ó aquilo 'tá torta qu' a murta é certa e o material 'tá perdido...

Olhem, inda p' aí o ano passado, ó há dôs anos, nã quero mintir, um homenzinho ali das bandas de S. Marcos - isto foi o que me d'zeram qu' ê cá nã no conhecia, Dés o tenha im bom descanso - tinha p'a lá umas vaselhinhas de madronho a frever.

Ramo de medronhos
Numa madronhêra destas, assim carregada, enche-se dôs ó três cestos im menes de nada...

Andô uma remessa de tempo a panhar uns belos madronhitos - calhando, uns dôs ó três meses e com mái alguém im companha - todo contente cudando qu' ia tirar dali um ganhozinho más ó menes. Cudava ele...

Pôs, q'ondo menes contava, eles foram lá, foi o bonito... Que nã teve graça nenhuma, 'tá bom de ver.

Fecharam-l'e a adega, puseram-l'e um selo na porta e o pobrezinho do homem ali f'cô que nã sabia p'a que lado s' havera de virar. Pôs-se a pensar naquilo, a pensar... e nã via manêra de resolver o caso.

Antrar lá... nã podia, nem tampôco p'a ver c'm' a massa 'tava e acrecentar uma gota d' água nas vasilhas, sendo preciso, ó ver s' alguma dorna 'tava rota.

Legalizar aquilo bem qu' ele gostava, mái nã dava que nã tinha condiçõs p'a isso. Nem de posses nem de saber. E as enzegências eram muntas. Ôtra saída nã via p'r donde. O qu' é qu' o homem l' havera de dar na cabeça?... Fazer uma parte ruim. Ruim p'a ele, pobrezinho, qu' assim perdé tudo.

Vai caminho da adega, espedaça aquilo tudo. Porta, vasilhas, madronho, forneca... tudo o que p'a lá 'tava. E, a seguir, dé cabo da vida dele tamém. Des que nã s' haveram de f'car cá a se gozarem daquilo qu' era dele e que l'e tinha dado tanta mort'ficação...

Isto foi só p'a d'zer que, certas ocasiõs, uma pessoa fica sem saber o que pensar. Sará qu' estas lês sã bem fêtas? Sará que, já alguma vez, algum desses qu' as faz abalô lá de Lisboa, ó de Bruxelas ó lá adonde 'teja no sê belo escritóiro, a ver c'm' é qu' as coisas se passam cá p'r estes sitos?

Apanha do medronho em Monchique
Nôtres tempos, panhava-se madronho p'a drento dum cesto...

Ò só sabem vir ô Algarve p'a abanharem no mar, lá p'ra baxo p'a Vila Nova ó im Q'ôrtêra ó nôtre sito que tenha praia?...

Calhando, podiam munto bem fazer as coisas duma manêra mái jêtosa e dêxavam p' aí esta famila d' ôtres tempos, c'm' ê cá, ir-se vivendo à nossa manêra qu' era assim qu' a gente se sintia bem. E 't'vessem descansados que, p' ôs mái nôvos, já nã tinham precisão de fazerem esses lês...

Tirando p'r 'í um ó ôtro que gosta de ver estes c'stumes antigos - só p'a saber, 'tá bom de ver... - o resto nã sabem c'm' é qu' estas coisas se fazem e tamém nã l'es ent'ressa saber. De manêras que, assim c'm' àssim, isto é só mái mêa-dúiza d' anos e acaba tudo...

Mái dêxamos isso da mão...

Uma ocasião, fui panhar uns madronhitos lá p' à Refóias - qu' ele, méme agora, panhar madronhos inda nã ôvi d'zer que fosse privido, sará?... - e convindí o mê compadre Jôquim do Barranco se nã queria fazer um torna-boi com-migo. Ele ia panhar uns dias nos mês madronhêros e, despôs, ia ê cá p' ôs dele.

O homem disse logo que sim e que levava tamém a c'mad'e C'stóida qu' era p' à gente se despachar mái depressa. E lá qu' ela é boa panhadora de madronho, lá isso 'tejam certos que é. Nã fica atrás de qualquer homem, nã senhora...

De manêras que, p'a l'e fazer companha, fartí-me de brigar com a minha Maria, 'té que lá a dí fêto abalar tamém com a gente.

Apanha do medronho em Monchique
D' entes, punha-se o madronho im sacas...

E nã l'es digo nada. Puseram-se as duas a panhar madronho ali numa bêradinha - 'tá bem qu' elas escolheram logo as melhores madronhêras - aquilo eram c'm' duas b'chaninas... Im menes de nada, 'tavam cada uma com o sê arregaço chêo p'a despejar na saca.

Nesse tempo, as m'lheres inda usavam arregaço p'a panhar madronho e a gente usava-se um cesto de verga pindurado a tiracolo numa corrêa de coiro. Em se tendo isso chêo, despejava-se tudo p'a uma saca e q'ondo se vinha à bucha, cada homem trazia a sua saca às costas p' a despejar na vasilha.

Hoje em dia, já é tudo im plástico... É um balde de plástico a tiracolo p'a panhar os madronhos, uma sélha de plástico p' ôs ajuntar e uma vasilha de plástico p' ôs conservar.

D'zer a verdade, é um descanso. Apr'vêta-se tudo, nã se esperdiça nada. E o balde semp'e é mái leve p'a andar pindurado ô bescoço dum homem...

Pôs, dessa vez, aquilo quái que s' andava a despique uns com os ôtros. Elas lá na tal bêradinha, perto do córgo, e a gente os dôs ô mê da chapada prê a cima, a ver quem é que inchia pr'mêro a saca.

E olhe qu' as marafadas pediam meças à gente. À hora da bucha, tinham a saca chêa tal e qual c'm' à nossa e inda traziam cada uma o sê arregaço já com mái uma bela manchinha.

Aquilo é qu' elas fazeram um cagaçal...

Apanha do medronho em Monchique
...hoje im dia, já se usam sélhas de plástico...

- Ó comadre Mari Refóias, méme assim, as duas ali quái na brincadêra e inda se panhô uma preçanada de madronho a más qu' os nossos homens...

- S' a gente se tem oposto mái um coisinho, logo via. Panhava-se más era uns dôs drôbos a más que eles. Isto já 'tão uns saganhetas duns velhos que nã servem quái p'a coisíss'sema nenhuma...

- Calhando, im vez de porem os madronhos p' ô cesto, foram c'mendo neles...

- Pôs... E agora, nã têm nada im 'tar escarados... qu' isto, com o madronho, maduro c'm' ele 'tá, em se comendo uma manchinha deles, embobeda...

Aqui, dí im estranhar tanta conversa, digo p' ô mê compad'e Jôquim, assim im jêto delas nã ôvirem:

- Mái atão, com esta groja toda, querem lá ver qu' as velhacas se foram à garrafinha da aguardente qu' ê dêxí além naquela pelhêra que 'tá logo ô pé da forneca e a gente nã dé p'r isso?!...

- Sê cá...

- Olhe que foram, compad'e jôquim!... E aquilo tinha ê cá trazido p' à gente os dôs... Dêxe lá qu' ê já vô-me deslindar isso...

- Ê cá prècuro à minha C'stóida...

- Nã senhora... Dêxe-as lá que, p'r o que 't'ver inda na garrafa, ê sê logo se falta alguma ó não. Ela 'tava méme quái chêa até ô gargalo...

E peguí numa saca de madronho, joguí-a p' ô ombro e abalí prê abaxo, à frente de tôd's p'a chigar pr'mêro ô pé da garrafinha. Elas abalaram logo atrás de mim, num grande lanedo uma com a ôtra, p'a verem a cara qu' ê cá fazia ô dar com a parte qu' elas tinham fêto à gente.

Antro p'r a adega adrento, olho logo p' ô lado da forneca. 'Tava um coisinho escuro - ó saria ê cá que vinha incandeado com a luz do sol - logo, nem a garrafa ê via. Pensí:

Apanha do medronho em Monchique
... e vasilhas de duzentos litros, tamém de plástico, im vez de pipas ó dornas...

- Ai, marafadas, qu' até a garrafa levaram àlém p' ô mato e tudo!... Atã assim, nem uma pinga qu' a gente já vê de lá...

Mái, p' ali descarreguí a saca dos madronhos c'm' pude - que nem a despejí p' à vasilha nem nada, dêxí-a ali incostada - e fui caminho da tal pelhêra. Vejo a garrafa, jog'-l'e logo a mão. Mái atão... aguardente nenhuma... E béque-me tamém estranhí a cor da garrafa. Vô-me p' ô lado da porta p'a ver melhor, elas a antrar.

- Atã, compadre, vem aí de garrafinha na mão, é p' a dar um calcesinho aqui às trabalhadoras?...

- Bem que se morêce. Com os madronhos qu' a gente panhô as duas...

- Ah, inda 'tã a fazer porra de mim?!... O qu' é que foi fêto da aguardente qu' ê dêxí aqui esta manhão?... Levaram-na p' além... Ê vi logo que vocês as duas andavam era com uma bagadinha na asa agarradas às madronhêras...

- A gente?!... Isso foi coisa d' algum rato làrião que andô aí e l'e fez a parte, compadre...

- Ê é que sê que rato é que foi. Nã foi um rato, foi duas lariôas...

E olho bem p' à garrafa. Era ôtra, home... As marafadas tinham-me tirado de lá a garrafinha chêa e puseram uma velha, toda empòzada, que p' ali incontraram im qualquer canto.

- Ah, suas filhas duma magana, que me fazeram panhar cá uma rabana!... Ê já a cudar que vocêas 'tavam era p' aí bêbadas relaxadas... E, inda munto pior, que tinham dado fim à aguardentinha que 'tava destinada a mim e ô compad'e jôquim e f'cava-se os dôs juar sem se provar um solvinho dela até à nôte...

Ora, aquilo foi uma barrigada de rir p'a elas e p' à gente tamém. Inda levaram a judear com-migo até s' acabar de c'mer, mái, e daí, lá descobriram a garrafinha chêa que tinham descondido debaxo dumas carquexas secas e bebé-se-l'e os quatro um solvinho cada um, p'a ajudar à digestã.

Da parte da tarde, foi-se panhar mái umas duas saquinhas de madronho, qu' ele, nesse ano, havia munto e grado.

E nã se esqueçam qu' o qu' ê disse aqui é tudo inventado, e os retratos tamém nã sã d' agora. É tudo uma inganifa...

Passem todos munto bem, até qualquer dia.

03 dezembro 2007

Na apanha da zêtona

Apanhando azeitonas em Monchique
Isto, agora, panhar zêtonas já nã é c'm' nôtres temp's. É ripá-las p'a cimba de panos e despejá-las p' às vasilhas...

Dés l'e dê saúde a tôd's.

Tenho p' aí andado, já há uma remessa de tempo, na apanha da zêtona, que, nem tampôco, tive jêto de l'es d'zer adés. De manêras que, lá tirí hoje p'a l'es dar uma vaiazinha, nã vã vomecêas cudar qu' ê cá dêxí isto da mão.

Pôs, d'zer a verdade, o vagar tem andado um coisinho escasso cá p' ô mê lado, mái agora vô-l'es contar p' aqui uma passaja ó ôtra que se dé neste mê tempo. Coisas com pôca importâinça, 'tá bom de ver, ó nenhuma, mái nã me dô f'cado sem d'zer umas patacoadas de q'ondo im vez.

Calhando, mecêas nã conhecem lá munto do qu' é isso da panha das zêtonas, mái tamém nã é caso p' à gente estranhar que, panhar zêtonas hoje im dia, só p'a famila com pôcos miôlos c'm' ê cá...

Sabem c'm' é qu' eles pagam nos alagares?... A nove p'r cento!... Um homem panha cem quilos de zêtonas e arrecebe nove litros d' azête... Agora façam-l'e a conta, a ver s' isto dá p'a uma jorna que vá nem venha...

Mái atão, quem tenha umas ol'vêrinhas carregadas - c'm' é o caso do mê compad'e jôquim - o qu' é que l' há-de fazer?... Vai dêxar aquilo se perderem tôdas? 'Té dava pàxão. P'r menes, indoça uma manchinha delas, tanto se faz britadas c'm' curtiladas ó, atão, méme entêras e pôstas na água uns belos tempos, e é uma fartura p'a c'mer e p'a dar. E o resto manda p' ô alagar.

Apanhando azeitonas em Monchique
Hoje im dia, panhar umas canastradas de zêtonas destas já há pôco quem faça...

Qu' isto, parte das vezes, tamém nã é só p'r o rendimento que dá. É mái p'r a gente s' alembrar c'm' se fazia nos tempes dos nossos avózes e, calhando a ter companha, andar-se espàir'cidos, no mê do alvoredo, ôvindo a passarada, d'zendo umas chalaças e metendo-se uns com os ôtros.

E olhe que, no pr'mêro dia, dé-se logo uma parte com-migo que, se nã tenho tido sorte e nã sô tã l'gêro, nã sê munto bem c'm' é qu' a coisa tinha dado. Panhí cá um cagáiço... E inda aqui tenho sinal, nã cudem...

'Tava ê cá munto bem, sa senhora boa vida, incorrepitado im cima da escáida - e sabia qu' ela nã 'tava lá munto sigura, mái atão... - vejo uma pernadinha, assim além ô lado, carregadinha de zêtonas que dava gosto. Mái, do ponto adonde 'tava, nã na alcançava. Pinduro-me, assim de lado, na escáida, e jogo a mão à ponta do ramo.

Punhana!... Nem me dé tempo de pensar. A escáida roda p' ô méme lado, dô um gangueão, abalo p'r aqueles ares caminho do chão... Nesse mê tempo, inda p' ali dí mêa volta, ponho-me de pernas p'ra baxo, p'a nã aterrar de cabeça. É qu' ele, lá p'r baxo, tapado com os panos, 'tava um baloiso que alto lá com ele... Olha s' ê cá bato lá de carota...

Mái, vá lá que nã bati. Q'ondo cheguí cá im baxo já vinha bem enqu'librado e cudando qu' aquilo era limpinho que f'cava d' em pé, e más que fosse... Mái atã e o tal baloiso que 'tava ali à minha espera que nem d' aprepósito?!... Isso é que foi pior...

Prego-l'e um bate-cu im cima, salto p' ô lado que nem que t'vesse batido numa mola. E f'quí d' em pé, nã posso d'zer que nã f'quí, agora as minhas nalgas é que sofreram... Inda hoje, aqui tenho uma com uma nódoa roxa que tem mái dum palmo. Com mintira e tudo...

Ninho de melro numa oliveira
Fui ripar umas zêtonas nestas abinhas da ol'vêra, dí com este ninho de mérrola...

Mái, ô certo, ô certo, aquilo doé-me qu' até vi luzes. P'a falar verdade, até que, toda a tarde, levô a latejar, veja lá... Mái, q'ondo o mê compad'e Jôquim âbalô a fugir p' ô pé de mim a me prècurar c'm' é qu' ê 'tava, fiz-me forte, disse qu' aquilo nã tinha sido nada.

- Ehhh... Mái vomecêa nã há-de ter f'cado nada bem, nã senhora... Uma cachêrada dessas com o cu - com l'cença da palavra - im cima duma pedra... E daquelas alturas...

Más ê cá nã me desmanchí...

- Isto nã teve dúv'da, compadre. Se fosse com uma parte que t'vesse osso é qu' era pior, agora com os quartos... semp'e amorteceu...

Disfarcí p'r 'lí um pôcachinho p'a ver se me passava as dores, fiz que tinha precisão de m' ir al'viar, a seguir bebi uma gota d' água, assoí-me e lá fui caminho dos ares da ol'vêra ôtra vez.

Tã penas tornejí assim um coisinho mái p' à banda de lá, dô com um linho de mérrola numa forquêra. Logo, inda fui ver s' ele tinha alguma coisa - passarinhos ó ovos - mái assim m' alembrí qu' isto, nesta altura, já nã é tempo de ninhos. No prencip'o do verão já os páss'ros avoaram todos, q'onto más...

Mái, aquele inda 'tava munto bem aconchegadinho. E, até se panhar as zêtonas todas, inda dí com mái uns quatro ó cinco. Quái todos de mérrola. Só um é que era de pintassilgo e ôtro, béque-me, de triguêro.

E foi assim qu' ê cá e o mê compadre se levô intretidos uns q'ontos dias e se panhô uma bela manchinha de zêtonas. Despôs, carregamos-as p' ô alagar, mái, nôtra ocasião, calhando, logo l'es falo disso, com mái tempo.

Apanhando azeitonas em Monchique
Tal acham este monte de zêtonas p'a azête?...

Já agora, inda l'es digo mái uma coisa.

Com respêto à tal nódoa roxa qu' ê cá fiz nos quôdris q'ondo caí da escáida, isto já nã se nota quái nada, mái leví uns belos dias com aquela moínha ali a me zurz'lar. Uma coisa méme empert'nente... Olhe, nem me dava dêtado de costas. P'a dromir, tinha que ser de lado.

O que me valé foi a minha Maria que, todas noites, me dava ali uma bela esfricção com uma pomada qu' ela p' ali tem. Ê cá queria que fosse com álcol, mái ela embirrô p' àquela pomada, o qu' é qu' ê havera de fazer...

Nôtre tempo, usava-se a fazer isso p' aí com água dumas ervas quasequeres e punha-se um emplastro de papas de linhaça qu' era bom p'a qualquer dor, mái, agora, a minha Maria, em tendo nem que seja uma dorzinha numa unha, vai logo ali à farmácia de cima e compra tudo o que ser preciso.

D'zer a verdade, tamém nã me dí mal com aquela pomadinha. Nisso, nã tenho r'zão de quêxa, nã senhora...

Atã, até um dia destes e boa saúde.