22 dezembro 2007

O passêo da Almargem à roda das Caldas

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Em panhando uma ladêrinha abaxo, aquilo era tudo que nem umas fitas...

Nã sê se vomecêas já ôviram falar na Almargem. Ê cá, até há coisa dum mês ó dôs, o que sabia deles era o qu' ôvia na tel'visão. Assim naquelas ocasiõs que há p'r 'í uns que nã dêxam a famila cortar as sobrêras, e os carvalhêros, e as adelfas, e os azevinhos...

E quem diz isso diz as barrajas e aquela coisa duns gatos brabos - eles chamam-l'e Lince Ibérico - que des qu' inda havia pr' aí, mái a gente tôd's sabe que, desafortunadamente, já nã há nem um p' à amostra. Era bom era qu' eles inda havessem, mái atão...

Pôs, agora, já cheguí à fala com alguns e f'quí a saber qu' aquilo é famila que s' ajuntaram uns q'ontos e se combinaram p'a nã dêxarem acabar com o resto de coisas boas qu' inda p'r í há. S' irem ver lá no site deles, 'tá lá isto:

A ALMARGEM tem como objectivos principais: . o estudo e divulgação dos valores mais significativos do património natural, histórico e cultural do Algarve; . a defesa intransigente desses mesmos valores e a apresentação de propostas concretas para a sua recuperação e valorização; . a promoção de actividades que visem um desenvolvimento local integrado e respeitador da natureza;

E atão, q'ondo sube qu' eles vinham fazer um passêo ali p' às bandas das Caldas, nã descansí inq'onto nã fui dar o nome. E a minha Maria, que nã quis f'car atrás, fez o mémo. E nã dé só o dela... inda arrenjô mái umas amigas de lá de baxo do Algarve, que sã moças que tamém gostam destas coisas.

De manêras que, chigado o dia, lá par'cemos tôd's nas Caldas, cada qual com o sê farnel e uma gotinha d' água p'a bober p'r o caminho. 'Tá bom de ver que cá o Parente é que teve qu' alancar com aquilo tudo às costas qu' a minha Maria e as amigas dela nã 'tã ac'st'madas a cargas pesadas...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Na Azenha da Mitra, aparô-se um pôcachinho p'a ôvir uma dexplicação...

E inda leví uns bordanitos de castanho p'a cada um s' afincar naqueles lugares assim mái más d' andar. Um barranco, uma ladêra mái impinada, uma coisa assim. E tamém qu' um f'lano, em andando aí duma légua p'ra diante, méme im caminho d'rêto, dá-l'e jêto um bordanito p'a s' enqu'librar...

Mái, nã senhora... As velhacas, vergonhôsas c'm' são, assim que se viram lá no mê daquela famila toda, tudo senhoras dôtoras e pref'ssoras e nã sê quem, nã sê quem, jogaram logo os paus p'a drento da via e barimbaram-se nisso, foram de mãs a abanar.

Ê cá inda disse:

- Maria, olha qu' inda vás ter míngua do bordanito... Vê lá, mái tarde, nã fiques repesa de nã no levar...

- Qual o quem!... Vergonha tinha ê cá d' ir agarrada a um porro desses... Inda se fosse um c'm' àquele qu' aquela senhora além leva...

E c'mo é que era o dessa tal senhora?... Era uma coisa comprada, calhando aí num artesanato, que l'e custô os olhos da cara, com uma corrêa de coiro numa ponta, p'a infiar no pulso, e béque-me um picão de ferro na ôtra p'a s' afincar no chão.

D'zer a verdade, aquilo era bonito. E, calhando, tamém jêtoso p'a nã descorregar im qualquer caminho, seja ele barrento, cascalhento ó lá munto bem o que ser. Mái os mês bordanitos de castanho qu' ê cá fiz com tanto cudadinho - descasquí-os im verde e alisí-os, munto bem alisadinhos, com a minha faquinha d' alsebêra qu' ê comprí na fêra, vejam lá... - tamém serviam munto bem...

Más elas nã qu'seram, nã qu'seram... Olhem, semp'e tenho ôvido d'zer que "p'a quem nã quer há de sobra" e, atão, nã há nada c'm' à gente nã se ralar. Dexá-las...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Assubir uma ladêra impinada c'mo esta nã é p'a qualquer um...

E, assim sendo, lá se fez horas de pôr a trôxa às costas e abalar atrás daquela chusma deles. Delas e delas, 'tá bom de ver... Só se teve de pagar p'a lá uns dôs ó três eros cada qual, des que pre mode um seguro, coisa assim.

Aquilo, ô prencipo, a coisa corré que foi um consôlo. Era de ladêra abaxo, ia tudo que nem umas setas, ora, im menes de nada, se 'tava na Azenha da Mitra. Aí, aparô tudo e vá uma prelecção.

Pus-me à escuta, era um senhor, assim coisa da minha idade ó inda más, e o homem via-se que sabia bem o que 'tava a d'zer. Tanto que 'tava tudo com o fito nele duma tal manêra que nã s' ôvia mái nada que nã fosse o qu' ele d'zia e p' ali a água do barranco a correr.

Tamém inda par'cé p'a lá um passareco - um foinzalho qu' andava a panhar mosquitos no ar - dé dôs ó três pios e assim se calô. Nã sê se f'cô tamém a ôvir o homem falar ó se nã gostô da nossa companha e abalô foi-se imbora de lá do bico da f'guêra adonde ia descansar de cada vez que dava um avoão atrás dos mosquitos.

Mái, com respêto à Azenha da Mitra, em tendo jêto, logo l'es falo dela mái a precêto, que hoje nã dá tempo.

E assim abalamos até lá mái prebaxinho da Foz do Banho, adonde 'tá aquela pontezinha p'a s' atravessar p' à banda de lá. Assubir aquela chapada toda até estrapôr da altura p' ô lado da Arqueta foi já uma coisa que alguns viram-se e desejam-se, agora q'ondo tocô a ir mémo ô bico do Cerro da Arqueta, aí nã l'es digo nada...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Já se tinha c'mido uma bucha, era horas de assubir o Cerro do Navete...

Olhe, a minha Maria e as amigas dela qu'seram-se armar im fortes - qu' ê cá bem l'es disse p'a irem prê adiante p'la carr'lêra qu' iam dar ô mémo sito, más elas nã ligaram - e abalaram a trás de mim, cerro acima. Ora aquilo é quái a pique, q'ondo olho p'a trás, lá 'tavam elas béque-me já a arrèlar, uma sigurava num braço da minha Maria, ôtra puxava-l'e p'r o ôtro...

Abalo prêabaxo, oiço-as numa grande conversada:

- Ai qu' ê nã posso más!... Custo já a tomar ar... - Chiava a minha Maria.

- Vá que só já falta metade!... Nã é verdade, ti Refóias?...

- Uma àmetade ó menes...

Disse ê cá munto limpêro. Ora uma àmetade... Inda elas nã tinham assubido das três ó quatro partes uma, q'onto más uma àmetade...

- Atã, 'tã p' aí impeçadas?...

- Eh'q... É a su Maria que 'tá a fraquejar um coisinho... Des que tem andado com falta d' ar...

- Ah, s' isso é fraqueza, arrenja-se já aqui uma buchazinha. Queres pã com chôriça ó com morcela, Maria?

- Nã quero nada... Nã vês qu' ê tenho é falta d' ar?!... Vai lá andando qu' a gente já lá chega...

Mái, olhí assim p' à bandinha de lá, vejo umas madronhêrazalhas baxinhas - eram arrebentos das que arderam nos fôg's - todas carregadinhas de madronho e tudo madurinho qu' era uma lindeza. Vô-me caminho delas e panho uma manchinha.

A Florbela, qu' é mái g'losa p'r madronhos que sê cá o quem, assim que me vê com aquilo na mão, salta logo p'a ê cá l'os dar:

- Ai que coisa tã boa que mecêa traz aí!... Gosto tanto!...

- Ai mecêa gosta?!... Atã, tome-os lá e dê tamém um ó dôs à Bétinha e à minha Maria, a ver s' ela toma coraja e assobe o resto do cerro...

É, menino!.. Jogaram-se as três a c'mer madronhos, inda tive qu' ir panhar mái uns q'ontos qu' elas nã me largavam...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Nã bastava os tojos e as mongariças no mê do caminho, senã inda este p'nhêro atravessado...

- Tenham conta com isso, olhem que, se c'merem muntos, inda ficam p' aí almareadas... Olhem qu' eles já 'tã bem munto maduros e, com o sòlinho que tem vindo aí, rendem bem...

Naquilo, olho bem p' à minha Maria, vejo-a agarrada a um bordão dos tás com o picão e a corrêa de coiro.

- Mái atão, nã qu'seste trazer o bordanito qu' ê cá te fiz e, agora, já vás, aí, agarrada a esse?!...

A Bétinha, qu' é munto marafada p' ô lanedo, nã esperdiçô a dêxa, salta, logo, sem papas na língua:

- Ora, atã ela incontrô aqui um pàzinho munto melhor qu' ô seu... Foi um moço novo que l' o imprestô. Olhe p'a esta categoria... Tem uma agarra do melhor e uma ponta dura que nem ferro... Olhe p'ra isto, ti Refóias... Adonde espeta nã desagarra nem p'r nada...

- Cala-te aí, desbocada!... Tem tento naquilo que dizes, qu' a famila ôve... - Diz logo a minha Maria, a fazer-se d' invergonhada.

- Atã, nã é verdade?!... Compara lá isso, um pàzinho tã manêrinho, com aquele tanganho qu' o tê homem queria que tu trazesses. Torto que nem um garrôcho...

- Vocêas fazem pôco do velho, mái dêxem 'tar qu' ind' às hê-de ver repesas...

E nã conto más, que, q'onto mái ê cá l'e puxava p'la língua mái ela se chigava p' à frente, e dá-me um coisinho de vergonha de pôr aqui o resto. Mái que disse das boas, lá isso disse...

Passeio da Almargem nas Caldas de Monchique - 16-12-2007
Ô fim, méme tudo desmarrido, inda se tirô o retrato à jolda toda...

Agora, só mái uma coisa. Atã nã é que no mê daquilo tudo - e olhem qu' era p' à banda de mê-cento de homens e m'lheres... - nã 'tava famila nenhuma de cá de Monchique... Tirando ê cá e a minha Maria, nem más um que lá foi!...

Têm medo d' andar a pé ó quem?... Ó é premode terem de pagar três eros cada um? S' é premode isso, assocêem-se na Almargem, c'm' à gente fez, que eles tiram-l'e um ero no preço. Ó sará que têm vergonha d' ir dar à perna p' ô pé dos de fora...

S' é esse o caso, nã tenham medo qu' eles, a maior parte, a mê do caminho, já vã a afègar e, nas ladêras acima, atão, nã se fala... E s' a gente s' ajuntar muntos, semp'e pode ser qu' eles p' aí se vejam obrigados a arrenjar uns q'ontas v'redas p'r essa serra p' à famila fazer uns passêos destes sem ter que se passar p'r o alcatrão.

'Tã a ôvir, pessoal aí das Juntas e da Cam'bra... Vejam lá se olham p'r isso, senã, qualquer dia, só se dá andado p'r as estradas alcatroadas, e mal, que nem bermas têm, sujêtos ôs carros passarem p'r cimba da gente.

E agora vejam, na Galeria do Passêo da Almargem nas Caldas, os retratos deste passêo e digam lá se vale a pena ó se nã vale.

Tenham muntas prendas no sapatinho e passem um Natal munto contentes com os filhos de vomecêas e toda a famila.

1 comentário:

  1. Aqui de novo, vendo esse povo subir e descer ladeiras. Pela vestimenta vê-se que faz muito frio. Então o esforço vem a calhar.
    Apreciei também as belas fotos. E como gosto de pesquisar achei estas fotos de Caldas de Monchique. Confira.

    Um abraço

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