24 setembro 2006

Na madêra podrida parêce cada bicho-barril...

Rachando lenha

Com um machado de lavrar madêra inda s' arracha munta lenha...

'Tejam com Dés, mês belos amigos.

Já há bem munto tempo que nã parêço p'r 'quí, mái, isto, dé-se uma preçanada de casos p'a me estrovarem a vida e ê cá nã tenho dado àvonde p'a resolver tanto empeço.

De manêras que, isto é c'm' ô ôtro que diz:

- Quem toca muntos burros, algum l' há-de f'car p'a trás.

E, atão nã dí escrevido nada.

Nã é qu', inda bem não, nã m' alembrasse de contar uma parte ó ôtra, mái atão e tempo, viste-lo... Nem esta coisa do comp'tador ê tive ocasião de ligar, as más das vezes.

Bem que l'es podia contar o que se passô, mái béque-me dá-me mái jêto l'e falar de coisas más ent'ressantes.

Olhe, um destes dias, nas béspras de chover, pensí:

- 'Tá-me a doer aqui estes ossos do cachaço, é d' adregue nã vir p' aí alguma gôta d' água... Ele 'tá sol, mái em ê sentindo este sinal, quái semp'e, bate certo. Dêxa-me más é pôr ali uma lenhita im casa, entes qu' ela se molhe toda.

E peguí em mim, fui-me a uma sobrêra seca que tinha ali preciminho de casa, das qu' arderam q'ondo hôve aquele grandessíss'm' ô fogo, fez agora três anos, dêtí-a abaxo e fize-a im arrachas.

Atã e nã querem lá ver que, no dia a seguir, chové uma barrigada d' água que foi um consôlo?!... Foi uma regadura im forte.

Os mês belos tomates, qu' inda tinha p' ali uns q'ontos, esses é que já nã s' apr'vêta nada a nã ser p' ôs animazes. E quem t'vesse inda umas uvinhas p'r panhar, tamém nã havera de ter f'cado munto contente. Mái lá 'tá im cima quem manda nisto tudo e temos que se conformar com as boas e com as ruins.

Más isto p' ô madronho e p' à zêtona até que vê méme a calhar. Com uma àgu-inha assim engràdecem num 'stante. E o alvoredo p'r 'í todo tamém agradêce.

Mái, voltando atrás, o qu' ê cá fazia tenção de l'es contar era o que se q'ondo derrubí a sobrêra e, despôs, a cortí em cepos e a arrachí.

Aquilo é um trabalho marafado, mái com um machado de lavrar madêra, um marrão e uma cunha, que m' emprestô ali o mê compad'e Antóino do Pomar, aquilo é um vê se t' avias. O homem já tem uma bela idade, mái semp'e fez questã d' apresentar boa farramenta.

Em novo, era serrador. Des qu' os melhores serrõs eram semp'e os dele. Aquilo serrava madêra p'r tod' ô lado, com o camarada dele, que nã dava agu-ento a tanto serviço. Até à Refóias ele, uma ocasião, vêo serrar uns p'nhêros dos mês avózes, qu' eles tinham míngua dumas tábuas p'a fazer p'a lá um sobrado...

Com os lavajos desses tróços até o mê pai fez p'a lá um pecilgo p'a pôr um bacorinho - contô-me ele uma vez, já há bem muntos anos - e des qu' aquilo durô um poder de tempo que levaram nã sê q'ontos envernos a criarem lá os bác'ros inq'onto nã matavam o sovão e desempecilhavam a pecilga maior.

Rachando lenha Rachando lenha

Com estas três farramentas - dá trabalho, lá isso dá - mái fica um serviço bem fêto...

Pôs que digam que nã digam qu' ê cá inda faço este trabalho à antiga, barimb'-me nisso. Ele ficam cá umas arrachas qu' a minha Maria até se consola a prantá-las no fogo.

Olhe, aquilo, despôs de se ter o tróço da sobrêra cortado im cepos, s' eles serem delgados, prega-se-l'e uma machadada ô mêo, ficam fêtos em dôs. Nã tem nada que saber e faz-se num nadinha.

S' eles serem mái grossos, aí, aponta-se-l'e uma cunha ali adonde a madêra pedir, tancha-se-l'e duas ó três marranadas, o cepo arracha. Se ser preciso, põe-se-l'e ôtra cunha no ôtro lado da arrachadura, afinca-se-l'e mái uma marranada ó duas e já 'tá. Em menes de nada, 'tá fêto em arrachas.

Tem-se é que ter munta conta qu', inda bem não, calha a saltar a cunha e nã vá ela ir d'rêto às canoiras duma pessoa... Ó nã se dê o caso, com-m' se dé com-migo dessa vez, do marrão saltar do cabo e passar im frente do nariz duma pessoa qu' até um homem fica im pele de galinha...

P'r falar im galinha, nessa vez, na últ'ma marranada que dí num cepo, salta-me um pedaço de corcha assim além p' ô lado e, ô méme, tempo uma coisa qualquer assim a arrabolar p'r cimba dumas folhas se sobrêra.

Olho bem: um pã-de-galinha. Pã-de-galinha é o que se chama aqui a um bicho-barril. Mái qual nã era o tamanho do animal... Aquilo era mái grósso qu' um dedo cá dos meus. Ponho-me a olhar bem p'ra ele, oiço:

- Atã, Refóias, o qu' é que 'tás p' aí a engrilar?

Era o amigo Adelino da Desmoitada, qu' é um gradessíss'm' ô gozão e, adonde parêce, 'tá semp'e a entrar com qualquer um.

- Nã me digas que perdeste p' aí alguma coisa no mê das folhas... Foi algum anel ó o relójo?...

Aquilo era já a mangar com-migo... Qu' ele bem sabe qu' ê cá nã uso anel e relójo só o levo q'ondo vô p'a longe do monte. E más tinha ele já visto o bicho-barril. Atã aquilo, com mintira e tudo, era quái da grossura duma cobra das grandes...

Bicho-Barril

Bicho-barril assim, só inda tinha visto nas borras do madronho...

- Ó mariola, atã nã vez que 'tô a olhar p'a este bicho-barril que saltô aqui de drento da corcha deste cepo?!... Só inda tinha visto tal coisa foi nas borras do madronho. Tirando isso, só aqueles pequenalhos que se criam aí no esterco ó na terra bem estrumada.

- Tó, diebo!... E é bem grande... Olha, lev'-ô e põe-o a assar lá no brasedo qu' a tu Maria faz p'a cozer o jantar, qu' isso há-de-te dar uma função do melhor. Tens é qu' acompanhar com um belo copinho de vinho daquele qu' o tê compad'e jôquim do Barranco te deu, do do ano passado...

- Toma chó!... Se gostas, come tu, alma do diabo... A ti é que t' havera de fazer bom pr'vêto, que 'tás magro que nem um cão... Olha p' à g'rdurinha qu' ele tem, olha, nã vês?...

Enq'ont' isso, peguí no bicho e fiz amenção de l' o enfiar p'r a boca adrento. Ele, dá um salto p'a trás, munto lampêro, punhana!, desata a c'spir p' ô chão com o nonjo que l'e deu. Já nem s' aprochigava de mim...

- Chega isso p'a lá, badalo. Ele é teu, come-o tu...

Isto era tudo uma charola qu' ê cá trato bem qualquer b'chinho e coisa que nã gosto é de ver fazerem mal ôs animazes. De manêras que, puse-o ali im riba duma corchinha e desatar a arrachar mái uma lenhita.

Pôs nã l'es digo nada. Naquele madêro era cada marranada cada bicho-barril que caía no chão. Aquilo, num nadinha, juntí ali perto duma dúiza deles.

- Olha, já que nã os queres p'a assar, lév'-ôs p' às galinhas da tu Maria p'a ver s' elas enchem bem o papo e nã me vêm c'mer ali as minhas côves, que já 'tá ali tudo escalavardado...

- As galinhas da minha Maria?!... Atã elas 'tã semp'e presas, c'm' é qu' é isso... Tu é que nã l'e pões reméd'o p' às lesmas e p' ôs caracó's e eles comem-te aquilo tudo. Agora queres-te desculpar com as galinhas da minha Maria...

E lá se foi d'zendo umas chalaças, qu' a gente dá-se bem um com o ôtro e o tempo, assim, nã custa tanto a passar.

Bicho-barril

A cabo dum pôco, já tinha ajuntado perto duma dúiza deles...

Pôs olhem, arrenjí uma bela lenhita entes da chuva a molhar, passí um um belo pôco com o mê amigo Adelino e já tinha um corcho quái chêo de bicho-barris que nã sabia o que l'e fazer.

Até que peguí neles e fui infiá-los lá num tróço velho que p'a lá 'tava, e eles lá se foram descondendo entremêo da corcha e da madêra e p'a lá f'caram a engordar mái um coisinho.

Só nã sê no qu' é qu' aqueles raios vã dar daqui a uns tempos, qu' isso ê cá nunca vi. Será nalguma barb'leta, sará numa vaca-loira ó numa carôcha quasequer?... Nã sê nem conheço ninguém que me saiba d'zer.

Se algum de vomecêas saber, é um grande favor que me faz me d'zer em que bicho é qu' eles se vã fazer a seguir.

E passem tôd's munto bem e Dés l'e dê saúde.

15 setembro 2006

Monchique: Um Tocador de Fole que já nã dé vindo

José Alves 'Filipinho' - Monchique

Este tocador nunca mái dé vindo ô Encontro de Acordeonistas de Monchique, désna d' há uns belos anos.

P'r mode um comentáiro do amigo Campaniço, alembrando um parente dele que usava a vir ô Encontro d' Acordeonistas de Monchique - o amigo Zé Alves, mái conhecido p'r "F'lipinho", Dés o tenha em bom lugar - descorré-me a escrever aqui umas coisécas a respêto dele, qu' a gente nunca se deve desquecer dos amigos que já lá foram.

Ist' é uma manêra do alembrar e, s' ele 'tá lá im Cimba a ôvir a gente, que 'tá, sabe que s' era bem amigues e, nestes anes que já passaram, tem-se tido muntas soidades dele, do sê folezinho e das charolas e travessuras qu' os amigos, q'ondo calhava, l'e faziam, tudo p'r graça.

P'a falar verdade, mê belo amigo, nã se podia d'zer qu' ele fosse assim um tocador p'r 'í àlém, mái p'a uma entretenga duns q'ontos amigos, até que servia muntíss'mo de bem. Ele, umas modas, semp'e tocava, ôt'as arremedava e aquilo era semp'e um pagode.

Pôs o amigo F'lipinho vêo das Águas Alves morar p' ô Brejo, além na estrada do Alferce, e, c'm' o parente dele diz, gostava de bober a su copadinha. Até que l'e calhô bem que, arrumadinho à casa dele, havia logo uma venda. Aquilo era só andar p' aí uns cem metros, pôco más, e já 'tava...

Uma ocasião, 'tava ele já escorvadinho nessa dita venda, junta-se lá uma malta amiga, e vá de atiçar o F'lipinho p'a tocar uma modinha ó duas.

- S' ires b'scar o fole e tocares umas modas, cada um da gente paga-te uma cervejinha...

E ele d'zia que não.

- Vá que tens aí cerveja p'a bober o resto da tarde. E, ô fim, inda te pago más uma das médias Sagres...

D'zia um p'a entrar com ele, que já sabia qu' ele nã bobia Sagres nem p'r nada.

- Ê cá nã bebo Sagres... Ê só bebo Cristal, das pequenalhas.

Respondia ele, entortando a cabeça p' ô lado e fazendo um miéco com a boca, ô mémo tempo qu' os olhos piscos l'e pastanejavam que nem uma fita. Naquela vez, nã 'tava d' apetite de tocar. Via-se mémo.

Até qu' um qualquer, vendo que nã no dava fêto ir b'scar o fole, s' alembrô duma brincadêra qu' ele tamém usava a fazer, quái semp'e p'a ganhar uma cervejalha ó duas.

- Olha, atão se seres capaz d' arrojar as nalgas désna daquela parede até ali ô mêo da casa, com as mãs e os pés no ar, ganhas, na méma, uma cervejinha de cada vez que fazeres, qu' a gente paga.

- Isso 'tá bem. Isso faço, mái têm que ma pagar cada um a sua...

- Faz lá, qu' a gente, despôs, paga. Uma p'r cada vez.

- Eh'q!... Vocês querem-m' é ver fazer e, despôs, dã-me o cabaço e ê dô o tempo p'r mal empregue...

- Nã senhora! A gente diz que paga, é que paga... Menina, ponha lá aí uma cervejinha p' ô Zé Alves, fazendo favor. S' ele fazer o combinado, pago ê cá, s' ele nã fazer, paga ele.

- 'Tá combinado. Venha ela, qu' ê bebo-a logo.

E emborcô-a duma assentada qu' aquilo par'cia a garrafa que 'tava rôta...

P'a ganhar uma cervejinha, o amigo F'lipinho ia arrojando o rabo, ôs pulinhos, até chigar ô mê da casa...

Logo a seguir, joga-se de cu ô chão, desata ôs pulinhos e vá d' impar - õi!, õi!, õi!... - e assim chigô ô mê da casa, em menes de nada.

Alevanta-se, 'tava tudo às carcachadas, volta-se p'a tôd's e diz:

- Vá, quem qu'ser ver ôtra vez, pague mái uma cervejinha... Apr'vêtem agora que, mái logo, já nã há...

- Atã, vá ôtra, qu' agora sô ê que pago. Pode abrir nas mesmas condiçõs d' inda agora. Más, agora, põe-se uma marca ali no mê da casa e tens que chigar bem até lá...

- P'ra cá com ela!... Isso nã me dá cudados nenhuns.

E pegô numas coisas que 'tavam p' ali im cimba duma mesa - um prato e um copo e nã sê mái quem - e pô-se-as no mê da casa.

A m'lherzinha abre a cerveja, tã penas a põe im cimba da mesa, ele joga-l'e as mãs e baldê-a num 'stante. Nã era que fosse munto c'stume dele bober assim as cervejas num de repente, mái daquela vez, pendé pr' ali.

Até se dava o caso, as más das vezes, ele levar ali amarroado, ô pé do balcão, com uma cervejalha na mão e nunca mái a acabava... Aquilo aquecia, f'cava que par'cia ôrina de burro, com l'cença da palavra, e ele semp'e no mémo andamento molengão.

E vá mái uma corrida. A cabo dum minuto ó menes já ele tinha fêto o caminho todo.

- Querem más? Querem más?... Agora só s' um me pagar ôtra e vir com-migo p'a ver s' é capaz. Inda l'e dô mê metro d' avanço...

- Alguma vez?!... Atã pago-te a cerveja e inda tenho que sujar os fundilhos das calças aí no chão... Toma chó!...

- Nã sê... D' ôtra manêra nã faço. O qu' é que vocêas cudam. Pensam qu' isto é bom de fazer? Expr'mentem que logo vêem...

A sorte é que 'tava ali um meçalho-pequeno todo influído com a aquilo e of'r'cé-se logo p'a ser ele a ir.

O F'lipinho, munto a custo, mái vendo que nã tinha otra manêra de bober mái uma cervejinha, lá disse que sim e, mal s' aprecatô, já tinha mái uma garrafa aberta ô pé dele.

- Ai já aqui 'tá ôtra?... 'Tá bem...

Pô-se-a ôs quêxos, foi um vê se t' avias. Despejô-a às goélas abaxo sem tomar ar vez nenhuma. Tã penas acabô, t'mô fôl'go, jogô-se ô chão, disse ô meçalho p'a fazer o mémo e lá abalaram os dôs a pedir meças um ô ôtro.

E olhe qu' o meçalho nã l'e f'cô munto atrás, nã senhora... Se nã é o F'lipinho pertar com ele méme ali quái ô fim, aquilo 'tava-l'e ruim... Ganhô-l'e p'r pôco.

José Alves 'Filipinho' - Monchique

À tercêra, até um moç'-pequeno foi exp'rimentar tamém a ver s' era capaz. E fez boa figura...

Foi mái uma risada das grandes, uns batiam palmas, ôtros faziam cachamôrra dele, ôtros ind' ô desafiaram p'a mái uma virada e o qu' ê sê d'zer é qu' a galhofa inda durô uma preção de tempo, 'té qu' o F'lipinho já afègava e quái que nã dava tirado o rabo do mémo sito.

E p'r 'qui me fico, qu' isto foi só p'a alembrar um tocador de fole de Monchique que tamém gostava d' ir ô Encontro d' Acordeonistas e dêxô d' ir já há uns q'ontos anos p'r mode a pôca sorte que teve, qu' a vida l'e custô.

Mái, cá os amigos nunca se vã desquecer dele e, inda menos, nesta ocasião.

Muntas rec'mendaçõs p' ô amigo F'lipinho que Dés tem.

E p'a vomecêas munta saúde, até qu' a gente se veja.

13 setembro 2006

Monchique: Os Tocadores de Fole ajuntaram-se

XIX Encontro de Acordeonistas - Monchique

Tôd's q'ontos lá foram tocar ganharam este convindado.

D'mingo passado ajuntaram-se uma preção de tocadores de fole, no Largo dos Chorõs, p'a amostrarem a sua hab'lidade a quem os qu'sesse ir ver. Ê cá 'tava logo lá caído mái a minha Maria, que, coisas destas, só nã sabendo é qu' as perco.

'Tá bem qu' aquilo c'meçô inda mêa-tarde e 'tava um calor marafado, mái g'ande parte das cadêras panhavam uma bela sombrinha das tilêras e 'tava-se lá escapatòiramente. Uma vez p'r ôtra, lá vinha uma luzerna p'r o mêo das pernadas das arv'es e acalava-me nos cascos, mái, consoante o sol foi desandando p'a poente, dêxô de m' apequentar.

Já se viu qu' a Junta de Freguesia quer "dar vida às tradiçõs", c'm' diz ali no vrido do convindado que deram ôs tocadores, e faz muntíss'mo de bem, qu'os nossos c'stumes 'tã tôd's a levar s'miço. E atão, já fez este ajuntamento dezanove vezes. Bençoada...

Mái, já agora, tamém l'es digo qu' ele há um c'stume qu' a famila tem que já havera de ter perdido. Sabem o quem? É o de chigarem semp'e atrasados a tudo e nunca c'meçar nada a horas. Marcam p'às quatro, c'meça das cinco em diante...

Até a minha Maria já sabe isso bem:

- Ó homem, p'a qu' é a gente abalar tã cedo, aí a uma torrêra destas?!... Nã cudes qu' aquilo c'meça entes das cinco, que nã c'meça. Vai-se p'a lá p'ra quem? P'a se 'tar lá sentados a olhar p' ô ar?...

- Nã, nã. E s' eles desatam a tocar entes da gente chigar lá?... Vamos más é já, qu' ê nã 'tô p'a perder parte daquilo.

E nã é qu' a marafada tinha re'zão?... Q'ondo o homem qu' anunciava as coisas foi a pr'mêra vez p'a cimba do palco, já m' ê doía os quartos de 'tar sentado à espera. E a minha Maria a sovinar:

- Vês, vês, ê nã te disse... P'a qu' é qu' a gente vê' p' aqui logo àquelas horas?... E inda eles nã puseram os foles além im cimba, qu' andam tôd's p'r 'í com eles às costas...

Já a gente l'e doía os quôdris de tanto 'tar sentado, inda os tocadores andavam p'r lá com o fole às costas...

Até que lá se arresolveram a dar c'meço àquilo e, aí, a conversa já foi ôtra. É qu' ele há p'r 'í uns q'ontos que sã marafados p'a dar ô dedo... E tem que se l'e diga. Homens, os mái deles, d' oitenta anos p'ra cimba - o mái velho já vai d' oitenta e cinco p' ôs oitenta e sês, vejam lá - e inda se dã ô encómado de vir tocar uma modinhas p' à gente se consolar.

Tamém par'ceram duas m'çalhas - nã sê qual a mái bonita - e dois m'çalhos inda mái novinhos, béque-me com uns doze ó treze anos, se tanto. E, olhe, tocavam modas destas m'dernas d' agora, mái sô-l'es franco, 'tavam munto bem arremendadas e podiam-se ôvir que dava gosto.

De manêras que, f'quí sast'fêto p'r ver qu' inda parêcem alguns nôvos agarrados a um folezinho p'a nã dêxarem acabar uma coisa tã bonita.

Fole dig' ê cá, qu'o mái pequenalho tocava concertina e uns q'ontos dos mái velhos tamém. Ai, marafados... Com uma concertina de duas escalas par'cia eles que 'tavam a tocar com um fole desses d' agora, ligados à elec'sidade e tudo...

Pôs, fiquem sabendo que nã se dava p'r nada. Fosse ele com fole fosse com concertina, as modas saíam que só m' apetecia era balhar c'm' nôtro tempo, méme ali ô ar livre. É qu' aquilo era valsas, corridinhos e pass'dobles do melhor. E um até tocô um tango...

- Ó Maria, olha lá o ti Adelino, lá do Pincho. Um homem com oitenta e dôs anos, já fêtos, olha c'm' ele mêxe aqueles dedos... E nã desacerta nada.

- O fole é antigo, más é dos bons. Abre-o ali todo qu' é c'm' um valente... Ai esta, s' é antiga!... Há mái de trinta anos qu' ê nã ôvia tal moda. Já nem tampôco m' alembro do nome dela.

E assim foram passando neles - cada um tocava três - que 'tava-se tudo ali ad'v'rtidos até mái não. E, inda a mê favor, calhô-me f'car assentado ô lado do mê parente Zé da P'rtela Baxa. Aquilo é um homem que se perde p'r foles. E sabe apreciar, sa senhora.

- Ó Refóias, olha-me bem só p'ra este mecinho. Des que tem uns treze anos, se tanto, - 'tva a falar do Marcelo F'lipe, ali da Nave - e toca p'r música. Só nã sê quem é que l' ensina, mái qu' ele faz-se ali um tocador do melhor, 'tejas certo qu' ele se faz...

- Ah, isso é certo e sabido. Com esta idade e já nã fica atrás de qualquer...

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Quem qu'ser ver o retrato dos tocadores de fole em ponto grande é só acalcar neles ...

- E nã tarda nada, vem aí ôtro, inda mái novinho, que des qu' o pai, que tamém é tocador, é qu' l' insina. Esse é ôtro que tamém se faz. Toca na méma concertina qu' o pai e é uma coisa qu' ê cá acho bonito...

- Atã, é aquele mecinho João Costa, qu' andava lá na Fêra do Artesanato de Marmelete, de roda do pai, enq'onto ele fazia canastras?

- É esse mémo. Aquilo é uma famila com habilidade p'a munta coisa...

E lá foram ch'mando neles p' ô palco, uns atrás dos ôtres, e a famila vá de bater palmas que 'tava tudo tã influido que nem mecêas calculam...

Nisto, chega a vez d' ôtro tocador cá de Monchique, ch'mado Adelino Nunes, más este é mái completo. Leva tamém acompanhamento. Nos f'rrinhos, o ti Zé Lexandre, nas castanholas, o ti Tóino Branco, que tamém sabe tocar concertina.

E fazem-me cá uma joldra!... O ti Tóino parêce que tem azôgue. Até com os cat'velos ele toca castanholas... O ti Zé Lexandre é que teve um coisinho de pôca sorte. A mê da moda, parte-se-l'e a tamiça dos f'rrinhos, caiem-l'e no chão, foi uma risada. Qu' isto já se sabe, a gente faz pôrra de tudo... Mái nã é p'r mal, é só p' à famila s' ad'v'rtir...

- Mái atão, parti-se-l'e a tamiça e o pobrezinho nã dá atado aquilo ôtra vez...

- Ai, coitadalho... Lá foi àlém p' ô canto. O homem f'cô com nèrvôso, nã vês qu' até l'e tremem as mãs...

- Olha, já se desenrascô. Jogô a tamiça fora e sigura no ferro méme com a mão.

- Nã dá é tã bom som... Mái arremedeô-se.

A seguir, fica o ti Tóino Branco a tocar concertina e o ti Zé Lexandre a tocar f'rrinhos, qu' é só o qu' ele toca.

O ti Tóino, punhana!, quái que esbroncava a concertina com a força que fazia... Esticav'-a até mái não e vá p'ra cá e vá p'ra lá, e o t' Zé à rasca p' ô dar acompanhado, mái, q'ondo chigavam ô fim da moda, aquilo batia semp'e certo.

Nesse mê tempo, já tinha par'cido tanta famila ó tampôca que nã havia cadêras que chigassem nem p'a àmetade... E os que 'tava assentados nã largavam o lugar nem p'r nada. Qu'riam era ver aquilo tudo até ô fim.

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Inda assim, par'cé munta gente. Bem uma àmetade, t'veram que f'car d'em pé, que nã havia cadêras que chigassem...

O pior de tudo é que já 'tava a f'car lusco-fusco e umas q'ontas m'lherzinhas que nã tinham adiantado o d'comer, entes de virem p' ali, cudando qu' aquilo, calhando, nã levava tant' ô tempo, já nã sabiam o qu' é qu' haveram de fazer.

- Da quem nada, o mê Antóino abala daqui, chega a casa, nã tenho nada fêto p'a l'e dar...

Sagradiava a Cãinda Jornalista p' à ti Balbina da Corte. Mái, c'm' à ti Balbina é um coisinho surda e Cãinda tamém parêce uma gralha, tinha que falar tã de rijo que toda a famila ôvia o qu' ela d'zia.

- Atã nã dêxô assim um jantarinho mê adiantado, que, q'ondo chegue a casa, seja só l' acrecentar a mastura?...

- Qual o quem. Alguma vez ê cudava qu' isto durasse assim tant' ô tempo...

- Olhe, sabe o que mecêa faz? Arrenje-l'e assim uma coisa que se faça depressa. Umas sôpas de t'mate ó coisa assim. Ele, este verão, nã fazeram assim grandes branduras e os t'mates inda nã 'tã azedos, faça-l'e umas sopinhas de t'mate, sa senhora...

- Isso era s' ele nã fosse bicoso c'm' ele é...

- Ah, ele é de má boca?!... Atão, má da volta. Lá na minha casa, nunca tive ninguém assim. E sabe o jêto? É que com-migo era: quem nã gosta dêta-se ô lado. E mái nada...

- Atã, havera de l' acabedar um com-m' ô meu, que logo via q'ont' é que l'e custava...

E a conversa nunca mái parava. Más ê cá pus-me foi com os olhos no palco que 'tava a acabar de tocar o amigo Armando Penteado com um fole emprestado e tudo, qu' ele nã tem nenhum. Diz o apresentador:

- Isto quem nã tem gaita, toca com a do v'zinho. Désna que l' a trate bem e nã na estrague... E olhem qu' o senhor Penteado sôbe estimá-la e fez aqui um belo serviço. Nã gostaram?

Foi ôtra risada... A famila, com coisas destas, enche o papinho. Há semp'e quem ponha maldade no que ôve, 'tá bom de ver...

- E agora, nã sã tocadores de fole, mái tamém foram convindados. Um toca píf'ro e o ôtro toca gaita. Venha o senhor António Nunes com o sê píf'ro e, despôs dele tocar, assuba o senhor Inácio Nunes com a sua gaita de bêços.

O ti Tóino Cruzinha, c'm' a gente l'e chama, lá par'ceu, máo nã trazia nada nas mãs.

- Atã, o qu' é que fez ô sê instrumento, senhor Nunes? Nã me diga que perdé a gaita p'r o caminho...

- 'Pere aí, qu' ele já parêce. 'Tá aqui bem gôrdadinho, qu' ele já é munto antigo e pode-se estragar.

Mái uma risada de tôd's q'ont's 'tavam lá a ver aquilo.

E lá foi tirando o pif'r'salho de drento da camisa, munto bem enrolado num trapinho, c'm' s' aquilo fosse a coisa de maior valor que lá par'ceu. E tenho a firme certeza que, p'ra ele, era mémo.

Diz-l'o apresentador:

- Ah, assim 'tá bem, já nã precisa de pedir a gaita emprestada a ninguém p' a tocar aí uma gaitada...

- Pôi' não, mái vamos lá ver s' a minha inda 'tá em condiçõs de fazer alguma coisa... É qu' ela é munto antiga e já tem munto uso... Ora dêxa cá ver...

Vá mái uma barrigada de rir p' à malta toda. É qu' o ti Cruzinha d'zia aquilo com aquele jêto dele, baxo e compassado, qu' uma pessoa nã se dava contido de manêra nenhuma.

Pôs o ti Tóino Cruzinha lá tocô as três modas no sê píf'ro, qu' é bem pequenalho c'm' mecêas hõ-de já ter visto no retrato qu' ê l'e tirí, tôd's gostaram e a seguir vêo o t' Ináiço Nunes. Tamém apresentô a su gaita e, p'r três vezes, amostrô q'onto é que vale, méme com oitenta e cinco anos em cimba dele.

E assim s' acabaram as modas naquela tarde, já à boca da nôte, mái com a famila toda contente com o belo pôco que tinha passado ali a ôvir mús'ca e espàir'cer com os amigos e v'zinhos.

E p' à Junta dar uma alembrança ôs tocadores, foram tôd's ch'mados ô palco, a Senhora Presidenta falô lá o que munto bem entendeu e despediram-se tôd's até pr' ô ano. E ê cá peço um desejo:

Ô fim, foram tôd's ch'mados ô palco, ôviram o d'scurso da senhora Presidenta e arreceberam uma preçanada de palmas qu' a gente l'e bateu.

- Qu' a gente pr' ô ano, cá 'teja tôd's p' ô XX Encontro de Acordeonistas de Monchique.

E só mái uma coisa. Achí tudo munto bem, foi tudo munto bonito e uma tarde do melhor que pode ser.

Mái, sô franco, s' a Senhora Presidenta nã s' apequentar com-migo, semp'e l'e digo que, p'a pr' ô ano, podia mandar pôr uma coisinha qualquer, méme fraquinha, ali no pano do palco p' àquilo f'car mái bonito.

Qu' isso nã tem emportância denhuma, o emportante é os tocadares virem cá e a famila ir vê-los. Mái semp'e era mái bonito. P' ôs retratos e tudo...

M't'ôbrigado ôs tocadores e à Junta. Dés l'e dê o que precisarem.

E vomecêas, até um dia destes e passem munto bem.

08 setembro 2006

Marmelete: A Fêra, à noite, é que dé que falar...

À nôte, 'tava tudo caído no "Tita" a ver o Chico Barata e as moças qu' ele trôxe p'a balharem...

Q'ondo abalí p' ô "Tita", nunca pensí que 't'vesse lá o gentío que 'tava, a ver o Chico Barata e as moças dele, que balhavam que nã quêram saber...

Só, ô chigar lá, é qu' alcançí a r'zão da famila acudir lá toda daquela manêra. Mòrmente a rapaziada do mê tempo e mái velhos ainda, aquilo era tudo lá, d' olhinho a luzir... Alguns até se lembiam...

Mái nã cudem qu' era p'r ca'sa do Chico. Alguma vez?!... Eles 'tavam más era tôdes com as vistas im cimba das meçalhas, que balhavam que nem duas aventoínhas, e, c'm' méme à nôte 'tava uma calma que nã s' aguentava, t'veram que tirar a rôpinha quái toda, mal tapavam as vergonhas p' ali com dôs trapinhos, e curtinhos qu' eles eram...

E as duas qu' eram do mái bonito que pode ser e haver... Uma, clarinha e estia, a ôtra bem tr'guêra e mái p' ô forte, semp'e a se rirem c'm' se l'e t'vessem a fazer c'cégas, e a abanarem - com l'cença da palavra - o rabo, qu' um homem quái qu' entontecia...

Com a calma que fazia, as moças t'verem de tirar a rôpa quái toda...

O mê compad'e Jôquim inda me disse:

- Ó compad'e, atã e s' a gente tamém tirasse a camisa? Com a calma qu' aí 'tá...

E o suôr até l'e escorria à testa abaxo... Verdade se diga, do méme mal me quêxava ê cá, mái, olhí p'r tôdes os lados, vejo tanta famila, béque-me dé-me assim um coisinho de vergonha.

- Compad'e jôquim, ê cá bem que me dava cobiça disso, mái atão diente desta famila toda um homem f'car em camiseta...

- Qual camiseta nem camiseta!... Tirava-se era tudo p'ra fora... Ó tem cagúifa d' apresentar p' aí alguma cagadela de pulga?...

O mê compad'e já 'tava um coisinho entradote, nã l'e parêçam mal a conversa dele. Qu' ê até me furto a d'zer as palavras todas qu' ele disse...

- Ó compad'e jôquim, agora já nã há disso. Nôt'es tempes é qu' havia aí menino que nã se l'e podia olhar p' à gola da camiseta. Agora?!... Isso os pózes de DDT deram fim a essa b'charada...

- Atã, já que tem medo, venha mái uma cervejinha p'a gente se rafrescar. Ó menina, traga lá aí mái três, fazendo favor.

- É só duas, compad'e. Nã vê qu' o sê Zé Manel já anda pr' aí nã sê adonde... Há-de andar a arrojar a asa de roda d' alguma moça...

Nisto, o Chico Barata, arresolve-se a ir c'mer qualquer coisinha. Des que 'tava chê de laberca e atão, no entervalo, o parente Mortal que fosse tocar umas modinhas, à manêra dele, lá p'ra cimba do palco. E ele foi.

Palco cham'-l' ê cá. Qu' aquilo nã passava d' umas q'ontas grades im cimba umas das ôtras... Mái servia munto bem. Lá isso, t'veram uma bela idéa.

Tamém l'es digo. Só o que se perdeu foi as meçalhas dêxaram de balhar... Qu' as modas qu' o parente Tóino tocava com o sê fole, nã f'cavam nada atrás da aparelhaja do ôtro. P'r menes, cá p'ra mê gosto... E a minha c'mad'e C'stóida tamém me disse o mémo.

Tã penas o Chico Barata baldeô a cêa e voltô p' ô palco, sabem p'a donde é qu' o parente Tóino de Mortal foi convindado, o qu' ê achí muntíss'mo de bem?... P' à mesa do senhor Presidente da Junta.

Atã nã foi bem morcido? O Senhor Presidente é uma pessoa munto dada, o parente Tóino semp'e d'sposto a entreter a gente com umas modas das dele, o qu' é que se 'tava à espera...

O Parente Tóino de Mortal até foi convindado p' à mesa do senhor Presidente da Junta...

Pôs, nã l'es digo nada, rompé a mús'ca ôtra vez, conversa p' aqui, conversa p' ali, as moças balhar e a abanarem-se todas, punhana!, mã sê munto bem se hôve p'a lá menino, daqueles mái antigos, que nã se 't'vesse já a babar todes...

O mê compad'e Jôquim, alevanta-se, béque-me a qu'rer balhar, faz menção d' ir d'rêto às moças, qu' a cerveja já 'tava a fazer o sê infêto, salta logo a c'mad'e C'stóida:

- Eh!... Assanta-te, lá aqui! Atã, que figura é essa que 'tás fazer?...

- Anda cá, C'stóida, vamos balhar aqui uma os dôs!...

- Tem tento, homem. Vê lá bem o que fazes. Ai que vergonha...

- Ah, nã vens?!... Olha qu' ê vô-me, àlém p' à frente, balhar com aquela mái tr'guêra...

- Más o qu' é qu' ê faço a este homem? Nã vêem a vergonha qu' ele me faz passar?... Nã pode ver uma saia fica logo nisto. É qu' ê, despôs, nã dô conta dele...

- Ó c'madre vá já balhar com ele... Isso nã custa nada e ele, assim, nã vai lá p' à frente. Se mecêa ir, ê tamém vô com a minha Maria...

Ora, s' ê bem o disse, melhor o fazemos... Jogamos-se os quatro a balhar ali méme entremê das mesas. Pôco s' acertava, mái foi uma festa. E más a más, que nã foi só a gente.

Dali a um pôco, até a meçada nova foi lá p' à frente e vá de balharem à manêra delas. Que, balhar, é uma manêra de d'zer. Aquilo é p' ali andarem ôs encontrõs e "abanarem o capacete", c'm' elas dizem...

Até me dá paxão. Umas mecinhas tã jêtosas e nã parêce um moço que l'e jogue as mãs e amostre c'm' se balha a precêto... Ai s' ê cá voltasse ôs mês vinte anos...

Ô fim, até as mecinhas mái novas foram balhar. Môces, nada...

E com esta paxão me despeço de vomecêas. Fiquem-se com Dés, até ôtro dia.

06 setembro 2006

Marmelete: A Fêra e o nosso ad'v'rt'mento da tarde

Marmelete - Feira anual

A fêra já nã é c'm' nôtres tempos, más a gente ad'verte-se à nossa manêra. É até mái não...

C'm' ê cá já disse, no dia da fêra 'tava uma soàlhêra tã grande ó tã pequena qu' um homem, méme com um belo àbirum na cabeça, nã dava conta daquilo. Chigava até ôs miôlos duma pessoa...

Inda pr'a más, a fêra nã tinha nada que ver. Eram p' ali três ó quatro tendêros com as òcharias do c'stume. Carrocel já nã há, umas blancias p'a fazer uma arracha tamém não, o reclame da banha da cobra inda munto menes... O qu' é uma pessoa via lá?!...

Ô fim da missa e, em acabando de c'mer uma buchinha qu' a minha Maria levô, acaçapí-me ali ôtra vez na desplanada e vá mái uma cervejalha p'a mim e um sevenáp p' à minha Maria. Tudo bem fresquinho, qu' o calor era uma coisa p'r demás.

Neste mê tempo, aquilo já era mêa-tarde, tinha-se ajuntado bem munta famila - tudo nos cafés - nem lugares de vago à sombra havia, fosse adonde fosse.

- Maria, s' a gente se fosse ali p'a drento semp'e nã se panhava tanto calor. Isto aqui até se custa a tomar ar.

- Ê dá-me vergonha. Aquilo 'tã ali aqueles relaxados tôdes...

- Ó m'lher, nã digas isso!... Atã nã vês qu' aquilo sã bons amigues e, uns q'ontos, inda sã nossos parentes?...

- Más ê nã vô p' ali. Aquil' é munto escuro.

Ô méme tempo, o carro do Zé Manel a aparar quái im frente do café. Pensí:

- Já 'tô governado. Tenho companha p' ô resto da tarde e, calhando, via p'a voltar p'a casa.

Arrulho logo d'rêto ô carro, entes qu' ele s' assentasse nôt' lado:

- Eh, Zé Manel! Anda cá aqui ô pé da gente e bebe-l'e uma coisinha que t' apetêça.

E ele vêo.

- Atão, já 'tás melhorzinho?

- Mái que conversa é essa?!... Ê nã 'tô doente...

- Nã t' ofendas... Mái, inda agora, q'ondo trôveste o tê pai, vinhas assim um coisinho p' ô molengo...

- Qual o quem! Aquilo era do sol que nã me dêxava abrir as vistas...

- Olha lá, dêxamos lá isso da mão e diz lá o qu' é que queres b'ber?

- Ê sê cá o que beba. Béque-me só m' apetêce é b'ber água... Mái, vá lá uma pequenalha.

Abalí, fui lá drento, peço duas cervejalhas pequenas, olho lá p' ô canto, quem é qu' havera de lá 'tar? Uma mesa chêazinha tudo de bons amigos. O Parente Tóino de Mortal foi o qu' ê vi pr'mêro, mái aquilo era uma preçanada deles, désna de parentes da famila das Vinhas, da R'Nova, do Brandão, do Val' d'Água, ê sê cá...

- Ponha tamém umas b'bidas além p' àquela mesa, qu' ê já pago.

- P'a tôdes?!... - Responde-me a menina de lá de drento do balcão.

- Sa senhora, ponha e nã tenha medo... Ê já pago tudo.

E lá abalí, com as cervejalhas, p' ô pé do Zé Manel e da minha Maria, já com ela fisgada.

- 'Tá aqui, Zé manel.

- E 'tá bem fresquinha. É assim qu' ê gosto delas.

Faço-me assim um coisinho desbercebido, volto-me p'a ele e dig'-l'e, de chofre:

- Zé Manel, se nã te fazesse d'f'rença, ias com-migo ô Forno Velho b'scar o fole do Parente Tóino de Mortal? É qu' ele 'tá ali drento e tocava aí umas modas p' à gente...

- Ai 'tá? S' ele qu'rer, é p'ra já.

Tã penas ele me diz isto, abalo caminho da mesa deles:

- Eh, famila!... 'Tá tudo bem c'm' parêce, ó quém?

- Eh, Refóias... Foste tu que mandaste estas b'bidas p' aqui'

- Olhem, ê venho aqui apresentar um caso. Já tenho ali uma via à espera p' ô ti Tóino ir com-migo b'scar o fole dele a casa e tocar umas modinhas p' à gente... S' ele qu'rer...

Punhana!, aquilo foi tôdes à uma a bater palmas... Ele inda s' amolgô um coisinho, mái, despôs, nã teve reméd'o senã d'zer que sim.

E, p'a encurtar de razõs, em menes d' um foguete, já se tinha ido ô Forno Velho e já cá se 'tava com o sê lindo fole, encarnadinho qu' até luzia, a dar os pr'mêros toques p'a afinar. Qu' o homem, no caminho, foi-me d'zendo que já há uns belos tempos que nã pegava naquilo.

Enq'onto nã se jogava a tocar uma moda, o Parente Antóino Mortal enrolava um cigarrinho de tabaco d' onça...

Aquilo foi o tempo d' enrolar um cigarrinho de tabaco d' onça, b'ber um solvinho d' emperial e ôvir um d'chote ó dôs, e já 'tava pronto p'a arrencar.

Diz o ti Manel da P'rtela Baxa p'ra mim, na galhofa, p'a entrar com o Parente Tóino:

- Ó Refóias, mái atã tu nã tens vergonha de fazer uma parte destas à gente?!... Já nã basta o ter qu' o aturar q'ondo ele vai lá à minha casa, senã hoje, em dia de fêra, que se 'tava aqui tã sossegadinhos a palear uns com os ôtres...

- Dêxe lá o homem tocar, qu' isto é uma festa e o Parente Mortal sabe tocar aí umas modas qu' é uma classe...

- Cala p' aí essa boca... Ele toca menes qu' o ti Chico Bêço, Dés l'e perdoe, q'ondo morava sòzinho lá naqueles barrancos e tinha aquela concertina mái velha que ele...

- Que jêto?!... O homem é o melhor tocador de fole qu' há aí numa preção de léguas em redor!... Nem m' alembro d' ôtro assim... Vá lá, parente, toque lá 'í uma das suas, p' ôs calar...

E ele, atão, fez-me a vontade. Arrenca com um corridinho, assim se calô tudo naquele café... 'Té os da desplanada se vieram assomar cá p'a drento. Ajunta-se um gentío de roda dele, uns batiam palmas, ôt'es balhavam, um ó ôtro d'zia umas chalaças p' à gente se rir, já nã no dêxavam aparar.

Atrás duma era ôtra e vá bobida p' àquela mesa... Ê cá nem m' assentí. Ó atão panhava lá uma pelhega que nã me dava lembido, qu' aquilo era tudo a pagar bobida p'a quem qu'sesse.

Tocador de fole - Marmelete Tocador de fole - Marmelete

'Tava tudo munto ad'v'rtido. Uns batiam palmas e ôtres balhavam. E tamém b'biam umas cervejalhas...

E a tarde foi-se passando, até qu' a minha Maria s' alembrô qu' o Chico Barata ia cantar no ôt'o café, logo preciminho. Bem sabia ê cá quem era o Chico Barata, mái des que l'e tinham dito qu' ele cantava munto bem e que tinha p'a lá umas moças a balhar qu' era uns mimos, e tal e tal...

P'a nã falar qu' o Parente Tóino já 'tava a f'car escalfado de tocar tanta moda e precisava de desòpilar um coisinho. Méme o resto da famila tamém já l'e 'tava a dar cobiça de panhar um coisinho d' ar fresco, qu' o sol já se tinha posto e corria uma araja qu' até consolava.

Más isso cont'-l'es ê a seguir, qu' é p'ra isto nã f'car comprido de más e mecêas nã l'e custarem tanto a ler.

Binté amanhã.

05 setembro 2006

Marmelete: A Fêra é pequena, mái o ad'v'rt'mento é grande

Feira de Marmelete

A fêra de Marmelete nã era mái que três barrecas e três chapés-de-sol, mái munto s' ad'v'rti a gente...

Méme com tempo a escaldar com-m' ele tem andado, lá perder a fêra de Marmelete é que nã pensem nisso... Já há bem uma semana qu' ê cá brigava com a minha Maria. Quái nas bésp'ras, volt'-l' a d'zer:

- Maria, olha que' a fêra de Marmelete 'tá à porta e, ô méme tempo, béque-me fazem tamém aquela festa dos bordados e rendas e coisas assim da Junta de Monchique. Nã te desqueças qu' iss' é coisa que nã se pode perder nem p'r nada...

- Ó homem, já d'zeste isso nã sê q'ontas vezes... 'Tás pior qu' os môces-pequenos, semp' a repisar, semp'e a repisar... Cachamorra!... Sossega qu' ê tamém gosto d' ir e nã 'tô desquecida.

- Atã, s' ele é isso, já nã te digo mái nada. D'mingo, rego a pôça, logo bem cedo e c'm' ô tempo vai assim quente, calhando, enxóg'-me logo ali à fonte e, em chigando a casa, é só vestir a rôpa do D'mingo e v'reda cá vai a gente... Avia-te tamém cedinho, qu' é p'a gente abalar inda com a fresquinha, qu' ô sol custa-se a andar, qu' ele até quém-ma.

- Sim, homem, nã precisas de falar mái nisso qu' ê sê munto bem o que tenho a fazer...

E assim fazemos.

P'a ser franco, aquilo, ê cá nem tinha precisão de 'tar a regar no dia da fêra, que só já tenho p' ali umas bejoarias, tudo munto enravèlhado, mái tinha a pôça da Pedra da Zorra chêa e, p'a nã esperdiçar a água, dêxí-a correr p' ali à vontade.

Olhe, p'a d'zer melhor, até soltí o tãinque de tornêrada, nem tempradôiro pus no bitoque nem nada. Aquilo, tamém, as quadras e as casêras quái que nem combros já têm e quebradôiros mal s' arrenja terra p' ôs fazer...

Despachí-me que foi um vê se t' avias... E apr'vêtí, passí ô chafariz da fonte, desdispo a camisa, jogo umas chapadas d' água p' ô corpo, ensaboí-me todo com uma barrinha d' assabão azul que minha Maria dêxa lá descondido numas ervinhas que narceram ali ô lado da lavadêra, f'quí fresquinho qu' até dava gosto...

Vô-me p'ra casa, a m'lher já tinha os preparos todos fêtos, c'mé-se uma bucha, qu' ê inda 'tava em jum e já tinha um b'chinho aqui a rabear.

Vô-me ô quarto da cama, a rôpinha já 'tava toda desdobrada im cimba da colcha, méme ô queres. Nisso, a minha Maria é que resolve semp' o qu' é qu' ê visto ó nã visto. De manêras que, foi só vesti-la, arregaçar as mangas da camisa, pôr o casquêro na cabeça e abalar caminho de Marmelete.

Dé-se vaia à do compad'e Jôquim do Barranco, mái c'm' o Zé Manel inda nã tinha par'cido, a c'mad'e C'stóida des que nã ia sem ele chigar e, d' alguma manêra, logo lá haveram de par'cer na fêra.

E lá se foi os dôs, estrada adiante, uns pôcos a pé ôt'es andando, nã tardando nada, já a gente 'tava a chigar à Fonte das Bicas.

Fonte das Bicas - Marmelete Fonte das Bicas - Marmelete

A Fonte das Bicas é do tempo em que fazeram a estrada de Marmelete, era ê cá um meçalho-pequeno

A Fonte das Bicas é um encanto. Mal empregado só ter uma bica a foncionar, a água nã ser capaz p'a bober e 'tar assim embedungada c'm' 'tá...

Nôt's temp's, matí aqui a sede muntas vezes. Nã sê s' a água era boa ó se já nã prestava, mái que nunca me fez mal, nã me fez. Aquilo, tamém, era um tempo que nada fazia mal a quem quer que fosse. C'mia-se e b'bia-se fosse o que fosse, désna de fruta b'chosa até água de quasequer córga, e nã havia mal que pegasse na gente.

- Maria, olha lá, e s'a gente s' assentasse aqui um coisinho a descansar as pernas à fresquinha...

- Nã digo que não... Calçí uns sapatos nôves e os marafados já me 'tão más é a fazer uma roedura aqui neste artelho. Vá lá que trusse tamém uns velhos aqui na minha mala e vô-me apr'vêtar a calçá-los.

- Ora p'ra qu' é essa parvidade de vires aí a andar com uns sapatos desses de mê-tacão... Tinhas alguma precisão disso? Agora ficas com uma roedura sem míngua nenhuma. Más isso é lá contigo...

- Ó homem, pensí que me dava agu-ento sem ter de calçar estes velhos que já nã têm aira nenhuma. Lá no parente Mira, q'ondo os comprí, d'zeram-me qu' eles eram tã macios...

E ali se f'cô um belo pôcachinho a palear e ê cá semp'e com o olho na estrada, a ver se passava algum carro que desse uma b'léazinha a gente. Más, àquela hora, nã par'ciam nem carros nem famila nenhuma.

Se fosse há q'ôrenta ó cinquenta anes ó más, vomecêas logo viam o correpio qu' era naquela estrada e nos caminhos que vinham dar a ela... Inda entes da estrela-d'alva dêxar de luzir, já lá ia tudo, uns com vacas, ôtres com pórques, ôtres com òvêlhas e cabras, e muntos sem nada, só p'a ir à fêra, méme o d'nhêrinho sendo pôco ó nenhum.

Os môces-pequenos com uma voltinha de carrocel ó uma faquinha s' acontentavam e os grandes, parte das vezes, nã compravam nada, ó vá lá, um coisinho de polvo assado ó de torrão d' alicante.

Os destõs qu' inda tinham f'cado dumas dúizas d' ovos, dum cravanito ó duns coelhos vendidos lá p'ra baxo p' ô Algarve, tinham que servir p'a comprar um alguidar p'a amassar o pão, umas p'lenganitas de barro, uma panela de ferro ó um tacho d' arame, uma trempe ó um triângulo, uma cafetêra de' esmalte ó um bacio, e por 'í diente...

Assim sendo, nã se teve ôt' remed'o senã fazer-se o resto do caminho a pé. Tamém l'es digo uma coisa: nã é nada do ôt' mundo... Aquilo, das Bicas a Marmelete, é coisa p'a pôco mái de mêa-hora, se tanto. E fêto inda p'a fresquinha, nem se dá p'r ela.

De manêras que, foi-se quái os pr'mêros a chigar a Marmelete. S' ê sabesse disso, tinha ido más era só à hora da missa, p'a nã 'tar ali uma preção de tempo à espera qu' o resto da famila s' arresolvessem a vir, qu' isto uma fêra só com os tendêros nã tem jêto nenhum.

A minha Maria inda p' ali andô a bispar aquilo tudo, qu', ô fim de contas, era coisa bem pôca. Umas três barrecas de tachos e panelas, trapos e b'gigangas, e más uns três chapés-de-sol, da banda de lá da estrada, com umas coisécas inda menes.

Ê cá, atão, assentí-me lá numa cadêrinha, na desplanada do café, e mandí vir uma cervejalha pequena, que me dé vergonha de 'tar ali assentado e nã fazer despesa. Beber um calcesinho dela, sòzinho e com o calor que 'tava, tamém béque-me nã me calhava.

Pôs, só passado um belo pôco, é que dí em ver chigar famila e o mê compd'e Jôquim mái-la c'mad'e C'stóida só par'ceram à hora da missa e foi o Zé Manel qu' os foi levar, inda com olhos pisc's e todo desgadelhado. Lá adonde ele passô a nôte nã sê, mái que vinha naquele estado, marelo e nem os olhos quái que dava abrido, isso vinha...

- Atã, Zé Manel, anda cá aqui que vens na minha. Queres uma cervejinha ó o quem?

Sem tampôco sair do carro, responde-me com uma voz munto cavernosa e mê a abanar a cabeça:

- Ó ti Refóias, agora nã pode ser nada. Vô-me a casa despachar e lá p' à tarde logo parêço aí... Até logo...

- Dés t' acompanhe...

Ora foi-se a casa despachar... Ele foi foi dromir um pôco, que nã havera de ter pregado olho désna da bésp'ra.

E a agora dêxe-l'es aqui o retrato do Parente Antóino Mortal, jogado a tocar o sê fole. Pr'a mim, foi a parte mái ad'v'rtida da fêra e ê logo l'es conto a seguir c'm' é que tudo se passô.

Tocador de fole - Marmelete

O Parente Antóino Mortal, do Forno Velho, toca fole désna dos quinze anos...

Atã, 'té mái logo e passem tôdes munto bem.