A fêra de Marmelete nã era mái que três barrecas e três chapés-de-sol, mái munto s' ad'v'rti a gente...
Méme com tempo a escaldar com-m' ele tem andado, lá perder a fêra de Marmelete é que nã pensem nisso... Já há bem uma semana qu' ê cá brigava com a minha Maria. Quái nas bésp'ras, volt'-l' a d'zer:
- Maria, olha que' a fêra de Marmelete 'tá à porta e, ô méme tempo, béque-me fazem tamém aquela festa dos bordados e rendas e coisas assim da Junta de Monchique. Nã te desqueças qu' iss' é coisa que nã se pode perder nem p'r nada...
- Ó homem, já d'zeste isso nã sê q'ontas vezes... 'Tás pior qu' os môces-pequenos, semp' a repisar, semp'e a repisar... Cachamorra!... Sossega qu' ê tamém gosto d' ir e nã 'tô desquecida.
- Atã, s' ele é isso, já nã te digo mái nada. D'mingo, rego a pôça, logo bem cedo e c'm' ô tempo vai assim quente, calhando, enxóg'-me logo ali à fonte e, em chigando a casa, é só vestir a rôpa do D'mingo e v'reda cá vai a gente... Avia-te tamém cedinho, qu' é p'a gente abalar inda com a fresquinha, qu' ô sol custa-se a andar, qu' ele até quém-ma.
- Sim, homem, nã precisas de falar mái nisso qu' ê sê munto bem o que tenho a fazer...
E assim fazemos.
P'a ser franco, aquilo, ê cá nem tinha precisão de 'tar a regar no dia da fêra, que só já tenho p' ali umas bejoarias, tudo munto enravèlhado, mái tinha a pôça da Pedra da Zorra chêa e, p'a nã esperdiçar a água, dêxí-a correr p' ali à vontade.
Olhe, p'a d'zer melhor, até soltí o tãinque de tornêrada, nem tempradôiro pus no bitoque nem nada. Aquilo, tamém, as quadras e as casêras quái que nem combros já têm e quebradôiros mal s' arrenja terra p' ôs fazer...
Despachí-me que foi um vê se t' avias... E apr'vêtí, passí ô chafariz da fonte, desdispo a camisa, jogo umas chapadas d' água p' ô corpo, ensaboí-me todo com uma barrinha d' assabão azul que minha Maria dêxa lá descondido numas ervinhas que narceram ali ô lado da lavadêra, f'quí fresquinho qu' até dava gosto...
Vô-me p'ra casa, a m'lher já tinha os preparos todos fêtos, c'mé-se uma bucha, qu' ê inda 'tava em jum e já tinha um b'chinho aqui a rabear.
Vô-me ô quarto da cama, a rôpinha já 'tava toda desdobrada im cimba da colcha, méme ô queres. Nisso, a minha Maria é que resolve semp' o qu' é qu' ê visto ó nã visto. De manêras que, foi só vesti-la, arregaçar as mangas da camisa, pôr o casquêro na cabeça e abalar caminho de Marmelete.
Dé-se vaia à do compad'e Jôquim do Barranco, mái c'm' o Zé Manel inda nã tinha par'cido, a c'mad'e C'stóida des que nã ia sem ele chigar e, d' alguma manêra, logo lá haveram de par'cer na fêra.
E lá se foi os dôs, estrada adiante, uns pôcos a pé ôt'es andando, nã tardando nada, já a gente 'tava a chigar à Fonte das Bicas.
A Fonte das Bicas é um encanto. Mal empregado só ter uma bica a foncionar, a água nã ser capaz p'a bober e 'tar assim embedungada c'm' 'tá...
Nôt's temp's, matí aqui a sede muntas vezes. Nã sê s' a água era boa ó se já nã prestava, mái que nunca me fez mal, nã me fez. Aquilo, tamém, era um tempo que nada fazia mal a quem quer que fosse. C'mia-se e b'bia-se fosse o que fosse, désna de fruta b'chosa até água de quasequer córga, e nã havia mal que pegasse na gente.
- Maria, olha lá, e s'a gente s' assentasse aqui um coisinho a descansar as pernas à fresquinha...
- Nã digo que não... Calçí uns sapatos nôves e os marafados já me 'tão más é a fazer uma roedura aqui neste artelho. Vá lá que trusse tamém uns velhos aqui na minha mala e vô-me apr'vêtar a calçá-los.
- Ora p'ra qu' é essa parvidade de vires aí a andar com uns sapatos desses de mê-tacão... Tinhas alguma precisão disso? Agora ficas com uma roedura sem míngua nenhuma. Más isso é lá contigo...
- Ó homem, pensí que me dava agu-ento sem ter de calçar estes velhos que já nã têm aira nenhuma. Lá no parente Mira, q'ondo os comprí, d'zeram-me qu' eles eram tã macios...
E ali se f'cô um belo pôcachinho a palear e ê cá semp'e com o olho na estrada, a ver se passava algum carro que desse uma b'léazinha a gente. Más, àquela hora, nã par'ciam nem carros nem famila nenhuma.
Se fosse há q'ôrenta ó cinquenta anes ó más, vomecêas logo viam o correpio qu' era naquela estrada e nos caminhos que vinham dar a ela... Inda entes da estrela-d'alva dêxar de luzir, já lá ia tudo, uns com vacas, ôtres com pórques, ôtres com òvêlhas e cabras, e muntos sem nada, só p'a ir à fêra, méme o d'nhêrinho sendo pôco ó nenhum.
Os môces-pequenos com uma voltinha de carrocel ó uma faquinha s' acontentavam e os grandes, parte das vezes, nã compravam nada, ó vá lá, um coisinho de polvo assado ó de torrão d' alicante.
Os destõs qu' inda tinham f'cado dumas dúizas d' ovos, dum cravanito ó duns coelhos vendidos lá p'ra baxo p' ô Algarve, tinham que servir p'a comprar um alguidar p'a amassar o pão, umas p'lenganitas de barro, uma panela de ferro ó um tacho d' arame, uma trempe ó um triângulo, uma cafetêra de' esmalte ó um bacio, e por 'í diente...
Assim sendo, nã se teve ôt' remed'o senã fazer-se o resto do caminho a pé. Tamém l'es digo uma coisa: nã é nada do ôt' mundo... Aquilo, das Bicas a Marmelete, é coisa p'a pôco mái de mêa-hora, se tanto. E fêto inda p'a fresquinha, nem se dá p'r ela.
De manêras que, foi-se quái os pr'mêros a chigar a Marmelete. S' ê sabesse disso, tinha ido más era só à hora da missa, p'a nã 'tar ali uma preção de tempo à espera qu' o resto da famila s' arresolvessem a vir, qu' isto uma fêra só com os tendêros nã tem jêto nenhum.
A minha Maria inda p' ali andô a bispar aquilo tudo, qu', ô fim de contas, era coisa bem pôca. Umas três barrecas de tachos e panelas, trapos e b'gigangas, e más uns três chapés-de-sol, da banda de lá da estrada, com umas coisécas inda menes.
Ê cá, atão, assentí-me lá numa cadêrinha, na desplanada do café, e mandí vir uma cervejalha pequena, que me dé vergonha de 'tar ali assentado e nã fazer despesa. Beber um calcesinho dela, sòzinho e com o calor que 'tava, tamém béque-me nã me calhava.
Pôs, só passado um belo pôco, é que dí em ver chigar famila e o mê compd'e Jôquim mái-la c'mad'e C'stóida só par'ceram à hora da missa e foi o Zé Manel qu' os foi levar, inda com olhos pisc's e todo desgadelhado. Lá adonde ele passô a nôte nã sê, mái que vinha naquele estado, marelo e nem os olhos quái que dava abrido, isso vinha...
- Atã, Zé Manel, anda cá aqui que vens na minha. Queres uma cervejinha ó o quem?
Sem tampôco sair do carro, responde-me com uma voz munto cavernosa e mê a abanar a cabeça:
- Ó ti Refóias, agora nã pode ser nada. Vô-me a casa despachar e lá p' à tarde logo parêço aí... Até logo...
- Dés t' acompanhe...
Ora foi-se a casa despachar... Ele foi foi dromir um pôco, que nã havera de ter pregado olho désna da bésp'ra.
E a agora dêxe-l'es aqui o retrato do Parente Antóino Mortal, jogado a tocar o sê fole. Pr'a mim, foi a parte mái ad'v'rtida da fêra e ê logo l'es conto a seguir c'm' é que tudo se passô.
Atã, 'té mái logo e passem tôdes munto bem.
mommm té qé enfim um blogue com uma linguagem cuma pessoa percebe.. um blogue de alagarvie serrenhe... ai mã como e cá fiquei alvoriada com iste , felicissima meme.
ResponderEliminarsaudinha da boa pra ameceas... e continuem la co estrafegue
muitas felicidades
Parente
ResponderEliminarUma vez disse-le, que não l'escapava uma (Festanças e Remarias, tá bem de se ver) e é mémo verdadinha..., más esta até se comprende, é pós sés lades.
Ultemamente esta gente destranbulha tude, até es datas das Fêras, pôs se bem'alembra esta fêra era dequestume ser a 7 de Setembre, más assim, o fim de somana sempre têm más freguesia.
É cá tamém conhece esse home do fole, se nã tou inganado é o pai da Mari Álice e tem umas chumbadas na cara.
É cá nã fui à Fêra, fui ó artesanate à vila e à nôte à Arrifana, à tasca do Gonçalo quemer uma mariscadazeca com um amigue porrêre.
Na vila tive pôque tempe, qu'aquile era uma grande soalhêra, más o qu'aprecii más forem as vergas do Zé Ílido e os retalheques da Mari Juila Nobre.
Passe bem, qu'iste já vai inde pó tardeco e amanhã é ôtre dia...
OCampaniço
Minha bela amiga do "."
ResponderEliminarCom esta é que mecêa me dêxô empeçado. Tenho c'stume de tratar a famila p'r o nome, agora parêce-me vomecêa só com um "."... Só se l'e ch'mar Hélia, se ser quem tira os retratos dos sês blogs.
Pôs olhe, tamém ê cá apanho munto bem a fala aí da su terra, Silves, que sã nossos v'zinhos. E inda l'e digo más: 'tô abismado c'm' é que há tanta famila daí a escrever tanta coisa p' à internet e tudo tã bem fêto.
Dés l'e pague p'r ter par'cido p'r 'quí.
Amigo Campaniço
ResponderEliminarFez mecêa munto bem em ir à Artechique, qu' ê tamém lá fui. E dg'-l'e já que nã teve má gosto nos artesãs... Sã os dôs uns belos artistas, cada qual na su arte. Nã sê se repairô no casquêro qu' o mest'e Zé Ilido leva na cabeça qu' é fêto de verga...
Mái, escute lá uma coisa. Vomecêa nã há ninguém p'r cá que nã conheça?
O Parente Tóino de Mortal é méme quem o mê amigue pensa...
E nã sabe o que perdeu de nã ter ido à fêra de Marmelete. Aquilo foi até às tantas...
Pr' ô ano nã se desqueça qu' a fêra, agora, é ô D'mingo mái perto do dia sete. Qu' isto fêras a mê da semana, nã parêce lá ninguém...
Passe bem, amigo.
Ai Parente,
ResponderEliminarNem sabe como eu gosto de vir aqui matar saudades desses lugares da minha infância.
Pois quando eu era moça pequena, também andavam comigo na escola da Rua Nova uns mocitos e mocitas do Forno Velho, das Vinhas, da Boa-Vista...
Tambéw me lembro de fazerem a estrada para Marmelete e da Fonte das Bicas. Lá bebi algumas vezes.
E de tocadores de fole, nem me diga nada. Eu tive um tio que tocava, quando era moço novo. Agora está "maduro" e já não toca. Mora ali para a Meia_Viana, mas já não corre a foguetes.
Nunca as mãos lhe doam, de me ir dando notícias e fotos do meu Algarve. Nosso Senhor o guarde, a si, à Sua Maria e os "moços pequenos" também.
Ainda não faz uma semana que regressei dessas bandas, e já o coração enche-se de saudades com as suas descrições dos lugares por ondei levei os meus olhos a passear, descobrindo novos encantos e revendo a beleza que tantas saudades enraizou no meu coração.
ResponderEliminarFinalmente conheci a Fonte dos Passarinhos, além do interior do Convento, que, como era de prever, se encontra em estado deplorável, pedindo auxílio urgente, antes que seja tarde demais para que possa ser reabilitado. Há que sensibilizar para a preservação desta riqueza que é de todos nós!
A caminho do Marmelete, segui a indicação para Vale de Figueiras, para conhecer o local de onde advém o apelido da minha família, mas para meu espanto fui dar à estrada da Foia, e acabei por não o encontrar. Terei seguido por algum caminho errado?
Logo se seguiu outra frustração, pois já k estava ali, tentei ir conhecer a sua povoação, no entanto vi-me obrigada a desistir pelas péssimas condições do caminho :(
De resto, movida pela minha eterna curiosidade, descobri locais preciosos, como a Fonte Santa da Fornalha, o Museu Regional de Lagos, e revivi óptimos momentos em piqueniques no Barranco dos Pisões, ou observando o nascer do Sol lá do alto da Foia.
E, claro, aumentei largamente o meu acervo fotográfico em todas estas ocasiões.
É uma alegria "revê-lo", e ler as suas historietas.
Não queria ter-me alongado tanto, peço-lhe desculpa.
Beijos da sua admiradora.
Minha bela amiga Anamargens
ResponderEliminarFico munto sast’fêto d’a ver assim tã contente de s’ alembrar destas coisas.
Ê cá gostava qu’ elas nunca fossem desquecidas dum todo. Mái vão ser...
E olhe, aqueles meçalhos lá do Forno Velho, hoje em dia, sã tudo famila com uma bela idade e nã 'tá p’r lá nenhum.
Desse tempo, só já lá 'tà este parente do fole, que já passa dos oitenta.
Se me qu’ser d’zer o nome do sê tio tocador de fole, quem sabe lá s' ê nã no conheço…
E nã sê se sabe que, D’mingo que vem, vai-se dar um encontro de tocadores de fole em Monchique.
Fico à espera qu’ um dia me diga que vêo fazer uma v’sita a estes sitos.
Dés l'e pague as coisas bonitas que me tem dito.
Minha bela menina Ana Pinto
ResponderEliminarSeja munto bem par’cida.
Nem vomecêa calcula as sôidades qu’ ê tinha de ler uma conversinha das suas!...
P’r o que me diz, passô umas férias do melhor. Inda bem que viu essas coisas todas e gostô delas.
Olhe qu’ é em mecêa e nôtres com’ à si qu’ ê me fio p’a nã dêxarem morrer os nossos c’stumes dum todo. Nunca se desqueça disso. E q’ondo t’ver meçalhos, conte-l’es estas coisas d’ ôtres tempos.
Com respêto ô Vale F’guêras, se virô na Portela do Vale e foi dar à estrada da Fóia, passô méme lá – é mái ó menes a mê caminho - mái, calhando nã dé p’r isso qu’ aquilo nã tem assim casas juntas. É uma aqui ôtra ali.
Más olhe que f’quí abismado c’m’ é que mecêa, morando em Lisboa, dé com a Fonte Santa da Fornalha… Aquilo fica p’ra lá d’ adonde o diabo perdé a mãe…
Agora, falta-l’e ir tamém à Fonte Santa da Malhada Quente, s’ inda nã foi. Essa tem estrada até lá ô pé.
Só inda l’e digo que ‘tá de parabéns e ê f’quí mái contente que nem uma pega sem rabo de vomecêa me contar essas coisas todas.
Escreva semp’e tudo o que qu’rer e q’onto mái melhor.
Tenha munta saúde e tudo o que faça empenho.
Dés l'e pague.
atão desculpe esqueci.me de bradar por mim mas vomecea descobrime
ResponderEliminarpor isse so mesmo é . a hélia...
a mara fada
atão saudinha da boa ... que ca vou ler mais um pedacinhe da sua escrita.