29 agosto 2006

O Tear da Parenta Mari' Nunes na Fatacil

Tear tradicional - Monchique

A parenta Mari' Nunes tem um tear, em castanho do tempo antigo, a foncionar do melhor.

A parenta Mari' Nunes, qu' a gente tamém alomêa p'r Mari' Perpét'a, tem este tear tã antigo, tã antigo, que nã se sabe os anes qu' ele tem. É de castanho, foi fêto sabe-se lá p'r quem, mái inda fonciona lindamente.

E ela tem cá uma queda pr' àquilo qu' até dá gosto vê-la trabalhar. Desembaraçada até mái não, tomara muntas moças novas...

Qu' as moças novas, agora, nem tampôco sabem o qu' é que é um tear destes q'onto más trabalhar com ele... Nã 'tô a d'zer qu' elas nã sabem muntíssimo mái qu' os velhos com-m' ê cá, mái, destas coisas antigas nã conhêcem nada.

Pôs esta parenta, adonde haja uma fêra qu' a Câmbra de Monchique s' apresente, quái sempre, 'tá lá a mostrar, p'a quem quer ver e gosta destas coisas, c'm' é que se fazia certas rôpas nôt'es tempes.

Foi o que se deu, inda ontordia, na Fatacil de Lagoa. Passí lá, más a minha Maria e os mês amigues lá de cimba do Porto, o Jôquinito e a m'lher, a Rosinha, qu' eles 't'veram p'r cá uns dias com a gente. E, se de manhã, iam semp'e à praia lá p'ra baxo p' ô Algarve, ô fim da tarde, quái tôdes dias, carregavam com a gente p'a qualquer banda.

E atão, nessa nôte que se foi à Fatacil, adonde é qu' a gente haver d' ir aparar logo?... Foi méme na frente do tear.

A m'lher desata a olhar p' à gente, béque-me assim estranha, ê cá falí-l'e:

- 'Teja com Dés, parenta...

E ela assentada no tear, a olhar assim munto p' à gente. Nisto, alevanta-se:

- Venham com Dés. Mái atão, nã nos 'tava a conhecer munto bem... Isto, com estas luzes todas aqui à roda e o barulho da aparelhaja, uma pessoa até fica encandeada.

- É assim, tal e qual. Tamém a gente os dôs, só q'ondo chigamos aqui bem ô pé, é que vimos qu' era vomecêa.

E, aí, lá 't'vemos a deslindar quem se era e quem se nã era, falô-se das nossas gèraçõs todas e aquilo foi uma festa.

Ô fim, tive que l'e falar tam'em no tear:

- Atã, ist' é coisa que mecêa já herdô dos sês avozes... Calhando, já tem p'ra cimba duns cem anos ó coisa assim?...

- Olhe, parente, ô certo, ô certo, nã l'e sê d'zer. Mái qu' isto é munto antigo, 'teja certo que é. Semp'e o conheci na minha famila e já assim velho...

- Eh'q, pôs isto, esta madêra é de...

- É castanho, sa senhora! Isto é uma madêra que nunca mái se gasta. A antiga!... Qu' a d' agora, nã aguenta nada.

- Pôs isso 'tá bom de ver. Até com a de calitro se dá o mémo... Tenho lá uma casa com uma trave a sigurar o telhado désna que foi fêta, vai p'ra mái de sassenta anos... E 'tá c'm' nova. Ôtres paus que pus lá, há menes de metade do tempo, já tive qu' os tirar e pôr vigotas de cimento qu' eles 'tavam tôdes podres, veja lá...

- É c'm' l'e digo. Ist' o castanho, chega a um ponto que parêce que 'tá estragado, mái bate-se-l'e ali com uma coisa qualquer, um martelo ó um ferro, e 'té se ôve t'nir. Drento, a madêra 'tá semp'e cerne.

- E o peso qu' ela tem...

- Olhe, até se usa a d'zer qu' aquilo vai dêtando o que s' estraga cá p'ra fora e, p' drento, fica rija tal e qual...

- Atã, e estas coisas aqui? Tem linho... e tudo o que faz falta p'ô tratar...

- Isso mémo... Olhe, rocas é q'ontas quêra, a carda 'tá ali, aqui já 'tá a estôpa fêta... Além já 'tá uma meada de fio. E, p'a quem qu'ser comprar um tapete, 'tã ali uma preção deles acabados.

- E bonitos qu' eles são... De todas as cores e fêtios...

Tratamento do linho - Monchique

'Tã a ver c'm' se tratav' ô linho, nôtres tempos?...

Tapetes de linho - Monchique

E que tal acham estes tapetes qu' a parenta Mari' Nunes faz no sê tear de castanho?...

E a conversa nunca mái tinha fim. Qu' a gente 'tava-se tôdes a tram'lear de gosto e nem se dava p'r o tempo passar. Mái teve-se qu' ir ver o resto da fêra qu' aquilo é muntíss'mo grande.

Só me dá que pensar é que, numa coisa tã emportante, nem das dez partes s' apr'vêta uma. As ôtras nove é só de bodegas p'a impingirem a qualquer um.

S' um homem se descuda e vai nisso, q'ondo mal s' aprecata, 'tá com um colchão à costas, daqueles que fazem tudo e mái alguma coisa - qu' ê nã m' acradito que façam - e custam p'ra cimba dum d'nhêrão. Béque-me ôvi p'a lá falar em muntos centos de contos...

Só s' ê cá 't'vesse emparvecido... E quem diz um colchão diz um moitão d' ôtras coisas qu' eles p'a lá apregoam. Aquilo é pior qu' as fêras d' antigamente com a banha da cobra...

Agora artesanato méme c'm' deve de ser, isso vi lá pôco, em consoante ô tamanho da fêra, já se vê. Ele havia p'r lá umas coisecas, mái 'tava tudo munto estramalhado... Olhem, nã liguem à minha conversa, qu' ê pôco sê o que digo, mái, se fosse ê cá a fazer, punha o artesanato todo junto e, o resto, só ia p'a lá quem qu'sesse...

A ôt'a parte qu' ê tamém dô semp'e munto valor é a do gado. Olhe que tinham lá uma coisa do melhor que pode ser e a haver. E já nã falo dos cavalos, qu' isso é animal que nã cabe nas posses de famila com-m' ê cá, mái gado, mòrmente vacum, era de se l'e tirar o chapéu.

Mái o que mái gostí foi deste burrinho. Se nã fosse cá p'r coisas, inda comprava um coisalho destes p'a dar companha ô mê Jericó. Ó, melhor qu' isso, só se l'e comprasse a burra p'a se cruzar com ele. Mái atão, nã pode ser...

Burros - Fatacil

O burro é um b'chinho qu' ê gosto semp'e munto. Sem ofensa, sã mái descretos que munto trôxa que p' aí anda...

E pronto. Hoje nã tenho tempo p'a más, qu' a minha Maria anda p' ali com uma dor num pé, já foi mandar benzer aquilo, mái nã l'e servi de nada, e, atão, tenho que ser ê cá a ir acrecentar a léveda por ela, qu' amanhã 'tá-se de cozedura, c'm' já l'es disse ontem.

Atão até qu' a gente se veja e munta saúde.

15 comentários:

  1. Bom Dia Parente!

    Esta parenta não me é desconhecida!...
    Muito trabalha ela!
    Já conhecia este tear, estes tapetes de retalhos são obras de arte...

    O Parente também é muito viajado... desta vez foi à Fatacil...Lagoa.
    Ainda bem que lá foi e tirou fotografias. Assim, este mundo virtual fica a conhecer a parenta Mari'Nunes.

    O burrinho é lindo!

    Melhoras para a sua Maria e que a cozedura seja bem feita ( parece-me que o cheirinho a pão chegou aqui). :):)

    ~*Um beijo*~

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  2. já me cheira a panito quente...
    Vim cá matar saudades da terra!
    A Su Maria já tá boa?- Desejo que sim.
    Ai o Parente, faz-me cada surpresa boa...

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  3. Ah, outra coisa, Parente - nã me leve a mal - mas ê vou copiar daqui estes burrinhos...bichinhos mais lindos!!!

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  4. Menina Rosmaninho
    Dés l'e pague os desejes de melhoras, más a minha Maria inda 'tá um coisinho empeçada.
    Tamém ela nã tem precisão d' andar munto l'gêra, nã me vá ela dêxar p'a trás...
    Olhe, o panito, inda assim, f'cô bem bom. Mái, p'a si, é c'm' o ôtro que diz: chêra melhor do qu' ô que sabe...
    Uma vez que calhe, gostava de l'e dar um p'a vomecêa provar.
    Dés l'e dê saúde.

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  5. Anamargens
    Já vejo que 'tá-se a dar o mémo com mecêa que com a Rosmaninho. Vai-l'o chêro, mái nã l'e toma o gosto...
    Mái dêxe lá qu', em qualquer ocasião, logo l'arranjo tamém um panito p'a si. Olhe, calhando, q'ondo a gente s' ajuntar com a m'çada toda qu' andô na escola da R' Nova.
    Com respêto ôs burrinhos, faça deles o que qu'rer, que, tanto o pequenalho com' à mãe, sã tamém algarvis c'm' à gente, sã de boa raça...
    Dés a ajude.

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  6. Pr'acase tamém conhece esse melher do tiar.
    A minha patroa que Dés tem, acostemava cortar trapinhes (ratalhes) e entregar ós sabades de morcado a umas pessoas de Lóle pra fazerem mantas. Aquela prequêra pesava que s'afartava, má nã aquecia nada no enverno. Nã sê su parente tamém usava isse na su casa. Hoje é deferente, serve d'enfeite e de capachas pa pôr no chã da casa.
    Passe bem e veja se nã anda tã afligido com a su melher.


    O Campaniço

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  7. É um gosto ler este lindo linguajar da Mad.
    Ainda por cima acompanhado de glossário.
    Lindo! Lindo! Lindo!!!!

    O dialecto mirandês é delicioso mas o monchiquense não lhe fica atrás.

    Parabens

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  8. Amigo Campaniço
    'Teja certo que tamém me dêtí debaxo dessa mantas muntas nôtes.
    Verdade se diga, aquilo pesava tant' ó tã pôco qu' uma pessoa acordava quái mái cansado qu' ô que se tinha dêtado...
    E, no enverno,calhando o tempo a 'tar frio, punhana!, era bater o quêxo até a gente s' alevantar...
    Passe munto bem.

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  9. Mê belo amigo Zé de Silves
    Seja munto bem par'cido e Dés l'e pague a bonita conversa que faz.
    Olhe que na su terra tamém usam a falar munta coisa com'à gente aqui, qu' isto somos v'zinhos bem chigados e um belo pedaço da serra pertence aí a Silves.
    Se quer que l'e diga, munto tenho ôvido falar do mirandês, mái inda nunca 'tive com ninguém falasse essa língua. Se sabesse adonde arrenjar um livro, comprav'-ô logo.
    Dés l'e dê saúde.

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  10. Atão, vezinho do corasson?
    Está tudo bem consigo? Vim espreitar (de novo) estas belezas e até os comentários são lindos... Já se fica à espera da próxima feira ou festa ou o que seja, um canto da serra, com esse seu "jeito de dizer" que afaga o espírito. Abç

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  11. As moças d'agora.... não é só de teares que não sabem....
    No outro dia ouvi uma de 18 anos perguntar à mãe o que era "isso" quando esta lhe tinha dito que determinada coisa estava em cima da "tábua de passar a ferro"!

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  12. Pronto, Bettips, já aqui tem a pr'mêra parte da fêra de Marmelete, de D'mingo passado.
    Recomendaçõs do Parente.

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  13. Minha bela amiga Alfazema
    Mecêas, aí nessa serra do Caldêrão tamém sã munto hab'lidosas, qu' ê cá sê munto bem...
    E tamém fazem tapetes d' emprêta e muitas coisas de baracinha.
    Olhe, com essa das it'quetas é que mecêa me charingô. Nã dô metido isso cá na cachimóina de manêra nenhuma...
    P'r casa de Cachopo, alembrí-me duma carrêra, qu' em Salir, l'e ch'mavam "a cachòpêra". É do sê tempo? Calhando, não.
    Passe bem.

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  14. Olhe qu' esta deste amigo anónimo 'tá munto bem caçada...
    Tem graça qu' ê tamém nã me dô munto bem com isso de passar a ferro...

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  15. Obrigada por mostrarem as paisagens e cultura de Portugal, estou muito orgulhosa.Gostaria de saber onde posso adquirir linho em fio para brincar com o meu tear, digo brincar porque me perco quando trabalho com ele,faço viagens sentada a tecer a minha cabeça está muito distante.Beijinhos e abraços Joana Bessa - mjgcbessa@gmail.com

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