27 setembro 2007

Caminho de Santiago - A Cruz dos Franceses

A Cruz dos Franceses
A Cruz dos Franceses tem mái que se l'e diga. Foi im 1809 qu' a famila da Labruja l'e fez a parte...

- Pôs olhe, mê belo amigo, à abalada de Ponte de Lima - uma terra do mái bonito que possa ser - 'tava bem longe de fazer um calc'o do caminho qu' ia panhar p'r a frente... P'a chigar à Cruz dos Franceses, atão, nã l'e digo nada...

Isto 'tava ê cá d'zendo ô Martinho do Almarjão, uma tarde qu' a gente p' ali s' incontrô e se f'cô no palêo, ê cá incostado ô tróço duma sobrêra inda mê chamuscada dos fôg's e ele assantado num marco que 'tá logo ali à rés, na estrema com a fazenda qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco herdô do pai dele - o parente Manel, que Dés o tenha.

É qu' isto, agora, nã há cã nem gato - sem ofensa p' ô Martinho - que, assim que me vê, nã 'teja logo a me puxar p'a língua p'a l' ê contar c'm' é qu' a tal viaja correu. E c'm' ê cá tamém nã m' emporto nada de falar no assunto, parte das vezes, junta-se a fome à vontade de c'mer e vá conversa...

Pôs, nessa dita tarde, mal a gente dé por ela, ajuntô-se tamém, todo limpêro,o Joanito do Forno - qu' inda é nosso parente - e o mê compadre Jôquim que, p'r mode, andava ali nos cantêros dele e, tã penas lombrigô famila ali a conversar, assim desandô p' ô pé da gente que nem uma seta.

E meté-se, logo, na conversa. O homem péla-se p'r ôvir contar históiras... Parêce um moço-pequeno. S' uma pessoa qu'rer, até inventa o que l'e dar na cabeça, impurra-l'e com um mintirão ó dôs e ele acradita im tudo...

Capela de Nossa Senhora das Neves
Da Capela da Senhora das Neves p'ra riba é que são elas... É melhor aparar e tomar fôl'go...

- Mái o qu' é que mecêa 'tava p' aí a d'zer dos franceses? Atã mecêa nã me tinha dito qu' aquilo era só andar im Portugal e Espanha?... Veja lá se tem medo de contar as coisas todas c'm' elas são...

- E foi só im Portugal e na Galiza, sa senhora... O qu' ê 'tava a d'zer era...

- Na Galiza?!... Atã é Espanha ó é Galiza?...

- Ó compad'e, Galiza é uma parte da Espanha. Eles até béque-me nã gostam lá munto dos espanhós lá mái do sul e até falam quái c'm' à gente, mái pertencem à Espanha. É assim mái ó menes c'm' à gente aqui, que 'tamos desquecidos cá no mê da serra e tamém se fala um coisinho d'f'rente da famila lá do Algarve.

- Atã isso sã os tales que sã uns moiros de trabalho?

- Moiros trabalho?... Atã, que jêto?

- Atã mecêa é qu' anda semp'e aí a d'zer que trabalha que nem um galego e já nã tem idade p'ra isso...

- Ah, homem marafado!... Nã l'e passa nenhuma... Pôs, calhando, aquilo há-de ser famila dada ô trabalho... D'zer a verdade, lá p'r donde passí, vi-os jogados a trabalhar im forte lá nas fazendas deles. Mái do que isso nã l'e sê d'zer...

- Atã e, ô fim de resto, o qu' era isso dos franceses que vomecêa 'tava p' aí a contar?...

- Olhe, ê 'tava a falar era da Cruz dos Franceses...

A Labruja
Méme no mê da serra, lá 'tá o sito da Labruja. Tem uma igreja que nem muntas cidades...

- Alguns franceses que levavam uma cruz às costas até Santiago, 'tá bom de ver...

- Nã senhora!... Cale-se lá um pôcachinho que já fica a saber...

- Atã, o compad'e Refóias, ontordia, nã me disse qu' eles tamém vinham de França fazer esse tal Caminho até Santiago?... Disse-me.

- Pôs disse. Más isso é ôtra coisa. Isso é o Caminho Francês - qu' ê cá, uma ocasião que tenha jêto, tamém quero exp'r'mentar a andá-lo - más esse tem mái que se l'e diga que sã aí uns oit'centos quilómetros, perto ó certo...

- Mái diga lá dos franceses...

- Uma pessoa, abalando de Ponte de Lima, desata a andar, p'r uns caminhos malinos, d'rêto a uma serra, qu' ê cá nunca tinha ôvido falar - a Labruja - e, nã tarda nada, aquilo é de ladêra acima e bem de ladêra acima...

- Inda te gabo o gosto d' andares metido numas coisas dessas... Se queres assubir cerros, vai ali à Fóia e volta logo... - Diz o parente Joanito do Forno.

E o Martinho do Almarjão, conhecido p'r o Pata-Rasa p'r mode ter os pés chatos:

- Dêxa lá o homem da mão. Atã s' ele gosta...

- Vai-se prê acima, prê acima - há sitos adonde vi alguns irem ôs quatro... - até que se dá com essa tal Cruz dos Franceses.

- E que jêto esse nome?...

A Labruja
C'm' é qu' os soldados do Napoleão passaram aqui tôd's, senhor?!...

Ora aí é qu' é preciso a gente puxar p'r a cabeça. Nã t' alembras de q'ondo se andava na quarta classe, a senhora pr'f'ssora - a minha prima Margarida - falar lá numas invasõs qu' os franceses fazeram p'a ver se davam conquistado Portugal?

- Era um rê ch'mado Napoleão, nã era? Nunca mái me desqueci disso. Já tive um cão que l'e pus esse nome. Agora tenho uma canita, chama-se Penusga.

- Essas guerras foram do tempo de Napoleão, tens r'zão, más ele nã era rê e nunca chigô a pôr cá os pés. Mandô foi os comandantes lá da tropa dele.

- Ah, é verdade, p'r três vezes mandô cá um dif'rente e nunca deram fêto farinha com a gente... C'm' é qu' eles se chamavam, senhor?... Ê cá sabia isso, más, agora, falta-me aqui os nomes deles...

Diz logo o Joanito, munto limpêro:

- Junot, Soult e Masséna!... Nunca mái de desqueci...

- Pôs, olha, foi méme esse Soult que teve que fugir à pressa do Porto - 'tá quái a fazer os duzentos anos - com o resto dos soldados qu' inda tinha e abalar caminho da Galiza, passando p'r a dita v'reda qu' ê cá tamém passí serra acima.

- E raspô-se a tempo e horas?

- Ele raspô-se... e más os soldados qu' inda 'tavam im boas condiçõs...

- Atã e os ôtros?

- Os ôtros, pobrezinhos, os qu' iam coxos c'm' ê cá ó cansados, esses, na subida da Serra da Labruja, des que s' atrasaram p'a lá um coisinho e t'veram pôca sorte.

- Perderam-se dos da frente, calhando...

- Munto pior!... A famila lá da Labruja, qu' eram foitos e nã nos podiam ver, esconderam-se tôd's no mê daquele mato, q'ondo eles vêm a passar coxo-pé, coxo-pé, saltam-l'e im cima, deram-l'e uma untura, arrebentaram com eles tôd's...

- E o Soult nã voltô p'a trás à prègunta deles?

- Que jêto?!... Atã ele já ia escorraçado do Porto, com o rabinho entremêo das pernas... Ele qu'ria era atravessar depressa p' ô lado de lá, entes que l' acontecesse mái alguma desgraça...

- Isso é que foi uma parte bem fêta...

A Labruja
P'a se chigar lá im riba, o caminho é embargôso c'm' um raça. Quái a pique, estrêto e chê de pedras...

-E, inda hoje, lá 'tá a Cruz a lembrar qualquer um que lá passe. É a tal Cruz dos Franceses.

- Atã, e, já agora, o qu' é quer d'zer aquelas pedrinhas todas im cimba da cruz e ôtras no chão? Aquilo é cada soldado qu' os da Labruja mataram, uma pedra?...

- Nã senhora, aquilo é ôtra coisa. Aquilo é o pessoal que vai a andar c'm' ê cá fui e vai ali sòzinho, já bem munto escalfado, com soidades da su Maria ó do sê Manel e, um s'pôr, apetêce-l'e a descansar um coisinho, apr'vêta, apara um pôcachinho, précura p'r uma pedrinha e põe ali.

- Olha que bela idéa...

- E dêxa ali uma marca...

A conversa inda durô mái um belo pôco, mái c'm' ê cá nã tenho tempo p'ra más, que hoje é dia d' abalar p' ô Vinte Nove e inda tenho munto governo p'a fazer, fic'-me p'r 'qui.

Qu'rendem ver mái alguns retratos, acalquem aqui na Galeria de Santiago, ó nos Videos do Parente:

E fiquem-se com Dés.

25 setembro 2007

Lonjuras de Monchique

Ventura - Electrodomésticos
Em tendo preciso duma tel'fonia ou coisa assim, é aqui que vô-me à prècura dela.

Tenho p' ali uma tel'visanita que, nã sê o qu' é que l'e deu, desatô a dar riscos a torto e a d'rêto, aquilo, agora, já quái que nã se lá visto lá nada. E, nã cudem, s' um homem se descuda a olhar munto de seguida p' àquilo, até faz uma pessoa f'car almareada...

De manêras que, cá p'r mim, nã me fazia grande d'f'rença, qu' ê o que vejo lá e nã vejo é as notiças e, méme assim, já 'tô bem munto dêxado disso que, d' entes, inda as que s' apr'vêtavam era as daquele posto da RTP1, e, agora já nem essas têm p'r onde se l'e pegue. É só desastres e facadas e bola e coisas inda piores.

Agora p' à minha Maria, isso é que 'tá um caso sério... Nã há dia denhum qu' ela nã clame que quer ver isto e más aquilo e nã dá visto nada de jêto. Nã é qu' a culpa seja toda da tel'visão, qu' ela tamém tem bem munta falta de vista e nunca mái se resolve a ir ô dôtor.

E, atão, p'a dar pontos e ver tel'visão vá de pôr os mês óculos qu' ê cá já tenho há que tempos - sê cá se nã haverá uns dez ó doze anos, p'ra más que p'ra menes... - e, aquilo, sabe-se lá s' a agraduação é lá à medida dela ó não.

Mái, p'a nã na ôvir más, ontordia, abalí caminho da Vila, nã l'e disse ô que ia e pensí cá p'ra mim:

- Dêxa 'tar que, s' ele haver p' ali alguma coisa que sirva, um aparelho assim que nã seja munto p' ô grande e o preço mái ó menes im conta, faço negóiço e, q'ondo ela mal s' aprecata, têm-a lá im casa no lugar da ôtra...

E assim fiz.

Distância entre sítios da Serra de Monchique
Com uma coisa destas, uma pessoa sabe semp'e o tempo que vai levar no caminho...

E adonde é qu' ê havera d' ir logo. À do Mest'e Antóino Vintura.

À uma, qu' ê cá vinha do lado de cimba e adonde cheguí pr'mêro foi ali ô Alto da Praça e assim dí de frente com a casa dele. Despôs, qu' o homem é mê conhecido e amigo e sê munto bem que posso lidar desafrontadamente com ele qu' ele nã é pessoa p'a me vender artigo ruim.

De modes que, lá leví de conversa um belo pôco, q'ondo nisto, vejo ali um papel im cimba do balcão, pus-me a olhar p'ra ele, era, béque-me, tant' ô núm're que, logo, inda pensí qu' aquilo saria uma tabuada.

Mái c'm', hoje im dia, isso já nã se usa, qu' os moces-pequenes, inda bem nã abrem os olhos, já têm tudo q'onto é preciso p'a l'e fazerem as contas e nunca chegam tampôco a aprender q'onto é que são dôs e dôs, estranhí aquilo.

E nã tenho nada im ter f'cado assim um coisinho insampado a olhar p' àquilo com cara de parvo, já qu' o homem parô a conversa que 'tava a ter, volta-se p'ra mim e diz:

- Mê belo amigo Refóias, nã me diga que nã 'tá a ver bem o qu' isso é?!...

- Pôs nã 'tô, nã senhora... Nã me diga qu' isto é uma tabuada p' ôs môces, agora, fazerem as contas?... Isto 'tá tudo mudado, nã m' admirava nada...

- Qual o quem!... Atã lêa lá aqui.

E apontô com o dedo p'a debaxo daquela fragoneta que 'tá ali com uma tel'visão pindurada num gancho.

Rádio antigo
Isto panhava pôcos pôstos, mái inda é um aparelho bonito ô bem fêto...

Ê cá nã tinha levado os óc'los p'r mode a minha Maria ter f'cado im casa com eles a dar uns pontinhos - béque-me a chulear uma camisa do domingo qu' ê p' a lá tenho e já 'tá a f'car um coisinho puída ali nalgumas partes. E, atão, nã dava lido aquilo lá munto bem.

- Olhe, amigo Vintura, dexplique-me lá vomecêa o que 'tá aí a d'zer qu' a minha vista nã alcança a ler isso bem...

- Atã, olhe. Isto é um mapa com os sitos mái conhecidos cá de Monchique e as distâncias duns p' ôs ôtros...

- Ai sim?!... Atã um homem, olhando aí a esse papel, sabe a lonjura daqui até um sito qualquer aí do concelho?

- É isso mémo. Quer ver? Olhe daqui da Vila até além à Malhada Quente são... dêxa cá ver, dêxa cá ver... são sete quilómetros. Nã vê aqui?...

- Nã alcanço. Isso, os números sã munto piquenalhos p' às minhas vistas...

- Trazesse os óculos... Ó sará que mecêa é c'm' ôtres que vêem aqui e nã sabem ver isto? Olhe qu' ele há muntos que olhar pr' aqui e olhar p' a um lagar d' azête é a méma coisa...

- Atã agora, diga-me lá, daqui até à Refóias?...

- À Refóias, à Refóias... Isso nã 'tá aqui... Só 'tão aqui os sitos más emportantes.

- Olha que essa!... Atã, a Refóias nã tem emportâinça?!... S' ele é isso, dig'-l' ê cá: São bem umas três léguas. Garantidas. Isto, indo por incurtadoiros. S'a gente ir semp'e p'r a estrada, há-de ser inda más.

- Nã digo que não. Mái, nã vê, aquilo p'a se chigar lá é uns trabalhos... Caminho ruim e subir e decer cerros más impinados qu' ê sê cá...

- Ó homem, aquilo, p'a quem o tenha, já se dá chigado lá de carro!... A questã é que vá lá p'r o caminho da Foz dos Barrancos. Desce lá ô Chico Costa prêabaxo, aquilo é um 'stantinho...

- Mái dêxemos lá isso... Nã quer ver aqui uns rádios antigos qu' ê tenho aqui?...

- Atã, nã havera de qu'rer... Most'e lá isso, home...

Rádio antigo
Esta tel'fonia aqui já panhava munta coisa, mái quem nã t'vesse elecsidade nã l'e servia de nada...

E, aí, o homem apresenta-se-me com duas tel'fonias, alto lá com elas!... Antigas, calhando mái velhas do qu' ê cá, e bonitas qu' elas eram...

- Isto, foi coisas qu' ê comprí im troca d' ôtres aparelhos. A famila já nã qu'riam isto p'ra nada e ê f'quí com elas.

- Punhana!... Mecêa, amigo Tóino, até era caso p'a, um dia, pensar im pôr aqui isso à amostra, p'a quem qu'sesse vir ver...

- Ah, fazer assim uma espéce dum museu...

- Sa senhora... Uma coisa dessas. Olhe que nem a minha Maria, p'a ôvir o romance do Tide, nunca teve uma coisa destas assim tã fina...

- Pôs, isto era aparelhos qu' as casas assim mái ricas de Monchique é que tinham. Os ôtros, ó nã tinham nenhum ó, atão, compravam uma coisinha assim más im conta... Más a más, que, no campo, nem elecsidade havia. Era tudo a pilhas...

- Pôs era. O qu' a minha Maria ôvia o romance era mái piquenalho - nem das quatro partes, uma, desses... - e cada carregamento de pilhas custava-me só ê cá sê q'onto. Levavam-me o coiro e o cabelo, mê belo amigo...

- Ôtres tempes, ôtres tempes...

- Olhe lá, vomecêa havera de me dêxar era levar um coisinho destes das lonjuras duns sitos p' ôs ôtres...

- Atã, isso sabe-se que dêxo... Eles 'tã aí é p' ô freguês levar...

- Sabe pr' ô quem? É p'a fazer a parte lá o mê compad'e Jôquim do Barranco. Dig'-l'e qu' isto é a tal tabuada qu' ele há-de f'car lá um belo pôco a ramoer até deslindar a coisa...

- Nã faça uma judêría dessas ô homem...

- Ai nã faço... Atã ele tamém me 'tá semp'e a zucrinar as orelhas... Ê já l'e dô. E há-de ser logo esta tarde...

E f'cô-se p'r 'lí. Nesta conversa, 'tá bom de ver. Qu' o negóiço da tel'visão vêo a seguir.

Até um destes dias.

18 setembro 2007

Caminho de Santiago - O B'landrau do Dôtor Duarte

Confraternizando em Barcelinhos
Logo, com esta farpela, inda cudí qu' o home era padre...

Logo no pr'mêro sito adonde a gente dromiu - Vilarinho - tã penas joguí p'a lá umas chapadas d' água p' ô corpo e vestí uma rôpinha inxuta qu' a minha Maria me tinha mandado drento da m'chila, abalo d'rêto àquelas senhoras da Ordem de Malta a ver s' elas m' arrenjavam um reméd'o - fosse ele qual fosse - p' às dores qu' ê cá levava p'r tod' ô lado.

Nisto, dô com uma pessoa vestida duma tal manêra que me espertô a atenção. Tinha um b'landrau, ó opa ó lá c'm' mecêas l'e quêram ch'mar, que l'e chigavam bem do bescoço até ôs pés, e umas sandalinhas tamém ô consoante.

Digo p'ra mim:

- Olha, calhando, vai haver missa. Padre já temos...

Mái, despôs, olhando melhor, vejo qu' essa pessoa tamém tinha abalado do Porto a pé, com a gente. Aquilo era o pr'mêro dia, inda nã se conhecíamos uns ôs ôtros, a coisa f'cô p'r 'lí. Mái, d'zer a verdade, missa nã hôve.

Tamém l'es digo que bem me dé cobiça de l'e tirar logo um retrato, mái tive um coisinho de vergonha. Ir tirar um retrato ô padre, assim sem mái nem menes, sem o conhecer nem nada... 'Tá bem que via-se logo qu' aquilo havera de ser pessoa de dar boa lidação, más, isto, o respêtinho é munto bonito e tem-se que se ter conta com o que se faz.

De manêras que, a coisa passô-se.

No dia a seguir, empeçado c'm' ê cá ia que mal aguentava os sapatos nos pés, tod' ô dia nã pensí no caso nem tive ocasião de falar com a dita pessoa. E vá lá qu' assim foi, senã inda tinha p'a lá arrenjado a bonita. Calhando, ia ch'mar padre ô homem...

Confraternizando em Barcelinhos
Nã é padre, nã senhora. Mái digam lá se qualquer um nã se podia atribuir c'm' ê cá...

Más, ô chigar a Barcelinhos e fazer lá os preparos p'a passar a noite, dá-se o méme caso da béspra. Ôtra vez a méma pessoa com o tal b'landrau, semp'e munto sast'fêto a falar com este e com aquele, c'm' se nã t'vesse panhado escalfa nenhuma de mái de sês léguas.

Aí, jã nã me contive. Vô-me d'rêto a uma m'lherzinha que 'tava ali perto, toda escadraçada c'm' ê cá, que só impava, e prècur'-le:

- Nã ôve, vomecêa, calhando, sabe-me d'zer uma coisa...

- Pôs diga lá, a ver s' ê sê...

- Aquele senhor que 'tá além ô canto, com aquele b'landrau marelo...

- Com o quem?!...

- Aquela opa, uma espéce de vestido d' alto a baxo...

- Ah, já tô a ver...

- Aquilo sará padre e... vem com a gente p'a d'zer a missa?

- Padre?!... Nã senhora!... O homem nã é padre... Aquilo é o Dôtor Duarte, um homem que sabe munto cá do Caminho de Santiago... Até escrevé um livro e tudo...

- Essa!... E ê cá a cudar qu' o homem era padre. Olha s' ê calho a falar com ele sem l'e prècurar nada a si... Inda l'e ch'mava padre. Ah, isso é certo e sabido... E ele havera de me ch'mar parvo, que tinha r'zão p'ra isso.

- 'Teja descansado que nã ch'mava. Ele é uma pessoa do melhor que pode ser e haver, e munto dado à mangação. Nã vê que tem semp'e aquela carinha de riso e uma palavra p'a qualquer um... Ê cá já vim fazer o Caminho três vezes e tenho-o visto p'r cá nos ôtros anos já umas belas vezes.

Confraternizando em Valença
Logo p' aí no quarto dia, o Dr. Duarte até fez anos e tudo...

- Inda bem qu' assim é... Atã, m't'ôbrigado, qu' ê vô-me já além ver se tiro um retrato ó dôs.

- Vá, sa senhora, qu' ê, atão, vô-me incostar pr' aqui até eles ch'marem p' ô decomer...

E lá fui.

Tirí assim um retrato inda ô longe, c'm' quem nã quer a coisa, a ver o que se dava. E pus-me a olhar p' a tod' ô lado, c'm' se 't'vesse à pregunta d' ôtra coisa que valesse a pena p'a um retrato. Mái, calem-se aí!... Aquilo até foi bem caçado...

O homem, que 'tava lá adiante, vem mái p' ô pé de mim, põe-se ali méme a jêto, e vá de fazer adés p' a ê cá l'e tirar retratos q'ontos qu'sesse. E ê tirí... Nã no veêm ali todo bem posto?...

E nã é que, passados dôs dias, o dôtor Duarte fazia anos... Foi na noite que se f'cô im Valença, pôs fois... Fazeram-l'e uma festa com bolo d' anos e cantaram os parabéns e tudo. Mái, pôco sorte a minha, 'tava a fazer o tratamento aqui ô mê joelho, q'ondo lá chiguí já nã dí tirado retratos nenhuns que prestassem, qu' aquilo já 'tava no fim.

Mái o Dôtor Duarte nã s' há-de apequentar com-migo lá p'r mode isso - já basta a pàxão qu' ê cá tive - e aqui l'e mando muntas rec'mendaçõs e Dés l'e pague ter sido tã porrêro com-migo nesta ocasião e nôtras que teve sempre uma conversa jêtosa p'a me fazer.

Agora s' ê calho a l'e ch'mar padre... Tal era essa, han?!.. E isso nã me sai cá da cachimóina...

E, hoje, p'r 'qui me fico. Foi só p'a alembrar o Dôtor Duarte e o sê b'landrau.

Ele já hôve p'r 'í quem me t'vesse dito, calhando, com r'zão, - e em sendo a menina Ana Pinto a me d'zer é quái c'm' uma escritura - qu' ê cá podia fazer um blog à parte p'a estas coisas do Caminho de Santiago, mái béque-me nã me dá munto jêto p'r mode o tempo qu' isso leva e atão, tenham lá pacência, mái, p'r enq'onto, vai méme aqui.

Passem todos munto bem e até que Dés quêra.

14 setembro 2007

Caminho de Santiago - A Pedra Furada

A Pedra Furada
A caminho de Barcelos, passa-se num sito qu' é a Pedra Furada...

Ontordia, contí a parte da Pedra Furada ô mê compad'e Jôquim do Barranco, andava a gente a ver p' ali umas Ol'vêras dele, das galegas - e, d'zer a verdade, elas nã 'tavam assim munto mal de zêtonas, precisavam era que chovesse uma gotinha d' água p'a elas engradarem.

Pôs, o marafado foi pr'a casa e contô-a à m'lher - a c'mad'e C'stóida. Ela, p'a nã s' inganar, falô nisso à minha Maria. Ora, a minha Maria, f'cô logo de rabo alçado com-migo p'r mode ê nã l'e ter falado já no caso a ela.

Des qu' ê cá, lá p'r fora, conto a minha vida, de fio a pavio, sem tirar nem pôr, e cá im casa, com ela, nã aibro pio. E, despôs, é logo desconfiada que nem o diacho e vá d' em-maginar, sê cá o quem, a mê respêto...

- O qu' é que se taria passado lá nesse tal sito da Pedra Furada p'a tu nã me d'zeres nada?... Ô compad'e Jôquim, sabeste tu contar logo tudo, más a mim nã me d'zeste nada...

- Ó m'lher, isso foi qu' inda nã tive ocasião. Aquilo dé-se tanta coisa, tanta coisa, naquelas dias tôd's que p'r lá andí, que nem im toda a vida e mái sês meses ê dô contado tudo... Umas que nã há tempo que chegue e ôtras qu' ê, tamém, nã m' alembro de tudo, assim de mimento.

- Más essa delas passarem lá p'r o buraco da pedra, béque-me, tem más que se l'e diga...

- Nã senhora!... Aquilo é uma coisa ingraçada que p'a lá uns inventaram, com respêto às m'lheres que serem capazes d' infiar p'r o buraco da pedra e passarem p' ô lado de lá.

- Atã, conta-me lá isso bem qu' ê cá quero saber c'm' é qu' a coisa foi... E nã dêxes nada p'a trás!...

A Pedra Furada
Tal acham esta hab'lidade? Inda é preciso ter coraja...

- Ó m'lher, aquilo nã tem nada de mal. É só uma brincadêra. Mái p'a fazer galhofa que ôtra coisa...

- Nã sê lá munto bem...

- Atã, nã vês, lá num certo sito adonde a gente passa, puseram um gradessíss'm' ô baloiso com um buraco na parte de cima. Uma coisa assim com uma largura que, mái ó menes, dê p'a passar os ombros e os quartos duma pessoa, méme que pertados.

- Atã, e se uma ser assim mái forte e nã dar passado as nalgas?...

- Nã se meta lá... 'Tá bom de ver... Más a más qu' aquilo tamém é preciso ter uma certa ginásquita...

- E as m'lheres vai tudo lá?...

- Olha, as qu' ê cá vi, foram todas. Cheguí lá, d'zer a verdade, já bem munto impeçado - com a molhadura inda im mê secar e os pés já nã os sintia - e, atão, apr'vêtí p'a sossegar um coisinho.

- E as qu' iam contigo?...

- Ó Maria, com-migo nã ia denhuma... Ê chigava, quái sempre, à últ'ma. Atã já nã t' alembras c'm' ê cá levava a perna?!...

- Ê sê cá se tu ias coxo ó s' aquilo era conversa tua... P'a veres tudo o que se passava com elas, já nã ias coxo, não!...

- Lá 'tás tu... Ia, sim!... Isto é tã puro c'm' à luz que nos alumêa!... Q'ondo lá chiguí, já elas 'tavam fêtinhas p' à brincadêra da pedra... Aquilo foi um 'stante, desataram todas a infiar p'r um lado e sair p'r o ôtro...

- Mái que raio de brincadêra é essa?...

A Pedra Furada
Méme cansadas e sabendo c'm' às coisas são, nã há nenhuma que nã se meta lá...

- Olha, ê prècurí lá o perquem das m'lheres fazerem aquilo e a r'posta que me deram foi que aquela pedra conhêce lá umas certas coisas a respêto de qualquer m'lher. Sabe s' a m'lher já foi... - c'm' é qu' ê cá t' hê-de d'zer isto... - se já teve... se anda sovada d' algum homem... Comprendes?...

- Ah, s'inda é virge ó não...

- Isso mémo!... E, calhando a ser, narce-l'e um môce-pequeno logo a seguir. É c'm' à pedra dá a intender a condição da m'lher que lá passa.

- E se nã ser?...

- Aí, nã narce môce-pequeno nenhum... Qu' é o que se dá com todas as que fazem a exp'r'mentação. P'r o jêto, inda nã hôve a pr'mêra que t'vesse tido esse tal môce-pequeno, logo ali...

- Atã, isso, é uma vergonha p' às que nã sã casadas... Ah, ê cá, se fosse soltêra, lá é que nã me metia... Nem pensar!...

- Nã te metias agora... Passavas lá tal e qual c'm' às ôtras...

- Que jêto?!... E s' a pedra s' inganasse?!... Tal era a rabana qu' ê panhava!... Nã, nã... Ê cã, im nova, nã ia nisso, nã cudes...

- P'a qu' é tu seres assim com'chosa dessa manêra? Aquilo é tudo p'a levar na ratoiça, Maria. Nã quêras crer nessa coisas...

- Atã, e com respêto ôs homens... tamém fazem alguma coisa?

A Pedra Furada
Há quem nã l'e custe nada fazer tal serviço...

- Qu' ê cá saiba, nã l'es pertence fazer nada, mái, se passarem lá, que mal é que l'es pode fazer?...

- Ora, essa dita pedra tamém podia d'zer quasequer coisa a respêto de vocêas...

- Beh!... O qu' é qu' ela podia d'zer, mom?!...

- Ora... Ê nã digo que tenho vergonha, mái, calhando, f'cava-se a saber munto. D’ alguns...

- Vê lá p' aí bem isso, olha qu' ê tamém exp'r'mentí a meter lá a galga...

- E a pedra nã falô?

- Pôs não... O qu' é qu' ela havera de d'zer?...

- Ora aí 'tá!... S' ela nã falô, alguma coisa t' incontrô. Boa nã foi ela...

- Nã, m'lher... Ê só m' assomí lá p'r o buraco, mái nã foi p'r nada. E, entes, disse logo que fazia aquilo im lugar da minha Maria. De manêras que, se nã se passô nada, foi com respêto a ti...

- Olá!...

- Sim... E, inda tem más ôtra. Ê, despôs, só passí dum lado p' ô ôtro p'r mode uma coisa. É que já tinha os braços da banda da frente e, de manêra nenhuma, os dava posto, ôtra vez, p'a trás...

- Munto gostava ê cá de ser uma mosquinha e ter lá 'tado p'a ver bem isso tudo munto bem visto...

- Olha, com a galhofa qu' elas p'a lá fazeram, foi uma barrigada de rir. Nã foi nem mái nem menes a nã ser isso... Pronto, já f'caste a saber.

A Pedra Furada
E tamém há os que gostam de charolar um pôcachinho...

E foi tal e qual desta manêra qu' as coisas se passaram.

O pior 'tava p'a vir a seguir. Com a paraja, arrefecé-se. E p'a s' andar o resto do caminho até Barcelinhos - e inda faltavam bem umas duas léguas, p'ra más do que p'ra menes - foi uns trabalhos... Mái, até ô intardecer, dé tempo p'ra tudo.

E, agora, se qu'rerem ver os videos todos dos retratos qu' ê cá tirí no Caminho de Santiago e nôtros sitos, acalquem aí:

E até qu' a gente se veja.

10 setembro 2007

O Museu de Arte Sacra de Monchique

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra
Nã percam d' ir ver o Museu d' Arte Sacra de Monchique, qu' aquilo tem que se diga...

'Tava ê cá bem longe d' abalar Caminho de Santiago - pôs, se nã 'tô atribuído, foi inda a mêo de S. João... - passo, uma manhão, lá à roda da Igreja Matriz, dô com a porta de baxo, aquela voltada ô lado da Picota, aberta e um rèclame apontando lá p'a drento.

Aquilo béque-me d'zia que, quem qu'sesse ver umas imajas de santos e coisas assim, podia antrar. Ora, 'tá bom de ver qu' ê cá dé-me logo cobiça d' ir bispar o qu' é qu' eles p'a lá tinham e, d'zer a verdade, inda dí assim uma arrencada d'rêto à porta.

Mái, nesse dia, 'tava um coisinho apertado com o serviço e susti-me. Pensí:

- Olha, dêxa lá isso p'a ôtro dia qu' hoje tens pôco vagar. E, p'ra más, estas coisas nã querem pressa p'a ser vistas...

E, antão, abalí, fui lá ô mê governo, e, inq'onto ch'guí a casa e nã cheguí, alembrí-me de convindar o mê compad'e Jôquim que, calhando, ele tamém havera de gostar de ver aquilo. E foi o que fiz.

Más, o homem, foi uns trabalhos p' ô dar fêto ir nisso. Des que tinha o governo munto impeçado, umas bejoarias p'a regar, um fêjão p'a cavar, umas batatas empérias p'a arrencar, que nã podiam f'car mái tempo na terra senã inda l'e dava o mal, ê sê cá...

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra

- Ó c'pad'e Jôquim, nã me diga nã pode tirar aí um pôcachinho só p' à gente ir ver aquilo...

- Nã posso!... Isto, agora nesta altura, nã há tempo que dê p'ra nada... Atã mecêa nã sabe?!...

- Ó mê belo amigo, se 'tá assim tã pertado, inda sô homem p'a l'e dar aí uma ajudada à arrencar as batatas e carregá-las p'a casa... Nã tem aí duas canastras? Se nã tem ê trago uma das minhas...

- Nã é nada disso. Canastras tenho ê cá com fartura... Nã nas vê ali?...

- Atã, 'tá bem. Amanhã de manhã, arrenca-se-l'e aí as batatas qu' a gente dar e, despôs, uma manhã, vai-se lá à Igreja ver aquilo...

- Vomecêa 'tá semp'e com essas invençõs... E a graça qu' isso há-de ter...

Aí, c'm' vi qu' ele já 'tava a dobrar, nã l'e disse mái nada, nã fosse inda l'e dar alguma gavierra e nã qu'rer méme ir. De manêras que, na quinta-fêra a seguir, nem um nem ôtre se tinha água de partilhas, lá se foi caminho da Vila.

Logo no Largo dos Ch'rõs, pusemos-se a olhar um pr' ô ôtro c'm' quem diz:

- Atã nã se bebe nada?!...

Dig'-l' ê cá:

- Vai-se méme ali ô café, ó quem?...

- Eh'q, isto, nôtro tempo, ia-se ali à do Antradas - que já a casa dêtaram abaxo... - ele tinha ali da boa. Agora, só já há aqui estes cafés, quer um homem b'ber um calcesinho dela, só já têm da ingarrafada, qu' aquilo, parte das vezes, é uma peste...

- É a que é... Nã vê qu' eles puseram isto duma manêra que nem a famila pode ter lá nada à venda que nã seja ingarrafado e com aqueles selos e tudo...

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra
Pr'o jêto, este livro servia p'a eles cantarem lá nos conventos e nas igrejas...

- Deram cabo dela, essa é que é essa!...

- Nã digo que nã tenha r'zão. Tem, sa senhora. Mái inda há p'r 'í uma ó ôtra que se bebe. Désna qu' a gente nã se descuide munto, nã faz grande mal à cabeça...

E lá se foi molhar o bico. Com o mê compad'e Jôquim do Barranco semp'e a matinar naquilo d' eles nã dêxarem vender aguardente da boa, c'm' nôtros tempos, sem precisar cá de ser ingarrafada.

Aquilo, tamém, passô-se depressa qu', im menes de nada, já se 'tava lá à porta de trás da Igreja. Digo p' ô mê compadre:

- Bom, atão, vamos, lá a ver isto. Mái veja lá o qu' é que faz pr' aí... Olhe que nã se pode mexer im nada... e mecêa, d' ora im q'onto, descuda-se um coisinho com as manitas...

- Ó compad'e Refóias, tal 'tá essa conversa, han?... 'Té quái que me parêce mal vomecêa me d'zer isso...

- Nã l'e parêça, compadre, nã l'e parêça... Isto é só uma conversa... Venha lá daí qu' a menina já 'tá ali a olhar p' à gente...

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra

Vai-se p'a antrar, a mecinha que lá 'tava, por acaso munto bem falante, volta-se p' ôs dôs e pede um ero a cada um. O mê compad'e Jôquim do Barranco, fònica c'm' aquilo é, f'cô logo todo alvoraçado. Más ê cá, entes qu' ele alevantasse voz, volto-me p' à rapariga e digo logo munto depressa:

- Ai, 'tá bem, é verdade que já me tinham dito que tem que se pagar um ero.

Mintira, qu' ê nem se me passava tal coisa p'r a cabeça... Mái disse logo aquilo p'a ele nã se pôr p' ali a ramocar com a mecinha. E nã f'quí por 'lí:

- Pôs, e 'tá certo, qu' isto tudo custa d'nhêro...

Ora ele, méme a frever, mái p'a nã f'car mal visto e vendo qu' ê cá já tinha pagado os dôs b'lhetes, fez-se forte:

- 'Tá claro... Mecêa tamém tem que ganhar alguma coisinha, nã é verdade minha linda menina?...

- Ó senhor Jôquim, este d'nhêro nã é p'ra mim...

- Ah, fado dum ladrão!... Nã me diga que 'tá aqui a perder o sê tempo e...

Aí, atalhí logo, nã fosse ele d'zer p' ali alguma parvoêra das dele...:

- Quem paga à senhora há-de ser a Junta, compadre. Dêxe lá isso da mão e vamos más é ver isto aqui tudo munto bem visto...

O homem p' ali amansô e lá se foi, tôd's dôs, olhando, cá à nossa manêra, p' àqueles santos que ali 'tão. Eles, verdade se diga, nã sã assim muntos, más é o que há e, p'r o jêto, sã de munto valor. E fazem alembrar a gente de coisas que já hôveram cá im Monchique e agora já nã há.

Nã vêem a Santa Brízida?... Tinha uma ermida d' adonde aquela imaja vêo. O Santo André, a méma coisa. O S. Pedro, igual... Isto p'a nã falar do tempo que há que já foram fêtas.

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra

Olhem, os mái nôvos, vã caminho dos duzentos anos, más os mái velhos já sã d' há três e quatro séc'los p'a trás. Assim c'm' ô S. Paulo, esse já vai caminho dos quinhentos anos... Qu' é lá isso, home?!...

E sabem d' adonde é que vêo esta Nossa Senhora?...

Nem más nem menes. Vê do Convento. Sa senhora, do Convento de Nossa Senhora do Desterro. Más ela, atão, chama-se Nossa Senhora do Paraíso.

Agora o mê compadre ingraçô foi com o livro da música. Pr'mêro, des qu' aquilo era um missal, qu' era p' ôs padres d'zerem missa.

Más ê vi logo qu' aquilo tinha ali música, contradií-o:

- Compad'e Jôquim, olhe qu' isso nã há-de ser bem assim c'm' vomecêa diz. Calhando, isso era más é p' ôs homens cantarem...

- Só-se!... Com uma grossura destas... E, más a más, qu' ê inda m' alembra do senhor Padre Espanhol, lá im Marmelete, usar um livro destes e d'zer a missa im latim, qu' a gente nã se panhava nada daquilo...

- Mái nã vê qu' isto aqui tem estes coisinhos, parêce umas caganitas, e, p'a quem sabe, isto é música. Olhe que é...

- Atã lêa lá aí, qu' ê nã vejo caganitas nenhumas...

O homem tem já munta falta de vista nem lombrigava ali nada... E ê cá tamém tenho, mái tinha trazido os óculos de ver ó pé, aqui na alsebêra do colete, e lá me pus a ler.

- Pro-pin-qu-at... É menino, isto há-de ser latim, nã panho daqui nada...

- Atã, veja lá aí nessa coisinha de plástico que 'tá 'í p'r baxo...

- Ah, aqui 'tá bem... Aqui já 'tô a desenlear qualquer coisinha... Ora, li-vro de mu-si-ca de an-ti-phon ro-ma-num... Ó diacho, f'quí na méma...

Museu de Monchique - Núcleo de Arte Sacra

- F'cô mecêa, mái nã f'quí ê cá... Atã, nã vê méme que isso de Antifón Romanúm é o nome do padre qu' usava a d'zer missa com ele?... É mái que certo!...

- Beh!... Isto nã me chêra a nome de gente... Isto há-de ser pr' aí ôtra coisa... A gente, um dias destes, logo se tira temas aí com alguém que saiba...

- Que jêto não?!... Ê cá até sô homem p'a postar consigo. É o que mecêa quêra....

- Nã poste, que perde!... Olhe qu' ê, despôs, nã lhe perdôio...

- Ê é que nã l'e perdôio a si, que vomecêa é qu' há-de ter que puxar da nota... Olhe, fica já postado. Um franganito assado à do...

- 'Tá fêto!... No sito à escolha do que ganhar...

- Tamém 'tá bem. O que ganhar escolhe o lugar e o dec'mer... Pronto.

E assim f'cô a coisa. Más o homem, désna daí p' à frente, f'cô assim béque-me a cismar naquilo e já só d'zia era parvoêras. É que nã acertava uma p' à caxa...

Veja bem que, tã penas chigô ô pé da imaja do Santo André, olha-o munto bem d' alto a baxo, faz assim um ar d' admiração e salta com-migo:

- É compadre, este santo, o qu' é qu' ele p' ali tem na cabeça, senhor?!... Aquilo nã é béque-me uma crista?...

- Compad'e Jôquim, tenha p' aí tento na língua... Atã nã vê qu' isso é o Santo André?!... E aquilo é a c'rôa dele. Puseram-l'a assim, o qu' é que mecêa quer?...

- 'Tá bem, más olhe que nã conheço mái nenhum santo com aquilo assim na cabeça...

- Olhe, ê cá tamém nã sê que jêto a c'rôa dele ser assim e a dos ôtros redonda... Mái p'r alguma r'zão sará...

- M't' ôbrigado!... Isso tamém ê sê... Se l'a puseram assim, algum jêto há-de ter...

- Olhe lá, compad'e Jôquim, vamos más é andando qu' isto 'tá visto e vomecêa já 'tá pr' aí todo desàstinado... Nã l'e parêce?...

- Que bem que me calhô...

- Atã vá, vamos imbora. Fique-se com Dés, minha menina...

- Dés l'e dê saúde...

- Até qualquer dia. E, em querendem, venha ôtra vez e tragam as suas senhoras...

- 'Tá bem. Ê logo digo à minha Maria s' ela quer vir.

- Ê tamém digo à minha C'stóida, mái elas que venham as duas qu' a gente fica ali a beber uns porrêtes im qualquer banda, qu' isto 'tá visto e nã se vai gastar más um ero cada um...

O mê compad'e Jôquim do Barranco é assim, o qu' é que mecêas querem qu' ê l'e faça?... Ora gastar más um ero...

E, já agora, inda l'es digo que q'ondo ele saber que tem que me pagar a aposta é que vai ser bonito. O homem dá-l'e uma coisa...

Já fui saber o que era aquilo do Antiphon Romanum e des qu' é um livro de música. Tem lá partes das Escrituras e era p' àquela famila lá dos conventos e das igrejas, que sabiam canto gregoriano, cantarem à vontade.

E, agora, se qu'rerem ver os retratos todos, acalquem aqui na Galeria de Arta Sacra. Ó, atão, vejam o video, bem piquenalho, logo aí adiante:

E tenham tamém munta saúde, qu' um dia destes logo se conversa ôtra vez.

06 setembro 2007

Caminho de Santiago - Molhado que nem um pinto

Saída de Vilarinho sob chuva persistente
Im Vilarinho, desatô a chover às cinco da matina, teve-se qu' abalar debaxo de chuva...

- Ó c'pad' Refóias, mái conte-me lá bem essa d' abalarem tôd's debaxo de chuva lá d' adonde vomecêa disse, que já nem m' alembra bem o nome...

- Lá de Vilarinho?...

- Sa senhora, daquele sito adonde vomecêa 'tava ferrado a dromir e, p'r o jêto, acordô, de rompante, premode um grandessíss'm' ô aguacêro...

- Atã, nã vê, aquilo, o telhado era béque-me de lusalite ó lá o que era e o pav'lhão dum tal tamanho que dá p' ôs môces jogarem à bola lá drento... ora, o barulho da chuva intoava qu' até metia medo... Mái quem é que dava dromido, senhor?!...

- Eh'q, semp'e há quem nã l'e faça d'f'rença... A minha C'stóida nem que l'e passe o comboio ô pé da menza de cabecêra ela acorda...

- Lá 'tás tu!... E q'ondo tu te pões a roncar qu' até na rua se ôve?...

Saltô logo a minha c'madre, que 'tava p' ali a debelicar umas bajas p'a pôr ô fogo.

- Pôs ê cá - diz a minha Maria que tenho sono de pulga e tará r'zão - acordí logo e, tã penas me vê à idéa que tinha umas sês ó sete léguas p'a andar nesse dia, assim dí um salto da cama - cama é c'm' quem diz... do chão!... - e vô-me d'rêto à porta da rua olhar o astro.

- E que tal?

- Nã me diga nada... Entes, inda panhí um cagáiço que mecêa nem calcula...

- Nã me diga... Atã fez algum relampo e caíu algum p'rigo ali p' ô pé? Isso inda havera de ser de nôte...

Igreja e antigo Convento da Junqueira
Lá p' às bandas da Junquêra, inda ele nã tinha al'viado...

- Nã foi nada disso, hom... O que foi é qu' eles tinham posto lá um guarda durante a noite a gôrdar a porta e o homenzinho, p'r o jêto, dé-l'e sono, assantô-se numa cadêra e incostô a cabeça numa mensa que p' ali 'tava...

- E ferrô no sono...

- Tal e qual... Ora, ê cá, aquilo inda era lusco-fusco, nã dí p'r um balde - ó lá o que era - com papés que 'tava ali no mê do corredor, imbiquí naquilo, fiz um cagaçal marafado...

- E espatarrô-se no mê chão...

- Quãi qu' ia caindo uma mangulada, mái nã caí... Fui foi um coisinho de zambareta d'rêto à tal menza.

- Aí, o guarda acordô...

- Acordô... e alto lá com ele!... Dá um salto, todo insarampantado, e prega-me um eco qu' ê até estrameci:

- Qu' é isto aqui?!!!...

- Eh, amigo, 'pere aí... Nã tenha medo qu' ê nã l'e faço mal... Atão, dromiu aqui esta nôte? Nã arrenjô cama ali drento? - Disse-l'e ê cá fêto foito, cudando qu' ele tamém ia Caminho de Santiago c'm' os ôtros - Inda panha p' aí uma const'pação e nã dá seguido viaja...

- Qual viaja nem viaja... Ê sô o segurança aqui disto...

- Ai, coitadinho... E passa aqui as noites?...

- É o mê serviço...

De manêras que, lá se meté conversa e p' ali se paleô um belo pôco. Aquilo qu' a gente usa a falar nestas ocasiõs... Que 'tava de chuva, que nã calhava nada bem, que, calhando, 'tava sarrado p' ô dia todo... e más esta e más aquela...

Descendo para o Rio Este, a caminho de Arcos
Com Arcos à vista, 'tava tudo alagado, mái a chuva já era mái brandinha...

- Ô certo, ô certo, é que, inq'onto isso, ê cá fui ingrilando p' ô lado da rua e só me dava era com'chão na cabeça...

- 'Tava a desconfiar qu' o tempo l'e 'tava a fazer a parte...

- Olhe, compadre, o astro 'tava carregado até mái não, a chuva vinha além do lado da mãe, vento pôco, o qu' é qu' ê havera de pensar daquilo?...

- Ora, 'tava fêto p' ô dia...

- Pôs, atão... E foi o que se deu...

- E, méme assim, alevantaram-se e puseram-se a caminho?!... Já é preciso ter munta vontade de se molhar!...

- Que remédo, compad'e Jôquim... Mái tamém l'e digo: Inda pensí que lá os que mandavam naquilo d'zessem pr' à gente esperar um pôcachinho a ver s' ele al'viava...

- E eles nã foram nisso?...

- Alguma vez?!... Aquilo 'tava destinado à gente chigar tôd's dias a um certo lugar, que chovesse qu' aventasse, era abalar e... p' à frente é qu' é caminho...

- Ai home, ai home... isso pr'a mim béque-me nã dava... Um homem andar o dia intêro todo desconsolado, inxugar uma molha na lombêra e com as botas chêas d' áuga...

- Pôs foi o que m' acabedô naquele dia... À fim d' andar nem chigô a uma légua, já nã tinha fio inxuto e os sapatos 'té faziam chaloc-chaloc...

- Ai, compad'e Refóias, ê panhava logo uma catarrêra que nã sê c'm' é qu' isso seria... Ora molhar as costas e nã mudar logo de farpela...

- P'ra mim, o pior foi andar tod' ô dia com os pés molhados. Pensí que chigava ô mê destino sem pele nas palmas dos pés...

- E inda levava alguma?...

- A pele levava, mái borrefas nã l'e digo nem l'e conto... Era quái uma pegada désna dos dedos até ô calcanhar...

- Atão e c'm' é que dava andado no dia a seguir?...

- Sabe qual foi a minha sorte? Foi que 'tava lá aquelas senhoras da Ordem de Malta e, atão, furaram-me aquilo tudo, espremeram munto bem e, im cada empôla dêxavam uma linha p' àquilo ir dêtando aquela aguadilha p'ra fora.

- E nã l'e dava assim uns frenicoques de ver elas l'e tancharem a agulha?

No Albergue de Peregrinos de Rates
No Albergue de Rates, hôve quem pusesse uma rôpinha a secar. É qu' inda faltava fazer ôtro tanto caminho até Barcelinhos...

- Aquilo, chega a um certo ponto qu' a gente já nã s' emporta com nada, o qu' é que mecêa pensa?... Olhe, só com-migo, com mintira e tudo, tenho a firme certeza que, s' elas nã gastaram um carro de linhas intêro, nã foi nada...

- Tó, diacho, mái atão os sês pés haveram de par'cer umas peúgas de laina qu' ê cá tenho p' ali, qu' elas vã-se arrompendo e a minha C'stóida vai semp'e dando uns pontos...

- Tamém nã digo assim tanto... mái que foram bem alinhavados, lá isso foram...

- E o resto da famila andava tudo nisso?...

- Nem tôd's... Havia p'r lá uma mêa-dúiza deles, p'a nã d'zer más, que já tinham munta práct'ca daquilo e sabiam-se defender. Veja lá que, no sito adonde a gente adonde a gente c'mé quasequer coisinha, a mê do dia, eles até pediram p'a ligar lá um aquecedor e vá d' inxugarem a rôpa que levavam molhada... Foi no Albergue de Peregrinos de Rates.

- Bem fazeram eles...

- S' ê cá ir lá mái alguma vez, logo vê... Faço o mémo...

- Se ir, nã me convide qu' ê cá nã me dá jêto coisas dessas... Só s' a minha C'stóida tamém qu'rer ir...

- Isso qu'rias tu... P'a ê ter que te fazer tudo p'r o caminho...

- Ó c'madre C'stóida, s' ê fosse a si ia... Nã tenha medo qu' aquilo lá cada um é p'r si.

- Alguma vez?!... Nã vô, nã senhora...

- Bom, nã se fala mái no caso. Agora tenho qu' ir andando que tenho p' ali uma q'ontas pèzêras d' alcagóita p'a regar e, isto, os dias já sã mái pequenos, im menes de nada se faz noite. Fiquem-se com Dés.

- Vá com Dés compadre, mái, e despôs, logo conta isso tudo melhor à gente...

- 'Tá bem. Em havendo jêto, logo se conversa...

E, agora, se qu'rerem ver os videos todos dos retratos qu' ê cá tirí no Caminho de Santiago e nôtros sitos, acalquem aqui:

E fiquem-se tamém com Dés, mês belos amigos.

04 setembro 2007

Caminho de Santiago - A abalada do Porto

Abalada do Largo da Sé - Porto
À abalada do Porto, quem havera de pensar o que l'e esperava p'ro Caminho...

D'zer a verdade, à abalada do Porto, qualquer um, c'm' ê cá, que nã conhêça, nã faz uma idéa, pequena que seja, do que l'e espera p'ro caminho. E, atão, abala-se tôd's contentes e c'm' s' aquilo fosse ir daqui até ali ô Pé da Cruz...

Más a coisa tem mái que se l'e diga e ê dig'-l'e já: ó uma pessoa 'tá fêta a andar p'r caminhos ruins e uns belos pôcos ó atão é d' adregue dar chigado ô fim da viaja. E calhando a 'tar com alguma dor ó com um calo trilhado ó coisa assim, é tirar daí o sentido...

Pôs, naquele dia, logo bem de manhãzinha, abalí da casa do mê amigo Jôqu'nito - qu' ele até é que foi alcançar no carrinho dele - e foi-se caminho do Largo da Igreja da Sé do Porto, qu' era adonde eles tinham mandado ê cá 'tar aí das sete da manhã im diante.

E fiquem já sabendo que, dos qu' iam andar a pé, inda nã tinha par'cido nem um. Fui ê cá o pr'mêro. E aquilo fazia lá um navoêro que duma ponta à ôtra, nã se via nada. Logo, inda pensí:

- Mái atão que conversa é esta, hom?!... Querem lá ver qu' ê cá fiz p' aí confusão com o lugar da abalada e nã sará aqui?!... Lá serem eles a me fazerem a falseta, nã há-de ser...

Mái, nesse mê tempo, o Jôqu'nito já tinha lombrigado umas meçalhas todas bem vestidas com umas rôpas brancas e incarnadas, que par'cerem ali nã dê d' adonde, e ê cá prècuri-l'es logo, munto limpêro:

- 'Tejam com Dés, minhas meninas. Atã vomecêas nã me digam que tamém 'tã aqui p'a abalarem p'a Santiago?...

Na Rua de Cedofeita prê adiante - Porto
A Rua de Cedofeita 'tava quái toda p'r nossa conta...

- É verdade que 'tamos, mái a gente vai é dar uma ajudinha àqueles que terem precisão. Nã se vai fazer o Caminho a pé.

- Munto bem me calhô!... É qu' ê cá dí p' aí o nome p'a tamém ir, mái atão, inda nã abalí e já 'tô p' aqui coxo duma perna, com uma dor no incaxe do joelho...

- Nã me diga... Atã e vai abalar p'a Santiago assim num estado desses?!...

- Isto nã há-de ser nada... E se vomecêas me darem aqui uma esfrega aí com qualquer coisa - p'r mái que nã seja, com um coisinho d' álcol - isto vai ô lugar...

E nã hôve mái conversa. Calhando, as mecinhas até cudaram qu' ê cá 'tava mangando com elas e nã deram importâinça ô caso. E fazeram elas senã bem, senã inda se punham p' ali com coisas e quem sabe lá se me dêxavam abalar com o resto da matula.

De manêras que, passado um pôcachinho, lá se c'm'çô a ajuntar a famila toda e aquilo, lá p' à banda das dez da manhã, deram ordes d' abalada.

Nesse entrementes, já ê cá tinha corrido aquilo tudo duma ponta à ôtra e tirado p'r 'lí uns retratos e coisa e tal, q'ondo vejo uma seta amarela lá numa parede de pedra. Pensí logo:

- Cá está. É este o tal sinal que des que 'tá no Caminho todo até Santiago p' àqueles que nã sabem, c'm' ê cá, nã se perderem.

E nã 'tava atribuído, nã senhora. Pus-me ali ô pé - da banda de trás até se via já bem a Torre dos Clérigos, qu' o navoêro tinha alevantado - e vá um retrato p'a me f'car de lembrança.

Aráujo, ô pé do Caravalho Santo
Ô chigar a Araújo, até f'quí insampado com estas lindas senhoras a darem água e dec'mer à gente...

Inda o Jôqu'nito 'tava de máquina na mão e ê cá a dar aqui um jêtinho nos cabelos e a pôr o chapéu bem no lugar p'a ver se nã f'cava munto mal no retrato, desata aquela malta toda a andar ali prêabaxo que par'ciam uns cavalos - com l'cença da palavra - mal tive tempo de me despedir do Jôqu'nito e pôr-me quái a fugir atrás deles.

- Atã, Dés te pague e até a gente se ver...

- Adés, Refóias!... Vê lá se t' aguentas nas canoiras... Olha qu' isso agora era vergonha abalares e nã dares chigado lá... O qu' é qu', e depôs, d'zias aí à famila?...

- Logo se vê... logo se vê... Mái tamém te digo: só volto p'a trás s' a perna me cair... D' ôtra manêra, leva sentido que, nem que tenha d' ir às quatro patas, hê-de chigar lá...

E lá fui...

Ôtro dia, 'tava ê cá a contar esta passaja o mê compad'e Jôquim do Barranco e à minha c'madre C'stóida, volta-se ela p'ra mim, munto crusidosa:

- Ó compadre, méme assim, vomecêa a abalar p'a uma coisa dessas naquele estado, nã l'e dé assim um coisinho de cudados?... Atã e se t'vesse qu' arrèlar lá p'r aqueles charazes, o qu' era de si?!...

- Olhe, c'madre, ê, d' ora im q'onto, quái que me vinha isso à cabeça, mái tã penas m' alembrava de tal coisa, punha-me a sobiar e olhava p' ô céu... Fosse o que Dés qu'sesse...

- Ai, mê belo amigo, que medo!...

- E, p'ra más, ê tinha-me aprecatado muntís'mo de bem com tudo o qu' ê cá cudavam qu' ia ter míngua. Calhando, até coisas a más ê levava...

- Ah, sim?...

Mosteiró
No sito do almoço, já 'tava tudo mái p' ô cansado que otra coisa...

- Olhe, levava um chapéu d' aba bem larga - uma espéce d' abirum daqueles d' ôt's tempos - que nã passava ali nada. Que fosse sol que fosse chuva, tapava tudo.

- E más o quem?

- Uns sapatos de sola grossa p'a nã sintir o chão e nã escorregar im banda nenhuma. Um bordanito p'a m' incostar e m' ajudar a salvar qualquer barranco que t'vesse d' atravessar e p'r 'í adiante...

- E o bordanito, arrenjô lá?

- Nã senhora!... Atã nã o leví logo daqui?!... Fui ali a um sito qu' ê cá sê, cortí uma vardasca de castanho, dêxí-a secar munto bem sequinha ali à sombra, alisí-a, a mês modes, aqui com a minha faquinha e aquilo dé um bordão do melhor que possa ser e haver... E olhe que me fez munto bom jêto!...

- E fez mecêa munto bem... Qu' o castanho até des qu' é a melhor madêra que se pode arrenjar aqui na serra...

- Foi méme essa a r'zão qu' ê cá o escolhi. Logo, qu' é do melhor que há, e, despôs, p'a m' ir semp'e a alembrar de cá da Serra de Monchique. E inda l'e digo más: voltô aqui nas minhas manitas, qu' inda o tenho ali gôrdado p'r trás da porta c'm' lembrança p' à vida intêra...

Mái, voltando à nossa conversa, pus-me a andar coxe-pé, coxe-pé, atrás dos ôtr's, p'r aquelas ruas estrêtas do Porto - e impinadas c'm' o diacho - q'ondo chego à vista da Torre dos Clérigos, já ia afègar e a pensar na minha vida...

O que me valé foi qu' ele havia p' ali uma parte deles que nã podiam passar sem bober um cafèzinho e apararam logo ali numa venda, na Rua de Cedofeita, e toca a descansar um pôcachinho e tomar um coisinho de fôlgo. E aquilo até que me calhô bem...

Daí p'ra diante, é que foi só andar e cada qual p'r si.

A Cêa im Vilarinho
À cêa, era cá cada paneladão de sopa... E otros dec'meres bons...

Tamém, verdade se diga, aquilo nã foi coisa que demorasse assim tanto tempo c'mo isso, já lá 'tavam umas lindas senhoras do Corpo de Voluntários da Ordem de Malta, ali num jardinzinho, com umas cestadas de fruta, sumos e água qu' até dava gosto.

Eram as tales qu' ê cá já falí ontordia, que foram do prencípio até ô fim semp'e prontas p'a ajudar quem t'vesse míngua fosse do que fosse. Nã me canso de d'zer que foi a melhor coisa que me par'cé naquele Caminho!...

De manêras que, lá me demorí só o tempo que tive preciso e fui andando p'a ver se nã chigava munto atrasado ô sito adonde se 'tava combinados p' ô almoço: Mosteiró.

Ê cá bem que andava c'm' dava, mái atão os ôtros andava tudo mái do que eu... Foram passando, foram passando... calculo que se nã fui o último a chigar lá, só se vinha algum inda mái p'a trás que nem dí p'r ele...

Nã foi más... Parte deles já tinham batido o alm'cinho, uns já tinham abalado p' ô resto do caminho do dia e ôtr's p' ali 'tavam espaldêrados, cada qual p'r sê canto. E tamém havia p'r lá uns três ó quatro - p'a d'zer más... - tôd's desmastreados que nem coraja béque-me já tinham p'a se jogarem a andar ôtra vez...

Agora q'ondo aquelas senhoras me vêem chigar lá a arrojar a perna, de cara afogueada e todo incharcado im suôr, nem mecêas dã fêto idéa do que se passô...

- Mái atã o qu' é que l'e aconteceu?!... - D'zia uma, coitinha, assim d' olhos munto abertos, quái de certeza pensando que haveram de ter me dêxar p'r o caminho...

- Nã foi nada, nã foi nada... Isto, ê já vinhe assim de casa, mái nã se mort'fique que, s' ê cá chigar a um ponto que nã dêa andado más, fico p' aí num lugar quasequer e logo alguém me vem b'scar...

Qu' ê cá, atão, já tinha combinado com o mê amigo Jôqu'nito que, calhando a ê f'car p'r o caminho, ele ia-me lá alcançar no carrinho dele...

- Ai, venha cá... Temos que fazer aí um tratamento c'm' deve de ser ó, atão, vai ser um problema... S' inda agora andô uma manhã e já 'tá nisso, c'm' é que mecêa quer dar chigado a Santiago?!...

- Dêxe lá... Seja o que Dés qu'ser!...

Preparos p'a dromir
E, p'r menes à larga, dromia-se...

De manêras que, nã l'es digo nada, aquela senhora e as ôtras que lá 'tavam foram umas santas que me par'ceram na frente. Quái que nã tive tempo p'a almoçar nesse dia, mái o mê joelhinho f'cô tratado c'm' deve de ser.

Ele foi pomadas, massajas, ginástica, ê sê cá... E, ô fim, levô ali um implastro e uma ligadura à roda, qu' ê até par'cia um jogador desses da bola...

E lá abalí a caminho de Vilarinho qu' era adonde a gente ia cear e dromir lá num armazém daqueles adonde os môços-pequenos da escola fazem ginástica. E olhem qu' inda assim nã se ficô lá munto mal...

Aí, as senhoras fazeram lá um paneladão de sopa e ôtros dec'meres, tudo munto bem fêto e gostoso, que foi c'mer até mái não.

E, tirando o chão ser duro c'm' um raça, a famila de lá ter levado a noite toda a tiçar foguetes ô S. Bento, p'a já nã falar duns três ó quatro amigos que roncavam que nem o pórco do mê compad'e Jôquim, o Trombão, e, às cinco da manhã, ter desatado a chover que só parô da parte da tarde, aquilo, inda assim passô-se a noite escapatòiramente...

Se qu'rerem ver os videos todos dos retratos qu' ê cá tirí no Caminho, acalquem aqui na Galeria do YouTube, mái, se qu'rerem ver os retratos com ôtras condiçõs, acalquem aqui na Galeria de Santiago, que semp'e sã um coisinho melhores...


Querendem, vejam aqui os retratos qu' ê cá tirí dos Monumentos do Caminho

E Dés l'e dê saúde.