27 setembro 2007

Caminho de Santiago - A Cruz dos Franceses

A Cruz dos Franceses
A Cruz dos Franceses tem mái que se l'e diga. Foi im 1809 qu' a famila da Labruja l'e fez a parte...

- Pôs olhe, mê belo amigo, à abalada de Ponte de Lima - uma terra do mái bonito que possa ser - 'tava bem longe de fazer um calc'o do caminho qu' ia panhar p'r a frente... P'a chigar à Cruz dos Franceses, atão, nã l'e digo nada...

Isto 'tava ê cá d'zendo ô Martinho do Almarjão, uma tarde qu' a gente p' ali s' incontrô e se f'cô no palêo, ê cá incostado ô tróço duma sobrêra inda mê chamuscada dos fôg's e ele assantado num marco que 'tá logo ali à rés, na estrema com a fazenda qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco herdô do pai dele - o parente Manel, que Dés o tenha.

É qu' isto, agora, nã há cã nem gato - sem ofensa p' ô Martinho - que, assim que me vê, nã 'teja logo a me puxar p'a língua p'a l' ê contar c'm' é qu' a tal viaja correu. E c'm' ê cá tamém nã m' emporto nada de falar no assunto, parte das vezes, junta-se a fome à vontade de c'mer e vá conversa...

Pôs, nessa dita tarde, mal a gente dé por ela, ajuntô-se tamém, todo limpêro,o Joanito do Forno - qu' inda é nosso parente - e o mê compadre Jôquim que, p'r mode, andava ali nos cantêros dele e, tã penas lombrigô famila ali a conversar, assim desandô p' ô pé da gente que nem uma seta.

E meté-se, logo, na conversa. O homem péla-se p'r ôvir contar históiras... Parêce um moço-pequeno. S' uma pessoa qu'rer, até inventa o que l'e dar na cabeça, impurra-l'e com um mintirão ó dôs e ele acradita im tudo...

Capela de Nossa Senhora das Neves
Da Capela da Senhora das Neves p'ra riba é que são elas... É melhor aparar e tomar fôl'go...

- Mái o qu' é que mecêa 'tava p' aí a d'zer dos franceses? Atã mecêa nã me tinha dito qu' aquilo era só andar im Portugal e Espanha?... Veja lá se tem medo de contar as coisas todas c'm' elas são...

- E foi só im Portugal e na Galiza, sa senhora... O qu' ê 'tava a d'zer era...

- Na Galiza?!... Atã é Espanha ó é Galiza?...

- Ó compad'e, Galiza é uma parte da Espanha. Eles até béque-me nã gostam lá munto dos espanhós lá mái do sul e até falam quái c'm' à gente, mái pertencem à Espanha. É assim mái ó menes c'm' à gente aqui, que 'tamos desquecidos cá no mê da serra e tamém se fala um coisinho d'f'rente da famila lá do Algarve.

- Atã isso sã os tales que sã uns moiros de trabalho?

- Moiros trabalho?... Atã, que jêto?

- Atã mecêa é qu' anda semp'e aí a d'zer que trabalha que nem um galego e já nã tem idade p'ra isso...

- Ah, homem marafado!... Nã l'e passa nenhuma... Pôs, calhando, aquilo há-de ser famila dada ô trabalho... D'zer a verdade, lá p'r donde passí, vi-os jogados a trabalhar im forte lá nas fazendas deles. Mái do que isso nã l'e sê d'zer...

- Atã e, ô fim de resto, o qu' era isso dos franceses que vomecêa 'tava p' aí a contar?...

- Olhe, ê 'tava a falar era da Cruz dos Franceses...

A Labruja
Méme no mê da serra, lá 'tá o sito da Labruja. Tem uma igreja que nem muntas cidades...

- Alguns franceses que levavam uma cruz às costas até Santiago, 'tá bom de ver...

- Nã senhora!... Cale-se lá um pôcachinho que já fica a saber...

- Atã, o compad'e Refóias, ontordia, nã me disse qu' eles tamém vinham de França fazer esse tal Caminho até Santiago?... Disse-me.

- Pôs disse. Más isso é ôtra coisa. Isso é o Caminho Francês - qu' ê cá, uma ocasião que tenha jêto, tamém quero exp'r'mentar a andá-lo - más esse tem mái que se l'e diga que sã aí uns oit'centos quilómetros, perto ó certo...

- Mái diga lá dos franceses...

- Uma pessoa, abalando de Ponte de Lima, desata a andar, p'r uns caminhos malinos, d'rêto a uma serra, qu' ê cá nunca tinha ôvido falar - a Labruja - e, nã tarda nada, aquilo é de ladêra acima e bem de ladêra acima...

- Inda te gabo o gosto d' andares metido numas coisas dessas... Se queres assubir cerros, vai ali à Fóia e volta logo... - Diz o parente Joanito do Forno.

E o Martinho do Almarjão, conhecido p'r o Pata-Rasa p'r mode ter os pés chatos:

- Dêxa lá o homem da mão. Atã s' ele gosta...

- Vai-se prê acima, prê acima - há sitos adonde vi alguns irem ôs quatro... - até que se dá com essa tal Cruz dos Franceses.

- E que jêto esse nome?...

A Labruja
C'm' é qu' os soldados do Napoleão passaram aqui tôd's, senhor?!...

Ora aí é qu' é preciso a gente puxar p'r a cabeça. Nã t' alembras de q'ondo se andava na quarta classe, a senhora pr'f'ssora - a minha prima Margarida - falar lá numas invasõs qu' os franceses fazeram p'a ver se davam conquistado Portugal?

- Era um rê ch'mado Napoleão, nã era? Nunca mái me desqueci disso. Já tive um cão que l'e pus esse nome. Agora tenho uma canita, chama-se Penusga.

- Essas guerras foram do tempo de Napoleão, tens r'zão, más ele nã era rê e nunca chigô a pôr cá os pés. Mandô foi os comandantes lá da tropa dele.

- Ah, é verdade, p'r três vezes mandô cá um dif'rente e nunca deram fêto farinha com a gente... C'm' é qu' eles se chamavam, senhor?... Ê cá sabia isso, más, agora, falta-me aqui os nomes deles...

Diz logo o Joanito, munto limpêro:

- Junot, Soult e Masséna!... Nunca mái de desqueci...

- Pôs, olha, foi méme esse Soult que teve que fugir à pressa do Porto - 'tá quái a fazer os duzentos anos - com o resto dos soldados qu' inda tinha e abalar caminho da Galiza, passando p'r a dita v'reda qu' ê cá tamém passí serra acima.

- E raspô-se a tempo e horas?

- Ele raspô-se... e más os soldados qu' inda 'tavam im boas condiçõs...

- Atã e os ôtros?

- Os ôtros, pobrezinhos, os qu' iam coxos c'm' ê cá ó cansados, esses, na subida da Serra da Labruja, des que s' atrasaram p'a lá um coisinho e t'veram pôca sorte.

- Perderam-se dos da frente, calhando...

- Munto pior!... A famila lá da Labruja, qu' eram foitos e nã nos podiam ver, esconderam-se tôd's no mê daquele mato, q'ondo eles vêm a passar coxo-pé, coxo-pé, saltam-l'e im cima, deram-l'e uma untura, arrebentaram com eles tôd's...

- E o Soult nã voltô p'a trás à prègunta deles?

- Que jêto?!... Atã ele já ia escorraçado do Porto, com o rabinho entremêo das pernas... Ele qu'ria era atravessar depressa p' ô lado de lá, entes que l' acontecesse mái alguma desgraça...

- Isso é que foi uma parte bem fêta...

A Labruja
P'a se chigar lá im riba, o caminho é embargôso c'm' um raça. Quái a pique, estrêto e chê de pedras...

-E, inda hoje, lá 'tá a Cruz a lembrar qualquer um que lá passe. É a tal Cruz dos Franceses.

- Atã, e, já agora, o qu' é quer d'zer aquelas pedrinhas todas im cimba da cruz e ôtras no chão? Aquilo é cada soldado qu' os da Labruja mataram, uma pedra?...

- Nã senhora, aquilo é ôtra coisa. Aquilo é o pessoal que vai a andar c'm' ê cá fui e vai ali sòzinho, já bem munto escalfado, com soidades da su Maria ó do sê Manel e, um s'pôr, apetêce-l'e a descansar um coisinho, apr'vêta, apara um pôcachinho, précura p'r uma pedrinha e põe ali.

- Olha que bela idéa...

- E dêxa ali uma marca...

A conversa inda durô mái um belo pôco, mái c'm' ê cá nã tenho tempo p'ra más, que hoje é dia d' abalar p' ô Vinte Nove e inda tenho munto governo p'a fazer, fic'-me p'r 'qui.

Qu'rendem ver mái alguns retratos, acalquem aqui na Galeria de Santiago, ó nos Videos do Parente:

E fiquem-se com Dés.

1 comentário:

  1. Olá!..
    A Labruja é terra maravilhosa.
    Fico feliz ao sentir que alguem se interessa
    pela divulgação da beleza paisagistica,cultural
    e monumentos desta bonita freguesia.
    Muito tem para divulgar criando o desejo de visitar.

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