18 setembro 2007

Caminho de Santiago - O B'landrau do Dôtor Duarte

Confraternizando em Barcelinhos
Logo, com esta farpela, inda cudí qu' o home era padre...

Logo no pr'mêro sito adonde a gente dromiu - Vilarinho - tã penas joguí p'a lá umas chapadas d' água p' ô corpo e vestí uma rôpinha inxuta qu' a minha Maria me tinha mandado drento da m'chila, abalo d'rêto àquelas senhoras da Ordem de Malta a ver s' elas m' arrenjavam um reméd'o - fosse ele qual fosse - p' às dores qu' ê cá levava p'r tod' ô lado.

Nisto, dô com uma pessoa vestida duma tal manêra que me espertô a atenção. Tinha um b'landrau, ó opa ó lá c'm' mecêas l'e quêram ch'mar, que l'e chigavam bem do bescoço até ôs pés, e umas sandalinhas tamém ô consoante.

Digo p'ra mim:

- Olha, calhando, vai haver missa. Padre já temos...

Mái, despôs, olhando melhor, vejo qu' essa pessoa tamém tinha abalado do Porto a pé, com a gente. Aquilo era o pr'mêro dia, inda nã se conhecíamos uns ôs ôtros, a coisa f'cô p'r 'lí. Mái, d'zer a verdade, missa nã hôve.

Tamém l'es digo que bem me dé cobiça de l'e tirar logo um retrato, mái tive um coisinho de vergonha. Ir tirar um retrato ô padre, assim sem mái nem menes, sem o conhecer nem nada... 'Tá bem que via-se logo qu' aquilo havera de ser pessoa de dar boa lidação, más, isto, o respêtinho é munto bonito e tem-se que se ter conta com o que se faz.

De manêras que, a coisa passô-se.

No dia a seguir, empeçado c'm' ê cá ia que mal aguentava os sapatos nos pés, tod' ô dia nã pensí no caso nem tive ocasião de falar com a dita pessoa. E vá lá qu' assim foi, senã inda tinha p'a lá arrenjado a bonita. Calhando, ia ch'mar padre ô homem...

Confraternizando em Barcelinhos
Nã é padre, nã senhora. Mái digam lá se qualquer um nã se podia atribuir c'm' ê cá...

Más, ô chigar a Barcelinhos e fazer lá os preparos p'a passar a noite, dá-se o méme caso da béspra. Ôtra vez a méma pessoa com o tal b'landrau, semp'e munto sast'fêto a falar com este e com aquele, c'm' se nã t'vesse panhado escalfa nenhuma de mái de sês léguas.

Aí, jã nã me contive. Vô-me d'rêto a uma m'lherzinha que 'tava ali perto, toda escadraçada c'm' ê cá, que só impava, e prècur'-le:

- Nã ôve, vomecêa, calhando, sabe-me d'zer uma coisa...

- Pôs diga lá, a ver s' ê sê...

- Aquele senhor que 'tá além ô canto, com aquele b'landrau marelo...

- Com o quem?!...

- Aquela opa, uma espéce de vestido d' alto a baxo...

- Ah, já tô a ver...

- Aquilo sará padre e... vem com a gente p'a d'zer a missa?

- Padre?!... Nã senhora!... O homem nã é padre... Aquilo é o Dôtor Duarte, um homem que sabe munto cá do Caminho de Santiago... Até escrevé um livro e tudo...

- Essa!... E ê cá a cudar qu' o homem era padre. Olha s' ê calho a falar com ele sem l'e prècurar nada a si... Inda l'e ch'mava padre. Ah, isso é certo e sabido... E ele havera de me ch'mar parvo, que tinha r'zão p'ra isso.

- 'Teja descansado que nã ch'mava. Ele é uma pessoa do melhor que pode ser e haver, e munto dado à mangação. Nã vê que tem semp'e aquela carinha de riso e uma palavra p'a qualquer um... Ê cá já vim fazer o Caminho três vezes e tenho-o visto p'r cá nos ôtros anos já umas belas vezes.

Confraternizando em Valença
Logo p' aí no quarto dia, o Dr. Duarte até fez anos e tudo...

- Inda bem qu' assim é... Atã, m't'ôbrigado, qu' ê vô-me já além ver se tiro um retrato ó dôs.

- Vá, sa senhora, qu' ê, atão, vô-me incostar pr' aqui até eles ch'marem p' ô decomer...

E lá fui.

Tirí assim um retrato inda ô longe, c'm' quem nã quer a coisa, a ver o que se dava. E pus-me a olhar p' a tod' ô lado, c'm' se 't'vesse à pregunta d' ôtra coisa que valesse a pena p'a um retrato. Mái, calem-se aí!... Aquilo até foi bem caçado...

O homem, que 'tava lá adiante, vem mái p' ô pé de mim, põe-se ali méme a jêto, e vá de fazer adés p' a ê cá l'e tirar retratos q'ontos qu'sesse. E ê tirí... Nã no veêm ali todo bem posto?...

E nã é que, passados dôs dias, o dôtor Duarte fazia anos... Foi na noite que se f'cô im Valença, pôs fois... Fazeram-l'e uma festa com bolo d' anos e cantaram os parabéns e tudo. Mái, pôco sorte a minha, 'tava a fazer o tratamento aqui ô mê joelho, q'ondo lá chiguí já nã dí tirado retratos nenhuns que prestassem, qu' aquilo já 'tava no fim.

Mái o Dôtor Duarte nã s' há-de apequentar com-migo lá p'r mode isso - já basta a pàxão qu' ê cá tive - e aqui l'e mando muntas rec'mendaçõs e Dés l'e pague ter sido tã porrêro com-migo nesta ocasião e nôtras que teve sempre uma conversa jêtosa p'a me fazer.

Agora s' ê calho a l'e ch'mar padre... Tal era essa, han?!.. E isso nã me sai cá da cachimóina...

E, hoje, p'r 'qui me fico. Foi só p'a alembrar o Dôtor Duarte e o sê b'landrau.

Ele já hôve p'r 'í quem me t'vesse dito, calhando, com r'zão, - e em sendo a menina Ana Pinto a me d'zer é quái c'm' uma escritura - qu' ê cá podia fazer um blog à parte p'a estas coisas do Caminho de Santiago, mái béque-me nã me dá munto jêto p'r mode o tempo qu' isso leva e atão, tenham lá pacência, mái, p'r enq'onto, vai méme aqui.

Passem todos munto bem e até que Dés quêra.

2 comentários:

  1. Esta do "balandrau"está de mais...companheiro peregrino.Nem ao diabo lembrava um comentário destes.Parabéns e ...continue que os seus diálogos (ou monólogos)são de mais...

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  2. Olá amigo. Sento-me aqui muitas vezes a ler, deliciada, a narrativa de tão grande caminhada. Nada me ocorre dizer a não ser que vou tentando reter todos os ensinamentos.
    Outro dia apareço para ler a continuação. Uma boa semana.
    Um beijinho para todos

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