29 agosto 2006

O Tear da Parenta Mari' Nunes na Fatacil

Tear tradicional - Monchique

A parenta Mari' Nunes tem um tear, em castanho do tempo antigo, a foncionar do melhor.

A parenta Mari' Nunes, qu' a gente tamém alomêa p'r Mari' Perpét'a, tem este tear tã antigo, tã antigo, que nã se sabe os anes qu' ele tem. É de castanho, foi fêto sabe-se lá p'r quem, mái inda fonciona lindamente.

E ela tem cá uma queda pr' àquilo qu' até dá gosto vê-la trabalhar. Desembaraçada até mái não, tomara muntas moças novas...

Qu' as moças novas, agora, nem tampôco sabem o qu' é que é um tear destes q'onto más trabalhar com ele... Nã 'tô a d'zer qu' elas nã sabem muntíssimo mái qu' os velhos com-m' ê cá, mái, destas coisas antigas nã conhêcem nada.

Pôs esta parenta, adonde haja uma fêra qu' a Câmbra de Monchique s' apresente, quái sempre, 'tá lá a mostrar, p'a quem quer ver e gosta destas coisas, c'm' é que se fazia certas rôpas nôt'es tempes.

Foi o que se deu, inda ontordia, na Fatacil de Lagoa. Passí lá, más a minha Maria e os mês amigues lá de cimba do Porto, o Jôquinito e a m'lher, a Rosinha, qu' eles 't'veram p'r cá uns dias com a gente. E, se de manhã, iam semp'e à praia lá p'ra baxo p' ô Algarve, ô fim da tarde, quái tôdes dias, carregavam com a gente p'a qualquer banda.

E atão, nessa nôte que se foi à Fatacil, adonde é qu' a gente haver d' ir aparar logo?... Foi méme na frente do tear.

A m'lher desata a olhar p' à gente, béque-me assim estranha, ê cá falí-l'e:

- 'Teja com Dés, parenta...

E ela assentada no tear, a olhar assim munto p' à gente. Nisto, alevanta-se:

- Venham com Dés. Mái atão, nã nos 'tava a conhecer munto bem... Isto, com estas luzes todas aqui à roda e o barulho da aparelhaja, uma pessoa até fica encandeada.

- É assim, tal e qual. Tamém a gente os dôs, só q'ondo chigamos aqui bem ô pé, é que vimos qu' era vomecêa.

E, aí, lá 't'vemos a deslindar quem se era e quem se nã era, falô-se das nossas gèraçõs todas e aquilo foi uma festa.

Ô fim, tive que l'e falar tam'em no tear:

- Atã, ist' é coisa que mecêa já herdô dos sês avozes... Calhando, já tem p'ra cimba duns cem anos ó coisa assim?...

- Olhe, parente, ô certo, ô certo, nã l'e sê d'zer. Mái qu' isto é munto antigo, 'teja certo que é. Semp'e o conheci na minha famila e já assim velho...

- Eh'q, pôs isto, esta madêra é de...

- É castanho, sa senhora! Isto é uma madêra que nunca mái se gasta. A antiga!... Qu' a d' agora, nã aguenta nada.

- Pôs isso 'tá bom de ver. Até com a de calitro se dá o mémo... Tenho lá uma casa com uma trave a sigurar o telhado désna que foi fêta, vai p'ra mái de sassenta anos... E 'tá c'm' nova. Ôtres paus que pus lá, há menes de metade do tempo, já tive qu' os tirar e pôr vigotas de cimento qu' eles 'tavam tôdes podres, veja lá...

- É c'm' l'e digo. Ist' o castanho, chega a um ponto que parêce que 'tá estragado, mái bate-se-l'e ali com uma coisa qualquer, um martelo ó um ferro, e 'té se ôve t'nir. Drento, a madêra 'tá semp'e cerne.

- E o peso qu' ela tem...

- Olhe, até se usa a d'zer qu' aquilo vai dêtando o que s' estraga cá p'ra fora e, p' drento, fica rija tal e qual...

- Atã, e estas coisas aqui? Tem linho... e tudo o que faz falta p'ô tratar...

- Isso mémo... Olhe, rocas é q'ontas quêra, a carda 'tá ali, aqui já 'tá a estôpa fêta... Além já 'tá uma meada de fio. E, p'a quem qu'ser comprar um tapete, 'tã ali uma preção deles acabados.

- E bonitos qu' eles são... De todas as cores e fêtios...

Tratamento do linho - Monchique

'Tã a ver c'm' se tratav' ô linho, nôtres tempos?...

Tapetes de linho - Monchique

E que tal acham estes tapetes qu' a parenta Mari' Nunes faz no sê tear de castanho?...

E a conversa nunca mái tinha fim. Qu' a gente 'tava-se tôdes a tram'lear de gosto e nem se dava p'r o tempo passar. Mái teve-se qu' ir ver o resto da fêra qu' aquilo é muntíss'mo grande.

Só me dá que pensar é que, numa coisa tã emportante, nem das dez partes s' apr'vêta uma. As ôtras nove é só de bodegas p'a impingirem a qualquer um.

S' um homem se descuda e vai nisso, q'ondo mal s' aprecata, 'tá com um colchão à costas, daqueles que fazem tudo e mái alguma coisa - qu' ê nã m' acradito que façam - e custam p'ra cimba dum d'nhêrão. Béque-me ôvi p'a lá falar em muntos centos de contos...

Só s' ê cá 't'vesse emparvecido... E quem diz um colchão diz um moitão d' ôtras coisas qu' eles p'a lá apregoam. Aquilo é pior qu' as fêras d' antigamente com a banha da cobra...

Agora artesanato méme c'm' deve de ser, isso vi lá pôco, em consoante ô tamanho da fêra, já se vê. Ele havia p'r lá umas coisecas, mái 'tava tudo munto estramalhado... Olhem, nã liguem à minha conversa, qu' ê pôco sê o que digo, mái, se fosse ê cá a fazer, punha o artesanato todo junto e, o resto, só ia p'a lá quem qu'sesse...

A ôt'a parte qu' ê tamém dô semp'e munto valor é a do gado. Olhe que tinham lá uma coisa do melhor que pode ser e a haver. E já nã falo dos cavalos, qu' isso é animal que nã cabe nas posses de famila com-m' ê cá, mái gado, mòrmente vacum, era de se l'e tirar o chapéu.

Mái o que mái gostí foi deste burrinho. Se nã fosse cá p'r coisas, inda comprava um coisalho destes p'a dar companha ô mê Jericó. Ó, melhor qu' isso, só se l'e comprasse a burra p'a se cruzar com ele. Mái atão, nã pode ser...

Burros - Fatacil

O burro é um b'chinho qu' ê gosto semp'e munto. Sem ofensa, sã mái descretos que munto trôxa que p' aí anda...

E pronto. Hoje nã tenho tempo p'a más, qu' a minha Maria anda p' ali com uma dor num pé, já foi mandar benzer aquilo, mái nã l'e servi de nada, e, atão, tenho que ser ê cá a ir acrecentar a léveda por ela, qu' amanhã 'tá-se de cozedura, c'm' já l'es disse ontem.

Atão até qu' a gente se veja e munta saúde.

28 agosto 2006

Q'ondo calha, dõ-se coisas que nã sã esp'radas...

Rua Nova - Marmelete

P' à Anamargens, que me pediu, aqui vai um retrato da R' Nova, tirado ô longe.

Mês belos amigues:

Tive p'r 'qui uns impendiclos qu' inda nã 'tã bem resolvidos e, atão, nã tenho tido ocasião de escrever nada de jêto.

P'r mode isso, só l'es tenho a pedir desculpa e agradecer o que mecêas foram escrevendo nos sês comentáiros. Tudo conversas da ponta da orelha.

E, atão, nã cudem lá qu' ê dí de frosque, que nã dí. Tã penas me desempece, desato logo pr' aí a d'zer parvoêras ôtra vez. Acraditem, qu' isso é certo e sabido...

Aquele retrato ali da R' Nova tirí ê cá enq'onto andava a ajuntar uma lenhita p' ô forno, qu' a minha Maria cose quái todas semanas e isto é uma gastadêra de lenha qu' ê custo a dar conta d' acartar nela p' ô monte.

De manêras que, já sabem. Amanhã ó despôs, 'tá-se ôtra vez de cozedura, qu' é ôt' serviço marafado p'a fazer com o tempo assim àsp'rinho como ele vai. E cá o parente é que tem que tratar do forno, 'tá bom de ver...

Atão, até um dia destes e Dés l'e dê saúde.

21 agosto 2006

Silves: Uma Fêra do tempo de Rês e Moiros

Feira Medieval - Silves

Na Fêra Medieval de Silves podíamos-se vestir do qu' a gente qu'sesse...

Sem ser esperado, fui à Fêra Medieval de Silves, um lugar qu' ê semp'e gostí, désna de moçe-pequeno, pre mode aquele castelo qu' é uma classe e aquela ingreja que tamém é de se l'e tirar o chapéu.

Q'ondo o Zé Manel me vêo, ôtra vez, com conversinhas, p'a s' ir com ele a uma fêra, qu' aquilo era coisa qu' a gente havera de gostar, voltí-me p' a ele e dig'-l'e:

- Ó Zé Manel, mái atã isso nã sará já demás?... Inda, ontordia, se foi a Vila Nova ô arjamolho, hoje já queres que se vá caminho de Silves?...

- 'Teja calado, ti Refóias, que vomecêa, despôs de lá ir, até m' há-de agradecer... Olhe qu' aquilo é uma coisa qu' eles fazem uma amenção do tempo dos rês e já hôve quem me d'zesse qu' é do mái lindo que pode ser.

- Más é qu' ê tenho p'r 'í o mê g'vermo munto encambulhado e nã posso andar fora de casa assim tantas vezes...

- Já o mê pai tem a méma mania... Venha más é daí e dêxe-se de coisas, que vomecêas, um dia destes, já nã podem com as botas e, aí, quero ver o qu' é que fazem... E se mecêa e a ti Maria nã vão, a minha mãe e o mê pai tamém não. E ê gostava dos levar lá...

- Atã, s' ele é isso, 'tá bem. Podes d'zer ô compad'e Jôquim que, s' eles irem, a gente tamém vai.

Vô-me p' à minha Maria, dig'-l'e do combinado com o Zé Manel, p'a ela s' aviar, salta-me, logo:

- Ó homem, isso nã é novidade nenhuma p'ra mim... A c'mad'e C'stóida já me tinha falado no caso e ê cá, p'lo sim, p'lo não, já tenho tudo adiantado. É só a gente se vestir e pronto.

- Ah, m'lher marafada... Atã e nã me d'zeste nada?...

- A c'mad'e C'stóida pedi-me segredo...

- E já arrenjaste alguma buchazinha, p'a se c'mer lá?

- Nã qu' o Zé Manel disse logo à mãe que nã se levava nada. 'Tã lá a fazer dec'mer de muntas q'ôlidades. Des que até coisas qu' eles c'miam naquele tempo dos rês...

- Ah, isso há-de ser uma bela travia...

De manêras que, inda ê 'tava a ab'toar os cordõs das botas, lá vinha já o Zé Manel a apitar o carro, ô canto da rua do pai. Isto, já com o sol quái a se pôr.

Chigô-se a Silves, já ô lusco-fusco... Más a nôte 'tava boa. Nem frio nem calor demás. Ora, só se via uns a tocarem ôtres a balharem. E um chêrinho a assadura, que a gente custava-se a aguentar...

Feira Medieval - Silves Feira Medieval - Silves

Aquilo, em Silves, era balhos e adv'rt'mentos até mái não...

Feira Medieval - Silves

Dá-se em ver famila vestida à moda antiga a tocar e a balhar p'r tod' ô lado - e olhe qu' havia lá umas belas moças, assim com uns véus a amostrarem a barriga... Mái elas nã tinham, béque-me, vergonha nenhuma disso. Aquilo, ó eram soltêras ó os homens delas, calhando, f'caram em casa e nã sabem nem da missa à metade...

Mái dêxando de rir p'a mangar, f'quí com os olhos arregalados de ver assim tanta coisa bonita.

Lá os da Cam'ra puseram nã sê q'ontas barrecas p'a, quem qu'sesse, s' enfarpelar com aquelas rôpas qu' eles usavam nôt'es tempos. E nã faltava quem já se t'vesse empinòcado. Agora, p'a chigar lá drento das barrecas é qu' era uns trabalhos. A gente bem qu'ria, mái só se passasse lá o resto da nôte...

Há quem diga - e se diz é que sabe - que, nesses entrôxes e na fêra toda, faltava lá umas coisinhas e ôtras 'tariam lá a más, mái qu' aquilo era bonito, lá isso era, sa senhora.

Expr'mentem a acalcar aqui no Local & Blogal que logo vêem o que aprendem a respêto de Silves e desta fêra. Vê-se qu' o dono é uma pessoa que estudô, sabe munto da terra dele e gosta dela até mái não.

E p'a verem ôtras coisas tamém bonitas daquela cidade e tudo o qu' há p'r lá em redor, acalquem aqui no Rosmaninho qu' a dona é uma mecinha que tamém se perde p'r a terra dela.

E mand'-l'e daqui as minhas recomendaçõs ôs dôs qu' hô-de 'tar tôdes presunçôses de terem fêto uma coisa tã emportante na terra deles.

E p'a nã nos empertenecer munto, só l'es vô contar o que com a nossa jolda, nessa nôte, lá na Fêra Medieval de Silves.

Olhe, a gente, nem que se t'vesse combinado, comé-se tôdes blancia entes de s' abalar de casa, qu' isto o tempo 'tava quente e com a blancia semp'e se rafresca um coisinho. Vai dái, chega-se a Silves, inda se l'e bebe uma cervejalha cada um. Os homens, qu'as m'lheres boberam p' ali um áiceti... Ora, passado um pôcachinho, aquilo c'meça tudo a dar efêto.

Ê cá encolhia-me p'r um lado, o mê compad'e Jôquim p'r ôtro. As m'lheres p'a li d'sfarçavam c'm' podiam. Vai-se p'r um lado, vai-se p'r ôtro, retretes... qual o quem!... Nã se lombrigava nenhuma...

Digo p' ô mê compadre, sem os ôtres ôvirem:

- Compad'e, vomecêa nã 'tá já p' aí, tamém, com precisão de s' al'viar?

- Ora se 'tô...

- Mái atão e adonde é qu' a gente vai verter águas aqui num sito destes, com famila p'r tôd' ô lado, senhor?... Já olhí se via alguma retrete, nã vejo nada... Nem tampôco uma arvezinha aí a um canto p'a gente se esconder p'r trás...

- E qu' havesse... Com este gentío todo nã servia de nada... Mái, 'pere aí qu' ê prècuro ali o mê Zé Manel.

Vai falar com ele, o moço salta logo, em voz alta, no mêo daquele gentío todo:

- Ah, 'tão aí pertados e nã se desenrascam?... Vã ali p'r trás daquela fragonete e governem-se, qu' ê já fiz o mémo...

Dig'-l'e:

- Ó Zé Manel, ê cá e o tê pai nã se faz uma coisa dessas... Iss' é uma vergonha. Atã e nã vês qu' a tu mãe e a minha Maria tamém é certo e sabido que 'tã na méma...

- Olhe, atã venham daí tôdes com-migo, qu' ê resolvo já o caso.

E abala d'rêto a um café que 'tava da banda de lá, méme quái em par d' a gente. Mái p'a se chigar lá, nã cudem, t'vemos qu' arrodear a praça toda e levar meia-dúiça de pisadelas nos calos cada um...

Ele antra no café, munto limpêro, chega ô balcão:

- Ponha lá aqui três emp'riais, fazendo favor. Bebe-se méme aqui ô balcão qu' a gente nã pode perder nada da fêra...

A m'lherzinha lá aviô as emp'riais, o Zé Manel ia puxar da cartêra, más ê nã dêxí, qu' ele já tinha pagado as ôtras.

Enq'onto ê 'tava p'a arreceber o troco, diz ele p' à impregada:

- Diga-me lá uma coisa, adonde é a retrete?

- Aqui nã temos casa de banho. Se qu'serem podem ir ali à rua. A dos homens é dum lado, a das m'lheres é do ôtro...

- Já perdé três eros, ti Refóias... S' a gente sabesse, nã se tinha precisão de vir aqui...

- Eh'q, nã se bobia aqui, bobia-se adonde calhasse, era o mémo...

E lá se foi tôdes à prègunta das retretes, qu' a vontade já era bem munta.

As pobrezinhas das m'lheres é que foi uns trabalhos p'a se darem governado. Aquilo 'tava lá uma chusma delas à porta que 't'veram de esperar quái uma hora. Coitadalhas, até já 'tavam marelas...

Feira Medieval - Silves Feira Medieval - Silves

Andava tudo bem enfarpelado com rôpas d' antigamente. Cá p'ra mim, este, d'sfarçado de pobrezinho, era o mái bem-caçado...

Com a famila toda que 'teve lá desta vez, tenho a firme certeza que, pr' ô ano, já vã fazer tudo inda melhor e, p'r menes, hõ-de s' alembrar qu' os de fora, em bebendem uma crevejinha ó duas, têm que se governar...

E já agora, inda l'es digo que tamém gostí de ver qu' um museu qu' eles têm lá adonde 'tá o poço p'a eles antigamente gôrdarem a água p'a bober, 'tava aberto méme de nôte. Olhem que já tenho ido a ôt's sitos e nã dô visto nem museus nem monumentos qu' eles fecham-nos logo a mêa tarde...

Pôs este fui vê-lo, nã paguí nada e aquele senhor que 'tava lá a t'mar conta daquilo nã podia ser mái porrêro. Arrecebé a gente tã bem que nem que se fosse da famila dele...

Museu de Silves Museu de Silves

Aprevêtí e fui devassar o museu. É uma classe...

Bem disse o Zé Manel...

Agradêç'-l'e e munto d' ele se ter alembrado de carregar com a gente p'a Silves naquele dia. Pr' ô ano, quem se vai alembrar sô ê cá e, s' ele nã d'zer nada, faç'-me convindado. Sim, que nem ê nem ele s' é prenósticos e somos é francos um pr' ô ôtro até mái não.

Muntas rec'mendaçõs p' à famila toda de Silves.

E vomecêas passem tôdes munto bem.

16 agosto 2006

Alferce - Festa de S. Romão - O Laré

Festa de S. Romão - Alferce

Assim que s' entrava na Festa de S. Romão, dava-se logo com a Carmesse.

Quem se tenha afiturado a ir à festa do Alferce c'm' ê cá e a minha Maria se foi, nã teve r'zã de quêxa com o d'nhêro que gastô no b'lhête da carrêra. É qu' aquilo nã faltô lá nada p'a uma pessoa s' ad'vertir.

'Tava famila em forte p' à gente incontrar uns amigues e charolar com eles. Puseram lá umas barrèquinhas, uma p'a aviar copes de cerveja, ôtra p'a aviar carne frita com pão, e, p'a se comprar umas rifas, tinha-se a carmesse.

Isto p'a já nã falar do palco, adonde o tocador de fole se punha a tocar p' ô pessoal balhar naquele larguinho logo ali ô pé, e no jogo das panelas que foi a coisa qu' ê mái gostí naquela festa.

A minha Maria e a Florbela, a amiga dela que tamém quis ir com a gente, foram logo d'rêto à carmesse, qu' aquilo, a marafada, tem tantíssim' á sorte nos b'lhetes qu' inda nunca comprô, nem que sés uma dúiza deles, que nã dê com um numbrado.

Aquilo, a m'lher béque-me tem azôgue nas mãs, desata a desenrolar neles, vá lá ô tercêro ó quarto, ganha logo um prém'o. Desta vez, saí-l'e p' ali uma bruxa a cavalo na lua, que medo tenho ê cá de ter aquilo cá em casa, nã o vã o estapôr fazer p' aqui a parte à gente com algum bruxedo...

Mái, a Florbela, qu' é lá de baxo do Algarve e nã tem nada em saber melhor dessas coisas do qu' à gente, des qu', hoje em dia, as bruxas já nã fazem mal denhum e, inda pre cimba, dã é sorte. Pode ser que seja, mái nunca fiando...

Festa de S. Romão - Alferce Festa de S. Romão - Alferce

Munta coisa havia na Festa do Alferce p' à famila s' ad'vertir...

Tamém o mê parente Cosme da Quinta fazia pôrra de certas coisas, havia quem l'e falasse na Costurêra e ele mangava. Mái, uma ocasião, já há uns belos anos, foi p'a quintêro duma fazenda além p' ô lado da Fóia, custô a aturar lá o resto do ano...

Punhana, contô-me ele uma vez, qu' aquil' era quái todas nôtes. Inda bem o homem nã se dêtava e se dêxava dormir, já a malsoada 'tava a trabalhar com a mánica duma tal manêra qu' ele acordava e, parte das vezes, nã pregava más olho até s' alevantar. F'cava escagàiçado...

Dessa vez em diante, nunca mái o Cosme abusô de coisas assim... E ê cá, méme nã acraditando, tamém nã m' astrevo a fazer pôco disso. Gosto semp'e de me pôr no mê lugar, o qu' é que querem...

Mái, voltando à Festa de S. Romão, ê cá, p'a d'zer a verdade, im vez da carmesse, luzia-me mái os olhos d'rêto àquela barreca encarnadinha que 'tava logo mái pralàzinho. Olhe, aquilo, o homem nã dava agu-ento a despachar tanto copo de bobida...

Vô-me lá, mando vir um copo de cerveja e dôs de sevanápe, qu' era o qu' elas qu'riam. Elas, p'a nã s'enganarem, foram d'rêto à ôtra e mandam vir três pedaços de pão, cada um com o sê grandessíss'm' ô pique de carne frita. Oh!... F'cô-se logo bem p' ô resto da tarde...

Naquilo, parêce lá um com um baraço-de-carregar e um pau tã valente qu' aquilo dava bem p'a fazer um cabo d' inxada. Diz a minha Maria:

- Nã ôves, p'ra qu' é que sará aquilo qu' ele traz àlém? Nã me digas que já é p' ô jogo das panelas...

- Atã, isso sabe-se... P'a qu' é qu' havera de ser?!... E dig'-te já: vô-me tamém dar o nome. Nã é tarde nem é cedo.

- Ó homem, nã te metas nisso. Atã nã vês qu', e depôs, a famila põe-se tudo aí a rir de ti...

- E ê cá que m' emporta... Tenho qu' ir lá exp'rimentar. Dé-me, agora, p' aqui...

E nesse mê tempo qu' eles pinduravam as panelas lá im cimba, fui pr' à que assentava lá os nomes no livro, uma bela moça de lá do Povo, e dig'-l'e:

Festa de S. Romão - Alferce

Aquele que partisse uma panela só com uma bordanada, ganhava um prém'o.

- Atã, já muntos deram o nome?

- Olhe, ti Refóias, até agora só há um...

- Tó, diacho, mái atão ê qu'ria que mecêa apontasse aí o mê nome, mái nã me calhava ser logo dos pr'mêros...

- Isso resolve-se já. Passe p'a cá os dôs eros, qu' ê ponh'-l' o nome aqui mái p' ô fim da folha.

- Dôs eros?!... Mái 'tão, p'a mangarem de mim, inda tenho de pagar?!...

- Vá... Dê cá dôs eros, nã seja fònica, qu' isso é p' à ajuda das despesas da festa... Fica aqui na linha númbro nove. E veja lá se 'tá aqui q'ondo o ch'marem, ó atão passa a vez e, òdespôs, tem de pagar ôtros dôs.

E o qu' é qu' ê havera de fazer?... Tive que largar os dôs eros, senã ela nã m' apontava o nome. Inda dí vaia à minha Maria se mandava assentar tamém o dela ó não, mái ela f'cô logo toda inzàinada e vá de fazer p'a lá uns miécos, c'm' quem me ch'mava parvo, qu' ê larguí-a logo da mão.

Mái nã l'es digo nada, tã penas acabo d' olhar p'a ela, aquilo par'cé bruxedo, já 'tava uma preçanada deles tudo a dar o nome. F'cô logo a folha chêa.

Digo p'ra mim:

- Assim, já é ôtra coisa... Pr'mêro vejo, mái ó menes, c'm' é qu' eles fazem e, aí, já fico com uma idéa c'm' hê-de fazer. Nã é só ir p' ali a tentear, fêto parvo, e os ôtres a se rirem cá p'r fora...

Inda ê 'tava a ramoer nisto, já eles ch'mavam o pr'mêro p'a l'e pôrem aquele lenço preto à roda das vistas e o pau nas mãs. Esse, foi devarinho, bem ô d'rêto, lá foi, lá foi, alça o pau... mái, pobrezinho, nã teve sorte. Saí-l'e curto.

Ô méme tempo, o Chico Bôicinhas, do Povo de Baxo, vem-me p' ali p' ô pé de mim e desata a palear com-migo. Ê cá desaprecato-me com aquilo, eles pôem o pau nas mãs dôtro, obrigam-no a andar à roda, entontécem-no até mái não, o homem fica voltado p' ô mê lado. E ê de costas...

De manêras que, o homem, intontecido c'm' 'tava, abala de lá sem ver nada, com o pau nas mãs bem alevantado, méme d'rêto a mim e ô Bôicinhas. Dô em ôvir a famila a fazer um ôrío, estranhí aquilo. Volto-me, ah, fado dum ladrão!, se nã fujo tã l'gêro, levava com uma tarôcada nos cascos qu' havera de f'car bem tratado...

Jogo das Panelas - Alferce Jogo das Panelas - Alferce

Se nã me safo tã l'gêro, tinha levado uma bordanada. Ah, isso tinha...

E nã é qu' os mariolas inda incheram o papinho a rir de mim, pre mode ê cá dar logo um salto que salví o passêo todo p' ô lado de lá...

E o Chico Bôicinhas, mal aquilo s' aconch'gô tudo, vá de tram'lear ôtra vez no méme caso. Se nã fosse vergonha, indo l'es contava o qu' ele me disse, mái quái que nã tenho coraja p'a falar naquilo. É qu' ele 'tava assim um coisinho p' ô destravado...

Ê semp'e vô contar, mái os que nã gostarem, passam adiente e fazem de conta qu' ê nã contí.

D'zia-me o Chico:

- Olhe, ti Refóias, aquilo foi uma parte que teve que se l'e diga. Mái, acradite, qu' é verdade. Aquilo dé-se mémo...

- Atã, se tu dizes que foi assim... Mái vê lá nã m' indròmines p' aí munto, nã vá ê cá ir contar isso a qualquer um e se rirem de mim...

- Qual o quem!... Ê só l'e digo a pura da verdade. Aquilo dé-se méme assim c'm' ê cá l'e 'tô a d'zer.

E lá foi contando a parte qu' ele fez ô padrasto, o velho Salmôira, c'm' l'e ch'mavam, já faz p'ra cimba duns trinta anos, inda ele taria os sês dez ó doze, se tanto...

- Olhe, o escamungado do velho era ruim p'ra mim que nem um cão. Ê cá tamém, p'a d'zer a verdade, era um coisinho má d' aturar, qu' ê só fazia travessuras de manhã à nôte...

- Atã, isso, era aquele velho, negro que nem um carôcho, que fumava de cachimbo, que 'teve com a tu mãe inda uns q'ontos anos, q'ondo vocêas moravam ali p' à R'bêra Grande?

Prècurí-l'e ê cá, enq'onto fazia p'r m' alembrar das ventas dele.

- Esse mémo!... Nã s'alembra? Tinha assim uma fúiça munto encardida, com umas grandes súiças ôs lados da cara, qu' usava a fumar com aquele grad'ssíss'mo cachimbo racurvado e, quái sempre, dêxava cair o morrão fosse p'a donde fosse...

- Já m' alembro munto bem...

- Pôs o estapôr do velho usava tamém a fumar na cama, fosse a que horas fosse, e a pobrezinha da minha mãe via-se em traquetes só p' arremendar os lençós que f'cavam tôdes quem-mados com as faíscas que saltavam do cachimbo e, inda munto pior, qu' o velho, q'ondo se dêxava dromir, caía-l'e o cachimbo p'a donde 't'vesse voltado.

- Atã isso, até podia tiçar fogo à cama...

- 'Tã bom de ver... Mái vá lá que nunca calhô... E fosse-l'e uma pessoa falar nisso...

Nisto, olho p'ô lado das panelas, vejo uma meçalha de bordão nas mãs, munto deç'dida, chega p'r baxo delas, apára, faz pontaria méme de vistas tapadas, afinca-l'e uma pàzada no fundo, lá vai a panelas p'los ares...

Inda bem não, vem outra, m'lher já mái entradota, toda de sapatos altos, munto bem enfarpelada, digo p' ô Chico:

- Olha esta se calha a cair de cimba dos sapatos, nã s' aprevêta nada...

Diz ele logo:

- Mái atão c'm' é qu' ela se dá sustido naquilo, mam?!...

Ora, foi-foi, foi-foi, inda passô das panelas e nã dé acertado em nenhuma.

Jogo das Panelas - Alferce Jogo das Panelas - Alferce

Uma fez a panela em fanicos, a ôtra, de sapatos altos, custava-se a suster im cimba deles...

E Bôicinhas desata, ôtra vez, a falar da parte que fez ô Salmôira.

- Mái c'm' ê ia d'zendo, o velho, cada vez que se dêtava, puxava do cachimbo, atacav'-ô, acendi'-ô com um isquêro a petrol que, nã sê se s' alembra, naquele tempo, era preciso ter l'cença, mái ele nã tinha nenhuma, e vá de fumar...

- Pôs era. Ê cá tamém nunca tirí nenhuma...

- Até que se dêxava dromir e o cachimbo, era certo e sabido, caía-l'e da boca p' ô chão, quaí semp'e p'ra cimba dum capacho, já mê podrido, qu' ele tinha, ô lado da cama, p'a pôr os pés q'ondo s' alevantava.

- Era umas capachas que vinham lá debaxo do Algarve, fêtos d' emprêta, qu' a gente comprava p'r o mercado...

E o Chico nã parava:

- Vô-m' ê cá e pensí: Mái atão um estapôr destes anda semp'e a quem-mar os lençós à pobrezinha da velhota, ê nã l' hê-de fazer uma parte qu' ele há-de-se dêxar de fumar...

- E fazeste-l'e o quem?

- Naquele tempo, retretes nã havia... De nôte fazia-se as nec'ssidades no bacio que 'tava debaxo da cama - quem o tinha - e, no ôtro dia, as m'lheres jogavam aquilo p' ô monturo, c'm' mecê sabe. Ora a minha mãe era uma m'lher munto asseada, tinha semp'e tudo qu' até luzia. Méme o bacio ele areava...

- Lá nisso, semp'e ôvi d'zer qu' ela era munto trabalhadêra...

- Atã o qu' é qu' ê faço ô velho... Entes dele chigar a casa, q'ondo tive vontade, fiz o serviço p'a drento do bacio dele, sem ninguém saber, e puse-o no méme sito.

Tã penas ele se dêtô, fui lá ô escuro, munto devagarinho, bem agachado, sem fazer barulho nenhum, e puxe-l' o p'ra cimba do capacho, mái ó menes, p'a donde ele usava a dêxar cair o cachimbo.

- Ai, sacanistra, c'm' é que t'veste coraja p'a uma coisa dessas?!...

- Aquilo, o quarto da cama 'tava às 'scuras. Só se via uma luzinha de nada qu' era o resto do tabaco d' onça a arder no cachimbo, e ê qu' ê cá fugi logo e fui-me pôr na rua, im cimba do pial, com o ôvido encostado ô lado de fora da j'nela...

- Atã, e despôs?...

- O velho, desmastreado do trabalho, nã tardô nada, dêxa-se dormir. Cai-l'e o cachimbo da boca, catrapuz!, drento do bacio, méme c'm' ê tinha pensado...

- E, de manhã, o qu' é qu' ele fez?

- Qual de manhã, nem de manhã!... Aquilo, foi logo. O bacio era de esmalte, o cachimbo, ô cair lá p'a dentr', bate-l' inda de lado, tranqueleja, o velho acorda e vai logo ver o que é. Acende a alenterna, à pressa, com o isquêro, e alumia p' ô chão.

- Aí, é qu' havera de ser bonito...

- Q'ond' ele vê o cachimbo lá drento, dá um ronco qu' até estrameceu tudo... E salta com a velhota:

- Sua cochina!!!... Nã alimpô o bacio! Tal é este lindo serviço, o mê cachimbo no mê duma larada!...

Responde a minha mãe, já com os pés de fora da cama, pronta p'a se raspar do quarto, entes que fosse tarde:

- Limpí, sa senhora. Ah isso é qu' alimpí!... 'Tá mái limpo qu' a cara de vocêa...

- Atã venha cá ver, sua...

E o Chico nã quis publicar os nomes qu' o velho ch'mô à pobre da velhota, qu' ela era mãe dele...

Só me contô que p'r uns oito dias nã teve coraja de par'cer em casa com medo de levar uma tuna, a mãe dele furtô-se a levar ôtra p'rqu' inda fugi a tempo do quarto da cama, o velho Salmôira nã se dêxô de fumar e, enq'onto nã arrenjô ôtro cachimbo, fazia cigarros com a fatana mái fina do milho.

'Tava o Bôicinhas a acabar de contar esta parte, calho a olhar ôtra vez p' ô jogo das panelas, já só lá 'tava uma intêra...

Vem de lá um, desengalgado, par'cia ele que nã tinha nada a tapar as vistas, põe-se a jêto, alevanta o pau atrás das costas, afinca-l'e uma tarôcada méme im chêo. A panela nã se l' aprevêtô nada. F'cô toda fêta em fanicos!...

Jogo das Panelas - Alferce

O últ'mo foi o mái certêro. Esbroncô a panela toda e ia levando com os cacos im riba...

Cá o Parente, q'ondo chigô a sua vez e foi ch'mado, tamém s' agarrô ô bordão com uma bela fé, mái as coisas nã l'e correram munto bem. O marafado fez-me andar tanto à roda qu' ê f'quí cá com um almarêo que já sabia bem p'a que lado é que 'tava virado. Errí a panela...

Nã foi p'r munto, mái chigô p'a nã na partir e c'm' ô pau era comprido e pesado que nem chumbo, bati com ele no chão, quái na b'quêra da bota do pé esquerdo. Aquilo, andô rés-vés p'a nã encravar a unha do dedo grande...

'Tá bem qu' as botas eram de cabedal e semp'e amorteciam, mái com um pàzarrão daqueles... Minha bela unha...

Olhem, munto inda tinha que d'zer da Festa de S. Romão, mái já os atazanoí de más...

Dés l'e dê saúde a tôdes.

07 agosto 2006

Alferce: Festa de S. Romão - A Precissão

Igreja de S. Romão - Alferce

A igreja do Alferce, agora, já tem a cruz d'rêta. Só l'e falta pôr o relój'o a foncionar.

D'mingo passado, lá se foi a gente caminho do Alferce p' à Festa de S. Romão. Quem tenha via ó arrenje quem o leve, 'tá governado. Agora quem precise d' ir na carrêra, é que 'tá pior. Só s' ir logo de manhãzinha e só voltar à nôte, qu' ôs D'mingos nã hã carrêra senã a essas horas....

O que vale é qu' isto, hoje em dia, nã há já quái ninguém que nã tenha uma viazinha, seja ele um espada, c'm' muntos p' aí têm, seja uma b'cicleta ó méme um mata-velhos.

De manêras que, tendo a gente pacência e tempo, semp'e s' arrenja uma b'léazita, méme que nã se vá logo combinados de casa com algum parente ó amigo, qu' é o que se , quái sempre, com-migo. Q'ondo abalo já vô com via certa.

À chigada, o qu' ê cá fui logo devassar foi s' a cruz da ingreja já 'tava c'm' devia de ser. S' inda t'ã alembrados, faz uns quatro meses, fui lá ô Alferce e f'quí desgostoso de ver a cruz da ingreja toda tombada. Pôs agora, f'quí todo contente. Já 'tá tudo no sê devido lugar. Assim, sim...

Quer d'zer, inda há ali uma coisalha que nã 'tá assim munto bem, mái pôcos darã p'r isso. Só se terem míngua de saber as horas e nã terem relój'o nenhum. É que, no da torre, sã semp' as mémas vinte cinco p' às sês, já nã sê désna de q'ondo...

Más, em tod' ô caso, esta ingreja do Alferce é das mái bonitas cá da nossa terra. Olhem-na bem lá drento e logo me dizem que tal a acham:

Igreja de S. Romão - Alferce Igreja de S. Romão - Alferce

Lá drento, quem é que nã fica derretido com uma coisa tã bonita?...

C'm' diz o Antóino Manel da Venda, um amigo de cá de Monchique que sabe escrever livros do melhor que há, o Senhor S. Romão, nã tenham penêras, é um santo qu' o povo do Alferce gosta até mái não. Gostam tant' ó tampôco dele que, tôd's anos, l'e fazem uma festa de dôs dias. Sáb'do e D'mingo.

Que me tenha chigado ôs ôvidos, nã há cá ôtra no nosso concelho que dure dôs dias entêros, com banda, carmesse, artistas a cantar, balho com tocador de fole, corrida das panelas e sê cá que más... E nôtres tempos, tamém faziam cavalhadas, qu' é uma coisa que, s' inda havesse burros, calhando, faziam na méma. Mái atão, des qu' isso qu' é uma q'ôlidade d' animal que 'tá quái acabado...

Tamém, verdade se diga, qu' o Alferce méme sendo a freguesia mái pequena de Monchique, tem dôs pôvos. O de cimba e o de baxo. E tem tanta coisa, tudo tã bem aconchegadinho, que só indem lá é que mecêas ficam a ver o qu' aquilo é.

E a precissão vai atod' ô lado. Tudo munto à manêra do qu' os nossos avózes faziam. Andor do S. Romão, Pálio com o Santíss'mo e os homens todos vestidos c'm' deve de ser, com opa e tudo.

Festa de S. Romão - Alferce Festa de S. Romão - Alferce

A precissão corre o Povo de Cima, o Povo de Baxo e mái que fosse...

O Sr. Prior que nã me leve a mal, mái, pre mode isso, vê-me à idéa uma parte que se com o Zézinho do Forno Velho, nã 'taria ele mái que dez anos.

O meçalho tinha aquele empenho de ver os homens com umas opas encarnadinhas, tã bonitas, e, todas as precissõs, pensava em ir á sac'-estia pedir uma p'a vestir. Mái faltava-l'e a coraja e f'cava-se.

Até qu', uma ocasião, na festa de S. Antóino, tinha a missa acabado, 'tava p'r 'lí entretido com o Bertinho, um amigo dele, e falaram no caso, enq'onto o'servavam os homens a irem da igreja p' à sac'estia.

Ora o Bertinho era munto gavino, desata logo a apertar com o ôtro:

- Ê cá, se fosse a ti, ia já lá e nem tampoco pedia nada a ninguém. Sabes adonde é qu' elas 'tão?

- Pôs sê. Mái nã vô lá mexêr, qu' o sac'estão pode-se marafar com-migo...

- Olá!... Vás assim c'm' quem nã quer a coisa, devagarinho, e q'ond' ele nã t'ver a olhar, alevantas a tampa daquele banco que 'tá lá encostado à parede e tiras uma, qu' elas 'tão p'r baxo d' adonde a gente s' assenta.

- Isso sê ê munto bem, mái despôs é qu' é pior...

- Qual o quem... Despôs da vestires já ninguém te diz nada. Disso tenho a firme certeza...

- Só vô se tu ires tamém...

Salta logo o Bertinho:

- E vô!... Nã é homem nã é nada o que nã ir!...

Aí o Zézinho f'cô assim um coisinho ensarampantado sem saber bem o que havera de d'zer. Nisto, dé-l'e um derrepente, volta-se p' ô ôtro:

- Seja cão o que s' arrependa!... Vai-se os dôs.

Festa de S. Romão - Alferce Festa de S. Romão - Alferce

P'a d'zer a verdade, uma precissão com opas e banda, béque-me é logo ôtra coisa...

E assim fazeram. Dã a volta p'r fora, vã p'r a porta de trás e antram tôdes dôs na sac'estia, desapercebidos no mê dos homens.

A passo e passo, lá se foram chigando p' ô pé da caxa adonde 'tavam as opas, sem saberem bem o que haveram de fazer.

Nisto, aprevêtando um mimento que ninguém 'tava a olhar, o Bertinho joga a mão a duas opas que 'tavam logo p'r cimba, sem l'e ver o tamanho, já rafugadas p'r ôtres pre mode serem munto grandes, e abalam os dôs caminho dum canto, quái p'r trás da porta, p'às vestirem.

A maior calhô ô Zézinho. Veste-a, cachamorra!, f'cava-l'e um palmo à arrojar no chão. A do Bertinho, qu' era um coisinho mái alto, chigava-l'e ôs tacõs das botas de cabedal qu' o parente Ináiço Cego l'e tinha fêto p'a estrear na festa.

De manêras que, puseram-se os dôs a olhar um p' ô ôtro assim quái descorçoados. Diz o Zézinho:

- Atã e agora?...

- Sê cá o qu' é que se faça...

E nã repàiraram qu', enq'onto isso, já o sac'estão se tinha virado p'ra cá e 'tava com olho neles. Arrulha logo do lado de lá, d' ô pé daquela cómoda adonde o sr. Prior vestia as rôpas p' à missa:

- Eh!... Ist' aqui nã há opas p'a gaiatos!... Toca a pôr isso no lugar. A quem é que pediram p'a mexer aí?... Tal 'tá a brincadêra, han!...

Naqueles traquetes, f'caram os dôs mái encolhidos que nem uma palhinha l'e cabia lá naquele sito qu' a gente sabe...

- Eh'q, é qu' a gente gostava tamém de vestir uma opa cada um e ir-se na precissão...

Responde o Bertinho, munto embatucado, a olhar p'ôs bicos dos pés.

- Atã e é assim... Nã sabem vir falar com uma pessoa e pedir l'cença?!... Foi isso que l' ensinaram?...

Coitadalhos, tant' um c'm' ô ôtro, 'tavam-se já a desem-maginar, pensando qu' inda nã saria desta...

Mái o sac'estão, qu' nã era má pessoa, ô fim de l'e passar a gavierra, olhô p' ôs meçalhos, dé-l'e dó deles, e, ô méme tempo, alembrô-se qu' inda haveram de 'tar p'a lá umas opas, já bem antigas, munto puídas e descòradas do uso, que tinham sido encurtadas pre mode as abas 'tarem todas esfàrr'lipadas.

- Mái, já agora, venham cá aqui. Desdispam lá essas e exp'r'mentem estas aqui, a ver se le servem. Mái, p' à ôtra vez, venham falar com-migo e nã façam essas figuras...

Descusado sará d'zer qu' aquilo, de tamanho, elas, mái ó menes, inda l'e serviam, mái atão e a cor?... Olhem, eram cor de burro q'ondo foge...

Mái os meçalhos lá foram todos contentes, um em cada ala, logo em pr'mêro lugar dos homens com opas, todos inchados e semp' a olhar de través p' à famila que 'tava a ver passar a precissão, nã fosse algum nã repàirar neles.

F'caram mái contentes que nem uma pega sem rabo, creceram, foram correr mundo, aprenderam munta coisa, desqueceram ôtras, voltaram e, inda hoje em dia, falam no caso q'ondo 'tão um com o ôtro.

Já nã vestem opa nem sã religiôsos, mái gostam munto da sua terra e pélam-se p'r tudo o que cá se faz, seja ele precissõs, magustos, provas de bolo de tacho, fêras ó ôtra coisa quasequer.

Isto, p'a nã falar de exposiçõs e ôtras coisas qu' os que têm estudos é que sabem fazer melhor e haveram de fazer mái vezes do qu' aquilo que tem sido fêto.

E, pre mode isso, já me 'tva a passar a Festa de S. Romão, que foi uma coisa qu' eles, é mái que certo, aprevêtaram do melhor.

Festa de S. Romão - Alferce

Mòrmente no respêta ô Domingo à tarde, ajuntô-se um gentío lá naquele Povo...

O resto da Festa do Senhor S. Romão do Alferce cont'-l'es tã penasarredondado uns impendiclos que tenho tido p'r 'qui.

Fiquem-se com Dés.

05 agosto 2006

Em Vila Nova, fazeram um grandessís'm' arjamolho...

Certificado

Fui a Vila Nova com a minha Maria, enché-se a barriga d' arjamolho e inda me deram isto.

Q'ondo o Zé Manel, filho do mê compad'e jôquim do Barranco, fez a f'neza de convindar a gente p'a s' ir a Vila Nova, nunca pensí d' ir lá incontrar um gentío daqueles e inda menes um arjamolho fêto drento dum tãinque.

Ê cá inda 'tive p'a l'e d'zer que não, mái fui-me aconselhar com a minha Maria e dig'-l'e:

- Ó Maria, o Zé Manel convindô a gente p'a s' ir lá im baxo a Vila Nova dar um passêo, 'mái ê 'tá-me custando tanto ter qu' ir tomar banho e vestir a rôpa do D'mingo e, ô méme tempo, sê cá a que horas é qu' a gente volta de lá...

Ela nem me dêxô d'zer mái nada:

- Ó homem, atã s' ele convindô, vai-se-l'e fazer uma desfêta dessas?!... Calhando, inda era capaz de f'car apequentado com a gente.

A marafada 'tá semp'e fêta p'a andar na ratôiça...

- Ele des qu' há p'ra lá uma festa p'a c'merem um arjamolho e despôs f'car resistado num livro nem sê quém, qu' eles sã os melhores do mundo. Mái atã e s' ele faz c'm' da ôtra vez que só vêo trazer a gente aqui já na madrugada, passando das três da manhã?!...

- Olha, chega-se q'ondo se chigar e ninguém tem nada com isso. Amanhã nã se tem água de partilhas p' a regar nem nada... Ê cá, na minha idéa, cudo que se havera d' ir, senã ele, nôtra ocasião, nunca mái s' alembra da gente.

Agora mecêas digam-me lá. Com umas réplas destas da minha Maria, o qu' é qu' ê cá havera de fazer?... Fui p' ô Zé Manel e disse-l'e que sim. E seja o que Dés qu'ser...

De manêras que, foi só jogar p' aqui umas chapadas d' água p' ô corpo, vestir rôpinha lavada e abalar, qu' o Zé Manel já 'tava à espera da gente e dos mês compadres - o pai a mãe dele.

Nem se levô uma buchazinha nem nada, qu' ele disse logo que nã havia míngua de levar, que c'mia-se lá o arjamolho. Des qu' era dado. Ê nã acredití lá munto nisso, mái fiz de conta que sim.

Pôs nã l' es digo nada. Chigô-se lá, aquil' era de f'car embasbacado.

Famila de pratos na mão, p'r tudo q'onto era sito, a c'merem esgalf'tados que, béque-me, 'tavam com medo do arjamolho s' acabar entes de tempo. Aí vi logo qu' o Zé Manel tinha r'zão. Aquil' era dado...

Lá im cimba duma coisa 'tavam uns, com umas colheres de panela que par'ciam da tropa, a tirar arjamolho à rôpa toda p'a umas malgas dum tamanho parvo.

Arjamolho

P'a fazerem o arjamolho, em vez duma malga, tinham um tãinque que dava p'a se t'mar lá banho...

Arjamolho

Uma preçada de môces e moças, tamém de colher funda, mái um coisinho mái pequena, a incher pratos e mái pratos que nã davam agu-ento...

De q'ondo em vez, passava p'r uns com um chapéu d' aba caída, uma capa chêa de medalhas e inda mái um medalhão pindurado ô bescoço, tudo d' igual, pensí:

- Isto sará a Guarda daqui qu' agora tem esta farda? Nã l' acho munto jêto, mái beh!

Pergunto ô Zé Manel:

- Zé Manel, mái atão o qu' é que sã estes, tôdes vestidos desta manêra?

- Ó ti Refóias, isto sã aí os da confraria. Foram eles que fazeram este concurso. Nã vê além aquele chê de medalhas? É o chefe deles, o grã-mestre.

- Mái atão e moram p' aí nalgum convento perto, qu' ê cá nã tenha ôvido falar?

- Nã senhora. Eles sã sóiços da confraria más é de comer e bober. Nã sã frades nenhuns... E atão fazem estas coisas qu' é p'a serem falados.

- Tó diébe, mái atã p'a comer e bober é preciso se vestirem daquela manêra?!... Ê cá, désna que tenha vontade e dec'merzinho, até em ciroilas ê me rapimpo com um jantarinho qu' a minha Maria faça. E, em tendo fastio, nã serve de nada me vestir desta ó daquela manêra que nã dô c'mido...

- Eh'q, ê logo l'e dexplico isso melhor, um dia destes, qu' isto aqui 'tá munto barulho e nã vã eles ôvir o que mecêa p' aí diz e encherem uma barrigada de rir às nossas tensas.

Grão-Mestre

O chefe deles tôdes 'tá bem carregadinho de medalhas e medalhõs...

Mái, méme assim, inda me voltí p' ô mê compad'e Jôquim e dig'-l'e:

- Ó compad'e, mái atã d' adonde é que par'ceu tanta famila? Isto, a maior parte nã sã de cá, calhando...

- Ê sê cá... Más olhe que Vila Nova já é uma grande terra. Eles nã hõ-de gostar da gente l'e ch'mar Vila Nova. Hõ-de qu'rer que se diga Portimão, mái tamém eles chamam parentes à famila lá de Monchique e a gente tem que se f'car...

- Inda m' alembro de q'ondo eles iam lá de pé descalço vender barbigão... Era uma medida, cinco destõs. Agora, s' a gente os qu'rer, tem que s' os vir comprar à praça e bem caros...

- É verdade. E a gente, q'ontas vezes se vêo com um cravanito im cimba dum burro vendê-lo p'r cá...

- Mái inda me ponho cá a cismar e nã dô alcançado bem o perquém disto tudo. Tanto cagaçal, tanta tel'visão, tanta coisa de roda disto pre mode quem? P'a darem um arjamolho a quem no qu'ser vir aqui c'mer?...

- Ora, nã sabe mecêa qu' isto agora é tudo assim. Só o qu' ajunta famila é que l'es ent'ressa. E a famila tamém só gosta é de marafundas. Que mecê nã pense, uma bela parte dos qu' aqui 'tão é pessoal de Lisboa, que vêem p'ra cá este mês, e pedem d'nhêro ô banco p'a gastar... Foi o mê Zé Manel que me disse e ele sabe disso.

- Já nã tenho cabeça p'a isto. Lá no mê monte é qu' ê 'tô bem e q'onto mái nã vale uma festa de S. Antóino em Marmelete ó a de S. Romão no Alferce. Aquilo sim, é qu' a gente s' ad'verte...

E cada vez par'cia mái famila, qu' aquilo já se custava a dar andado lá. Eram só encontrõs p'a um lado, pisadelas p'a ôtro...

Já de nôte cerrada, inda cantô um grupo ali da F'guêra que foi o qu' ê gostí más. Olhe, apresentaram umas modas - umas algarvias ôtras alentejanas - todas bonitas e bem trabalhadas...

Grão-Mestre

Despôs d' encherem a barriguinha, 'tava tudo a ver os ranchos...

E foi assim qu' eles f'caram lá nesse livro dos que fazem as maiores parvoêras do mundo e a gente pôs-se a andar caminho do monte, qu' o Zé Manel, no dia a seguir, tamém tinha que trabalhar e nã se descudô munto nas horas.

À saída, inda me prècuraram s' ê cá gostava de levar um diploma, qu' era barato.

- Atã q'ont' é que custa?

- São só dois euros e o produto da venda é para uma obra de caridade.

Disse-me um senhor, munto pr'nóstico, com voz de Lisboa, mái com cara de boa pessoa. E lá disse p'ra donde ia o d'nhêro, ê cá é que nã m' alembro já.

- Atã, 'tá bem. S' ele é isso, dê lá p'ra cá um e tome lá os dôs eros. E tamém me calha, qu' ê cá de diplomas só tenho p'a lá o da tercêra classe e já bem puído dos anos.

- Que nome é que deseja que ponha?

- Olhe, ponha o mê e da minha Maria, que fica-se logo os dôs no mémo.

- E o seu é...

- Ponha assim: O Parente da Refóias e a su Maria. Nã acha que fica bem?...

- Acho, acho... Põe-se sempre a gosto do cliente.

É menino, q'ondo o homem me dé aquilo tã bem fêtinho, até f'quí repeso de nã comprar dôs. Um p'ra mim ôtro pr' à minha Maria, mái atão já 'tava...

Semp'e se punha um lá no quarto da cama, no itager do mê lado, e o ôtro lá no tabique da casa de jantar ó atão na pelhêra da casa de fora.

Até p' à semana e Dés os acompanhe.

04 agosto 2006

Marmelete: A Fêra do Artesanato - Sigunda arrencada

Jorge Coisinha

As engerócas do sr. Jorge Coisinha foncionam todas...

Nã precisô dar más que três ó quatro passos, f'cô-se logo em par das engerócas do sr. Jorge Coisinha. C'm' ele tem cabeça p'a em-maginar tantas coisalhas e pôr aquilo tudo a foncionar é que me dá que pensar...

Inda se passô tamém ô pé dumas coisas d' abelhas. Tudo munto bem apresentadinho, com mel, água-mel, favos de mel e, p'a convindar o frèguês, uma garrafinha d' aguardente. A fazer caso no estado qu' a garrafinha 'tava - já quái vazia - hõ-de ter tido munta freguesia inda entes d' ê cá lá chigar...

Produtos apícolas

Que belo favo de mel p'a uma pessoa se consolar a chupar...

Diz logo a minha Maria:

- Ai, homem. Tanto que m' apetecia levar um frasquinho d' água-mel p'a casa. Gosto tanto daquilo, de manhã ô café. Põe-se um coisinho drento duma t'jalinha e vai-se molhando lá umas sopinhas de pão. Nem posso pensar...

- Ó, m'lher, atã, se t' apetêce, compra... Nã te disse já que se nã t'veres d'nhêro àvonde, podes tirar aqui da minha pataca?... Olha, e calha bem qu' ê cá tamém nã desgosto de molhar um pedacinho de pã-de-rolão na água-mel. Q'ond' era moço e o mê pai tinha p'a lá um cortiço ó dôs d' abelhas, usava munto a fazer isso.

De manêras qu' a m'lher lá comprô um frasqueco d' água-mel, bem pequenalho, p'r sinal. Nã fosse ela gastar cinco eros num grande, mandô vir um de dôs eros e mêo qu' aquilo é pôco más q' um didal... Semp'e quero ver o tempo qu' aquilo dura...

Isto, a minha Maria é assim. Int'ressêra até mái não... P' à gente l'e ver luzir, nem que seja um destanito, lá dos ovos das galinhas dela, é uns trabalhos... Mái, vá lá, ela inda ter comprado méme o mái pequeno, sem m' ir à pataca, já foi uma grande coisa...

Inda l' of'reci se nã qu'ria chupar um coisinho do favo, más ela pôs-se-me com coisas, que nã quer engordar, que faz mal ôs diabêtes, méme p'a quem nã os tem, que nã sê quem que nã sê que más, e nã quis. Ah, nã queres, atã más apôpo...

E lá se foi andando mái um coisinho até adonde 'tavam os homens da verga. E nã desatem p' aí a pensar em coisas ruins qu' ê 'tô a falar dos que trabalham com vimes. Os cestêros ó lá c'm' é l'e chamam, que fazem canastras, cestos e coisas assim.

Ora repáirem lá bem na obra do mest' Jôquim Braz:

Mestre Joaquim Braz - Cesteiro Mestre Joaquim Braz - Cesteiro

O mest' Jôquim Braz faz désna de cestos de verga descascada até canastras-de-carregar...

E agora vejam o que se faz na cestaria do mest' V'rgil'o:

Mestre Virgílio - Cesteiro Cestaria

O mest' V'rgil'o já tem um ajudante que nã l'e fica atrás...

Mestre Virgílio - Cesteiro

Este mecinho, um dia, inda há-de fazer canastras tã bem com-m' o mest' V'rgil'o. Dig' ê cá...

E inda 'tavam p' ali mái umas coisalhas em verga, mái o homem - moço inda novo - nã me dé l'cença de tirar retratos, nã l'es posso amostrar. Era assim umas garrafinhas, de tôdes os fêtios, empalhadas com verga fina. Verdade se diga, uma coisa tamém bem trabalhada e bonita ô bem fêto.

'Tava ê cá munto bem nesta entretenga dos retratos e de desenferrujar a língua com esta gente tã hab'lidosa, qu' é um consolo tramelar com eles, desata a música a tocar. Era méme ali à rés d' adonde os homens 'tava com a verga.

Pronto. Deram-me cabo do mê arranjinho todo. Nã hôve mái conversa, nã hôve mái retratos, nã hôve mái nada...

Tive que desòpilar dali e bem depressa. E sabem perquém? Nã é lá qu' as modas nã fossem bonitas, qu' elas eram, má é qu' aquilo tocavam-as cá com uma força qu' até estramecia tudo. Tinham p'a lá umas caxas pretas, quái da altura d' um homem, aquilo saía de lá uma urrada qu' até...

E, despôs, a famila, em ôvindo barulho, acode tudo... Ora, prantam-se tôdes ali duma manêra, quái im cimba uns dos ôtres, que mái retratos, viste-se-os...

Mái, ô fim de contas, aquilo foi uma festa do melhor. F'quí munto contente com o dia que lá passí e com tudo o que lá vi. Bençoado quem se dá ô trabalho de fazer aquelas coisas.

E 'tô a falar tanto dos artesãs com-mo dos que lá vão ver. E tamém de quem dá alguma coisinha p'a pagar as despesas daquelas coisas todas, que, calhando, há-de ser a Junta de Freguesia.

Fiquem-se tôdes na paz.