19 dezembro 2008

"Memória das Coisas" do senhor Carricinho

A Memória das Coisas - António da Silva Carriço
Mái um livro do senhor Carricinho

Sáb'do passado, fui até à Biblioteca. D'zeram-me qu' iam dar p'a lá uma festa, com comes e bebes e tudo, p'a amostrarem um livro com uns contos qu' o senhor Carricinho escreveu e ê cá nã me dí aguentado sem par'cer p'r lá.

D'zer a verdade, isso nã era coisa qu' ê fazesse ô homem. Atã s' ê sô amigo dele, gosto tanto de ler o que qu' ele escreve no Jornal de Monchique... e nã par'cia lá numa ocasião destas?!... Más a más, qu' o tempo 'tava infarruscado que nem o diacho e, a nã ir lá, p' adonde é qu' ê cá ia...

Pôs atão, fiquem sabendo que fui e nã dí o tempo p'r mal empregue. Aquilo foi uma coisa munto emportante, nã cudem. Se vissem o gentío que lá s' ajuntô...

A Memória das Coisas - António da Silva Carriço Punhana!... ô lado do homem só 'tavam dôtores...

Olhem, aquilo era Dôtores, era Professores, era os dos partidos - os que 'tã na Câm'bra e os que nã 'tão, mái querem ir p'ra lá - a famila do Jornal de Monchique e da Rádio Fóia, ê sê cá o que más... E despôs, era ê cá e mái uma mêa-dúiza assim c'm' ê cá.

O mê compad'e Jôquim do Barranco nã foi, o marafado... Des que sabe ler pôco e, atã, agora, com a falta de vista que tem, inda menes. Méme com uns óc'les qu' o Zé Manel trôxe lá d' adonde ele trabalha - foi um estrangêro qu' os dêxô lá, uma vez, desquecidos - e l'e deu, já nã se defende.

Qu' ele, d'zer a verdade, podia munto bem ter ido, que nã tinha precisão de ler lá nada. Aquilo era só p'a se os ôvir - e olhe que cada qual falô q'onto pôde... - e, os que t'vessem um coiséco mái de vergonha, comprarem o livro p'a o lerem im casa com mái vagar...

A Memória das Coisas - António da Silva Carriço
...e um lindessíss'mo ramo de flores...

Mái, dêxando de rir p'a mangar, gostí munto d' ôvir a conversa dos homens. Tôdes falaram munto bem - cada qual à su manêra, 'tá bom de ver - a começar no Sr. Presidente da Câm'bra que, com perdã da palavra, 'tava de munto boa avêa, c'm' quái sempre, e a acabar no Senhor Carricinho que tamém 'tava contente, mái, ô méme tempo, im certa altura nã se livrô de quái se l' arrasarem os olhos d' água.

E nã era caso p'ra menes. Com tanto coisa bonita que d'zeram a respêto do homem - tudo verdade, nã cudem! - quem é que nã f'cava naquele estado?... Olhem, um professor-dôtor que vêo de Faro d'apr'pósito, ch'mado Antóino Mendes se nã 'tô im erro, nã l'es digo nada. Aquilo só com um agravador qu' ê cá nã l'es dô incarecido o qu' aquele homem p'a lá pintô com respêto ô livro do senhor Carricinho e ôtras coisas lá da vida dele.

De manêras que, à uma, 'tava já d'jando de me vir imbora p'a desatar a ler aquilo tudo qu' o senhor Carricinho escreveu, mái, à ôtra, 'tava-me tamém luzindo o olho p'r umas coisas de comer qu' eles puseram lá im cimba duma menza, qu' aquilo tinha aira de ser coisa boa. E ninguém tinha ordem p'a tocar lá inq'onto nã acabassem tôdes de falar. Foi o que se deu.

A Memória das Coisas - António da Silva Carriço
Q'ondo chigô a vez dele, o senhor Carricinho falô c'm' só ele sabe...

E, ôtra coisa, o senhor Carricinho, despôs do faladoiro, inda se pôs a escrever dedicatóiras nos livros dos que compraram. Más, aí, vêo a mê favor, que f'quí com um livro do mái bonito que possa ser e haver, e bom, e com a letra de quem no escreveu a me mandar um abraço.

Ô certo, ô certo, é que aquilo só acabô já era de nôte e de nôte bem cerrada. Mái vá lá qu' a chuva já tinha abrandado e tamém nã me tinham limpado o mê chapé-de-chuva qu' ê cá dêxí logo à porta da antrada. E, verdade se diga, leví toda a tarde a catarruar só cá p'ra mim s' ele inda lá 'taria à saída...

Mái, voltando ô livro "Memória das Coisas", chego a casa, já nã me dé jêto rapimpar-me com o decomerzinho qu' a minha Maria p'a lá tinha fêto - des que "quem nã come p'r ter comido, nã é doença de p'rigo"... - e joguí-me foi logo a ler aquilo tudo d' infiada. Foi até às tantas...

A Memória das Coisas - António da Silva Carriço
E, ô fim, p' ôs que qu'seram, inda pôs uma dedicatóira no livro. Ê cá quis logo...

'Tá bem qu' ê cá já tinha lido aquilo tudo, ó quái tudo, no Jornal de Monchique, mái ler, assim , no livro béque-me dá ôtra enfluêinça, o qu' é que mecêas querem... E inda ôtra: o homem fala lá de coisas d' ôtres tempos que, quem conheceu, c'm' ê cá, até fica insampado.

Assim, de chofre, vem-me à idéa o Viva à Rússia, o Zézinho Bartolomeu, o Ti Arraúl, o Jôquim Inês, o Zé Lôrenço e ôtres tantos.... Fala neles tôdes e im munto mái coisas ainda. Comprem o livro "Memória das Coisas" e logo veem se nã morêce bem o d'nhêro que custa. É de ler uma vez e ôtra, fiquem sabendo, e um bom sapatinho, agora p' ô Natal...

Olhem que só foram fêtos mil!... E p'r o caminho qu' a coisa levava no dia da apresentação, im menes de nada se vã acabar. C'm' já se dé na pr'mêra edição. E despôs nã digam qu' ê cá nã nos avisí...

Até qualquer dia e bom Natal p'a mecêas tôdes.

04 dezembro 2008

Anda por 'í um poder de javalis

Javalina com crias
A escravelhêra dé um ronco, alevantô o trombil... Inda cudí qu' ela me jogasse um fiaço......

Naquela vez qu' o tal grifo apoisô lá no telhado do mê compad' Jôquim do Barranco, aquilo, 'tá bom de ver, servi de faladoiro p' ô resto do dia. Cada qual contava lá as partes que l'e vinham à cabeça - umas verdade, ôtras mintira.

E, antão, o parente Zé Caçapo, verrinoso c'mo é, tinha qu' ingeròcar logo uma inda mái estrambólica qu' à dos ôtres. Qu' ele - calhando, mecêas tamém já o conhêcem - nã s' acontenta com pôco... Más, o pior, é qu' o badalo impurra com aquelas gradessíss'mas mintiras, afiança que sã verdade e inda quer que qualquer um acradite...

- Mái, vomecêas, haveram de ter visto aquilo... Isto, apoisar aqui um grifo - ó lá qu' o Zé Manel l'e chama... - nã tem nada a ver com o que se dé com-migo, ontordia, ali nas Portelinhas...

- Grande mintirão qu' ele vai pôr, punhana!... - diz o Zé Manel só p'ra ê cá ôvir.

- Cala-te pr' aí, Zé Manel... Olha que s' ele ôve...

- Aquilo já era assim lusco-fusco, ia ê cá munto bem sa senhora boa vida caminho de casa, oiço um ronco ali p' trás duma mongariça, nã é que panhasse medo, mái dí um estrameção e f'quí assim, béque-me, a olhar p' àquilo...

- Alguma luca...

Javalina com crias
As porcas, em tendo bacorinhos, sã ruinzíss'mas...

- Ó rato tòpêro...

- Um rato tòpêro me saíste tu... Era más era uma escravelhêra com um rabanho de bacorinhos... Logo, só vi os bacoralhos, mái, despôs, dô com a mãe, uma porca de tod' ô tamanho, já com com uma preção de barrigas...

- Tinha fugido dalguma malhada?

- Qual malhada... Era dessas brabas... Negra que nem um cravão e com uns sês ó oito bacorecos, tôdes marelinhos às riscas....

- Uma javalina com crias... - diz o Zé Manel.

- Sim, pr' aí uma coisa dessas... Chama-l'e c'm' qu'reres...

- Atã, e despôs? Fugi tudo com medo de si?...

- Que jêto?!... Ê cá é que me vi im traquetes com aquilo... O bicho volta-se p'ra mim, os bacorecos foi tudo p' à roda dela, põe-se assim béque-me a chêrar p' ô ar, dá ôtro ronco e avença d'rêto a mim que nem um seta...

- Isso i'-ô comprimentar, ti Zé...

- 'Tás a antrar com-migo?!... Ai ia-me comprimentar... Ela ia más era me dar uma dentada, s' ê cá nã fujo tã depressa p'ra riba dum madronhêro que 'tava logo ali da banda de cimba do casminho...

- Vomecêa?... P'ra riba dum madronhêro?!...Javalina

- Sim!... Ingraminhí até ô bico que nem uma fita... Q'ondo a porca chigô ô pé do tróçoê cá ia na sigunda pernada...

- E ela jogô-se atrás de si, ó quem?

- Alguma vez?!... Aquilo era uma madronhêra quái do tamanho desta casa... F'cô ali a olhar p'ra mim e vá de morder no tróço que l' ia tirando a casca toda logo ali à rés da raiz...

- Ora mecêa a assubir um madronhêro à rôpa toda... 'Tá-se méme a ver... Nem p'ra cimba duma urza mecêa se dá jogado, q'onto más...

- Ai nã dô... Lá pensas qu' és mái safo do qu' ê cá...

- Pagava p'ra ver!... E posto que mecêa, s' alguma vez visse uma porca braba - que nã viu - nem tampôco dava dado um passo qu' ela nã l'e t'vesse já jogado a boca ôs fundilhos das calças...

- O quem?!...

É pá... aí, o parente "Verruma" dá-l'e uma gavierra, - o homem é munto inzainadiço - faz-se d'rêto ô Zé Manel, inda vi jêtos deles se pegarem.

Mái, o mê compadre, assim c'm' quem nã quer a coisa, passô p'r o mêo deles, jogô a mão ô chapéu, dá um incalhão no ombro do ti Zé qu' o homem dá logo um gangueão p' ô mê lado.

- Ó t' Zé, desculpe lá, foi sem qu'rer... Tenho que mandar alisar esta rua. Atã, nã vê, incalhí ali naquele alto, ia caindo p'ra cima de si...

- ?!...

- Olhe lá, - aqui piscô-me o olho... - nã quer ôvir uma parte que se dé tamém com-migo, faz aí coisa dum ano, além no Covão da Loba, com bicharada dessa? Aquilo foi uma coisa temente...

O ti Zé Caçapo nã f'cô assim munto convencido, mái o mê compadre piscô-me ôtra vez o olho, qu' ê vi logo que nã ia sair dali boa, e desatô a contar a dele.

Crias de javali
Im piquenalhos, quem é que diz que sã o que são?...

- Pôs com-migo foi inda munto pior... Panhí uma rabana dessa vez que nunca mái me dô desquecido.

- Mái ôtro intrujice do mê pai igual à do ti Zé... - Diz o Zé Manel, que nã tinha visto ele piscar o olho.

- Ó Zé Manel, dêxa o homem falar... C'm' é que foi, compadre, c'm' é que foi? - Dig'-l' ê cá, a ver s' a coisa disfarçava e eles nã s' ingalfinhavam pr' ali.

- Más isso, atão, foi inda im mêa tarde, ia o sol bem alto. E 'tava cá uma calma...

- Querem ver que se jogô p'a drento d' algum tãinque, méme sem saber nadar, e 'tava lá alguma cobra-d'-água qu' o qu'ria ingolir...

- Pior!... Munto pior!...

- Perdé o pé e dé uns gragolêjos méme sem querer...

- Ia ê cá, suado até mái não, passando p'r baxo daqueles saicêros que 'tã lá na r'bêra e consolando-me com aquela fresquidão da sombra deles, oiço tamém um barulho...

- Algum escalavardo... ó zorra... ó, atão, alguma felosa a c'mer amoras...

Javalis
Os grandes gostam é de levar no espòjêro...

- Assomo-me ali pr' a baxo p'a um pego adonde, nôtres tempos, usava a panhar uns bordás com raiz de travisco, aquilo 'tava quái seco.

- Atã, isso era alguma iró a dar saltos já im seco...

- Dô mái um passinho ó dôs no mê dumas rabaças, com munto jêtinho p'a nã fazer barulho, o qu' é que me havera de par'cer ne frente, assim de chofre?...

- Um gato brabo a bober... - Diz o Zé Manel, sempre no gozo...

- Nã senhora... Três porcos brabos do tamanho de bezerros!...

- Punhana!...

- Os três espaldêrados ali no mê da lama a se espòjarem... Mal se l'e viam os olhos...

- Tamém pagava p'ra ver... Mecêa com os olhos tôdes esbugalhados e sem saber o que fazer... - disse ê cá p'a ajudar a compôr o romãinço.

- Ê sube logo munto bem o que fazer, nã cude. Abalí a fugir, dí um pulo que salví as rabaças e o córgo p' à banda de lá, e joguí-me ô tróço duma sobrêra...

- Nã me diga que tamém assubiu a sobrêra até ô bico?!...

- Ora assubi... Fui até à últ'ma ramaja...

- E os javalis?

Javalis
Munto pórco-javardo há por 'í, agora...

- Fazeram c'm' à porca braba do ti Zé. Puseram-se a fugir atrás de mim, bateram com o trombão na corcha e um inda s' impulêrô numa forca baxa qu' a arve tinha logo aí a uns cinco ó sês palmos do chão...

- Inda foi sorte... Se calha a ser numa madronhêra grossa, os bichos inda s' afituravam a partir algum dente, mái, assim, a corcha amortecé o porro...

- Méme assim, um, q'ondo se foi imbora, inda ia escorrer a sãingue, nã cude...

- E 't'veram lá munto tempo, compadre?

- Cale-se aí... Aquilo durô a tarde quái toda... Já cudava que tinha de dromir im cimba da sobrêra. É qu' os bichos prantaram-se ali à coca e nunca mái s' iam imbora, e, s' ê cá viesse p'ra baxo, eles faziam-me a falseta...

E a conversa foi durando quái toda a tarde, c'm' à espera dos javalis, até qu' o Zé Manel, já farto daquilo, saltô com a gente:

- Olhem lá, que vocêas eram três velhos imparvetadosê cá sabia, agora assim tã mintirôsos inda não... Calem-se más é já pr' aí com isso... Cudam qu' alguém acradita im tanta parvidade?...

E era verdade. Os javalis nã fazem figuras daquelas. De dia, 'tã, quái sempre, a dromir. E, em sentindo a gente, fogem logo. Só se 'tarem feridos é qu' é melhor nã ir munto p' ô lado deles.

E alguma porca que tenha bacorinhos tamém nã gosta qu' uma pessoa os vá impertenecer. Aí, é capaz de l'e dar alguma ravasca e cudadinho com ela...

Ô certo, ô certo, é qu' ele, agora, há por 'í javalis até mái não. E, na lua chêa, já tenho ôvisto uns tiros, assim ô longe, aquilo nã passa sem ser eles aí a caçá-los p'r esses cerros.

Fiquem-se com Dés, até qu' a gente se veja.

24 novembro 2008

Apoisô um grifo no telhado do mê compadre

Um Grifo em Monchique
Apoisô um Grifo no telhado do mê compad' Jôquim...

Este ano, fiz uma contrata com o mê compad'e Jôquim do Barranco. C'm' à gente já nã se pode grande coisa, qu' a idade já é munta, resolvé-se panhar uns madronhitos os dôs e fazer-se uma aguardentinha a mêas p'a se ter p' ô gasto da casa.

De manêras que, é o qu' a gente temos andado a fazer. E, olhe, já se vai com uma vasilha chêa e ôtra a mê caminho...

Más isto vem ô caso premode uma parte que se com a gente, um dia da semana passada. Vinha-se os dôs munto bem, cada qual com a sua sélha de madronhos ô ombro, à précura duma buchazinha p' ô almoço, desata-se a ôvir o canito do mê compadre numa grande ladrada.

Logo, cudí qu' aquilo era premode o ti Zé Caçapo "Verruma" vir logo à frente - qu' ele, nesse dia, dé uma manita à gente e panhô tamém uns dôs ó três baldes de madronho. Mái, c'm' o bicho nã se calava de manêra nenhuma, digo p' ô mê compad'e:

Um Grifo em Monchique
O ti Zé Caçapo quis-l'e dar uma pàzada na cabeça, más o bicho nã tirava os olhos de cima dele...

- Compad'e, mái atão o qu' é que se passa com o sê Lanzudo - é o canito dele - que leva p' ali a ladrar désna qu' a gente aqui chigô e nunca mái se cala?!...

- Sê cá... Há-de ser premode aqui o t' Zé... Nã sabe qu' ele 'tá-se semp'e a meter com o bicho? Ora, o cão nã no pode ver...

- Ai é p'r causa de mim?!... Nã é qu' ele é azedo que nem um raio... Mái, s' é pra mim, nã sê a r'zão dele 'tar só a olhar é àlém p'ra cimba do sê telhado. Calhando é carolho c'm' ô dono...

Aí, o mê compad'e Jôquim nã gostô lá munto da amenção - qu' o homem, graças a Dés, nã é carolho, nã senhora... - e béque-me ia já responder ô consoante ô ti "Verruma".

Mái, nesse mê tempo, a c'madre C'stóida que tinha vindo à rua mandar a gente s' aviar a ir pr' à menza, entes qu' o dec'merzinho arrefecesse, olha p' ô telhado e dá um eco:

- Ai, valha-me Nossa Senhora!... 'Tá um bicho àlem ô pé da ch'miné!... E a olhar po' ô galinhêro... Ai minha bela Bicosa qu' ele inda m' a leva!...

Um Grifo em Monchique
E dé um avoão...

- O que sará aquilo?!... Algum bufo?... - Diz o "Verruma".

- Qual bufo nem qual quem!... Aquilo é más é um sapêro. E grandalhão que nem um capacho...

- Sapêro?!... - dig'-l' ê cá.

- Pôs. Ó, atão, algum gavião...

- Gargaludo c'm' àquilo é?!... Nunca vi p'r 'í bicho assim... Más, olhe, vem ali o sê Zé Manel e ele é moço p'a tirar já aqui as temas todas qu' ele conhêce qualquer coisinha disso.

- Atã, prècure-l'e lá a ver o qu' é qu' ele diz...

O moço, atão, nem foi preciso a gente l'e d'zer nada. Repàirô que se 'tava tôdes d' olhos pôstos no bicho, pôz-se tamém a olhar e nã tardô nada salta logo com a dele:

- Vê-se logo que vocêas nã percebem nada disso... Inda ontordia eles 'tavam a amostrar b'charada daquela na tel'visão. É tal e qual uns qu' eles l'e ch'mavam grifos. Até, béque-me, d'zeram qu' uns eram grifos e haviam ôtros mái ó menes par'cidos ch'mados abutres...

- O quem?...

- Sa senhora. E os brasilêros têm p'ra lá uns que l'e chamam urubus...

- Ora, brasilêros... Esses saganhetas tinham que l'e pôr logo um nome desses...

- Nã fale mal dos brasilêros, compad'e Jôquim... Olhe qu' ê cá vô-me pôr isto tudo na internet e, despôs, eles podem parcer-se mal... E há uns centos deles que usam a vir aqui bispar isto tudo...

- Atã, diga-l'e lá a eles qu' ê cá disse isto a mangar...

Um Grifo em Monchique
Quái que perdé altura, mái baté ôtra vez as asas...

- Vejam lá s' o estapôr do bicho me leva é alguma galinha... Ai minha bela "Bicosa", qu' é uma poedêra do melhor qu' ê cá já tive!... E a galinhita-da-índia que tem pintaínhos... Vô-me já gôrdá-la im casa...

- Nã s' apequente, minha mãe, o bicho des que só come carne de bichos já môrtos...

- Fia-te nisso, C'stóida, fia-te... Nã tarda nada 'tás más é com uma galinha a menes... S' ê fosse a ti, prendi-às más era já...

- Lá 'tá mecêa, mê pai... Atã s' ê l'e digo qu' o bicho nã é cacenho... Na tel'visão afiançaram qu' eles só comem o qu' incontrem morto aí p'r esses charazes...

Salta o "Verruma":

- E tu acraditas nisso tudo, Zé Manel?!... Nã sabes qu' esses da tel'visão sã uns mintirôsos que nã se pode uma pessoa fiar neles?... 'Pera aí qu' ê já te digo o qu' é qu' ê faço...

Um Grifo em Monchique
E voltô caminho da gente ôtra vez...

E joga-se a uma vara de calitro que 'tava ali incostada à parede da casa, põe uma escaida im frente d' adonde o bicho 'tava apoisado, assobe uns dôs ó três degraus de pau nas mãs, tôdo fêto p'a dar uma pàzada no b'chinho. Arrulha-l'e o Zé Manel:

- Ó ti Zé, dêxe o bicho descansado, home!... Atã, que jêto uma coisa dessas?... Gostava que l'e fazessem o mémo e l'e tanchassem aí com um pau na lombêra, sem mái nem menes?...

- Na lombêra?!... Ê dô-l'e logo é na cabeça, qu' ele há-de cair de pantanas ali no mê do chão...

- Nã tenhas cudados, Zé Manel, qu' ele nã l'e dá acertado. Pensas qu' o bicho é parvo?... Tã penas o pau chegue lá p' ô lado dele, dá um avoão e vai-se imbora... E inda quem se vai dar mal há-de o t' Zé. Dêxa que já vês...

Um Grifo em Monchique
Inda cuidí qu' o marafado se jogava a mim...

E assim foi.

O ti Zé Caçapo com aquela enfluêinça toda d' acertar na cabeça do bicho, desquecé-se que 'tava im cimba da escáida. Sigura na vara com as duas mãs, vai p'a dar o porradão no bicho, ele dá dôs passinhos mái p'ra cimba, furta-se à vara e dá um avoão.

A vara bate na ponta do telhado e desliza p' à banda de lá... A escáida dá varêjo, ele larga o pau das mãs, dá um gangueão e, nã l'es digo nada, foi p'r um nadinha que nã baté a apèraja no mê do chão...

O grifo, esse atão, abriu as asas e lá foi prê abaxo com elas esticadas a ver se dava tomado altura. Más a coisa nã l'e corré assim munto bem, teve que bater as asas três ó quatro vezes, q'ondo não, inda apoisava, mémo sem qu'rer, num milho paínço qu' o mê compadre tem sameado no cantêro do mêo.

Aí, dé mêa-volta e vêo, ôtra vez, p'ra este lado. Quái até que me vi inrascado com ele, qu' o marafado, a certa altura, imbicô d'rêto a mim, inda cuidí qu' ele nã gostasse de f'car no retrato... Mái o qu' ele tinha no sintido era apoisar ôtra vez no mémo dito telhado do mê compadre.

Só qu' o parente "Verruma" inda lá 'tava de pau alçado ô pé da escáida e o bicho, que nã é parvo dum todo, barimbô-se nele, baté a asas mái uma vez ó duas e foi apoisar, mái pralàzinho, nas casas da ti Zabel Tomé.

Um Grifo em Monchique
Passados três ó quatro dias, andava ele a avoar já lá p' às bandas de Vila Nova...

E c'm' à gente tinha qu' ir panhar mái uns madronhitos da parte da tarde, dêxame-se-o da mão e foi-se bater o almocinho qu' a c'mad' C'stóida tinha lá p' à gente.

Passados três ó quatro dias, tive precisão d' ir a Vila Nova e, ali na zona do Porto de Lagos, puz o gargalo de fora da janela da camineta da carrêra e inda o vi a avoar à roda, já a uma bela altura, nã sê se à prècura d' algum bicho que p' ali 't'vesse morto ó se p'a s' ir imbora p'a ôtre lado, qu' aqui, calhando, nã dava governado vida.

Ó se nã era ele, era um parente dele que l'e dava muntos ares...

Tenham munta saúde e até um destes dias.

05 novembro 2008

O blog "Arranhí Pacanherra"

Blog 'Arranhí Pacanherra'
O blog dos "Pacanherros" é do mái completo que possa ser e haver...

Em me dando cobiça de rir um pôcachinho, tenho p'r c'stume d' ir devassar o blog duns môces que moram lá do lado de lá de Vila Nova, béque-me no Parchal. Nã é qu' ê cá os conheça lá munto bem, mái des qu' inda sã de familas aqui de Monchique, p'r menes, dôs ó três deles e, antão, inda mái festa me dá...

Já agora que falí nisso, inda agora m' assomí lá só p'à amostrar o mê compad'e Jôquim do Barranco qu' as coisas nem semp'e sã bem c'mo ele quer qu' elas sejam. É qu' o home, d' ora im q'onto, dá-l'e umas manias e toca de tem-mar qu' o qu' ele diz é qu' é verdade.

'Tava-se a gente munto intretidos, assantados méme aqui ni pial da minha rua, ele desbrugando um pero maláipo - nã sê adonde ele o desincantô qu' ele perêros daqueles nã tem... - e ê cá a olhar p' àquele serviço qu' o pero 'tava mái verde que sê cá o quem, vêo a conversa dos "Pacanherros".

Diz ele:

- Mái isso nã sã uns môces-pequenos qu' o mê Zé Manel já tem falado que põem p' aí umas parvoêras nessa coisa que mecêa fala, a intre... intre... nem ê cá sê bem o nome dessa mechas...

Blog 'Arranhí Pacanherra'
Isto é coisas qu' eles pôem no YouTube...

- Internet, c'pad'... Internet, qu' é adonde tamém 'tã aquelas coisas qu' ê cá faço... Cachamorra, que vomecêa, tamém, p'a aprender qualquer coisa...

- Olhe lá, atã s' ê cá nã fui à escola p' à aprender a nossa fala, quer qu' ê saiba d'zer esses nomes estrangêros?...

- Bom, mái dêxamos isso da mão... Os môces 'té que são bem caçados. De tanta parvoêra que dizem, qualquer um, q'ondo dá por ela, 'tá-se a desmanchar com rir... Se mecêa visse o qu' eles pintam...

- Eh'q!... Cá p' ô mê lado, nã sê, nã sê... P'a ê cá me dar festa só se ser uma coisa munto completa...

Más, olhem. Nem d' aprepósito, vinha o Zé Manel assomando à ponta da rua. Assim l'e bradí, logo:

- Ó Zé Manel, anda cá aqui qu' é p'a tirares umas temas com-migo e com o tê pai...

- O qu' é que vocês já 'tã pr' aí a empencer? Parêcem dôs môces-pequenos... semp'e a imblicar um com o ôtro...

- Olha lá, nã sabes aqueles môces lá de baxo do Algarve, lá do Parchal ó coisa assim?... Que tal achas deles? Nã sã bem caçados?

Blog 'Arranhí Pacanherra'
No "Áluim", os amaricanos fazem caras com abób'ras e velas...

- Quales? Têm algum conjunto que toca nos balhos?

- Nã, os do "Arranhí Pacanherra"... Aqueles que fazem umas coisas assim mê aparvetadas e pôem na internet... E já uma vez se meteram com-migo, os marafados... (veja aqui)

- Ah, esses?!... Isso sã uma classe!...

- Ê nã l'e disse, compadre?... Aquilo é qu' é uma coisa chigada ô qu' é bom...

- E tu que nã 't'vesses semp'e contra mim... P'ra ti, o c'pad' Refóias tem semp'e r'zão...

- Ó mê pai, nã é 'tar do lado deste ó daquele, é qu' ê cá aprecêo aquelas coisas qu' eles fazem. E mecêa veja e logo me conta...

- Ó Zé Manel, trazeste o tê comp'tador? Aquele daquela malinha?

- O mê "Magalhães"?

- Nã é o tê cão... Falo no tê comp'tador de mão...

- Ó ti Refóias, "Magalhães" é a marca dum comp'tador qu' o Governo, agora, distribói ôs môces-pequenos da escola e ê cá disse isto p'r graça. O mê cão é o "Mata-cães", premode ele morder munto nos ôtros, já nã s' alembra?...

Blog 'Arranhí Pacanherra'
Este "Pacanherro" é munto bem caçado...

- Atã, s' o trazeste, amostra lá 'í ô tê pai o qu' os "Pacanherros" fazem qu' a gente já vê s' ele gosta ó se nã gosta...

E o moço lá foi caminho do carro b'scar o "Magalhães" dele. Nã tardando nada, voltô com ele, inganchô-l'e p' ali uma peça qu' ele diz qu' é p'a panhar a internet im qualquer banda nem que seja ali no mê das sobrêras, e amostrô aquilo ô pai.

O homem, tem-moso que nem um pórco - isto nã é falar mal do mê compadre... é qu' ele, quái sempre, é méme assim. Mái nã l'e digam nada qu' ele ofende-se... - ô prencipo, fez-se munto sério e até olhava de lado e franzia o sobrolho.

- Mái atã, adonde é que 'tá a graça disto?!... E 'tô ê cá aqui a perder tempo...

Mái, tã penas eles fazeram lá aquela parte dum panhar um grande cagáiço com um espantalho, punhana!, nã s' aguentô, desata a rir, teve qu' amòchar...

- Ai, agora, já se desmancha a rir?!... Atã, des que nã l' achava graça...

- Só nã panhí munto bem foi aquilo do "Áluim"...

- O "Halloween", mê pai, é uma festa qu' os amaricanos fazem p'a lá - calhando nã têm castanhas p'a fazer magustos c'm' à gente aqui e, atão, à noitinha, andam os môce-pequenos de porta im porta a pedir escolates e rab'çados, vestidos de bruxas e de medos.

- Olha que grande coisa...

- A malta põe, quái tudo, umas abób'ras cortadas im jêto de cara com velas acesas drento e quem nã dar nada ôs môces, eles fazem-l'e uma parte.

Blog 'Arranhí Pacanherra'
Andavam os dôs, desincontrados. Cada qual panhô cá uma rabana...

- É qu' ê cá ia méme esperdiçar as abó'bras que tenho ali p'a dar ô mê "Trombão"... Era o que faltava...

- Olhe, p'a l'e d'zer a verdade, c'pad' Jôquim, 'té que nem gosto munto de dar abób'ras ôs mês porcos... Aquilo é decomer munto fraco. Saem abobrêros...

- Nã me diga isso, qu' inda nã foi além nenhuma porca ressaída qu' ele nã a cobrisse im condiçõs e desse sempre uma preçanada de bác'ros...

- Nã s' ofenda, compadre... Ê nã quis desfazer no sê "Trombão"... Aquilo, im barrasco, é do melhor que se pode incontrar... Calhando, sai ô dono...

- Bom, já mecêa c'meça com as suas...

P' ali me desculpí, nã fosse ele embrutar com-migo, e a conversa mudô d' assunto.

Mái, 'tã a ver? Até o mê compadre Jôquim do Barranco se desmanchô a rir com os "Arranhí Pacanherra". Agora vomecêas, que nã sã assim tem-mosos c'mo ele, s 'irem lá, logo me dizem que tal acham as partes deles... Cá p'ra mim, nã dã o tempo p'r mal impregue. Más a más, qu' eles, alguns, sã filhos de cá de Monchique

E fiquem-se com Dés, até ôtro dia.

20 outubro 2008

As cabrinhas anôas do mê compadre

Cabrito anão
Tudo o qu' é piquenalho é ingraçadalho...

Hoje 'tava a fazer conta de l'es falar nôtra coisa, mái passí ali na casa do mê compad' Jôquim p'a ver que tal 'tavam as zêtonas qu' a gente panhô da tal vez, mormente, umas qu' ele britô logo na nôte e pôs na água.

E nã é qu' ele prantô mêa-dúiza numa t'jala e já 'tavam im boas condiçõs?!... Ó, p'a d'zer a verdade, 'tavam inda um coisinho ásp'ras, mái já se comem bem...

E, atão, conversa puxa conversa, dig'-l' ê cá:

- C'pad' Jôquim, ontem ó ontontem, já nã m' alembra bem, béque-me par'cé ver o Mest' Zé Carnêro ir ali prêarriba, nã me diga qu' ele vê aqui à su casa...

- P'r acaso até vêo... Tive precisão dele me fazer aqui um serviço. Mái vomecêa, tamém, 'tá semp' à coca... É que nã dêxa passar nada...

- Nã é 'tar semp'e à coca. É que calhô... Mái nã foi coisa de cudados... ó foi?

- Foi e nã foi. Ali a minha cabrinha anôa teve ch'binhos, más o bichalho vi-se im traquetes, qu' eram logo três e ela é munto piquenalha, e, atão, mandí ch'mar o homem nã fosse se dar o caso do bicho me morrer p' ali e perder aquilo tudo...

Cabras anãs
A cabra anôa do mê compadre pariu ontontem...

- Fez mecêa muntíss'mo de bem... Olhe qu' o homem tem salvo pr' í munto gado...

- Cá p'ra mim, é c'm' se fosse veter'náiro. Só l'e falta ter ido estudar, mái percebe do assunto c'm' pôcos... Se nã fosse ele...

- Lá nisso dô-l'e toda a r'zão. Uma vez, a minha canita Brab'leta tamém 'teve p' ali mal com uma coisa quasequer, qu' até ravirava os olhos, ch'mí-o, ele fez-l'e um tratamento, aquilo foi remédo santo. Im menes de nada, o bicho f'cô bom.

- Ele, agora, tamém vêo pr' aí uma veter'náira nova - uma mecinha qu' inda é filha duma parenta sua - que des qu' é munto intendida. Tenho ôvisto falar munto bem dela...

- E ê cá tamém... Des que vai a tod' ô lado e 'tá semp'e pronta p'a acudir ô que ser preciso. 'Tá tudo munto contente com ela, sa senhora...

- É tamém o qu' ê cá tenho ôvisto...

- Veja lá qu' a minha Maria até anda-me semp'e a zucrinar os ôvidos que quer levar aquela galinha preta qu' ela tem - a Bicosa - à consulta, premode o bicho andar p' ali com uma gosma qu' aquilo não é nada...

- E, lá pr' isso, tem alguma precisão d' ir logo à veter'náira?!...

Cabras anãs
E o b'chalho é danado p'a mamar...

- Atã, q'ontas vezes é qu' ê cá já l'e disse que não?!... Ela que l'e dête p' ali uma gota d' azête p'as goélas abaxo qu' aquilo passa-l'e logo...

- Foi o qu' a minha C'stóida fez aí no prencip'o do verão a uma franganita que 'tava nesse estado... Não há melhor mèzinha...

- Atã, e os sês ch'binhos anãs, 'tá tudo vivo?

- Cale-se aí, c'pad' Refóias, 'tã ali qu' até dá gosto. Ande cá aqui qu' ê cá mostre-le-os...

E lá me levô à arramada.

Mái, nã l'es digo nada. Aquilo é um gado... Os b'chalhos tã piquenalhos que sê cá se serã maiores qu' o mê gato, o Caça-ratos... E tôd's branquinhos...

- Mái, atã, que jêto os ch'binhos serem assim tã branquinhos, c'pad' Jôquim?... A cabra é toda castanha...

- Saiem ô pai, hóme... Atã, inda nã conhece ali o mê chibato anão?... Olhe-o lá ali. Nã vê, é branco assim c'm' ôs filhos... De castanho, só tem aquela malha além à roda do olho.

E pus-me a olhar p' ô bicho. Só qu' o marafado é esquivo c'm' um raio, nã aparava sossegado nem um 'stante... Inda l'e tirí p'a li um retrato mái foi só q'ondo ele se panhô fora do curral, no cantêro da pastaja. Sim, qu' o dono solt' ôs tôdes dias p' ôs bichalhos c'merem uma pastajazinha e espàircerem um coisinho.

Bode anão
O paisano é qu' é esquivo c'm' raio...

- Ó c'pad' Jôquim, mái mecêa havia d' amansar o raio do bode... Nã vê aquilo?... Já pregô uma marrada na cabra...

- Alguma vez?!... Quem é que dá conta duma peste daquelas?!... Inda vomecêa nã vi nada... Em ele l'e dando p'a dar marradas a precêto, cuda de partir aqueles cornos. Leva tudo a êto...

- Veja lá s' ele parte algum e fica com o chapéu defêtuoso...

- E ê cá que m' emporta munto com isso... Ele qu' os parta ôs dôs, se qu'rer. O mal é dele...

- Eh'q, mái semp'e fica mái desfêado...

- Que mal é qu' isso faz?... Só o tenho p' a ele cobrir a cabra... Désna que nã estrague o resto... E aquilo, tamém, nunca me dá lucre nenhum. É só p'r fazer gosto im p'ssuir...

De manêras que, f'cô-de p'r 'lí mái um pôco vendo os b'chinhos, o homem inda panhô umas bejoarias p' à c'mad' C'stóida fazer p' à cêa e dé-me um rábano dos dele, qu' os mês 'tã tôdes b'chôses, e uma alfaiça duma q'ôlidade munto boa qu' ele tem, e fui caminho do monte.

E, vomecêas, passem munto bem. Até qu' a gente se veja.

09 outubro 2008

Descuidí-me um coisinho, mái atão...

Apanha da azeitona
Cá a gente inda escolhe as zêtonas à moda antiga...

Esta semana, nã tinha assim serviçalho nenhum p'a fazer d' urgente, tirí p'a dar uma manita ali ô mê compad' Jôquim do Barranco a panhar umas três ó quatro zêtonas qu' ele p' ali tinha numas ol'vêras, logo prebaxinho da casa.

D'zer a verdade, logo, cudí qu' aquilo nã dava p'a tirar a jorna, mái, tã penas a gente os dôs e más o filho dele - o Zé Manel - se jogamos ô trabalho, vi logo qu' o homem inda apurava p' ali qualquer coiseca. Mái que nã fosse, umas q'ontas p'a britar e outra manchinha delas p'a alagar na água.

Nã sã assim lá grande coisa, qu' isto o tempo nã chové que passasse bem a terra e, atão, elas nã ingradaram quái nada, mái olhando a que nã l'e deram despesa - nem calda nenhuma l'e deu... - inda nã se pode quêxar munto...

De manêras que, pusemos-se a panhar nelas, levamose-as p'ra casa e vá de escolhê-las c'm' se fazia nôtres tempos, com um tab'lêro e três vasilhas: uma p' às de britar, ôtra p' às d' água e ôtra p'ô rafugo que sã as que se mandam p' ô alagar.

Tava-se munto bem nesse serviço, salta o Zé Manel com-migo, fêto esperto, qu' ê cá nã sê quem, nã sê quem, já tinha dêxado o blog da mão, que esta e qu' aquela, toma abaxo e toma arriba... e vá de fazer porra de mim.

Apanha da azeitona
Ele, este ano, há umas zêtonecas, mái nada que se parêça com o ano passado...

Ora ê cá nã digo qu' ele nã t'vesse um coisinho de razão... que, verdade se diga, descuidí-me um belo pôco com isto, mái tamém nã era caso p' ô marafado se pôr p' ali a rançar daquela manêra, que nunca mái se calava...

- Vomecêa já se l' acabô foi a coraja... Já nã tem assunto, é o que é... E o blog do Parente da Refóias dé o carepo...

- Ai, sim?!... Atã e tu não esp'r'mentas a fazer um premode quem? S' és assim tã descreto... Faz lá um qu' ê quero ver o que sai daí, ó...

- Ê cá não... Tenho alguma coisa a me meter nisso?... Mái tamém l'e digo, se me metesse, nã fazia a figura que mecêa tem 'tado a fazer... Anda já aí tudo a d'zer coisas... que se calou, que nunca mái dé vaia a ninguém, que perdé o pio... 'Té, lá im Vila Nova, já me prècuraram se vomecêa tinha esticado o pernil...

Punhefra!, aí dé-me cá um géno marafado!.. Béque-me me assubi o sãingue às ventas, quái que dêxí de ver e pensí:

- 'Pera aí qu' ê já te digo... Ê já te faço ver c'm' é que é...

Mái, abrandí e inda l'e disse:

- Atã nã vês qu' isto foi um Verão ruim qu' ê tive, par'ceram-me impendiclos até mái não e andí p' aí metido tamém nôtras coisas... E nã te desqueças que "almocreve que toca muntas bestas, alguma l'e fica p'a trás"...

Apanha da azeitona
E inda s' aprevêta bem munta p'a alagar...

Más ele teve-se barimbando p'ra isso e lá foi d'zendo parvoêras, umas atrás das ôtras, até l' aborrecer. E ê cá, o qu' é qu' havera de fazer?... Nã l'e dí mái reposta nenhuma...

De manêras que, ô lusco-fusco, arredondô-se o serviço e ê cá abalí, sem d'zer nada a ninguém, joguí-me ô comp'tador e vá de escrev'nhar ôtra vez... Até a minha Maria estranhô, vejam lá...

Qu' ê cá, atão, nunca tinha pensado im largar isto da mão, 'tá bom de ver... As coisas é que nã me correram lá munto a mê jêto nestes meses tôd's... E em a vida nã correndo de fêção, má da volta...

E, já agora, mês belos amigos, apr'vêto a ocasião p'ôs comprimentar e l'es pedir desculpa de ter dêxado passar tant' ô tempo sem l'es d'zer coisíssema nenhuma. Tenham pacência que mecêas têm a r'zão toda do sê lado, mái nã se parêçam mal qu' ê cá nã fiz isto d' a prepósito. Calhô assim...

Atã, fiquem-se com Dés.

28 maio 2008

A Fonte Santa da Fornalha

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
A Fonte Santa da Fornalha 'tá neste lindo estado...

'Tá bem qu' ê cá, uma ocasião, - vai p'a uns dôs anos, p'ra más que p'ra menes - já l'es falí aqui das Fontes Santas de Monchique, mái, ontordia, hôve p' aí uns amigos que me desafiaram p'a l'es ir amostrar a da Fornalha, o qu' é qu' ê havera de fazer, fui... E é isso que l'es vô contar.

Um, inda vá lá, era estrangêro de fora nã na conhecia, mái o resto é rapaziada dos mês tempos, custa-m' a crer qu' inda nunca lá t'vessem posto os pés. Mái eles des que não... Nã sê se foi p'a fazerem porra de mim s' o qu' é que foi, lá m' indròminaram p'a l' es ir insinar o caminho.

Ê cá, atão, pensí logo im levar tamém o mê compadre Jôquim com a gente, mái c'mo ele nã l'e dava jêto premode umas batatas que tinha lá p'r cavar e ôtras p'ra dar calda, nã quis ir. A sorte foi que, nesse méme dia, incontrí-me com o parente "Verruma" - o ti Zé Caçapo - e aquilo é moço p'a nunca d'zer que não a coisas destas.

De manêras que, cada qual com o sê farnelinho às costas - menes o ti Zé Caçapo, que, p'ra ele, levamos a gente - e uma gotinha d' água tamém, qu' ele, lá na Fonte Santa, há água, e da boa, mái nã fosse o sol pertar com a gente, lá desalvoramos caminho da Foz do Barrêro.

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Méme com aquilo tudo quái a cair, inda se 'tá lá do melhor...

Sim, qu' a gente, indo lá pr' o caminho de baxo, safamos-se melhor que cá pr' o de cimba, da Fornalha p'ra baxo. Aquilo, béque-me, 'tá p'a lá tudo im-matagado e, calhando, nem uma pessoa já há-de dar descobrido a v'reda antiga.

A cachamorra é que a r'bêra inda levava uma bela água e uns paus de calitro grósso qu' era de c'stume 'tarem lá atravessados p' à famila passar p'r cimba, im jêto de ponte, a enverna tinh' ôs levado r'bêra abaxo.

Toca de tirar as botas e meter os caguetes drento d' água...

A minha Maria nã gosta nada disso, des que l' arrefecem os pés e faz-l'e doer os calos. Méme assim, foi a pr'mêra a se jogar à água e, inda ê cá nã tinha descalçado as peúgas, já ela lá ia chigando à ôtra banda a arrulhar:

- Ai que frio!... Ai que frio!... Já sabes qu' ê nã gosto disto e só me trazes p'a sitos destes!...

A Rosa do Esterquinho, moça do nosso tempo de escola, - munto boa pessoa, mái, lá q'ondo calha, impina os barretes com a minha Maria... - essa atão, a pior coisa que l'e podem fazer é ter meter os pés descalços na r'bêra. Dá-l'e nonjo dos limos, tem medo nã l'e salte alguma cobra d' água ó ôtro bicho debaxo duma pedra, ê sê cá...

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Com jêtinho, chega-se lá. Mái é preciso saber o caminho...

Pôs essa, p'r mái qu' a gente tôdes brigasse, nem p'r nada que s' ôpunha a descalçar os sapatos. Foi preciso o ti Zè Caçapo - semp'e munto cão... - l'e meter medo com ôtra coisa p'a ela se resolver. Aí, jogô-se logo à água à rôpa toda:

- Ó parenta - d'zia ele - ê cá, se fosse a si, nã f'cava aqui sòzinha. É que tenho ôvisto p' aí d'zer qu' aqui p'ra estas bandas, 'tá p' aí tudo inxameado de porcos brabos. E, uma pessoa sòzinha, sabe-se lá o qu' é qu' esses danados sã capazes de l'e fazer...

Mintira, que, méme sendo verdade qu' ele, agora, há bem muntos javalis aí p'r tod' ô lado, os bichos, de dia, 'tã amalhados sabe-se lá adonde e nunca parêcem. Más ela, assim qu' ôviu tal coisa, punhana!, foi c'm' uma fita, nã tardando nada, já 'tava da banda de lá, ô pé da minha Maria...

O estrangêro, esse nã 'teve com mêas-medidas. Inda jogô as mãs ôs cordõs dos sapatos p' ôs desabotoar, mái, naquilo, dá-l'e uma veneta, arregaça as calças até ôs joelhos, abala rebêra adrento, méme calçado e tudo, assim o vejo tamém já do ôtro lado, ô pé das m'lheres.

Digo p' ô resto dos qu' inda 'tavam ali ô pé de mim:

Tanques de banho da Fonte Santa da Fornalha
Nã é um grande torno d' água, más é uma bela narcente...

- Môces, aviem-se lá senã eles inda se pôem p' além a fazer cachamorra d' a gente cudando que temos medo d' atravessar... Maria, trazeste alguma rodilha p'a ê cá alimpar os pés em chigando aí?..

- Que jêto?!... Munto sabia ê cá que se tinha precisão de passar p' drento da r'bêra... Agora, vinha ê carregada com um trapo p' ô "senhor" alimpar os pés... Isso, tamém, inxugam depressa. Vá, avia-te lá... senã q'ond' é qu' a gente inda chega à Fonte Santa...

E lá tive qu' ir, pôs atão... E os ôtres tamém.

Inda vá lá qu' o tempo nã 'tava assim munto frio e, em chigando à banda de lá, esfregamos os pés ali numas ervinhas a servirem de trapo e, ô fim dum pôcachinho, já 'tava tudo seco e pronto a calçar as botas, p'a se jogar o últ'mo fiaço p'r aquele córgo acima até ô casarío da Fonte Santa.

Fiaço dig' ê cá... qu' alguns, a mê da chapada, já iam mái com os bofes de fora qu' ôtra coisa... Isto p'a nã falar da Rosinha do Esterquinho, que vinha em pernas désna de lá de baxo da r'bêra. Nã sê o qu' é que l'e dé na cabeça, arregaçô as pernas das calças p'a atravessar e, despôs, pôs-se a andar, assim, cerro acima. Ora, f'cô toda esgateada, 'tá bom de ver. Com a preçanada de tójos e balsas que lá 'tavam...

Tanques de banho da Fonte Santa da Fornalha
P'a quem quêra, pode-se lavar à vontade...

Bom, mái dêxamos isso da mão... Ô certo, ô certo é que, arranhados ó a afègar, nã f'cô nenhum p'r o caminho e juntamos-se tôdes lá im riba.

O alemão, grande c'mo era que par'cia um toiro, tã penas chega lá, infia p'r a porta adrento com a m'chila às costas e tudo, ora, aquilo, as casas sã munto apertadinhas, os ôtres abala tudo atrás...

O homem vai p'a se voltar, a m'chila infia uma corrêa num prego todo ferrugento que 'tava ali atanchado no caxilho da porta, fica atravessado quái sem se dar mexido. Más a más, qu' ele, alto c'mo era, p'a nã bater na lumiêra com a cabeça, tinha que 'tar todo ingarrochado.

Tanque de banho da Fonte Santa da Fornalha

E nã cudem, foi preciso uma remessa de tempo p'a se dar conta daquilo... Um puxava p'a um lado, ôt' puxava p'a ôtro... S' os que antraram à últ'ma nã l'e dá p'a voltar p'a trás às arrecuas, nã sê, nã sê... inda hoje 'tariam p'a lá tôdes ingalfinhados...

Mái a coisa lá se compôs e, mái logo, já 'tavam tôdes más era na rua, uns assantados numas cadêras velhas que p'a lá 'tão, ôtres méme no chão ó nalguma pedra de talisca que p' ali vissem im jêto de servir d' assanto.

Ê cá é qu' inda p'r 'lí andí um belo pôco de roda dos tãinques dos banhos tirando uns retratos e òservando bem c'm' à famila d' ôtres tempes teve a idéa de fazer uma coisa daquelas tã bem fêta.

Nã l'es sê d'zer há q'ontos anos aquilo lá 'tá, mái qu' ele há já bem muntos, há. E, nã cudem, se fosse tudo bem limpinho e caiadinho, pedia meças aí a muntos spás qu' há p'r 'í p'r esses hotés (digo ê cá... qu' ê nã sê bem o qu' é lá isso dum spá, mái d'zeram-me qu' era uma coisa assim quái indêntica a isto...).

E, méme assim, tudo marafado c'm' 'tá de ninguém olhar p'r aquilo há tant' ô tempo, inda dá p' à famila fazer lá umas curas que fica tudo quái c'm' novo... É o que tenho ôvisto d'zer, qu' ê cá, atão, inda nunca tive preciso d' ir lá tratar de nada... Más ele há quem já se tenha lá tratado e fale munto bem daquilo.

Atravessando a Ribeira de Monchique próximo da Fonte Santa da Fornalha
Ô voltar p'a trás, toca d' atravessar a r'bêra ôtra vez...

E sabem que más? O estrangêro f'cô-l'e a luzir os olhos. Gostô tanto ó tã pôco d' ir andar p' àquelas bandas que já me mandô d'zer que, p' ô S. João, volta cá ôtra vez e s' a gente l'e dava insinado o caminho désna de lá até à Picota... E ê cá, se t'ver ocasião, até l'e faço esse jêto, de boa mente. Ah isso, faço.

O que me dé um coisinho de vergonha foi q'ondo ele me prècurô se uma coisa tã bonita nã tinha tamém um caminho até ô Alferce. Tive qu' inrolar p' ali a conversa:

- Eh'q, ele béque-me havia p' aí um prê acima qu' ia dar à Fornalha e, despôs, ia-se p'r a estrada até ô Alferce, mái a famila, p'r o jêto, dêxô de passar lá e atão...

- Mái ê nã querer ir na estrada... querer ir sempre na mato... igual à Via Algarviana...

- Pôs isso era uma bela idéa, sa senhora, mái a Via Algarviana passa ali da ôtra banda, além p' ô lado do Cerro do Môrão, d'rêto à Picota, nem na Fornalha toca... O qu' eles já p' aí d'zeram foi que, em podendo ser, vã fazer, p'a quem quêra, um desvio p'r 'qui, passando lá im cimba à Pedra Branca, indo ô Alferce e, de lá, p' à Vila.

- Ê querer ir nessa caminho...

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Inda tamém lá 'tá o forninho de fazer pão...

- Calhando, há-de passar tamém p'r a ôtra Fonte Santa... Lá a da Malhada Quente.

E vi méme qu' o homem f'cô a fazer conta com isso... Más ê cá tamém tenho quái a firme certeza qu' essa coisa há-de ir p' à frente. Só basta qu' os da Via Algarviana já falaram no caso e a famila lá da Junta do Alferce tamém. Qu' ê sê qu' eles f'caram um coisinho marafados da Via Argarviana nã passar lá... E tem que se l'e a r'zão, qu' o Alferce morêce.

Agora, só uma prècura p'a quem calhe a saber.

Des que já há quem ande a pensar im fazer quasequer coisa lá na Fonte Santa da Fornalha, sarã verdade? 'Té já, béque-me, falaram num hotel... ó uma coisa assim desse jêto... Era bem fêta que sim!...

Olhem, atão, s' algum de vomecêas saber d' alguma coisa, conte tamém à gente, home. Nã faça segredo que tôdes se gosta de saber essas coisas...

Atã, até um destes dias.