28 maio 2008

A Fonte Santa da Fornalha

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
A Fonte Santa da Fornalha 'tá neste lindo estado...

'Tá bem qu' ê cá, uma ocasião, - vai p'a uns dôs anos, p'ra más que p'ra menes - já l'es falí aqui das Fontes Santas de Monchique, mái, ontordia, hôve p' aí uns amigos que me desafiaram p'a l'es ir amostrar a da Fornalha, o qu' é qu' ê havera de fazer, fui... E é isso que l'es vô contar.

Um, inda vá lá, era estrangêro de fora nã na conhecia, mái o resto é rapaziada dos mês tempos, custa-m' a crer qu' inda nunca lá t'vessem posto os pés. Mái eles des que não... Nã sê se foi p'a fazerem porra de mim s' o qu' é que foi, lá m' indròminaram p'a l' es ir insinar o caminho.

Ê cá, atão, pensí logo im levar tamém o mê compadre Jôquim com a gente, mái c'mo ele nã l'e dava jêto premode umas batatas que tinha lá p'r cavar e ôtras p'ra dar calda, nã quis ir. A sorte foi que, nesse méme dia, incontrí-me com o parente "Verruma" - o ti Zé Caçapo - e aquilo é moço p'a nunca d'zer que não a coisas destas.

De manêras que, cada qual com o sê farnelinho às costas - menes o ti Zé Caçapo, que, p'ra ele, levamos a gente - e uma gotinha d' água tamém, qu' ele, lá na Fonte Santa, há água, e da boa, mái nã fosse o sol pertar com a gente, lá desalvoramos caminho da Foz do Barrêro.

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Méme com aquilo tudo quái a cair, inda se 'tá lá do melhor...

Sim, qu' a gente, indo lá pr' o caminho de baxo, safamos-se melhor que cá pr' o de cimba, da Fornalha p'ra baxo. Aquilo, béque-me, 'tá p'a lá tudo im-matagado e, calhando, nem uma pessoa já há-de dar descobrido a v'reda antiga.

A cachamorra é que a r'bêra inda levava uma bela água e uns paus de calitro grósso qu' era de c'stume 'tarem lá atravessados p' à famila passar p'r cimba, im jêto de ponte, a enverna tinh' ôs levado r'bêra abaxo.

Toca de tirar as botas e meter os caguetes drento d' água...

A minha Maria nã gosta nada disso, des que l' arrefecem os pés e faz-l'e doer os calos. Méme assim, foi a pr'mêra a se jogar à água e, inda ê cá nã tinha descalçado as peúgas, já ela lá ia chigando à ôtra banda a arrulhar:

- Ai que frio!... Ai que frio!... Já sabes qu' ê nã gosto disto e só me trazes p'a sitos destes!...

A Rosa do Esterquinho, moça do nosso tempo de escola, - munto boa pessoa, mái, lá q'ondo calha, impina os barretes com a minha Maria... - essa atão, a pior coisa que l'e podem fazer é ter meter os pés descalços na r'bêra. Dá-l'e nonjo dos limos, tem medo nã l'e salte alguma cobra d' água ó ôtro bicho debaxo duma pedra, ê sê cá...

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Com jêtinho, chega-se lá. Mái é preciso saber o caminho...

Pôs essa, p'r mái qu' a gente tôdes brigasse, nem p'r nada que s' ôpunha a descalçar os sapatos. Foi preciso o ti Zè Caçapo - semp'e munto cão... - l'e meter medo com ôtra coisa p'a ela se resolver. Aí, jogô-se logo à água à rôpa toda:

- Ó parenta - d'zia ele - ê cá, se fosse a si, nã f'cava aqui sòzinha. É que tenho ôvisto p' aí d'zer qu' aqui p'ra estas bandas, 'tá p' aí tudo inxameado de porcos brabos. E, uma pessoa sòzinha, sabe-se lá o qu' é qu' esses danados sã capazes de l'e fazer...

Mintira, que, méme sendo verdade qu' ele, agora, há bem muntos javalis aí p'r tod' ô lado, os bichos, de dia, 'tã amalhados sabe-se lá adonde e nunca parêcem. Más ela, assim qu' ôviu tal coisa, punhana!, foi c'm' uma fita, nã tardando nada, já 'tava da banda de lá, ô pé da minha Maria...

O estrangêro, esse nã 'teve com mêas-medidas. Inda jogô as mãs ôs cordõs dos sapatos p' ôs desabotoar, mái, naquilo, dá-l'e uma veneta, arregaça as calças até ôs joelhos, abala rebêra adrento, méme calçado e tudo, assim o vejo tamém já do ôtro lado, ô pé das m'lheres.

Digo p' ô resto dos qu' inda 'tavam ali ô pé de mim:

Tanques de banho da Fonte Santa da Fornalha
Nã é um grande torno d' água, más é uma bela narcente...

- Môces, aviem-se lá senã eles inda se pôem p' além a fazer cachamorra d' a gente cudando que temos medo d' atravessar... Maria, trazeste alguma rodilha p'a ê cá alimpar os pés em chigando aí?..

- Que jêto?!... Munto sabia ê cá que se tinha precisão de passar p' drento da r'bêra... Agora, vinha ê carregada com um trapo p' ô "senhor" alimpar os pés... Isso, tamém, inxugam depressa. Vá, avia-te lá... senã q'ond' é qu' a gente inda chega à Fonte Santa...

E lá tive qu' ir, pôs atão... E os ôtres tamém.

Inda vá lá qu' o tempo nã 'tava assim munto frio e, em chigando à banda de lá, esfregamos os pés ali numas ervinhas a servirem de trapo e, ô fim dum pôcachinho, já 'tava tudo seco e pronto a calçar as botas, p'a se jogar o últ'mo fiaço p'r aquele córgo acima até ô casarío da Fonte Santa.

Fiaço dig' ê cá... qu' alguns, a mê da chapada, já iam mái com os bofes de fora qu' ôtra coisa... Isto p'a nã falar da Rosinha do Esterquinho, que vinha em pernas désna de lá de baxo da r'bêra. Nã sê o qu' é que l'e dé na cabeça, arregaçô as pernas das calças p'a atravessar e, despôs, pôs-se a andar, assim, cerro acima. Ora, f'cô toda esgateada, 'tá bom de ver. Com a preçanada de tójos e balsas que lá 'tavam...

Tanques de banho da Fonte Santa da Fornalha
P'a quem quêra, pode-se lavar à vontade...

Bom, mái dêxamos isso da mão... Ô certo, ô certo é que, arranhados ó a afègar, nã f'cô nenhum p'r o caminho e juntamos-se tôdes lá im riba.

O alemão, grande c'mo era que par'cia um toiro, tã penas chega lá, infia p'r a porta adrento com a m'chila às costas e tudo, ora, aquilo, as casas sã munto apertadinhas, os ôtres abala tudo atrás...

O homem vai p'a se voltar, a m'chila infia uma corrêa num prego todo ferrugento que 'tava ali atanchado no caxilho da porta, fica atravessado quái sem se dar mexido. Más a más, qu' ele, alto c'mo era, p'a nã bater na lumiêra com a cabeça, tinha que 'tar todo ingarrochado.

Tanque de banho da Fonte Santa da Fornalha

E nã cudem, foi preciso uma remessa de tempo p'a se dar conta daquilo... Um puxava p'a um lado, ôt' puxava p'a ôtro... S' os que antraram à últ'ma nã l'e dá p'a voltar p'a trás às arrecuas, nã sê, nã sê... inda hoje 'tariam p'a lá tôdes ingalfinhados...

Mái a coisa lá se compôs e, mái logo, já 'tavam tôdes más era na rua, uns assantados numas cadêras velhas que p'a lá 'tão, ôtres méme no chão ó nalguma pedra de talisca que p' ali vissem im jêto de servir d' assanto.

Ê cá é qu' inda p'r 'lí andí um belo pôco de roda dos tãinques dos banhos tirando uns retratos e òservando bem c'm' à famila d' ôtres tempes teve a idéa de fazer uma coisa daquelas tã bem fêta.

Nã l'es sê d'zer há q'ontos anos aquilo lá 'tá, mái qu' ele há já bem muntos, há. E, nã cudem, se fosse tudo bem limpinho e caiadinho, pedia meças aí a muntos spás qu' há p'r 'í p'r esses hotés (digo ê cá... qu' ê nã sê bem o qu' é lá isso dum spá, mái d'zeram-me qu' era uma coisa assim quái indêntica a isto...).

E, méme assim, tudo marafado c'm' 'tá de ninguém olhar p'r aquilo há tant' ô tempo, inda dá p' à famila fazer lá umas curas que fica tudo quái c'm' novo... É o que tenho ôvisto d'zer, qu' ê cá, atão, inda nunca tive preciso d' ir lá tratar de nada... Más ele há quem já se tenha lá tratado e fale munto bem daquilo.

Atravessando a Ribeira de Monchique próximo da Fonte Santa da Fornalha
Ô voltar p'a trás, toca d' atravessar a r'bêra ôtra vez...

E sabem que más? O estrangêro f'cô-l'e a luzir os olhos. Gostô tanto ó tã pôco d' ir andar p' àquelas bandas que já me mandô d'zer que, p' ô S. João, volta cá ôtra vez e s' a gente l'e dava insinado o caminho désna de lá até à Picota... E ê cá, se t'ver ocasião, até l'e faço esse jêto, de boa mente. Ah isso, faço.

O que me dé um coisinho de vergonha foi q'ondo ele me prècurô se uma coisa tã bonita nã tinha tamém um caminho até ô Alferce. Tive qu' inrolar p' ali a conversa:

- Eh'q, ele béque-me havia p' aí um prê acima qu' ia dar à Fornalha e, despôs, ia-se p'r a estrada até ô Alferce, mái a famila, p'r o jêto, dêxô de passar lá e atão...

- Mái ê nã querer ir na estrada... querer ir sempre na mato... igual à Via Algarviana...

- Pôs isso era uma bela idéa, sa senhora, mái a Via Algarviana passa ali da ôtra banda, além p' ô lado do Cerro do Môrão, d'rêto à Picota, nem na Fornalha toca... O qu' eles já p' aí d'zeram foi que, em podendo ser, vã fazer, p'a quem quêra, um desvio p'r 'qui, passando lá im cimba à Pedra Branca, indo ô Alferce e, de lá, p' à Vila.

- Ê querer ir nessa caminho...

Ruínas da Fonte Santa da Fornalha
Inda tamém lá 'tá o forninho de fazer pão...

- Calhando, há-de passar tamém p'r a ôtra Fonte Santa... Lá a da Malhada Quente.

E vi méme qu' o homem f'cô a fazer conta com isso... Más ê cá tamém tenho quái a firme certeza qu' essa coisa há-de ir p' à frente. Só basta qu' os da Via Algarviana já falaram no caso e a famila lá da Junta do Alferce tamém. Qu' ê sê qu' eles f'caram um coisinho marafados da Via Argarviana nã passar lá... E tem que se l'e a r'zão, qu' o Alferce morêce.

Agora, só uma prècura p'a quem calhe a saber.

Des que já há quem ande a pensar im fazer quasequer coisa lá na Fonte Santa da Fornalha, sarã verdade? 'Té já, béque-me, falaram num hotel... ó uma coisa assim desse jêto... Era bem fêta que sim!...

Olhem, atão, s' algum de vomecêas saber d' alguma coisa, conte tamém à gente, home. Nã faça segredo que tôdes se gosta de saber essas coisas...

Atã, até um destes dias.

5 comentários:

  1. Às vezes, quando entro a cá, me dá na telha ler o texto puxando no sotaque lusitano. Esse texto é o ideal para isso. Mas confesso que cansa. Só não cansa ver essas belíssimas fotos.

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  2. lembro me de quando era mais novinha ir lá com os meus pais buscar agua...e o caminho já era ingreme e as casas estavam em ruinas...devem haver uns 6 anos que nao vou lá....

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  3. Angustia-me o teu silêncio.

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  4. Olá Amigo! Então o que é que se passa que paralisou este simpático e interessante blog?
    Continuo a passar e nada de nada :((
    Estamos todos à espera do vosso regresso com muitas saudades
    Beijinhos

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