22 junho 2006

Sanjoanada nas Caldas

caldas

Nas Caldas de Monchique usa-se a fazer umas belas Sanjoanadas...

Em noite de S. João usava-se a fazer uns grandes ad'vert'mentos nas Caldas. Ele era pular as foguêras, ele era balhar no mastro, ele era b'ber-l'e uns belos porretes e a famila fazia una ajuntamentos qu' era uma coisa que dava semp'e munto que falar.

Des qu' há uns belos anos, nessa méma nôte, duas manas, qu' ê cá nã sê o nome e méme que sabesse nã o alomeava, resolveram-se, pegaram nelas e foram espàirecer p' ô S. João das Caldas. P'a d'zer a verdade toda, elas nã foram bem só espàircer, elas foram foi encher o papinho e de que manêra. E mecêas já vã' alcançar bem o perquém d' ê d' zer isto.

As pobrezinhas, andavam um coisinho desmarridas, que nã l'e tinha par'cido inda denhum namorado e béque-me já 'tavam a ver os anos a passar l'gêros p'r diente delas e nada... E nã é que se possa d'zer que fossem assim munto mal jêtosas, mái o contráiro tamém f'cava mal a gente tem-mar.

Já se vê qu' indo as duas à noite de S. João, semp'e podia ser que se desse o caso de par'cerem p'r lá alguns môces, assim d' algum sito mái desviado, que nã nas conhecessem e a coisa corresse ô queres p' ô lado delas.

Ora, se bem o pensaram melhor o fazeram, e lá abalaram as duas, munto alabaritadas, caminho da Vila, a pé, assim ali o mê-entardecer, em ferros p'a que chigasse a hora da festa. Assim que se panharam lá, qu' elas moravam p' aí nuns charazes qualqueres, alugaram um carro de praça p' às levar caminho das Caldas.

Num nadinha, 'tavam lá e inda era bem de dia. Pensaram:

- Mana, atã agora o qu' é qu' a gente vai fazer? Isto inda nã 'tá por 'í quái ninguém...

- Olha, tem-se qu' esperar um pôco. Isso, os môces, hõ-de 'tar por 'í a par'cer e calha bem a gente 'tar logo aqui num ponto bom e, assim c'm' quem nã quer a coisa, ver-se s' eles repáiram bem na gente.

- Tens rezão, sa senhora. Mái isto inda é bem munto cedo, entes podíames s' ir assomar a tanta coisa bonita qu' há aqui nas Caldas. O qu' é que dizes?...

- Tamém 'tá bem. Já há que tempes qu' ê cá nã vô ali à Capela e gosto munto dela. A últ'ma vez qu' a gente 'teve ali foi no batizo da meçalha da prima Cesaltina, nã foi?

- Sê cá, já nã m' alembro bem. Mái qu' eles vieram p' ali tirar retratos, isso vieram, qu' ê até tenho lá um qu' prima me deu.

capela caldas

Que bonita que é a Capela das Caldas. E é fêta de pedra da nossa

E lá foram elas assomar-se à capelinha e à R'bêra do Lageado que passa méme ali ô lado. Nã é p'r nada, mái ê cá, todas vezes que vô às Caldas, nunca dêxo de lá ir tamém. Gosto daquela capelinha, o qu' é que querem... Aquelas peças de pedra da nossa, todas bem trabalhadas, dêxam-me os olhos a luzir.

Isto p'a nã falar do resto que 'tá ali à roda, tudo tã bem aconchegadinho. Vã lá, que logo vêem. É a calçada toda limpinha, uns bancos qu' é uma classe p' à gente s' assantar, as arves bem tratadinhas, a r'bêra com pôca água, que nã pode ser más qu' ela nã há, mái tã limpinha qu' até se vê os sap'-sapinhes tôdes lá no fundo das pôças. Uma coisa do melhor, qu' até dá cobiça.

Pôs as ditas manas tamém gostaram munto, qu' elas, passades dias, bem contaram a uma pessoa que se reveram naquilo e no resto qu' elas inda foram bispar despôs disso. E olhem que nã têm má gosto. Sã tudo coisas que qualquer um se péla p'r elas. Atã vejam lá:

Passaram lá no mêo das casa, aquilo p'r tod' ô lado tem alvoredo com umas sombras qu' até apetêce a gente s' ac'm'dar p' ali e dromir uma folga.

Assubiram p' ô lado do Barranco do Banho, aquilo é só mesas e banc's de pedra p'a quem qu'ser levar qualquer coisinha p'a c'mer, s'assentar e morendar lá, tamém à sombra de más alvoredo e panhando a fresquidão que vem daqueles tãinques qu' eles fazeram drento do barranco que passa méme entremê daquilo tudo.

Foram um nadinha mái preciminho e desataram a engrilar logo p' ô lado da Fonte dos Amores, qu' aquilo, q'ondo calha, semp'e 'tá p'r lá um casalinho de namorados, assim béque-me fugidos ô gentío de cá de baxo, p'a darem paleado um coisinho mái à vontade...

- Ó mana, atã aquilo nã é o Tóino que 'tá àlém jogado àquela moça?!... Quem sará ela? Ah, tem-se que ver bem quem ela é...

- Qual é o Tóino que dizes, aquele lá de baxo dos Rabôlos?

- Sim, m'lher. É ele mémo. Ai o marafado. Inda D'mingo, despôs da missa, 'tava lá p'r trás da ingreja com ôtra, já aqui 'tá nisto... Mái a gente tem que saber quem ela é.

- Atã, dêxamos 'tar caladas e faz-se de conta que nã se 'tá a ver nada. Arrodeamos além p'r aquela banda e, em chegando lá p'r cima, já se l'e vê a cara a ela.

E assim fazeram. Mái o Tóino 'tava com o olho nelas e, mal elas passaram p' ô lado de lá, pôs o braço im cimba dos ombros da moça e abalô foi-se imbora qu' elas nã l'e deram visto a cara. Aquilo tamém, p'r o que me contaram, era uma diaba qualquer, lá debaxo de Vila Nova, qu' ele tinha trazido na b'cicleta p'a passar o S. João bem ad'vertido.

De manêras que t'veram de s' acontentar em ver a fontinha e já nã foi pôco, que lá bem bonita é ela. E nã tardando nada, vieram logo p'ra baxo qu' aquilo ia-se chigando a hora da famila s' ajuntar lá p' ôs lados d' adonde s' ia dar o pagode.

fonte amores

A Fonte dos Amores, adonde alguns namorados gostam de palear

Atã e nã é qu' as duas manas, naquele entrementes que durô a foguêra, repàiraram qu' andavam lá dôs a l'e fazer olhinhes e a s' aprochegarem p' ô lado delas... Inda bem não, olhavam assim c'm' quem nã quer a coisa e eles semp'e a darem sinalinhes.

Lá mái p' à nôte, q'ondo rompé' o balho em força, já eles nã nas largavam. Era balhar as modas todas. Tã penas o tocador punha o fole im cimba da perna e encetava ôt'a moda, era eles logo a puxá-las. Aquilo foi até mái não...

Até que - dizem por 'í as más línguas - às tantas, já a nôte ia alta, dêxaram os quatro de ser vistos no balho, ninguém más sôbe deles fosse o que fosse. Muntos dizem coisas e loisas do que se tará passado com as duas manas no resto dessa nôte de S. João. Sará tudo verdade? Nã sará?...

Ê cá nã sê. E o que nã sê não posso contar. Mái calculo. E vomecêas, se l' apetecer, façam com ' ê cá, em-maginem o que l'e venha à cabeça, que, calhando, nã s' atribóiem.

Qu' ô certo, ô certo, o qu' ê sê é qu' elas as duas só chigaram a casa no ôtre dia, já o sol ia alto, todas desmastreadas, e soavam d'zendo uma p' à ôtra:

- Ai, mana, que bela Sanjoanada!... Mái que bela Sanjoanada!...

- É verdade, mana. Que bela Sanjoanada!... Nunca panhí ôtra com-m' esta!...

E vá d' imparem até mái não. E repisavam:

- Que bela Sanjoanada!... Que bela Sanjoanada!...

E, à som dos impos das duas manas, l'es dêxo tamém as minhas recomendaçõs e que passem tôdes uma bela Sanjoanada, p'r menes tã boa com' à delas, qu' ê cá, desta vez, vô-me ver com-m' é que são as Sanjoanadas do Porto, qu' os mês amig's tripêros convindaram cá este môro e a su Maria e a gente nã l'es ia fazer a desfêta de nã par'cer por lá, carago.

Agora só q'ondo voltar de lá, daqui p'r uma semana mái coisa menes coisa, é que l'es posso d'zer mái umas q'ontas patacoadas, qu' ê cá nã tenho nenhum comp'tador daqueles que parêcem uma malinha e se podem levar dum lado p' ô ôtre.

Tenham munta saúde e boa sanjoanada.

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Esta casa é bonita, mái nã sê o perquém da terem fêto, assim, nas Caldas. Mecêas sabem?

13 junho 2006

A Ch'miné da Quinta de S. Sebastião

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A ch'miné da Quinta de S. Sebastião 'tá munto mal estimada...

Num c'mentáiro que dêxô aqui, há uns belos dias, Ana Pinto, que se perde p'r Monchique com' ê cá e tôd's mecêas, escrevé' isto:

"... Que haja sempre o cuidado de as preservar, e mesmo que o impulso construtivo de que vive este mundo actual leve a melhor, que pelo menos tenham o bom senso que tiveram na urbanização de S. Sebastião, em que a chaminé de saia da quinta com o mesmo nome foi protegida e mantida no seu local de origem, adornando aquela parte da vila, e mantendo a memória do local".

E é uma grande verdade. Da Quinta de S. Sebastião o que lá dêxaram foi a ch'miné, uma coisa do melhor que pode haver na Vila em ch'minés.

Fui ver ô dicionáiro o quer d'zer "preservar" e des qu' é "livrar d' algum mal". Ora, q'ondo arrebentaram com tudo o que lá havia, livraram a ch'miné do mal das picaretas ó das bondosas ó das rectas que tenham andado lá. E daí p' à frente?...

Até ô dia d' hoje, béque-me nunca mái ninguém teve nenhuma crusidade com ela. Isto dig' ê cá, qu' a vejo escalavardada desta manêra e nã l' acho jêto nenhum d' haver quem olhe p'r ela p' à manter... Ò 'tarê atribuído?

Inda, ontordia, passí lá ô pé e pus-me a engrilar p' àquilo. Dé-me desgosto e, ô méme tempo, tamém me dé assim aqui um coisinho de géno. Aquil' era já lá bem p' ô fim da tarde, quái luco-fusco, nã 'tava p'r 'lí fosse quem fosse, assomí-me bem p'a um lado e p'a ôtr', vem-me aquela mar'fação de ver uma coisa tã bonita naquele estado, até rengí os dentes...

Inda p'r cimba, 'tava ê naquilo havia um belo pôco, 'parêce o Manel Cachimbo, ôs gangueõs, todo descomposto, com a mã' esquerda agarrada ô cinto e o braço d'rêto a avanar no ar p'a ver se se dava mantido im pé, sem se espatarrar no chão.

Com a talega que trazia e aquilo tamém já 'tava só um arzinho de dia, nã repáirô em mim, que, nesse mimento, 'tava um coisinho encoberto mái p' ô lado de baxo. Ponho-me a olhar bem, béque-me vi jêt's d' ele ir sujar p' ali, dí-l'e logo um eco:

- É Manel!... Atã, o qu' é que vás p' aí fazer?!... Iss' é figura que se faça...

Ele, logo, nã tinha dado p'r mim, mái assim que me conhecé' a voz, olhô bem, vi'-me e vem, num grande lanedo, d'rêto adonde ê 'tava, desapercebido c'm' se nã fosse ali fazer nada:

- Ai és tu, Refóias?... Atã, que fazes p'r 'quí? Em vez de teres id' ali bober umas cervejinhas com a gente, andas p' aqui sòzinho que nem um pórco à manadia...

- 'Tás parvo ó quem!... Nã me faças chigar o sãingue às ventas!...- Dig'-l' ê cá, com má's modes - Lá p'r 'tares nesse estado, vê lá se tens tento na língua... Inda p'r cima, vinhas aqui dar de corpo num lugar destes, g'ande sacanistra!...

- Ó Refóias, nã t' enfezes com-migo, qu' ê sô tê amigo... Ê 'tava só a afruxar o cinto, qu' a gente b'bé' ali umas q'ontas cervejalhas e tenho a barriga empanzinada. 'Tô é um coisinho 'pertado p'a verter águas...

- Atão, vai-te al'viar lá p'a donde as bobeste, qu' ist' aqui nã é sito p'ra isso...

- Ôlha... Atã ê cá, q'ondo venho da Vila e tenho precisão, encost'-me aqui e desenrasc'-me. Que mal é qu' isso faz?...

chaminé

Da Quinta de S. Sebastião só f'cô esta ch'miné e vejam bem o estado em qu' ela 'tá...

- Ó gressíss'm'ô saganheta, atã nã vês qu' isto aqui é uma ch'miné, e das bem antigas, uma coisa qu' a gente tem que respêtar... S' isto f'cô aqui q'ondo arrasaram a Quinta toda, foi p'r alguma r'zão... Sabe-se lá quem é que fez uma coisa destas, tã bem fêta, e há que tempos. Ai, Manel, Manel...

- É melhor d'zeres isso tamém ali ô Luís, qu' ele usa a fazer o méme com' à mim. Atã s' a gente se chega aqui tã pertados...

- Qual Luís é que 'tas falando? - Pergunt'-l' ê cá.

- O Luís Pipa, que vem, quái semp'e com-migo, q'ondo a venda fecha. Ele f'cô p'a trás ali a ver se dava enrolado um cigarro, qu' ele fuma d' onça, mái já dé' cabo de nã sê q'ontas mortalhas e o tabaco há-de-l'e cair tôd' p' ô chão, qu' ele nã dá conta daquilo, escarado c'm' ele vem. Ele nã há-de tardar aí nada.

Ora o Manel Cachimbo a d'zer qu' o Luís Pipa vinha com uma pelhega... Diz o rôto ô nu...

E, nisto, ôve-se tossir ali perto, lá vinha o Luís, já com um cigarro nos quêxos, munto mal atamancado, a dêxar cair o tabaco, parte dele p' à boca, qu' ele, despôs de morder, cuspia p' ô chão, enq'onto fazia umas caretas que par'cia tal e qual a cara dum macaco qu' ê vi uma vez no circo, na fêra franca.

Dig'-l' eu:

- Tamém vens aqui fazer o presente, c'm' ô Manel já 'tava a fazer o jêtinho, inda agora?

- Nã... Ê aqui só uso verter águas q'ondo venho já bem munto pertado e é se ser de nôte, p' à famila nã ver.

- Pôs agora, daqui em diante, nunca más t' atrevas a fazer tal coisa senã tens que t' haver com-migo. Isto aqui é uma coisa de estimação e é p' atôd's respêtarem, qu' ê já disse o méme ô Manel. Ôviste bem?...

Ele 'tava-se barimbando p' ô qu' ê d'zia... Já 'tava era a desafiar o ôtr' p'a mái uma rodada no café da Estrada Velha.

- Agora sô ê que pago. E o Refóias vem tamém. Vá, andem daí. Andem daí qu' ê pago o que vocêas qu'rerem. Ó vinho ó aguardente ó cerveja ó o que l' apetecer. Só água é que não. Isso, água, nã pago a ninguém. Quem qu'rer água vá b'ber à bica...

- Sim, vã lá andando os dôs à frente, qu' ê já lá parêço. E usem lá a casa de banho do café. Pronto, abalem já e peçam logo qualquer coisa p'ra mim qu' ê nã me demoro.

Isto foi a manêra de me ver livre deles, senã sujêtava-me a ter dos gramar até às tantas e ê qu'ria ir caminho de casa à prègunta da cêa. Más a más qu' a minha Maria tinha-me dito qu' ia fazer uma panelada de côve com ossos da perna e um pedaço de papada e um coisinho de morcela de farinha masturada, qu' é um dec'mer qu' ê até me pélo p'r ele.

E lá foram os dôs andando, um dando lóres p' ô mê da estrada, o ôtro ôs encalhõs nas paredes das casas, semp'e a catarruarem sem s' intenderem, qu' aquilo cada um falava p'r sê lado.

Mái voltando à ch'miné, nã l'es parêce qu' aquilo era uma coisa que nã custava assim tanto como isso olhar p'r ela, dar-l'e um arranjinho e uma caiadela uma vez p'r ôtra e f'cava logo com ôt'a cara?... Num sito daqueles, adonde passa tanta famila méme ali no passêo ô lado da estrada, até dá dó... E tamém p'a envitar qu' o Manel Cachimbo, o Luís Pipa e ôtr's par'cid's com eles, cudem qu' aquilo 'tá ali p'a eles s' encostarem ô lado e s' al'viarem em certas ocasiõs.

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A ch'miné da Quinta de S. Sebastião bem que mer'cia ser arrenjadinha...

E, pensando bem, vêm aquelas caminetas chêas de estrangêros da Fóia passa tudo ali. O qu' é qu' aquela gente pensa?... Seja d' adonde ser, toda a carruaja passa tudo ali. Até é vergonha p' à terra ter as coisas assim...

D'zendo a verdade, q'ondo a gente se pomos a ver certas coisas, panha-se cada charimbote... É qu' a Vila 'tá munto bonita numas coisas, mái nôtras, cachamôrra, bem que podiam fazer alguma coisinha de jêto p'r elas...

E vô-me p' ali fazer qualquer coisa qu' ist' é dia de S. Antóino, más agora, aqui p'r estas bandas, já ninguém liga a isso... Nem tampôco pulam as foguêras nem fazem p'r 'í um balho p'a gente s' ad'vertir nem nada.

Nôt's tempos, nã havia monte nenhum qu', ontem à nôte, nã t'vesse um gradessíss'mo moitão de jóinas e umas pontinhas d' alecrim p'a fazer a foguêra. E tôd's pulavam até aquilo s' acabar. Hoje em dia, já nã se faz nada disso. Nem jóinas ele há p'r esses cerros. E alecrim só quem no tem desposto junt' às flores.

Más aquilo era bem caçado. Tiçava-se fogo às bombas de S. Antóino, jogava-se-as p' ô chão, punhão!, aquilo era cada barrano qu' até estramecia tudo... Ê gostava munto era das jogar p'a drento do tãinque. É menino, aquilo espirlitava água p'r tudo q'onto era sito!...

Atã e as bechaninas?!... S' ê cá gostava de ver aquilo a rabear. As moças, que nesse tempo só usavam saias, nã é c'm' agora qu' anda quái tudo de calças, panhavam uns cagáiços com aquilo... Era vê-las a fugir p'r tôd' ô lado e desconderem-se em casa ó adonde pudessem... E atã qu' a gente, p'r malandrice, se jogava as bechaninas era logo p' ô lado donde elas 'tavam...

E agora é que tenho méme qu' ir.

Fiquem-se com Dés e até um dia destes.

12 junho 2006

A Araucária do Largo dos Chorõs

araucaria

A Araucária do Largo dos Chorõs tem dôs bicos, p'r munto que l'es custe a crer

É verdade. Esta araucária já é munto antiga - tem munto mái de cem anos - e, inda p'r cima, tem dôs bicos a crecer lá na ponta.

Há mái de trinta anos ó qu'ôrenta, havia quem d'zesse qu' isso nã podia ser e corria fama p'r cá que, partindo-se a ponta de cima duma araucária, ela já nunca mái crecia.

Pôs esta fez d' a gente mentirôses... Partiram-l'e o bico e ela, p'a nã sem enganar, dé' dôs arrebentos e eles aí 'tã a crecer já há uns belos anos.

Hôve p' aí um pobre-triste que, debaxo duma aposta qu' ê cá já nã m' alembro bem de q'onto foi, calhando uns vinte escudos - s' alguém saber qu' o diga - teve o descàiramento de se dar ô trabalho d' assubir aquilo tudo e fazer aquela parte de l'e partir o bico.

Ê cá, q'ondo sube disso, a pr'mêra coisa que me vêo à idéa foi qu' ela dêxava de crecer e pôs-se-me aqui uma pàxão no pêto que mecêas nã em-maginam... 'Tava a lambarear com o mê compd'e Jôquim do Barranco, lá na rua dele, e as m'lheres ali ô pé a debelicar umas bajas p' à c'mad'e C'stóida fazer p' ô jantar deles.

A minha Maria, qu' é munto de derr'pentes, diz logo, de rompante:

- Mal empregado isto nã ser c'm' nôt's tempos, ch'marem-no lá ô Pôsto e arrumarem-l'e com umas belas tarôcadas naquela lombêra, com aquele cavalo-marinho qu' os Guardas era de c'stume terem lá p'a resolver coisas assim destas...

- Tal e qual, c'madre. Era eles darem-l'e ali uma boa remessa qu' ele logo sabia q' ont' é qu' elas l'e custavam...

Acudiu, logo, a c'mad'e C'stóida.

Más o compad'e Jôquim voltô-se assim p' a elas, devagarinho, com aqueles modes dele de boa pessoa que é, e disse-l'e umas q'ontas rezõs qu' ê, p'a d'zer a verdade, nã no dô contradiado:

- Mái atão, vomecêas, p'r esse andar, béque-me inda qu'riam qu' isto t'vesse como nôt's temp's qu' a gente até p'a andar de burro na estrada tinha-se que se ter l'cença e p' acender um isquêro tamém, e p'r tudo e p'r nada, era-se ch'mados ô Pôsto e semp'e sujêtos a levar uma untura, sem más esta nem más aquela...

- Tem r'zão, compad'e, tem toda a r'zão... - Disse-l' ê cá.

E ele:

- Pôs, 'tá claro. Isso agora já nã é bem assim. Há tribunás, há juízes, há advogados e ôt'as coisas qu' ê nã sê alomear... E tamém, qu' o que fez isso, des qu' é p' aí um pobre-triste que bebe mái vinh' e aguardente num ano qu' a gente há-de b'ber toda a vida os dôs, ê cá e o mê compad'e Refóias, e nã tem adonde cair morto. Foi o que me d'zeram. Qu' ê nã no conheço nem tampôco sê de que familas ele é.

Diz logo a c'mad'e C'stóida:

- Sim, Jôquim, há isso tudo, há. E ele nã saberá o que faz, mái nã marra com a cabeça na parede, Dés Noss'Senhor me perdoe..., e ê, cada vez, vejo é mái desgraça e pôca vergonha. Medo tenho ê cá de sair daqui e ir sòzinha seja p'a donde ser... Eles vã ô Pôsto e inda vêem de lá fazendo pôrra dos Guardas... Ôt's, os Guardas prendem-nos, levam-nos ô tribunal e o juiz inda dá uma desanda no pobrezinho do Guarda, qu' ele há-de f'car com munta vontade de prender ôt'rs más mái nã há-de d'zer nada a ninguém...

E a minha Maria:

- É isso méme, c'madre. Nã vê o que se tem dado com aquela desgraça da Casa Pia e aquilo do apito lá da bola e p'r 'í fora? Isto 'tá tudo perdido. Minha bela Nossa Senhora guarde p' aí a gente...

E aquilo dé ali assunto p'a uma preção de tempo. Um que toma e ôt' que dêxa, qu' isto é com-m' ô ôt' que diz, preso p'r ter cão e preso p'r nã ter nenhum, e cada qual f'cô com a su r'zão.

Ô certo, ô certo, é que dé-se o caso qu' o raça do tal que parti' o bico à araucária ganhô a aposta e, que me tenha chigado ôs ôvid's, nã l' ancontecé' nada, e, inda hoje, calhando, bebe uns belos porretes d' aguardente e há-de-se rir d' a gente tôd's. E inda s' há-de gabar da linda arção que fez...

araucaria

Repáirem lá bem a ver se nã é verdade qu' ela tem dôs bicos...

Mái a boa da araucária trocô-l'e as voltas e arrebentô na méma. E apresentô-se logo com dôs arrebentos, com-m' ê cá já disse. Ela lá sabe perquem. Sim, qu' isto há quem diga qu' as arvezinhasviventes com-m' ôtr' qualquer e presintem munta coisa. Des qu' até gostam de ser tratadas com-mo se fossem gente...

Aquela amiga da Maria lá do Algarve, a Bètinha, até faz festas às arves e flores que despõe lá no regréss'mo dela. E fala com elas e tudo. S' ê cá nã ôvisse nã acraditava, más era o qu' ela, um dia destes, 'tava a contar à minha Maria e à c'mad'e C'stóida.

E que diga quem saiba s' isto dos arrebentos é de c'stume se dar ó não. Qu' ê cá nã sê nada disso, que lá na Refóias nã há arves destas. O que digo é qu' ela arrebentô p'r dôs lados, qu' isso ví ê bem, logo q'ondo o caso se deu, e 'tá aí na frente de tôd's que nã me dêxa mintir. Sabe-se lá é se muntos inda nã tinham dado p'r isso. Qu' é o mái certo. Nem tôd's 'tã d'spôst's a andar de galga no ar a ôlhar p' ô bico da araucária, méme bonita com-m' ela é...

E agora vô-l'es dêxar aqui mái uns retratos da araucária dos dôs bic's, que só quem inda nunca foi à Vila é que nã na viu, qu' ela 'tá ali, mém' ô queres, ô pé do largo dos Chorõs e no mê dum jardim qu' é uma classe.

Olhe qu' este jardim, tempos atrás, era um barranco que 'tava p' ali, e agora é uma coisa d' admirar. Q'ondo irem à Vila, nã se desqueçam de dar uma assomadela qu' aquilo dá cobiça a qualquer um. Lá nisso tem-se que ser francos e d'zer que 'tá um trabalho bem fêto.

E nã cudem, é aquilo qu' ê mái gosto é de ver coisas qu' ê possa gabar à vontade... Que, q'ond' é ô contráiro, fado dum ladrão!, fico mái marafado que nã sê o que diga...

Bem qu' ê gostava, mái nã posso f'car mái tempo, que tenho qu' ir regar umas bejoarariazinhas que tenho p' ali. Coisa pôca. Uns pop'nitos e uns t'matalhos, qu' os p'mentos perderam-se-me quái tôd's e o çabolho 'tá fraco.

Atã, passem munto bem. Dés l'e dê saúde.

araucaria

É uma bela arve esta Araucária do Largo dos Chorõs, nã l'es parêce?...

Que tal acham a gr'ssura deste tróço?...

Assome-se aqui, aprecêi mái retratos desta arve e dôtra igual da Quinta do Viador, e aprenda coisas ent'r'ssantes delas, no Dias-com-árvores.

07 junho 2006

Duma assentada, dô rec'mendaçõs a tôd's

Vista de Monchique para a Picota

Quái ô chigar às acáiças do Convento, olhando p'a trás, vê-se parte da Vila e a Picota

Dêx'-l'es aqui este retrato da serra qu' ê mái gosto, qu' é a Picota, ô méme tempo que l'es agradêço virem p'r 'qui assomar-se. Bem qu' ê cá gostava dos alomear do pr'mêro até ô últ'mo, mái com-mo um poder de vomecêas nã dêxa o nome, nã no dô fêto.

Tamém f'cava bem, responder um a um consoante fossem dêxando as suas réplas nos comentáiros, mái isso é uma coisa qu' ê tamém nã dô fêto, qu' o tempo nã dá p'a tanto e, mòrmente, premode a minha falta de prática de escrever.

Atão, vô aqui alomear os que dar.

C'meço pelo HeR e a Lena, mê's belos parentes, cada um com a su' c'stela da Refóias, ele arrodeado d' mar p'r tôd's lados, com o coração semp'e voltado p'a nascente, e ela tamém com bem munta água ô pé e o coração voltado p'a poente.

Three4five, que tôd's dias vem désna da Finlândia até aqui e foi o pr'mêro algarvio a dêxar uma répla. Tem sãingue de Marmelete e gostava d' inda conhecer algum parente que 'teja p'r cá. Ê bem que tenho prècurado a tôd' à gente, mái inda nã dí descobrido nada.

Célia Luz, lá p'r Inglaterra, que tira retratos do melhor que pode ser e haver e muntos, sempre pronta a d'zer das suas e munto porrêra. Tem uma amostra de retratos em Cravoêro, mái inda nã nos dí visto p'r mode qu' os tiraram enq'onto durar a bola. Só despôs é qu' os pinduram ôtra vez na parede.

Anamargens, que brincô à sombra das mesmas sobrêras qu' ê cá brinquí, ô redor da escola da R' Nova. Nã sê é se foi da antiga, com-m' ê cá, se foi da moderna. Agora, tant' uma e com' a ôtra já não têm moçes e moças-pequenas nenhuns. Tal e qual com-m' ela, tamém ê fui à mercearia da Boavista comprar forfes, ôs Gralhos e ô Cor' d' Vale, à missa e à catequese a Marmelete - cinco quilómetros p'a cada lado, fêtos em três quartos d' hora, amontado nuns sapatos de cabedal com sola de pneu, qu' o Parente Ináiço Cego fazia por medida, riscando a figura do pé num pedaço de papel usado...

Manuela DL Ramos, daquela famila de munta ciência que fazem o Dias com árvores, um blog qu' é uma classe, adonde vô tôd's dias, a ver s' inda dô aprendido alguma coisinha. Qu' isto burro velho já nã aprende latim...

António, v'zinho de Silves, qu' agora já sê qu' é uma pessoa de munto saber, conhecida e estimada p'r tôd's. E isso até se vê logo no sê' Local & Blogal. Olhe, inda nã encontrí o Dr. Ventura, mái a D. Maria Laura mandô-me um email e ê cá respondi-l'e.

Ana Pinto, mal empregado nã saber se tem blog ó não... Mái se nã tem havera de ter. Uma pessoa tã emprensada com a terra adonde narceu e sabendo o que sabe, era bom que t'vesse e d'zesse de suas r'zõs. Vomecêa sabe escrever tã bem qu' ê, q'ondo lêo os sês comentáiros, até se me põe aqui um nó nas guélas... A ch'miné da Quinta de S. Sebastião f'cô lá, f'cô. Mái, um destes dias, ê logo l' amostro em que estado ela 'tá...

Cris, que gosta tanto da nossa terra e, calhando, conhêce-me. Já o méme nã se dá com-migo que só p'r esse nome nã dô lá chigado. Nunca l'e dôia as mãs de trazer as sus filhas cá p'a Monchique. Q'ondo serem grandes, elas hõ-de-se pelar p'r esta serra.

Rosmaninho, v'zinha de Silves, que tem dôs blogs do mái bonito que há, com muntos e lindos retratos e modas ô consoante. Há versos qu' ela lá põe qu' até me dêxam em pele de galinha...

Carlos Quintas, que sabe falar bem com-m' à gente e era bom que d'zesse mái umas coisécas.

Carlos Mariano, do ôtr' lado do mar - sará lá p' à América ó quem? - tamém sast'fêto de ler coisas de cá.

Alberto Sequeira, o homem que gosta d' andar p'las serras e dêxar presentes p'a ôtros terem qu' encontrar, sem l'e d'zer bem adond' é que 'tão. Já descobriu aqueles lugares tôd's na serra p' ô sê' geocaching?

Maraffaada, de Vila Nova de Portimão, com parentes p'r toda a serra, qu' aprendé' a andar, na estação dos corrêos antiga. Lá, méme que caísse, nã f'cava munto mal que, se nã 'tô em erro, o chão era de tábuas vãs que davam p' à sapataria de baxo.

Guerreiro, da Rádio Fóia - 97.1 FM, a voz que fala más alto cá em tod' ô sul, semp'e mostrando a tôd's a classe da nossa terra. Vi, ontontem, no Jornal de Monchique que, rádio local, nã há ôtra igual désna de Portalegre até aqui.

Manuela, que morô na Corta-Porcas e nã gostava do sito ser alomeado p'r esse nome. Dô-l'e toda a r'zão, mái, agora, já nã se pode mudar, o qu' é qu s' há-de fazer...

Pecaaas, do Faro este, que méme lá na capital, nã se desquece qu' a serra tamém pertence ô Algarve.

Campaniço, que foi último a chigar, mái tem-l'e dado ô bem fêto nos comentáiros... Ai, marafado, tenh' que m' aprecatar com ele, qu' ele sabe mái disto que sê cá o quem. 'Tô bem aviado com as puas dele, sa senhora...

Bettips, lá bem de cima do Porto, mái que tamém "bota" a sua colhêrada. Olhe, a minha Maria anda a pertar com-migo p'a ir passar o S. João aí ô Porto. Quem sabe lá. Temos uns amigos aí p' ô lado do Bonfim...

Al-Farrob, ôtro algarvio marafado que gosta destas coisas. Ê cá até 'tô abismado com tanto algarvio na internet. Ê, calhando, ch'guí já um coisinho atrasado...

João Ameida, que nã sabia munto bem o qu' é qu'ria d'zer "coxo marafado".

Márcio, que pertence a uma manchinha de brasilêros que tamém vêem aqui, uma vez p'r ôtra.

E tôd's que vêem só ler ó que têm dado umas réplas e nã dêxam nome ó qu' ê cá me tenha desquecido.

M'tôbrigado, m't'agradecido a tôd's da méma manêra. Tenham munta sorte e saúde.

Vista de Monchique para a Picota

Quem vai ô Convento, volta-se p' à Picota e vê isto

Recantos da Vila: A Fonte da Mata-Porcas

fonte da mata-porcas

Esta fonte foi fêta em 1867. Quem saria qu' a fez?...

Se, q'ondo fez esta fonte, d'zessem ô mestre qu' os qu' inda 'tavam p'a narcer l' iam estragar a água, que nem um sede d' água se pode lá bober, tenho a firme certeza qu' ele nã acraditava nessa conversa e, se fazesse caso disso, qu'ria más jogar o martelo, a colher e o fortaço p'a um balsedo do que 'tar a perder tempo e afiturar-se a nã ser respêtado p'a famila d' agora.

Há muntíss'mos anos qu' ê nã ia lá - que me fica fora de volta - e já fazia conta com isto, qu' as fontes da Vila 'tá tudo na méma desgraça, mái méme assim, q'ondo lá cheguí e vi aquela chapa a d'zer qu' a água nã presta, inda se me pôs aqui um aperto no pêto qu' até m' assentí ali na parede do tãinque a pensar.

A todas fontes que vô, lá 'tá aquela chapa escamungada, semp'e a d'zer o mémo. Ora, quem vem de fora o qu' é que vai em-maginar. Qu' isto aqui em Monchique 'tá tudo empèstado com a p'rquêra das malhadas de porc's. Ôtra coisa nã sará de esperar.

E p'r más que pense nã dô alcançado o perquem disto tudo que se passa agora. Em tã pôcos anos, já viram bem com-m' às coisas mudaram... Umas p'a bem, é verdade, más ôtras, punhana!, nã me venham cá com coisas que sô ê cá que 'tô velho... Qu' ê 'tô velho, 'tô, mái inda nã 'tô parvo dum todo.

Atã, vejam bem o que se nesta serra em pôco mái de trinta ó q'ôrenta anos:

A água escasseô, nã há nem das dez partes uma.

O alvoredo é o que se sabe. Nã há sobreras, qu' arderam. Os madronhêros foram arrencados e, os que f'caram, nã sã tratados. E vá lá que s' aguentam com os encêndios e arrebentam quái tôd's. Pomares de perêros é coisa que pôco se vê. Castanhêros 'tã quái acabados. E por 'í diente. Mái calitros, isso nã faltam em lado nenhum...

Porcos, nôt's tempos, cada um tinha o seu, ó dôs ó três, consoante as posses, e era p'ô gasto da casa. Agora é o que se vê. Malhadas p'r onde calha, grande parte sem respêtarem coisíss'ma nenhuma. Nem as nacentes, nem os barrancos, nem as barrajas, nem nada...

Mái dêxemos lá isso e vamos más é falar da Fonte da Mata-Porcas, que, se nã fosse a água 'tar estragada, era uma coisa inda mái de se l'e tirar o chapéu. Olhem que já vai a caminho dos 140 anos de ser fêta...

fonte da mata-porcas

Que tal acham esta pia com quái um século e àmetade dôtro?

E, tirando a parte de nã na caiarem e ter jêto de 'tar mái p' ô abandonado qu' ôtra coisa, é um trabalho qu', inda hoje, dá gosto ver. Aquilo é tudo bonito. O tãinque, as bicas, a calçada... Atã e aquela sombra p' à gente, agora no Verão, f'car ali uma tarde toda a gozar a fresquidão enq'onto s' aprecêa as camelêras e ôtras arves que lá 'tão, em sossego e sem os roncos de carros e b'cicletas?...

E, nã sê perquem, 'tá-me cá a par'cer qu', a nã ser a famila que veve ali p' àquelas bandas e passa ali, inda bem não, pôca gente vai devassar uma coisa tã bonita e ali tã à mão. 'Tarê enganado? Ó é méme verdade que quái ninguém da Vila, ó d' ôt'a banda, s' alembra qu' aquilo 'tá lá. Olhem que tem jêto de ser pôco pisado...

Pode-se apr'vêtar a andar um belo pôco a pé até lá e, despôs, aparar, descansar as pernas, b'ber um coisinho d' água que se leve numa garrafinha, ó até c'mer uma bucha. Bancos p'a s'assentarem só há p'r trás do tãinque, ô pé da bica da nacente, mái as paredes do tâinque e as calêras da calçada tamém servem munto bem, p'a quem quer f'car mái à vista.

Pôs ê cá, um dia destes, fiz isso com a minha Maria e umas amigas dela lá de baxo do Algarve. Mecêas haveram de ver a sast'fação delas de verem aquilo e ôtras coisas assim c'm' àquilo. As m'lheres, sem ofensa, até faziam quái figura de moças-pequenas...

Uma, a Bètinha, des que tem umas flores, coisa linda, lá na casa dela, drento de casa e no regréss'mo. E atão, 'tá semp'e adorando aquilo e nã vai p'a lado nenhum que nã tenha de levar um braçado delas p'a despôr. Más a m'lher nã sabe o qu' é que são flores e o qu' é que sã ervas ruins ó méme ven'nosas.

Tudo o que vê, panha. Parte das vezes, puxa p'l' aquilo, nem raiz levam. Ora, 'tá-se méme a ver o resultado. Em cada dez nã há uma que pegue...

Nessa ocasião, panhô de tudo. Maldades d' homem, flores da inveja, moitas, jóinas, mongariças, ê sê cá o qu' é qu' ela nã levô. Pôs olhem qu' encheu bem dôs sacos de plástico, daqueles grandes do lixo, e inda levava uma preção delas num braçado. É que qualquer saramago l'e serve...

Inda l'e disse s' ela nã qu'ria tamém uma poda de tójo e ôtra de balsa, mái ela, aí, nã foi nisso. Vi' logo qu' aquilo picava...

fonte da mata-porcas

Digam-me lá s' isto nã é uma coisa de estimação, com tantos anos de ser fêta...

É que Monchique tem munta coisa bonita ô bem fêto. E, q'ondo digo Monchique, 'tô a qu'rer d'zer a Vila, a Serra toda, Marmelete, Alferce, Caldas, Casais, tudo o que pertence ô concelho, pronto, seja ele campo ó casas.

Mái, muntas vezes, uma boa parte dos que sã de cá, nã se dã ô trabalho de apreciar, q'onto más de manter essas coisas. E vem-me logo â idéa o qu' a gente sabe: o convento, o colégio, as fontes e ôtras tantas coisas...

Inda l'es digo más. Se nã ser a gente a gostar do qu' é nosso, fica-se à espera que sejam os ôtr's?... Eles tamém hõ-de gostar, mái é preciso a gente ter tudo a dar cobiça.

Vá lá senhores presidentes das Juntas e da Câm'ra, vomecêas já fazeram umas belas coisecas, nã posso d'zer que não, mái nã podem aparar. Há, inda, muntas má's p'r fazer.

Com coisas, com-m' à Fonte da Mata-Porcas e as ôtras fontes todas, arrenjadinhas; com o convento como já havera de 'tar, faz que tempos; com muntas casas, que 'tão a cair de velhas na Vila e nos Pôvos, fêtas de novo ó rabocadas e pintadas...

Ah, mês belos amigos, isto inda pode ser a coisa más envejada aqui do sul. Os estrangêros e méme muntos portugueses pélam-se p'r isto, qu' eles tamém já 'tã fartos daquele lanedo todo adonde andam semp'e metidos.

fonte da mata-porcas

Só o que nã posso ver é aquela malsoada chapa a d'zer qu' a água 'tá estragada...

Méme sem poderem lá bober, nã se fiquem sem ir, um dia destes, à Fonte da Mara-Porcas, qu' hõ-de ver com-m' é que se passa uma bela tarde. Abalem assim das três ó quatro em diante, méme que faça calor. Nã tenham medo ô sol, qu' aquilo tem lá uma sombra do mái fresco que há. E advirtam-se.

Passem munto bem. Até a gente se ver.

fonte da mata-porcas

Caminho p' à Fonte da Mata-Porcas

05 junho 2006

O Convento e a Magnólia

O Convento e a Magnólia

O Convento e a Magnólia sã duas coisas do mái antigo que há em Monchique

Inda faz duas semanas l'es falí da magnólia. Do convento tamém já l'es tinha falado há mái tempo. Mái nã me contenho sem l'es d'zer umas coisas que se deram com-migo, d'mingo passado, qu' ê 'tô em palpos d' aranha p'a desafogar.

Com-m' ê cá l'es disse, f'quí um coisinho mort'ficado com as folhas amarelas da magnólia, mái daí já 'tô descansado que, no Dias-com-árvores, dexplicaram bem a r'zão disso se dar. De manêras que só leví foi estes dias tôd's a ramoer com a pàxão de nã l'e ver as flores. E atão, tã penas dí, fui logo lá a ver s' ela inda tinha algumas.

Abalí com a minha Maria, qu' a marafada agora nã me larga, désna que viu aquela inglesa se rir p'ra mim, e foi-se a casa da prima Glòirinha, pensando qu' ela, calhando, tamém gostava d' ir ôtra vez com a gente. Logo aí, t'vemos pôca sorte qu' ela nã 'tava.

Mái, mal se tinha acabado de bater à porta, já uma v'zinha dela, a Cãinda Jornalista, 'tava a arrulhar p' à gente:

- Atã, qu'riam 'tar com a Glòirinha?... Ela nã 'tá, o neto, aquele de Silves, vêo b'scá-la. Des qu' a levava a passear e l' ia amostrar lá a terra dele. Des qu' iam ô castelo, à barraja e ver ôt'as coisas qu' eles têm p' a lá qu' ê nã sê alomear. Béque-me uma ponte qu' os romanos fazeram e um m'seu tamém.

Aquilo a m'lher sabe tudo o que se dá ali ô pé. Ai ô pé... Tudo o que se dá na Vila e méme fora da Vila...

- Ah, é verdade qu' ela tinha-me contado isso, a semana passada, e ê já nã m' alembrava... Mái nã fá' mal qu' a gente passô-se aqui ô pé e era só p'a l'e d'zer adés, que 'tamos com pressa.

Atalhô logo a minha Maria p'a calar a ôtra qu' a seguir, era mái que certo, c'meçava logo a p'rguntar más isto e más aquilo. E pusém's-se logo a andar dali p'ra fora...

Em men's de nada, já se tinha atravessado a Vila e ia-se a caminho do convento, chigando quái às acáiças, q'ondo se c'meça a ôvir uma moda a tocar. Diz logo a minha Maria:

- Nã ôves, quem é 'tará p' aí a tocar uma moda destas sem jêto nem trambelho?

- Eh'q, aquilo há-de ser môces que trazeram p' aí alguma tel'fonia a pilhas e 'tã munto entretidos a ôvir essa bodega.

Naquilo, c'meça-se a alcançar assim uma coisa par'cida a uma toalha estendida no mê do caminho. Foi-se andando mái prê acima até lá, e o qu' é que era? Um badalo qualquer, mal encarado, de barbas compridas, assentado numa pedra da banda de cima do caminho, a tocar guitarra e com um pano estendido, méme adonde a gente passava, p'a se l'e pôr lá d'nhêro.

Ê nã pus lá nada, barimbí-me nele, e lá fui andando. A minha Maria, o méme.

Inda s' ia quái a uns cem metros do convento, já se lombrigava ôtr' do mémo estilo a andar p'a cá e p'ra lá logo ô prencípo da rua.

- Mái atão que cachamôrra é esta, Maria?... Inda bem nã se passô p'r um, já 'tá àlém ôtro e qu'rer charingar a gente?!...

- Ai, home, dá-l'e 'í quasequer coisinha qu' ê tenho medo deles fazerem mal à gente...

Convento

Quem 'tá no convento conserv'-ô neste lindo estado e inda faz negóiço com ele...

- Dô o quem!... Era o que faltava. Vã trabalhar qu' ê tamém me custa munto a ganhá-lo...

- P'r amor de Dés, cala-te. Cala-te, qu' ê tenho um medo deles que me pélo...

Mái, neste mê tempo, par'ceram tamém uns estrangêros. O homem e a m'lher e duas m'çalhas pequenas. Vem logo o que 'tava na rua do convento:

- Ver o convento? Ver o convento? Ê abro, ê abro... Venham, venham...

Os engleses nã acharam munto jêto àquilo, puseram-se a olhar p' à gente, enrolaram p'r 'lí, viram o convento todo a se desfazer daquela manêra e vá d' olharem ô mapa, com cara de parvos, com-m' quem d'zia:

- Atã ist' é qu' é o Convento dos Franc'scanos que diz aqui?!... Deve d' haver p' aí engano...

Ê cá e a minha Maria, ia-se más era com o fito de ver as flores da magnólia, desandô-se p'ra baxo a ver se dáva-se lá chigado. Eh!... Tudo embalsado. Digo:

- Olha, Maria, assobe-se ali à roda do convento, vai-se p'r o caminho da fonte dos passarinh's, pode ser que, despôs, de lá se meta p'r os cantêros prê abaxo até adonde a gente quer ir.

Qual à roda do convento nem qual o quem!... Mal s' ia dando a volta ô v'lado, eles soltam os câs, vêem de lá a ladrar d'rêto à gente, ah fado dum ladrão!, a minha Maria põe-se a fugir p'a trás, qu' ela tem mái medo de cãs qu' o diacho, ê ponh'-m' a tirar retratos a um que vêo méme ladrar ôs mês pés e p' ali atamanquí aquilo, nã fosse ele se jogar a ela e ôs estrangêros, que 'tavam logo atrás da gente.

- Já vale a pena... Uns malandros destes assenhoraram-se disto, 'tã aqui acoitados e tratam a famila desta manêra... Atã, isto já nã há respêto nenhum? Tal é esta vergonha p' à nossa terra?...

E a minha Maria d'zia:

- Anda já daí, anda já daí, qu' ê nã sê do qu' é que tenho mái medo, s' é dos cãs s' é deles...

- Ó m'lher, nã tenhas medo qu' ê cerco-os aqui e nã dêxo eles te fazerem mal. Queres ver? Este, nã tarda nada, até já me dêxa l'e fazer festas e tudo...

E fiz assim a àmenção de quem l' ia passar a mão p'r cima. É menino, se nã a tiro tã depressa, f'cava sem ela!... O estapôr joga-me um fiaço inda quái que me tocô com os dentes na unha do mata-piolhos...

Nã t'vemos mái nenhum remedo senã voltar-se p'a trás, p'o méme caminho. Dé-se p' ali sinal ôs estrangêros p'a eles se virem embora com a gente, qu' os cãs mordiam. Ê cá fazia assim com a boca, amostrava os dentes e mordia num braço p'a eles verem e d'zia ão, ão, ão...

Eles, pobrezinhos, abalaram à nossa frente e lá se foram embora. A minha Maria foi logo com eles e ia olhando p'a trás a ver s' ê ia tamém. Más inda me dé tempo p'a o'servar bem aquelas vistas da Vila e da Picota que sã bonitas a valer. E ô fim, inda me pus a olhar p'r' àquelas sobrêras que 'tã ali quái arrumadas ô convento.

Olhem que tamém têm que ter uma bela idade. Mái de cem ó cento cinquenta anos, pósto que têm... Assim me saísse o êròm'lhõs, méme sem ê cá jogar...

sobreira

Esta sobrêra e ôtras perto dela têm mái de cem anos

Agora a seguir, querem ver o que se deu com o barbudo que 'tava no caminho cá p'r baxo? Tã penas os estrangêros chigaram em par dele, põe a guitarra no chão, salta lá de cima d' adonde 'tava, fica com aquela cara de judeu quái encostada à do estrangêro, eles panharam uma rabana que desengalgaram ali prê abaxo que nem umas fitas...

E ele vá de l'es ch'mar nomes atrás. Arrulhava que metia medo. Qu' ê nã entendia nada do qu' ele d'zia, qu' era em estrangêro, mái vi logo que nã era boa coisa. Q'ond' eles estrapuseram lá im baxo na curva, calô-se e voltô p' ô mémo lugar.

Q'ondo ê cá e a minha Maria s' ia a passar p'r ele, faz a méma figura. Pensí:

- Mái isto sará p'ra mim, ó inda 'tará enzàinado p'r os estrangêros nã l'e darem nada...

Fiz que nã era nada com-migo e fui andando devagarinho prê abaxo. Atão é qu' o marau arrulhava. Via-se mémo qu' o qu' ele d'zia, em estrangêro, era coisas qu' ê nã posso escrever aqui. É qu' o velhaco pensava qu' a gente os dôs tamém s' era estrangêros...

Ê inda tive p' a escrever aqui o qu' ele d'zia p'a mecêas verem e me d'zerem, na nossa fala, o que era, mái pensí melhor e fui prècurar ô Zé Manel o qu' é qu' aquilo qu' ria d'zer. Vá lá, vá lá, senã, era uma vergonha. Nem à minha Maria ê conto, qu' a pobrezinha até se fazia toda encarnada...

Mái agora vamos à parte mái bonita.

T'vemos que dar ôt'a vez a volta à Vila p'a se chigar à magnólia lá p'r drento dos cantêros da famila. Nã sê s' eles f'caram munto contentes da gente já ir lá duas vezes devassar... É qu' eles têm p'a lá uns popinos e umas bajas e ôt'as bejoarias e nã vã pensar qu' a gente ingô lá p'a l'es fazer a parte...

Mái béque-me não. Aquilo sã tudo boas pessoas e hõ-de ver qu' ê cá e a minha Maria nã se fazia uma coisa dessas.

Magnólia

A Magnólia do Convento tem um tròço do mái grósso que há

Pôs a magnólia lá 'tá na méma, a olhar semp'e p' à Vila p'a ver s' a gente tôd's nã se desquece dela, qu' é o vivente más antigo que cá temos. Se falasse, havera de ter tanta coisa p'a contar... De chofre, vê-me assim à idéa qu' ela narceu munto pr'mêro qu' o Ramexido e é mái que certo qu' ele, alguma vez, há-de ter descansado à sombra dela, q'ondo andava com a su garrilha aqui p'as nossa serras.

Desta vez já tinha umas belas florinhas. 'Tavam era munto altas, quái que nã se dava visto d' ô perto. E inda tem muntos botõs p'r abrir. Mái 'tá-me a par'cer qu' ela vai abrindo neles de q'ondo em vez e nunca tem assim uma grande preção ô méme tempo.

Olha, é da manêra qu' a gente as vê durante muntas semanas...

S' isto nã fosse já tã comprido, inda l'es contava a parte da minha Maria lá no cantêro das bejoarias do Manel Cachimbo. É qu' aquilo teve graça.

O Manel, que 'teve com-migo na tropa em Tavira, c'm' ê cá já l'es contí, anda quái semp'e espingardado. Calhô méme q'ond' a gente 'tava lá ô pé da magnólia ele vir p'a baxo regar uma tãincada duma água de partilhas qu' ele tem lá p'r cima.

O homem vinha com a inxada ô ombro e ôs lóres p' aquele caminho abaxo qu' ê nem sê com-m' é qu' ele s' aguentava sem se espatarrar no chão. Vinha descrap'çado, que já havera de perdido o boné, o nariz todo encarniçado, os olhos munto abertos, tanto ia p'r cimba do combro c'm' p'r drento do rego da água. Aquilo até dava festa...

Pôs-se a regar um çabôlo que tinha p' ali - e bonito qu' ele 'tava - nem dé p'r a gente vir ô cantêro adiente. Uma vez p'r ôtra, atafulhava as botas no rego, tinh'-as todas enlameadas. E daí, descudava-se, dêxava estibornar a água toda das casêras. Logo d' enfiada, entrampalhava-se dêxava a água levar a terra toda do quebradôiro.

Ora a minha Maria embasbacô com aquilo tudo, q'ondo mal s' aprecatô, já 'tava tamém com os pés drento do rego...

- Ai, homem, ajuda-me aqui qu' ê escorreguí e pus os pés drento d' água... Atã e agora com-m' é qu' ê vô p'a casa com os sapatos tôd's molhados?!... Ai, que vergonha, atravessar a Vila nesta figura. O qu' é qu' a famila vai d'zer?...

- Olha, diz que fui ê cá que t' empurrí p'a drento do tãinque da Fonte da Caraça, p'a me ver livre de ti...

Disse-l' ê, a mangar.

- Inda 'tás fazendo pôco de mim... Ajuda-me lá a sair daqui, vá.

- Ó m'lher, nã t' enfezes qu' isso, com este calor, q'ondo chegas àlém ô tãinque do povo, já 'tá tudo seco...

nesse entrementes é qu' o Mané Cachimbo repairô na gente. Vejam lá c'm' é qu' ele 'tava... Largô logo a inxada, vem de braços abertos d'rêto a mim, com aquelas grandes botas pisa o rego da água, salpica a gente tôd's.

Aí é qu' a minha Maria ia embrutando. Punhana! É que s' aquilo fosse só água, inda vá que nã vá, mái é qu' era salpicos de lama até ôs cabelos...

P'a mim foi uma barr'gada de rir. E p' à minha Maria tamém acabô p'r ser, qu' ela, despôs de l'e passar a mar'fação, inda largô umas carcachadas em forte.

Olhem, s' ê l'es fosse contar as partes todas dessa tarde, isto nunca mái s' acabava e, atão, fica-se por 'qui.

Tenham tôd's munta saúde e até um dia destes.

Fiquem-se com Dés.

01 junho 2006

Recantos da Vila: A Fonte da Caraça

Fonte da Caraça

Que belo torno d' água que dêta a bica da Fonte da Caraça

Ali p' ô Pomar Velho, quái no caminho da magnólia, 'tá ôt'a fonte que dêta um torno d' água qu' é um consolo. Com a água que tem e no sito adonde fica, s' a Junta de Freguesia a arrenjasse f'cava uma coisa linda...

Méme assim, ô dés dará, ela é bonita e vê-se qu' a famila d' ali d' ô pé despuseram lá umas florinhas e ôlham p'r elas. Mái qu' aquilo murcía uma coisa melhor, essa ninguém me tira. E já levando em conta qu' a água nã 'tá capaz p'a bober... Qu' isso é ôtr' caso que dá munto que pensar.

Q'ond' ê era moço-pequeno, p'r tôd' ô lado havia fontes nesta serra e a água era boa. A gente bebia até naquelas córgas que gemiam água tôd' ô ano e f'cavam assim mái desviadas . Era toda boa...

Despôs, puseram-se p' aí a despôr calitros - alguns, até nos cantêros, fazeram esse trabalho - uma àmetade ó más das nascentes secaram-se, os barrancos, grande parte deles, acontecé-l'e o mémo. Más a qu' havia inda era capaz p'a se b'ber...

Daí em diante, par'ceram os porcos brancos, aí é que deram cabo do resto... Tôd' ô bicho-careto tinha uma malhada de porcos, despejavam a porcaria deles fosse p'a donde fosse, ia tudo parar ôs barrancos e às rebêras.

Más, entes, parte daquela nata ia-se metendo na terra até que chigô ôs nascentes. E pronto. Agora 'tá a Fonte da Caraça naquele estado. Nã vêem aquela chapa azul pregada na pedra a d'zer qu' a água nã presta?!...

Mái, se fosse só aquela, inda vá que nã vá. O pior é que 'tá quái tudo assim. Vai-se à estrada do Alferce é o mémo, à estrada da Fóia igual, à estrada de Marmelete nem se fala...

Isto até custa meter cá na cachimóina. Atão uma terra com uma água tã boa que nã conheço adonde possa haver igual e já nã se pode b'ber uma sede d' água quái em banda nenhuma, que 'tá toda ruim?!...

Olhem, logo preciminho da Fonte da Caraça 'tá ôtra, e essa, c'm' nã é da Câmb'ra, já nã tem chapa nenhuma. Sará que nessa, desviada p' aí uns cinquenta ó cem metros, já se pode b'ber? Calhando, não. Ê cá, nã m' afituro a isso qu' ê tenho medo de panhar algumas febres e inda ser obrigado a ir ô dôtor...

Qu' ela é bem fresquinha e até apetêce, é verdade, mái vá lá uma pessoa se descudar e despôs ver-se em traquetes... A minha Maria tem munto cudado com coisas dessas.

Des qu' uma ocasião, em pequenalha, b'beu uma água ruim dum rego que passava lá à rés da casa da avó dela, teve umas febres tã grandes ó tã pequenas que 'tava na cama e só via tudo a arder. Contô-me ela que, dessa vez, se vi' bem empeçada.

Ora se já se teve uma água do melhor que pode ser e haver e hoje nã se tem, há-de haver alguma r'zão p'a isso. Ê cudo que sê qual é, mái os engenhêros e dôtores é que conhêcem disso e haveram de ter já fêto seja o que for p'a ver s' isto melhora.

Bem se tem ôvido falar em fossas, numa estação de tratamento e tal e tal... Nã se vê é nada fêto. E os m'lhêros de porcos qu' há aí p'r tôd' ô lado, tôd's dias, a estrumarem e a porcaria deles a dar cabo da nossa bela àgu-inha.

E fic'-me p'r 'qui. Vamos a ver s' inda chigará um dia que se bobido água nas fontes todas sem cagufa de panhar as tás febres.

Dés l'es dê saúde.