13 junho 2006

A Ch'miné da Quinta de S. Sebastião

chaminé

A ch'miné da Quinta de S. Sebastião 'tá munto mal estimada...

Num c'mentáiro que dêxô aqui, há uns belos dias, Ana Pinto, que se perde p'r Monchique com' ê cá e tôd's mecêas, escrevé' isto:

"... Que haja sempre o cuidado de as preservar, e mesmo que o impulso construtivo de que vive este mundo actual leve a melhor, que pelo menos tenham o bom senso que tiveram na urbanização de S. Sebastião, em que a chaminé de saia da quinta com o mesmo nome foi protegida e mantida no seu local de origem, adornando aquela parte da vila, e mantendo a memória do local".

E é uma grande verdade. Da Quinta de S. Sebastião o que lá dêxaram foi a ch'miné, uma coisa do melhor que pode haver na Vila em ch'minés.

Fui ver ô dicionáiro o quer d'zer "preservar" e des qu' é "livrar d' algum mal". Ora, q'ondo arrebentaram com tudo o que lá havia, livraram a ch'miné do mal das picaretas ó das bondosas ó das rectas que tenham andado lá. E daí p' à frente?...

Até ô dia d' hoje, béque-me nunca mái ninguém teve nenhuma crusidade com ela. Isto dig' ê cá, qu' a vejo escalavardada desta manêra e nã l' acho jêto nenhum d' haver quem olhe p'r ela p' à manter... Ò 'tarê atribuído?

Inda, ontordia, passí lá ô pé e pus-me a engrilar p' àquilo. Dé-me desgosto e, ô méme tempo, tamém me dé assim aqui um coisinho de géno. Aquil' era já lá bem p' ô fim da tarde, quái luco-fusco, nã 'tava p'r 'lí fosse quem fosse, assomí-me bem p'a um lado e p'a ôtr', vem-me aquela mar'fação de ver uma coisa tã bonita naquele estado, até rengí os dentes...

Inda p'r cimba, 'tava ê naquilo havia um belo pôco, 'parêce o Manel Cachimbo, ôs gangueõs, todo descomposto, com a mã' esquerda agarrada ô cinto e o braço d'rêto a avanar no ar p'a ver se se dava mantido im pé, sem se espatarrar no chão.

Com a talega que trazia e aquilo tamém já 'tava só um arzinho de dia, nã repáirô em mim, que, nesse mimento, 'tava um coisinho encoberto mái p' ô lado de baxo. Ponho-me a olhar bem, béque-me vi jêt's d' ele ir sujar p' ali, dí-l'e logo um eco:

- É Manel!... Atã, o qu' é que vás p' aí fazer?!... Iss' é figura que se faça...

Ele, logo, nã tinha dado p'r mim, mái assim que me conhecé' a voz, olhô bem, vi'-me e vem, num grande lanedo, d'rêto adonde ê 'tava, desapercebido c'm' se nã fosse ali fazer nada:

- Ai és tu, Refóias?... Atã, que fazes p'r 'quí? Em vez de teres id' ali bober umas cervejinhas com a gente, andas p' aqui sòzinho que nem um pórco à manadia...

- 'Tás parvo ó quem!... Nã me faças chigar o sãingue às ventas!...- Dig'-l' ê cá, com má's modes - Lá p'r 'tares nesse estado, vê lá se tens tento na língua... Inda p'r cima, vinhas aqui dar de corpo num lugar destes, g'ande sacanistra!...

- Ó Refóias, nã t' enfezes com-migo, qu' ê sô tê amigo... Ê 'tava só a afruxar o cinto, qu' a gente b'bé' ali umas q'ontas cervejalhas e tenho a barriga empanzinada. 'Tô é um coisinho 'pertado p'a verter águas...

- Atão, vai-te al'viar lá p'a donde as bobeste, qu' ist' aqui nã é sito p'ra isso...

- Ôlha... Atã ê cá, q'ondo venho da Vila e tenho precisão, encost'-me aqui e desenrasc'-me. Que mal é qu' isso faz?...

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Da Quinta de S. Sebastião só f'cô esta ch'miné e vejam bem o estado em qu' ela 'tá...

- Ó gressíss'm'ô saganheta, atã nã vês qu' isto aqui é uma ch'miné, e das bem antigas, uma coisa qu' a gente tem que respêtar... S' isto f'cô aqui q'ondo arrasaram a Quinta toda, foi p'r alguma r'zão... Sabe-se lá quem é que fez uma coisa destas, tã bem fêta, e há que tempos. Ai, Manel, Manel...

- É melhor d'zeres isso tamém ali ô Luís, qu' ele usa a fazer o méme com' à mim. Atã s' a gente se chega aqui tã pertados...

- Qual Luís é que 'tas falando? - Pergunt'-l' ê cá.

- O Luís Pipa, que vem, quái semp'e com-migo, q'ondo a venda fecha. Ele f'cô p'a trás ali a ver se dava enrolado um cigarro, qu' ele fuma d' onça, mái já dé' cabo de nã sê q'ontas mortalhas e o tabaco há-de-l'e cair tôd' p' ô chão, qu' ele nã dá conta daquilo, escarado c'm' ele vem. Ele nã há-de tardar aí nada.

Ora o Manel Cachimbo a d'zer qu' o Luís Pipa vinha com uma pelhega... Diz o rôto ô nu...

E, nisto, ôve-se tossir ali perto, lá vinha o Luís, já com um cigarro nos quêxos, munto mal atamancado, a dêxar cair o tabaco, parte dele p' à boca, qu' ele, despôs de morder, cuspia p' ô chão, enq'onto fazia umas caretas que par'cia tal e qual a cara dum macaco qu' ê vi uma vez no circo, na fêra franca.

Dig'-l' eu:

- Tamém vens aqui fazer o presente, c'm' ô Manel já 'tava a fazer o jêtinho, inda agora?

- Nã... Ê aqui só uso verter águas q'ondo venho já bem munto pertado e é se ser de nôte, p' à famila nã ver.

- Pôs agora, daqui em diante, nunca más t' atrevas a fazer tal coisa senã tens que t' haver com-migo. Isto aqui é uma coisa de estimação e é p' atôd's respêtarem, qu' ê já disse o méme ô Manel. Ôviste bem?...

Ele 'tava-se barimbando p' ô qu' ê d'zia... Já 'tava era a desafiar o ôtr' p'a mái uma rodada no café da Estrada Velha.

- Agora sô ê que pago. E o Refóias vem tamém. Vá, andem daí. Andem daí qu' ê pago o que vocêas qu'rerem. Ó vinho ó aguardente ó cerveja ó o que l' apetecer. Só água é que não. Isso, água, nã pago a ninguém. Quem qu'rer água vá b'ber à bica...

- Sim, vã lá andando os dôs à frente, qu' ê já lá parêço. E usem lá a casa de banho do café. Pronto, abalem já e peçam logo qualquer coisa p'ra mim qu' ê nã me demoro.

Isto foi a manêra de me ver livre deles, senã sujêtava-me a ter dos gramar até às tantas e ê qu'ria ir caminho de casa à prègunta da cêa. Más a más qu' a minha Maria tinha-me dito qu' ia fazer uma panelada de côve com ossos da perna e um pedaço de papada e um coisinho de morcela de farinha masturada, qu' é um dec'mer qu' ê até me pélo p'r ele.

E lá foram os dôs andando, um dando lóres p' ô mê da estrada, o ôtro ôs encalhõs nas paredes das casas, semp'e a catarruarem sem s' intenderem, qu' aquilo cada um falava p'r sê lado.

Mái voltando à ch'miné, nã l'es parêce qu' aquilo era uma coisa que nã custava assim tanto como isso olhar p'r ela, dar-l'e um arranjinho e uma caiadela uma vez p'r ôtra e f'cava logo com ôt'a cara?... Num sito daqueles, adonde passa tanta famila méme ali no passêo ô lado da estrada, até dá dó... E tamém p'a envitar qu' o Manel Cachimbo, o Luís Pipa e ôtr's par'cid's com eles, cudem qu' aquilo 'tá ali p'a eles s' encostarem ô lado e s' al'viarem em certas ocasiõs.

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A ch'miné da Quinta de S. Sebastião bem que mer'cia ser arrenjadinha...

E, pensando bem, vêm aquelas caminetas chêas de estrangêros da Fóia passa tudo ali. O qu' é qu' aquela gente pensa?... Seja d' adonde ser, toda a carruaja passa tudo ali. Até é vergonha p' à terra ter as coisas assim...

D'zendo a verdade, q'ondo a gente se pomos a ver certas coisas, panha-se cada charimbote... É qu' a Vila 'tá munto bonita numas coisas, mái nôtras, cachamôrra, bem que podiam fazer alguma coisinha de jêto p'r elas...

E vô-me p' ali fazer qualquer coisa qu' ist' é dia de S. Antóino, más agora, aqui p'r estas bandas, já ninguém liga a isso... Nem tampôco pulam as foguêras nem fazem p'r 'í um balho p'a gente s' ad'vertir nem nada.

Nôt's tempos, nã havia monte nenhum qu', ontem à nôte, nã t'vesse um gradessíss'mo moitão de jóinas e umas pontinhas d' alecrim p'a fazer a foguêra. E tôd's pulavam até aquilo s' acabar. Hoje em dia, já nã se faz nada disso. Nem jóinas ele há p'r esses cerros. E alecrim só quem no tem desposto junt' às flores.

Más aquilo era bem caçado. Tiçava-se fogo às bombas de S. Antóino, jogava-se-as p' ô chão, punhão!, aquilo era cada barrano qu' até estramecia tudo... Ê gostava munto era das jogar p'a drento do tãinque. É menino, aquilo espirlitava água p'r tudo q'onto era sito!...

Atã e as bechaninas?!... S' ê cá gostava de ver aquilo a rabear. As moças, que nesse tempo só usavam saias, nã é c'm' agora qu' anda quái tudo de calças, panhavam uns cagáiços com aquilo... Era vê-las a fugir p'r tôd' ô lado e desconderem-se em casa ó adonde pudessem... E atã qu' a gente, p'r malandrice, se jogava as bechaninas era logo p' ô lado donde elas 'tavam...

E agora é que tenho méme qu' ir.

Fiquem-se com Dés e até um dia destes.

8 comentários:

  1. Faço votos para que o recado chegue aos ouvidos de quem pode intervir.

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  2. Posto isto, dou a minha mão à palmatória.
    Li algures que tinham mantido a dita chaminé na urbanização, facto que me deixou contente, pelos motivos que o Ti'Refóias menciona na citação que fez das minhas palavras. Mas a verdade é que julguei que se tratasse de uma estrutura restaurada, que tivesse sido mantida no seu esplandor original, sem imaginar a degradação a que está votada.
    Lamento, pois, por me ter pronunciado sem ter visto "in loco" de que se tratava, e agora que vejo o estado em que deixaram ficar um dos mais belos exemplares das chaminés de Monchique, lamento ainda mais a atitude de abandono.

    Agradeço-lhe imenso a elucidação.
    Que estas suas exposições sirvam para sensibilizar aqueles que têm poder para PRESERVAR.

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  3. Munto l'a gradeço os comentáiros dos dôs.
    E só gostava de d'zer à Ana Pinto que nã 'teja repesa do qu' escreveu, méme sem ter podido vir ver.
    Olhe que 'tá tudo certo e inda me fez falar no caso mái depressa do qu' ê cá fazia tenção, mémo já tendo retratos tirados.
    Assim fazessem tôd's os que cá naceram e os parentes deles.
    Dés l'e dê saúde.

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  4. Ó Ti refoias, gosto muito das suas fotos seja das coisas bonitas seja "da desgraça". Já pensou em fazer uma exposição sobre as chaminés de Monchique, por exemplo? Era assim uma maneira de chamar a atenção para algo que está mal, é esta a forma de expressão utilizada pelos artistas e talvez resultasse. Eu acho que é uma boa ideia e já ouvi falar (nunca lá fui)de um sitio novo por cima da biblioteca onde fazem exposições!

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  5. Concordo com a Célia Luz.
    Seria uma excelente iniciativa, a de mostrar Monchique aos monchiquenses :) e aos forasteiros também, claro!

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  6. Enfelizmente há mutos dias que nã le digue nada e houvera aprometido que fazia um decomentairo a todas as su chetóiras, ´má é que tenhe táde adoentado. Pous foi qondo começou o Mundial. É cá come já le disse nã ligue muto à bola, má come é uma cousa tã emportante sempre dou alguma emportãiça e foi assim: O mé moce trouve cá pra casa uns qontos amigos e quememes uns caraquelinhes e bobemes um vinhote do caseiro qué cá fiz, más o pior é queles trouveram daquelas bobidas finas-viceque, rum e vodeqa- e fazeram umas grandes mesturas com gele e quás que mobrigaram a prevar aquela prequeira. Só le digue: aquilo dé-me cá uma volta ó chetomago que tenhe andade méme á rasquinha, ele é ancias, ele é gómitos, ele é soltura, que tem side uma desfertuna pró mé lade, más deixemes conversas de merda, qé já tou melhorzinho e há cousas má benitas pa falucar. Tenhe andade a ler tude e acho muto bem gostar tante desta terra e das sus cousas.Temes dajuntar todos e fazer as nossas queixas qué pós senhores emportantes nos ouvirem e nos auxiliarem pra qesta terra pregrida, má nã dando cabo desta natureza.Passe bem

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  7. "moitão de jóinas" - coisa que estou farta de precurar e nam acho.
    Tenho soidades desses tempos em que saltava a fogueira e rescendia na noite esse cheirinho tão bom...

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  8. Parente, veja lá que passe tanta vez à Estrada Velha e se nã fosse amecê mestar os retrates daquele reste de chaminé é nem na via. Tá bem qué nã passe lá a pé, má com aquele balsede tode em volta nem tinha repairado, más onte pari o mé carreco lá méme defronte e fui devassar o qué cá pudi. Tive munta pena de ver aquile assim daquêla manêra e recordi os tempos passades com soidades.É qa casa cor de rosa e a quinta eram muto bonitas e é qondo era pute (come dizem agora) ia lá a festas com a minha famíla, quêram amigues da famila de lá. Fazim balhes, faziam descascas e desçabugas e fogueiras plos santes.As festas princepás era as S. Joanadas e é fartava-me de brencar, de quemer e de bober gasozas e pirolits quera um incanto.
    Pôs é: Eles, no mé fraque entender deviam era ter deixado a casa, depôs darrenjada e a quinta tamém e hoje podia de ser uma cousa linda dentre da vila e servir de estude, de vesita e de descanse pa quem quezesse.A cambra desplorava e dava empregue ágente, pra iste nã fecar num deserte qalquer dia.
    Atão nera tã bom agente ter uma quinta eclogica? É quera tudo muto bonite até à Estrada Nova...Onde hoje é a casa do amigue Chaparro e da dona Lelita havia uns jardins, umas fontes e uns tainques quera uma lindeza. É qué cá alembre-me disse tude, erá terra e a casa do velhote Carrusca e da senhora Adelina, que Dés le perdôe, que já lá forem todes...
    Passe bem, compadre.

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"