12 junho 2006

A Araucária do Largo dos Chorõs

araucaria

A Araucária do Largo dos Chorõs tem dôs bicos, p'r munto que l'es custe a crer

É verdade. Esta araucária já é munto antiga - tem munto mái de cem anos - e, inda p'r cima, tem dôs bicos a crecer lá na ponta.

Há mái de trinta anos ó qu'ôrenta, havia quem d'zesse qu' isso nã podia ser e corria fama p'r cá que, partindo-se a ponta de cima duma araucária, ela já nunca mái crecia.

Pôs esta fez d' a gente mentirôses... Partiram-l'e o bico e ela, p'a nã sem enganar, dé' dôs arrebentos e eles aí 'tã a crecer já há uns belos anos.

Hôve p' aí um pobre-triste que, debaxo duma aposta qu' ê cá já nã m' alembro bem de q'onto foi, calhando uns vinte escudos - s' alguém saber qu' o diga - teve o descàiramento de se dar ô trabalho d' assubir aquilo tudo e fazer aquela parte de l'e partir o bico.

Ê cá, q'ondo sube disso, a pr'mêra coisa que me vêo à idéa foi qu' ela dêxava de crecer e pôs-se-me aqui uma pàxão no pêto que mecêas nã em-maginam... 'Tava a lambarear com o mê compd'e Jôquim do Barranco, lá na rua dele, e as m'lheres ali ô pé a debelicar umas bajas p' à c'mad'e C'stóida fazer p' ô jantar deles.

A minha Maria, qu' é munto de derr'pentes, diz logo, de rompante:

- Mal empregado isto nã ser c'm' nôt's tempos, ch'marem-no lá ô Pôsto e arrumarem-l'e com umas belas tarôcadas naquela lombêra, com aquele cavalo-marinho qu' os Guardas era de c'stume terem lá p'a resolver coisas assim destas...

- Tal e qual, c'madre. Era eles darem-l'e ali uma boa remessa qu' ele logo sabia q' ont' é qu' elas l'e custavam...

Acudiu, logo, a c'mad'e C'stóida.

Más o compad'e Jôquim voltô-se assim p' a elas, devagarinho, com aqueles modes dele de boa pessoa que é, e disse-l'e umas q'ontas rezõs qu' ê, p'a d'zer a verdade, nã no dô contradiado:

- Mái atão, vomecêas, p'r esse andar, béque-me inda qu'riam qu' isto t'vesse como nôt's temp's qu' a gente até p'a andar de burro na estrada tinha-se que se ter l'cença e p' acender um isquêro tamém, e p'r tudo e p'r nada, era-se ch'mados ô Pôsto e semp'e sujêtos a levar uma untura, sem más esta nem más aquela...

- Tem r'zão, compad'e, tem toda a r'zão... - Disse-l' ê cá.

E ele:

- Pôs, 'tá claro. Isso agora já nã é bem assim. Há tribunás, há juízes, há advogados e ôt'as coisas qu' ê nã sê alomear... E tamém, qu' o que fez isso, des qu' é p' aí um pobre-triste que bebe mái vinh' e aguardente num ano qu' a gente há-de b'ber toda a vida os dôs, ê cá e o mê compad'e Refóias, e nã tem adonde cair morto. Foi o que me d'zeram. Qu' ê nã no conheço nem tampôco sê de que familas ele é.

Diz logo a c'mad'e C'stóida:

- Sim, Jôquim, há isso tudo, há. E ele nã saberá o que faz, mái nã marra com a cabeça na parede, Dés Noss'Senhor me perdoe..., e ê, cada vez, vejo é mái desgraça e pôca vergonha. Medo tenho ê cá de sair daqui e ir sòzinha seja p'a donde ser... Eles vã ô Pôsto e inda vêem de lá fazendo pôrra dos Guardas... Ôt's, os Guardas prendem-nos, levam-nos ô tribunal e o juiz inda dá uma desanda no pobrezinho do Guarda, qu' ele há-de f'car com munta vontade de prender ôt'rs más mái nã há-de d'zer nada a ninguém...

E a minha Maria:

- É isso méme, c'madre. Nã vê o que se tem dado com aquela desgraça da Casa Pia e aquilo do apito lá da bola e p'r 'í fora? Isto 'tá tudo perdido. Minha bela Nossa Senhora guarde p' aí a gente...

E aquilo dé ali assunto p'a uma preção de tempo. Um que toma e ôt' que dêxa, qu' isto é com-m' ô ôt' que diz, preso p'r ter cão e preso p'r nã ter nenhum, e cada qual f'cô com a su r'zão.

Ô certo, ô certo, é que dé-se o caso qu' o raça do tal que parti' o bico à araucária ganhô a aposta e, que me tenha chigado ôs ôvid's, nã l' ancontecé' nada, e, inda hoje, calhando, bebe uns belos porretes d' aguardente e há-de-se rir d' a gente tôd's. E inda s' há-de gabar da linda arção que fez...

araucaria

Repáirem lá bem a ver se nã é verdade qu' ela tem dôs bicos...

Mái a boa da araucária trocô-l'e as voltas e arrebentô na méma. E apresentô-se logo com dôs arrebentos, com-m' ê cá já disse. Ela lá sabe perquem. Sim, qu' isto há quem diga qu' as arvezinhasviventes com-m' ôtr' qualquer e presintem munta coisa. Des qu' até gostam de ser tratadas com-mo se fossem gente...

Aquela amiga da Maria lá do Algarve, a Bètinha, até faz festas às arves e flores que despõe lá no regréss'mo dela. E fala com elas e tudo. S' ê cá nã ôvisse nã acraditava, más era o qu' ela, um dia destes, 'tava a contar à minha Maria e à c'mad'e C'stóida.

E que diga quem saiba s' isto dos arrebentos é de c'stume se dar ó não. Qu' ê cá nã sê nada disso, que lá na Refóias nã há arves destas. O que digo é qu' ela arrebentô p'r dôs lados, qu' isso ví ê bem, logo q'ondo o caso se deu, e 'tá aí na frente de tôd's que nã me dêxa mintir. Sabe-se lá é se muntos inda nã tinham dado p'r isso. Qu' é o mái certo. Nem tôd's 'tã d'spôst's a andar de galga no ar a ôlhar p' ô bico da araucária, méme bonita com-m' ela é...

E agora vô-l'es dêxar aqui mái uns retratos da araucária dos dôs bic's, que só quem inda nunca foi à Vila é que nã na viu, qu' ela 'tá ali, mém' ô queres, ô pé do largo dos Chorõs e no mê dum jardim qu' é uma classe.

Olhe qu' este jardim, tempos atrás, era um barranco que 'tava p' ali, e agora é uma coisa d' admirar. Q'ondo irem à Vila, nã se desqueçam de dar uma assomadela qu' aquilo dá cobiça a qualquer um. Lá nisso tem-se que ser francos e d'zer que 'tá um trabalho bem fêto.

E nã cudem, é aquilo qu' ê mái gosto é de ver coisas qu' ê possa gabar à vontade... Que, q'ond' é ô contráiro, fado dum ladrão!, fico mái marafado que nã sê o que diga...

Bem qu' ê gostava, mái nã posso f'car mái tempo, que tenho qu' ir regar umas bejoarariazinhas que tenho p' ali. Coisa pôca. Uns pop'nitos e uns t'matalhos, qu' os p'mentos perderam-se-me quái tôd's e o çabolho 'tá fraco.

Atã, passem munto bem. Dés l'e dê saúde.

araucaria

É uma bela arve esta Araucária do Largo dos Chorõs, nã l'es parêce?...

Que tal acham a gr'ssura deste tróço?...

Assome-se aqui, aprecêi mái retratos desta arve e dôtra igual da Quinta do Viador, e aprenda coisas ent'r'ssantes delas, no Dias-com-árvores.

6 comentários:

  1. Uma história muito curiosa, só poderia passar-se em Monchique... mas parece que a árvores é mais esperta que o sujeito que lhe quis cessar o frondoso crescimento; enganou-se o pobre diabo!
    Mais insólita que essa história, só mesmo aquela dos dois marmanjos que puseram o cadáver a fumar no cemitério, há umas boas décadas atrás, como me conta a minha mãe. Que se passa na cabeça dessa gente? Não haverá coisas mais interessantes para se fazer?

    Continue a maravilhar-nos.

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  2. Viva
    Que belas fotografias nos oferece desta araucaria! Conhece a foto que tenho dela e da sua "mana" lá no Dias?
    A criaçao de várias flechas, ou de "bicos" como diz, é um processo que se verifica nas árvores deste género. Conhecemos vários exemplares de araucárias (desta espécie mas não só) a que isso aconteceu (vou ver se encontro informaçao sobre o assunto para lhe enviar).
    Abraço

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  3. Manuela
    Dés l'e pague p'r 'tar sempr'e pronta p'a m' ensinar mái alguma coisinha. Mecêa é munto porrêra.
    Inda nã me tinha assomado ôs sês retratos das duas araucárias de Monchique mái agora já fui lá, gostí munto e vô pôr aqui um link.
    Nã sê qual é a mái antiga. Um dia conto o que se diz delas, coisa sem emportância.
    Tenha munta saúde.

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  4. Por acaso é uma história que já tinha ouvido contar mas não tinha reparado que a araucária tem 2 bicos, mesmo já a tendo fotografado algumas vezes :)

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  5. Parente, velha já eu sou, que isto é uma forma de dizer; velhos são os trapos, e sempre conheci essa árvore já muito grande, aí no centro da Vila.
    É emblemática, de verdade, pelo menos para mim: coisa mais linda.

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  6. Olhe mé bel'amigue, hoje tou com vontade de falucar e cá vai diste.
    Q'onta mim ache qu Largue dos Cherôs tá munte bonite, assim come os jardins da junta até ás casas das pescinhas e até à rebêra que vai pó Embróiso.Com'é conheci aquile e come tá agora, nem parece a méma cousa. Ainda m'alembre d'ir comprar o avio pá morte pórque à mercêria do Sr Zé da Quinta e da D. Libanita e às vezes tamém bobia um copeco com algum amigue, ma nunca me meti em grandes cavalgadas. O mé moce até era amigue do filhe desse casal(o Zé Manelito, qu'é da JUDITE), parece que jogavem à bola juntes.
    Os sés retrates sã lindes e ainda ande fazer pessoal doutras terras virem vesitar a nossa e isse é munte bom! E méme os que já cá vêm, ó verem os retrates, vêm com os olhes más abertes, percebe?
    Olhe mecêa tá a fazer um bele trabalhe, é de louvar, tá a fazer publicidade à terra sem ganhar nada...
    É por goste e amor e faz mecêa munto bem.
    É tamém malembro dessa judêria que fezeram à pobrezinha da arvre. É nã sê o nome do filho da pucra, más conheço-o.Aquilo tudo aconteceu dentre dum'áposta, o gaje tava com o buche chê de vinhe e dezeram-lhe qu'ele nã era capaz d'assubir, nã era home nã era nada e ele nã se fez asurdes, asubiu e fez aquele linde trabalhe..., más é só m'admira é come com uma bobedêra daquelas ele nã caíu e partiu aqueles "cornes" cá no chã.Que Dés m'aperdô, más até que foi pena...
    É cá nã tenhe nada com VIDA que cada um leva, má tenhe pena dos homes boberem tanto nesta terra.

    Passe bem parente

    O Campaniço

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