05 junho 2006

O Convento e a Magnólia

O Convento e a Magnólia

O Convento e a Magnólia sã duas coisas do mái antigo que há em Monchique

Inda faz duas semanas l'es falí da magnólia. Do convento tamém já l'es tinha falado há mái tempo. Mái nã me contenho sem l'es d'zer umas coisas que se deram com-migo, d'mingo passado, qu' ê 'tô em palpos d' aranha p'a desafogar.

Com-m' ê cá l'es disse, f'quí um coisinho mort'ficado com as folhas amarelas da magnólia, mái daí já 'tô descansado que, no Dias-com-árvores, dexplicaram bem a r'zão disso se dar. De manêras que só leví foi estes dias tôd's a ramoer com a pàxão de nã l'e ver as flores. E atão, tã penas dí, fui logo lá a ver s' ela inda tinha algumas.

Abalí com a minha Maria, qu' a marafada agora nã me larga, désna que viu aquela inglesa se rir p'ra mim, e foi-se a casa da prima Glòirinha, pensando qu' ela, calhando, tamém gostava d' ir ôtra vez com a gente. Logo aí, t'vemos pôca sorte qu' ela nã 'tava.

Mái, mal se tinha acabado de bater à porta, já uma v'zinha dela, a Cãinda Jornalista, 'tava a arrulhar p' à gente:

- Atã, qu'riam 'tar com a Glòirinha?... Ela nã 'tá, o neto, aquele de Silves, vêo b'scá-la. Des qu' a levava a passear e l' ia amostrar lá a terra dele. Des qu' iam ô castelo, à barraja e ver ôt'as coisas qu' eles têm p' a lá qu' ê nã sê alomear. Béque-me uma ponte qu' os romanos fazeram e um m'seu tamém.

Aquilo a m'lher sabe tudo o que se dá ali ô pé. Ai ô pé... Tudo o que se dá na Vila e méme fora da Vila...

- Ah, é verdade qu' ela tinha-me contado isso, a semana passada, e ê já nã m' alembrava... Mái nã fá' mal qu' a gente passô-se aqui ô pé e era só p'a l'e d'zer adés, que 'tamos com pressa.

Atalhô logo a minha Maria p'a calar a ôtra qu' a seguir, era mái que certo, c'meçava logo a p'rguntar más isto e más aquilo. E pusém's-se logo a andar dali p'ra fora...

Em men's de nada, já se tinha atravessado a Vila e ia-se a caminho do convento, chigando quái às acáiças, q'ondo se c'meça a ôvir uma moda a tocar. Diz logo a minha Maria:

- Nã ôves, quem é 'tará p' aí a tocar uma moda destas sem jêto nem trambelho?

- Eh'q, aquilo há-de ser môces que trazeram p' aí alguma tel'fonia a pilhas e 'tã munto entretidos a ôvir essa bodega.

Naquilo, c'meça-se a alcançar assim uma coisa par'cida a uma toalha estendida no mê do caminho. Foi-se andando mái prê acima até lá, e o qu' é que era? Um badalo qualquer, mal encarado, de barbas compridas, assentado numa pedra da banda de cima do caminho, a tocar guitarra e com um pano estendido, méme adonde a gente passava, p'a se l'e pôr lá d'nhêro.

Ê nã pus lá nada, barimbí-me nele, e lá fui andando. A minha Maria, o méme.

Inda s' ia quái a uns cem metros do convento, já se lombrigava ôtr' do mémo estilo a andar p'a cá e p'ra lá logo ô prencípo da rua.

- Mái atão que cachamôrra é esta, Maria?... Inda bem nã se passô p'r um, já 'tá àlém ôtro e qu'rer charingar a gente?!...

- Ai, home, dá-l'e 'í quasequer coisinha qu' ê tenho medo deles fazerem mal à gente...

Convento

Quem 'tá no convento conserv'-ô neste lindo estado e inda faz negóiço com ele...

- Dô o quem!... Era o que faltava. Vã trabalhar qu' ê tamém me custa munto a ganhá-lo...

- P'r amor de Dés, cala-te. Cala-te, qu' ê tenho um medo deles que me pélo...

Mái, neste mê tempo, par'ceram tamém uns estrangêros. O homem e a m'lher e duas m'çalhas pequenas. Vem logo o que 'tava na rua do convento:

- Ver o convento? Ver o convento? Ê abro, ê abro... Venham, venham...

Os engleses nã acharam munto jêto àquilo, puseram-se a olhar p' à gente, enrolaram p'r 'lí, viram o convento todo a se desfazer daquela manêra e vá d' olharem ô mapa, com cara de parvos, com-m' quem d'zia:

- Atã ist' é qu' é o Convento dos Franc'scanos que diz aqui?!... Deve d' haver p' aí engano...

Ê cá e a minha Maria, ia-se más era com o fito de ver as flores da magnólia, desandô-se p'ra baxo a ver se dáva-se lá chigado. Eh!... Tudo embalsado. Digo:

- Olha, Maria, assobe-se ali à roda do convento, vai-se p'r o caminho da fonte dos passarinh's, pode ser que, despôs, de lá se meta p'r os cantêros prê abaxo até adonde a gente quer ir.

Qual à roda do convento nem qual o quem!... Mal s' ia dando a volta ô v'lado, eles soltam os câs, vêem de lá a ladrar d'rêto à gente, ah fado dum ladrão!, a minha Maria põe-se a fugir p'a trás, qu' ela tem mái medo de cãs qu' o diacho, ê ponh'-m' a tirar retratos a um que vêo méme ladrar ôs mês pés e p' ali atamanquí aquilo, nã fosse ele se jogar a ela e ôs estrangêros, que 'tavam logo atrás da gente.

- Já vale a pena... Uns malandros destes assenhoraram-se disto, 'tã aqui acoitados e tratam a famila desta manêra... Atã, isto já nã há respêto nenhum? Tal é esta vergonha p' à nossa terra?...

E a minha Maria d'zia:

- Anda já daí, anda já daí, qu' ê nã sê do qu' é que tenho mái medo, s' é dos cãs s' é deles...

- Ó m'lher, nã tenhas medo qu' ê cerco-os aqui e nã dêxo eles te fazerem mal. Queres ver? Este, nã tarda nada, até já me dêxa l'e fazer festas e tudo...

E fiz assim a àmenção de quem l' ia passar a mão p'r cima. É menino, se nã a tiro tã depressa, f'cava sem ela!... O estapôr joga-me um fiaço inda quái que me tocô com os dentes na unha do mata-piolhos...

Nã t'vemos mái nenhum remedo senã voltar-se p'a trás, p'o méme caminho. Dé-se p' ali sinal ôs estrangêros p'a eles se virem embora com a gente, qu' os cãs mordiam. Ê cá fazia assim com a boca, amostrava os dentes e mordia num braço p'a eles verem e d'zia ão, ão, ão...

Eles, pobrezinhos, abalaram à nossa frente e lá se foram embora. A minha Maria foi logo com eles e ia olhando p'a trás a ver s' ê ia tamém. Más inda me dé tempo p'a o'servar bem aquelas vistas da Vila e da Picota que sã bonitas a valer. E ô fim, inda me pus a olhar p'r' àquelas sobrêras que 'tã ali quái arrumadas ô convento.

Olhem que tamém têm que ter uma bela idade. Mái de cem ó cento cinquenta anos, pósto que têm... Assim me saísse o êròm'lhõs, méme sem ê cá jogar...

sobreira

Esta sobrêra e ôtras perto dela têm mái de cem anos

Agora a seguir, querem ver o que se deu com o barbudo que 'tava no caminho cá p'r baxo? Tã penas os estrangêros chigaram em par dele, põe a guitarra no chão, salta lá de cima d' adonde 'tava, fica com aquela cara de judeu quái encostada à do estrangêro, eles panharam uma rabana que desengalgaram ali prê abaxo que nem umas fitas...

E ele vá de l'es ch'mar nomes atrás. Arrulhava que metia medo. Qu' ê nã entendia nada do qu' ele d'zia, qu' era em estrangêro, mái vi logo que nã era boa coisa. Q'ond' eles estrapuseram lá im baxo na curva, calô-se e voltô p' ô mémo lugar.

Q'ondo ê cá e a minha Maria s' ia a passar p'r ele, faz a méma figura. Pensí:

- Mái isto sará p'ra mim, ó inda 'tará enzàinado p'r os estrangêros nã l'e darem nada...

Fiz que nã era nada com-migo e fui andando devagarinho prê abaxo. Atão é qu' o marau arrulhava. Via-se mémo qu' o qu' ele d'zia, em estrangêro, era coisas qu' ê nã posso escrever aqui. É qu' o velhaco pensava qu' a gente os dôs tamém s' era estrangêros...

Ê inda tive p' a escrever aqui o qu' ele d'zia p'a mecêas verem e me d'zerem, na nossa fala, o que era, mái pensí melhor e fui prècurar ô Zé Manel o qu' é qu' aquilo qu' ria d'zer. Vá lá, vá lá, senã, era uma vergonha. Nem à minha Maria ê conto, qu' a pobrezinha até se fazia toda encarnada...

Mái agora vamos à parte mái bonita.

T'vemos que dar ôt'a vez a volta à Vila p'a se chigar à magnólia lá p'r drento dos cantêros da famila. Nã sê s' eles f'caram munto contentes da gente já ir lá duas vezes devassar... É qu' eles têm p'a lá uns popinos e umas bajas e ôt'as bejoarias e nã vã pensar qu' a gente ingô lá p'a l'es fazer a parte...

Mái béque-me não. Aquilo sã tudo boas pessoas e hõ-de ver qu' ê cá e a minha Maria nã se fazia uma coisa dessas.

Magnólia

A Magnólia do Convento tem um tròço do mái grósso que há

Pôs a magnólia lá 'tá na méma, a olhar semp'e p' à Vila p'a ver s' a gente tôd's nã se desquece dela, qu' é o vivente más antigo que cá temos. Se falasse, havera de ter tanta coisa p'a contar... De chofre, vê-me assim à idéa qu' ela narceu munto pr'mêro qu' o Ramexido e é mái que certo qu' ele, alguma vez, há-de ter descansado à sombra dela, q'ondo andava com a su garrilha aqui p'as nossa serras.

Desta vez já tinha umas belas florinhas. 'Tavam era munto altas, quái que nã se dava visto d' ô perto. E inda tem muntos botõs p'r abrir. Mái 'tá-me a par'cer qu' ela vai abrindo neles de q'ondo em vez e nunca tem assim uma grande preção ô méme tempo.

Olha, é da manêra qu' a gente as vê durante muntas semanas...

S' isto nã fosse já tã comprido, inda l'es contava a parte da minha Maria lá no cantêro das bejoarias do Manel Cachimbo. É qu' aquilo teve graça.

O Manel, que 'teve com-migo na tropa em Tavira, c'm' ê cá já l'es contí, anda quái semp'e espingardado. Calhô méme q'ond' a gente 'tava lá ô pé da magnólia ele vir p'a baxo regar uma tãincada duma água de partilhas qu' ele tem lá p'r cima.

O homem vinha com a inxada ô ombro e ôs lóres p' aquele caminho abaxo qu' ê nem sê com-m' é qu' ele s' aguentava sem se espatarrar no chão. Vinha descrap'çado, que já havera de perdido o boné, o nariz todo encarniçado, os olhos munto abertos, tanto ia p'r cimba do combro c'm' p'r drento do rego da água. Aquilo até dava festa...

Pôs-se a regar um çabôlo que tinha p' ali - e bonito qu' ele 'tava - nem dé p'r a gente vir ô cantêro adiente. Uma vez p'r ôtra, atafulhava as botas no rego, tinh'-as todas enlameadas. E daí, descudava-se, dêxava estibornar a água toda das casêras. Logo d' enfiada, entrampalhava-se dêxava a água levar a terra toda do quebradôiro.

Ora a minha Maria embasbacô com aquilo tudo, q'ondo mal s' aprecatô, já 'tava tamém com os pés drento do rego...

- Ai, homem, ajuda-me aqui qu' ê escorreguí e pus os pés drento d' água... Atã e agora com-m' é qu' ê vô p'a casa com os sapatos tôd's molhados?!... Ai, que vergonha, atravessar a Vila nesta figura. O qu' é qu' a famila vai d'zer?...

- Olha, diz que fui ê cá que t' empurrí p'a drento do tãinque da Fonte da Caraça, p'a me ver livre de ti...

Disse-l' ê, a mangar.

- Inda 'tás fazendo pôco de mim... Ajuda-me lá a sair daqui, vá.

- Ó m'lher, nã t' enfezes qu' isso, com este calor, q'ondo chegas àlém ô tãinque do povo, já 'tá tudo seco...

nesse entrementes é qu' o Mané Cachimbo repairô na gente. Vejam lá c'm' é qu' ele 'tava... Largô logo a inxada, vem de braços abertos d'rêto a mim, com aquelas grandes botas pisa o rego da água, salpica a gente tôd's.

Aí é qu' a minha Maria ia embrutando. Punhana! É que s' aquilo fosse só água, inda vá que nã vá, mái é qu' era salpicos de lama até ôs cabelos...

P'a mim foi uma barr'gada de rir. E p' à minha Maria tamém acabô p'r ser, qu' ela, despôs de l'e passar a mar'fação, inda largô umas carcachadas em forte.

Olhem, s' ê l'es fosse contar as partes todas dessa tarde, isto nunca mái s' acabava e, atão, fica-se por 'qui.

Tenham tôd's munta saúde e até um dia destes.

Fiquem-se com Dés.

2 comentários:

  1. Ah punhana!
    Cheguei a esta palavra e comovi-me: o meu falecido pai dizi-a, quando estava marafado em cheio.
    Fiquei assim, beque-me, com um arrepio...

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