19 outubro 2011

A Descasca de Marmelete 2011

Descasca de Marmelete - 2011
Ele inda há quem saiba descascar bem uma maçaroca...


- Nã quero. É que já me fazeram marafar! Já me fazeram marafar!...

Saltô o ti Batizar, tã penas a menina Marta, a Senhora Presidenta da Junta - sem ofensa, sempre munto jêtosinha... - l'e pôs a cesta dos bolos ô alcance e l'e prècurô se, im cimba da fatêa do bolo de alforge, tamém queria molhar o bico com um calcesinho dela.

- Já, o ano passado, foi a méma coisa... Fazeram-me marafar!...

E olhava assim de esguelha, munto desconsolado, p' ô calcesinho dela qu' a senhora presidenta levava numa mão e, inda mái desgostoso, p'à garrafinha de madronho, já im mêo esvaziar, que ela sigurava na ôtra.

D'zer a verdade, nãs sê o qu' é que fazeram ó d'zeram à criatura. Mái teve que ser coisa munto manhosa. P'a ele f'car daquela manêra e nem tampôco se jogar a bober um solvinho... E digo um solvinho qu' aquilo nã podia acabedar um copalho daqueles chêo a cada um, senã a garrafa ia-se num 'stante e nã dava p'a dar as provas a todos...

Descasca de Marmelete - 2011
Hoje em dia, as m'lheres nã se ficam atrás dos homens. Im qualquer serviço...


- E isto passava-se adonde? - Prècuro ê cá a vomecêas todos.

Ora adonde é que havera de ser... Foi na descasca de Marmelete!... Pôs foi. Todos anos, a Junta de Marmelete arrenja esta descasca p' ôs velhos c'm' ê cá, s' alembrarem do que faziam nôtres tempos e p' ôs nôvos, que nã conheceram tal coisa, f'carem a saber c'mo era.

E olhem qu' ê cá, se há coisas qu' ê aprecêo, é ir a uma descasca e ver ali tudo jogado à maçaroca a l'e tirar a folhêrasca c'm' 'tava aquela famila toda a fazer na Descasca de Marmelete...

Uns d' em pé com as botas atafulhadas nas folhêrascas, ôt's assantadas no monte das maçarocas panhando com a pòzêra do milho e uns cabelos de charrafa im cimba da cabeça e dos ombros, vá de descascarem nelas...

Vá lá que, ô meme tempo, iam ôvindo umas modinhas qu' o tocador de fole p' ali arremendava... E tamém aprevêtavam p'a d'zer umas patochadas p'a todos se rirem. Quái sempre, lá isso é verdade, era mái umas puas p'a inzainar este ó aquele do que ôtra coisa.

Descasca de Marmelete - 2011
A menina Marta esvaziô uma garrafa de madronho com aquela famila toda. Mái o ti Batizar nã quis...


E, desta vez, a famila era béque-me más qu' o ano passado. Ó ê cá 'tô atribuído ó atão nã sê. Ô certo, ô certo, é qu' aquilo, im menes dum foguete, já 'tavam as maçarocas todas descascadas. Calhando, tamém a coisa andô mái depressa premode 'tar tudo com o fito no balho que, em acabando a descasca, ia haver drento da Casa do Povo...

Mái, meme assim, inda par'cé lá uma maçaroca incarnada, coisa qu' ê cá já nã punha os olhos im riba faz uns belos anos. Qu' isto, d' há uns tempos pra cá, já ninguém samêa milho do antigo. Agora é só deste moderno, híbrido l'e chamam. Ó nã sê até se nã sará dum ôtro, inda mái moderno, qu' eles enventaram que se tem que comprar, tôdes anos, a semente. Dizem que é geneticamente modificado...

E desses marafados, atão, aquilo, as maçarocas, parêcem todas iguás, do mémo tamanho, da méma cor, com os mémos bagos e até charrafa pôca têm... Ora, dar com uma que tenha milho incarnado, isso atão, só se p'r milagre. E desta vez, p'ro jêto, hôve lá uma moça que foi milagrêra. Dé com uma no mêo das ôtras todas. Só que nã fez o que tinha a fazer...

Descasca de Marmelete - 2011
Hôve quem l' acabedasse uma maçaroca de milho incarnado. Mái nã fez o que tinha a fazer...


No mê tempo, quem desse com uma maçaroca de milho incarnado, tinha que pagar uma rodada de bêjos e abraços. Se fosse um moço, dava nas moças, se fosse uma moça, dava nos moços...

Esta, na Descasca de Marmelete, negô-se ô puxo e dé uma ronciada. Mái lá que f'cô contente com a maçarocalha, lá isso f'cô. Qu' ê bem na vi andar o resto da nôte de maçaroca na mão, que nã na largô nem tampôco inqonto andô lá no balho a balhar im forte. Mái dêxamos isso agora da mão...

Ôtra coisa qu' ê cá leví repáiro foi que a Cambra, desta vez, mandô uma camineta com a famila lá da Vila. E fez ela senã bem... Assim, ajuntaram-se mái uma bela mêa-dúiza. E alguns, pr' aquilo que vi, foi a pr'mêra vez que lá foram. Mái nã deram o tempo p'r mal impregue. Disso tenho a firme certeza...

Descasca de Marmelete - 2011
A famila da Cambra tamém 'tava tudo no pagode...


P'r menes, a famila que manda lá na Cambra 'tava tudo ad'vertido qu' até dava gosto. Tanto se faz o Senhor Presidente c'mos ajudantes dele, foi até mái não... Descascaram maçarocas à rôpa toda, c'meram bolo d' alforge, boberam uns calcesinhos dela e, d' ora im qonto, judiavam uns com os ôtros.

E, a pôco e pôco, já nã havia lá nada naquele chão senã um monte f'lhêrascas. Sim, qu' as maçarocas descascadas, essas, já 'tavam drento de sacas de ráfia, im moitons, prontas para serem jogadas p'a drento da camineta da Junta, p'às irem levar p' ô almêxar.

Qu' ê cá, atão, nã l'es posso afiançar qu' o dono tenho fêto algum almêxar. Mái o que era uso fazer-se era isso. Pôr-se-as a secar, todas munto bem estramalhadinhas, num sito d'rêto, adonde panhassem o solinho todo do dia. E f'car-se semp'e com o olho no astro, nã fosse ele vir alguma chuvinha que marafasse aquilo tudo...

Descasca de Marmelete - 2011
Ô fim, inda par'ceram as f'lhozes da Senhora Ester, que sã do melhor que possa ser e haver...


Lá já do mêo pr' ô fim, - c'm' ê cá falí logo no prencipo - vêo, atão, a Senhora Presidenta da Junta, a menina Marta, com uma cesta de fatias de bolo d' alforge e uma garrafinha d' aguardente de madronho e lá foi dando aquilo a quem se quis rapimpar.

A fartura, verdade se diga, nã era munta, mái foi de boa vontade. Lá isso foi qu' ê bem vi que foi. E semp'e deu p'a alimpar as goélas daquela pòzêra que saía da fatana do milho... Havia menino que, entes de provar a aguardentinha, só fazia era tossir. Parecia que 'tava tudo com polmêro. Mái, tã penas impinavam o calcesinho dela, já nã havia tosse denhuma e rôquêra inda munto menes...

Olhem, fica-se p'r quí hoje. Querendem ver o resto dos retratos, acalquem aqui na Galeria da Descasca de Marmelete. E podem ver, tamém, os vídeos, logo aqui mái prebaxinho ó, atão, no YouTube.

E tenham todos munta saúde.






01 outubro 2011

O Banho do Vinte Nove 2011

Banho do Vinte Nove - 2011
Chigaram lá umas moças todas trajadas e com o farnel bem arrenjado...


Em dia de S. M'guel, vai-se ô Algarve e molha-se os caguêtes. P'r menes, era assim qu' os nossos avozes usavam a fazer. Já tinham o almêxar de milho na êra a secar, as alcagoitas pinduradas no sobrado p'a nã abolecerem, fruta, pôca p'r panhar a nã ser alguns margotons mái sarôidos ó peros que venham no tarde... Toca a ir p'ô coçáiro...

Foi o que se deu ontordia, melhor d'zendo, já esta semana. P'a todos os que se oposeram a dar o nome, a Junta arrenjô via - as caminetas da Cambra, 'tá bom de ver - e lá abalô tudo caminho da Praia do Vau. Isto im béspra do S. M'guel à nôte, qu' a gente faz a função à hora da cêa e amargulhamos no mar logo à mêa-nôte.

E isto premode quem? Premode os algarvios, nôtres tempes, terem a mania de fazer cachamorra da famila cá de cima. Chemavam serrenhos à gente, parentes e ôtras coisas inda mái ruins e riam-se duma pessoa ir lá, nã ter rôpa c'mo eles tinham p'a antrar na água e tomar banho im ciroilas, os homens, e as m'lheres im combinação. Nã bastando isso, era-se munto brancáizos e, a maior parte, ficava-se todos insiados tã penas vinha uma onda e molhava os dedos dos pés à gente.

 Banho do Vinte Nove - 2011
Estes dôs tamém qu'seram f'car no retrato...


Este ano, pertí com a minha Maria p'a se ir trajados à moda dos nossos avozes, mái nã dí fêto nada dela qu' a marafada, nem p'r um raça, quis tal coisa e, atão, foi a minha c'mad' C'stóida que se descoseu a vestir a farpela dela. Qu' o mê compad' Jôquim do Barranco, esse, tamém ninguém o fez infarpelar-se com os trajes do antigamente. Quái à hora da abalada, inda me virí p' à minha Maria:

- Ó m'lher, atã que jêto nã te trajares? A c'mad' C'stóida vai...

- Olha, nã m' atentes mái com isso!... Já disse que não, é que não!... Munta sorte já tu t'veste d' ê cá t' arrenjar ali o farnel que me dé um encómado que só visto. F'lhozes de milho, pexinhos da horta, piques de fresneco e aquele grandessíssem'ô tacho de papas qu' inda ali tenho ô fogo a ver se cria umas belas arraspas, qu' é c'm' ê gosto delas... Inda achas pôco?!...

- 'Tá bem m'lher. Nã te marafes qu' isto é só uma conversa...

Acudi ê cá logo, todo munto brandinho, entes qu' ela se danasse e a coisa corresse p'a donde nã me dava jêto a mim... E passí-l'e, logo, a mão p'lo pelo:

- Tens toda a r'zão, Maria. E tenho a firme certeza que nã parêce lá material c'mo este!... F'lhozes de milho c'm' tu fazes, nã há ôtra. Atã e papas com t'mates?... Já me 'tô lembendo e inda nã nas proví...

 Banho do Vinte Nove - 2011
Nã há nada c'm' um tocador de fole p'a ad'vertir a famila...


De manêras que, lá a amansí e ela enregô caminho do quarto da cama, pro jêto, p'a s' ir vestir. E f'quí ê cá mexendo as papas com o colhêrão nã fossem elas ficar com as arraspas quem-madas. Más inda me vêo à idéa mái umas coisinhas que nã podiam faltar lá:

- Maria! Nã ôves?...

- Nhôra? Nã vês qu' ê 'tô-me vestindo, nã oiço bem o qu' é que tu 'tás p' aí a ramocar?!...

- Ó m'lher, era só p'a te prècurar se já puseste uma garrafinha de madronho na cesta p' à gente bober lá uns calcesinhos dela e dar tamém ôs amigos?...

- Lá isso é que tu nunca dêxas passar... Cudado aí com as papas!... 'Tás a mexê-las? Se terem munto fogo, tira-l'e uns tiçanitos p'ra fora, nã vã elas se quem-mar...

- Fogo de más?!... Isto só 'tá aqui quái é cinza debaxo do tacho... Calhando, inda tenho é de l'e pôr mái uma lenhita p' ô fogo nã se apagar...

- Só se coisa munto pôca... Já l'e pus o tempero há um belo pôco, calhando, é caso é p' às tirar do fogo e gôrdar nessa alcôfa que 'tá ai na pelhêra da casa de fora.

- O pior é qu' isto inda é um coisinho cedo - sã o quem, sã pôco mái de sete horas - e elas vã arrefecer e ficam logo im posta, já sabes...

- Arrefecerem, que jêto?!... Atã, nã s' inrola o tacho aí nuns papelons?!... Aguentam quentinhas três ó quatro horas, se fôr preciso... E, más a más, qu' a gente nã se pode descudar com as horas. Bem sabes qu' a camineta abala às oito...

- Pode ser daqueles ali do retraço dos pintos?...

- Pode, sim. Sacode-os bem qu' ê cá já os inrolo.

 Banho do Vinte Nove - 2011
À mêa-nôte, foi quái tudo molhar os artelhos...


E assim se fez. A minha Maria afêçoô p' ali tudo munto bem aconchegadinho e desalvoramos caminho da paraja da camineta qu' era além naquela coisa adonde apoisa o helicóptero. Logo a seguir ôs bombêros, mecêas sabem.

E daí, foi só andar de cu tremido até à Praia do Vau. Más ê cá, leví um raminho de hortelão, drento da alsebêra da camisa, p'a ir chêrando p'r o caminho. E isto premode quem... Premode uma pessoa ir fazer a viaja sem nada no bucho. Nã é que nã prose, mái, de barriga vazia, um f'lano, calhando, pode-se dar o caso de l'e vir umas gasturas e chigar ô fim da viaja um coisinho atarantado.

Olhem... e serviu. D' ora im q'onto, chêrava naquilo, até desintupia as ventas... Foi um descanso. E a minha Maria fazia o memo...

De modes que, ajuntamos-se com aquela famila toda que lá ia, tudo munto ad'vertido, e chigamos im bem à Praia do Vau. Aí, foi só cada qual ajuntar-se com os sês amigos mái chigados, masturar os farneles e rapimpar-se com o que mái gostasse.

A mim o que me dé cobiça foi as belas tachadas de papas que p'r lá havia. Tirando as da minha Maria, nã sê qual delas melhor 'tava. Umas era com t'mates, ôtras com torresmos, soltêras, com brabrigons, com côve, ê sê cá com o que más...

 Banho do Vinte Nove - 2011
Ele inda hôve quem se molhasse por intêro...


Atão e as garrafinhas de madronho que p'r lá andavam?... Cada qual s' apresentava com a sua e todos d'ziam qu' era da boa. Haveram de criar um concurso p'ra ver se eram todas boas ó se algumas nã eram assim tã chigado ô que é bom, c'm' os donos afiançavam. A minha sê qu' é da melhor, méme o ti 'Verruma' 'tando sempre a pôr petafes:

- Tó diebe, tens pr' aqui uma prequêra d' aguardente qu' isto quái que nã se dá bobido!... - D'zia ele, a antrar com-migo.

- Diga lá, ti Zé... Nã gosta desta especialidade? Atã, nã beba... Dêxe lá que, no sê tempo, havera de fazer melhor...

- Pôs fazia!... Tinha alguma comparação com isto?!... Inda tinhas que narcer ôtra vez, Refóias, p'a fazeres aguardente c'm' ê cá fazia...

- 'Teja p' aí calado, ti Zé... Mecêa, às vezes, tamém fazia com cada bodega... Uma vez, até a caldêra dêxô imborrachar. Já nã s' alembra? Até ê cá tinha ido, nesse dia, lá à sua adega com o mê compad' Jôquim do Barranco, levamos umas chôriças p'a assar na forneca, fazemos uma tiborna com o panito quente qu' a prima Larinda tinha cozido nessa tardinha e inda t'vemos que l'e 'tar a ajudar a limpar aquela trugia toda...

- Nã m' alembra nada disso... Vê lá s' isso nã se deu mái foi contigo, na tua adega lá da Refóias...

- Ó mê belo amigo, nã se ponha com coisas que cá o Refóias nunca dêxô imborrachar uma caldêra... E já fiz muntos centos de estilaçons...

C'm' é qu' o ti Zé Caçapo s' havera d' alembrar, nã l'e convinha... E, malino c'mo ele é, arrenja semp'e jêto é de desfazer nos ôtros...

Bom, mái dêxemos lá isso.

 Banho do Vinte Nove - 2011
D' ora im q'onto, vinha uma onda que andava tudo de zambareta...


O qu' ê l'es posso d'zer é que, comendo, brincando e mangando, o tempo passô-se que nem um foguete e, im menes de nada, chigô-se à mêa-nôte.

- Vá ti Zé, venha dái, vamos ô banho!... Descalço já 'tá, agora só falta pôr-se im ciroilas... Ele, frio nã faz nenhum. Isto quái que imita o verão...

- 'Tás parvo, Refóias?!... Vai tu, se quereres... Ê cá nã me meto nisso!...

-Atã, tem medo de s' afogar? Nã tenha medo que 'tã ali dôs môces que salvam qualquer um em sendo preciso...

- Vai-te...

- E mecêa, c'madre C´stóida, tamém nã vem? Venham daí, punhana!... Maria!... Compad' Jôquim!... Mái atão vancêas sã c'm' os gatos, têm medo da água?...

Ô certo, ô certo, é que só ê cá é que molhí os calcanhares. Sim, que, com água dos artelhos pra cimba, nã me afiturí. Qu' ê sê nadar pôco melhor que nem um prego e o mar 'tava um coisinho alterado. Cá p' ô mê gosto, 'tá bom de ver... Mái, méme assim, f'quí todo pingando até às v'rilhas, qu' a água assubiu-me pr'as ciroilas acima e ele inda hôve tamém p'a lá um ingraçadinho que dé um margulho méme ali ô pé de mim só p'a me salpicar todo.

E pronto. Acabô-se o Vinte Nove deste ano.

Querendem ver mái retratos, acalquem na Galeria do Banho do Vinte Nove de 2011. Ó, atão, tamém podem ver no Picasa.

Passem todos munto bem e até qu' a gente se veja.