Quer saber o qu' é isso do Mágico Velhinho? Atã, lêa este livro...
Inda hoje, 'tô parvo c'm' é que se dé uma coisa destas. Atã nã querem lá que vieram ali à Fóia apresentar um livro novo dum escritor cá de Monchique - e olhem qu' o homem, méme novo c'mo é, já escrevé uma boa mêa-dúiza deles - e t'veram a lembrança de me convindar p'a par'cer p'r lá?!...
Ora, ê cá, que nunca tal coisa tinha visto, q'ondo arrecebi o tel'fonema, nem tinha reposta p'a dar à pessoa que 'tava com aquele encómado. Fui panhado assim de chofre e, nessas ocasiõs, um homem nem sabe c'm' se defender.
Mái lá dí uma no cravo ôtra na ferradura e disse o senhor Dôtor que gostar d' ir, lá isso gostava, nã sabia era se podia, e, atão, ia pensar bem no caso. Se t'vesse jêto, logo lá par'cia.
- P'r mái que nã seja, p'a matar a c'rusidade... - Pensí só cá p'ra mim.
- Mái venha, amigo Refóias, e traga tamém a su Maria, qu' a senhora há-de gostar tamém de ver aquelas coisas. Olhe que nã se vã arrepender... - Pertava o tal Dôtor com-migo.
- Pôs, sa senhora, ê cá vô-me conversar com ela e, despôs, logo se vê...
- Olhe qu' a gente até se l'e mandô um email e nã servi de nada, que vê de volta.
- Ai, m't' ôbrigadinho e quêra desculpar, senhor Dôtor, mái, parte das vezes, aquilo 'tá p' ali tudo chêo que nã cabe lá mái coisíss'ma nenhuma e, atã, dá-se isso. É qu' ê cá nã dô àgu-ento a ler tanta coisa que me mandam lá p'a drento daquilo. Q'ondo calha, inda peço à minha Maria p'a ela me dar uma manita, mái, méme assim, nã se dá conta, veja lá...
- Atã, pronto, ficam convindados agora p'r o telefone e lá espero p'r os dôs. Agora veja lá se nã vão...
Quem l'e comprasse um livro ele escrevia lá uma dedicatóira...
Despedimos-se um do ôtro e abalí, fui d'zer à minha Maria. Ela, logo ô prencípo, inda béque-me desconfiô de mim. Calhando achô munta fartura 'tarem a convindar dôs parvos c' m' à gente p'a uma coisa assim tã emportante. E vá de me exp'r'mentar:
- Isso nã sará conversa tua p'a te safares aí p'a alguma banda com os tês amigos e ê cá ficar aqui im casa, sòzinha, cudando que tu 'tás lá nessa coisa do livro e dos dôtores?... Vê lá, vê lá!...
- Ó m'lher, atá s' ê já te disse que tu tamém vás... O homem disse mémo p'a ê cá levar tamém "a minha senhora"...
- Lá 'tás tu com pastelêrices...
Respondé-me ela a fazer que nã acraditava, mái ê cá bem vi qu' ela f'cô foi toda inchada p'r mode o Dôtor l'e ter ch'mado senhora... Que mecês nã cudem, aquilo, q'ondo ela se resolve a inpinocar, é um cu d' asnêra que só ê cá é que sê...
A verdade que se diga, o certo, o certo é que, em chigando ô dia, foi ela que me disse, logo bem cedo, p'a ê cá me despachar com o mê governo que, da parte da tarde, tinha-se qu' ir, lá ô bico da Fóia, ver c'm' àquilo era.
- Ai, já!... Atã, inda ontem 'tavas com umas caganêrices tã grandes que nã sabias o qu' haveras de vestir p'a par'cer lá ô pé daquelas senhoras e qu' o melhor era nã ir e nã sê quem nã sê quem, e, agora, já 'tás com essa pressa toda?!...
- Eh'q, já incontrí p' ali um vestidinho, qu' ê nem m' alembrava qu' o tinha, e, agora, vô-me ali à D. Helena arrenjar o cabelo e tu vestes aquela rôpinha que levaste ô baptizo do meçalho-pequeno do tê sobrinho, o ano passado...
E assim foi.
Na mesa 'tava tudo gente de estudos. Alguns sabem mái qu' o dicionáiro qu' ê aqui tenho...
Chigados lá àquele café que 'tá lá Fóia - fazia um vento qu' até assobiava e chuva 'tava-se méme a ver que, nã tardando nada, tamém par'cia -, pusemos-se a olhar p'a donde é que se havera d' ir. Mái, tã penas olhí p' ô piso de cimba, vi logo qu' era lá, com toda a certeza.
E isto p'r mode quem. É qu' ê lombriguí logo lá uma preçanada deles a andarem, assim devagarinho, dum lado p' ô ôtro, tudo de copo na mão que mal provavam a bobida que lá 'tava dentro, munto dirêtinhos, tudo munto sério e a tramelear uns com os ôtros, em se cruzandem...
Pensí logo, só cá p'ra mim, que nem disse à minha Maria:
- Agora é qu' ê 'tô bem aviado... Mái atã, tarê que fazer a méma figura?!...
Más, isto era visto cá de fora. Lá drento, a coisa nã era bem assim. Semp'e 'tava quái tudo gente conhecida e a famila falavam uns com os ôtros desafrontadamente.
Ê cá e a minha Maria, logo, f'camos assim um coisinho imbatucados, mái, ódespôs, perdé-se tamém o acanho e vá de se dar tamém à tramela com quem par'cia e pronto. Qu' isto, nã adiantava nada 'tar-se p' ali incolhidos a um canto... E até f'cava mal.
De manêras que, cada qual pegô no sê calcesinho de vinho do porto e desatô-se a beber assim uns sôlvinhos. D' ora im q'onto, vinha uma mecinha, tazia uns coisalhos de pão espetados num palito e um conduto qualquer - tã bem era presunto, c'm' uma coisa que sabia a pêxe, c'mo ôtras qu' ê nunca tinha provado...
Mái, c'mia-se tudo, nã cudem. Qu' ê cá e a minha Maria, bicôsos, atão, nã somos. O qu' apar'cer p'r a frente, désna que 'teja im condiçõs, baldeamos tudo. E más a más, nestas condiçõs... d' amor im graça...
E, olhem, até uma homem a tocar umas músicas assim munto lentinhas, num saxofone, lá 'tava. Andava p'r um lado e p'r ôtro, no mê daquela famila toda, qu' era p'a acontentar todos.
E isto tudo, p'a chigar ô qu' int'ressa.
Logo no prencípo, 'tava tudo quái sem saber o que fazer...
A pásnas tantas, lá s' assantô tudo e, os de lá da menza, vá de falarem dum livro qu' um escritor cá de Monchique - um mecinho inda novo, mái com uma cabecinha que tomara muntos, ch'mado António Manuel Venda - escreveu.
É um româinço, que lá o senhor de barbas que 'tava assantado ô mêo da mesa - que des qu' insina os môços na Universidade de Faro, e, p'r o jêto dele falar, calhando, nã passava sem ser o que mái sabia deles todos - disse qu' era um româinço.
E é um romãinço, sa senhora. Qu' ê cá, agora, já o li todo com a minha Maria e vi-se que era. E nã é qu' aquilo fala lá de coisas qu' à gente os dôs béque-me faz até lembrar famila conhecida?... Isto p'a nã falar nos bichos e nos caminhos e terras e por 'í diente, qu' o homem escreve aquilo e a gente, ô ler, até parêce que 'tá ver tudo na frente dos olhos...
Pôs o qu' ê l'es sê d'zer é que aquilo durô até já bem noite - p'r menes lá na Fóia, qu' aquilo çarrô-se de navoêro que nã se via um palmo à frente do nariz - que todos os que 'tavam lá à frente t'veram que falar. 'Tá bem qu' inda nenhum tida lido o livro, a nã ser o tal senhor das barbas, mái falaram...
E gostí munto d' os ôvir. Méme nã panhando parte do qu' eles d'ziam, 'tá bom de ver... Nã qu' a aparelhagem nã 't'vesse bem alta, más ê cá é que nã sabia o qu' aquelas palavras queriam d'zer.
P'r mode isso, inda gôrdí umas q'ontas aqui na cachimóina p'ra, despôs, ver s' as incontrava num dicionáiro, já de folha a folha, que pr' aqui tenho, mái de munto me serviu...
Abalô-se dali, foi-se p' à descasca de Marmelete, aquilo desatô a chover, nã se descascô nada de maçarocas que fosse nem viesse, levô-se foi o tempo todo a impinar copos p'r as goélas abaxo, lá na Casa do Povo, desqueci-me tudo que já nã m' alembro de nenhuma.
'Tava tudo munto emprensado a ôvir o qu' os que sabem tinham p'a d'zer...
Mái, voltando ô livro O que Entra nos Livros, qu' é c'mo ele se chama, nã percam de lê-lo. Aquilo, em se começando, só se descansa q'ondo s' o acabar... É qu' o marafado do Mágico Velhinho e o livrêro Sapinho Júnior nã dã descanso à gente, home...
Um - o Mágico Velhinho - andava a escrafunchar nos livros todos do ôtro qu' era uma desgraça, o ôtro - o livrêro Sapinho Júnior - já 'tava desalvorado com aquilo tudo que nã sabia o qu' havera de fazer, e o que escrevé o conto - o Antóino Venda - foi foi, foi foi, inda vá lá que deslindô aquela cachamorra toda p'a contar à gente...
Mái do qu' isto já ê cá nã l'es posso d'zer, senã nã tinha graça nenhuma q'ondo mecêas fossem ler o livro.
A minha Maria é que anda um coisinho descorçoada com o fim qu' o Mágico Velhinho teve. Já uma preçanada de vezes que me diz que, no dia a seguir à gente ler o livro, até teve sonhos com o pobrezinho...
D'zer a verdade, nessa nôte, a m'lher dé voltas na cama até mái não e, às tantas da madrugada, num de repente, dá-me um rafujão d'rêto a mim, infia-me com um cot'velo na espinha qu' ê cá até me faltô o ar. Inda ando pisado aqui duma costela e tudo...
Mái qu' ela tem andado um coisinho até p' ô abismado com aquilo, lá isso tem. Já tive qu' a sossegar, a ver s' ela p' aí l'e passa aquela pàxão, e nada...
- Ó m'lher, dêxa lá isso da mão. Atã nã vês qu' aquilo é uma coisa que 'tá só na idéa de cada um...
- Ai, coitadinho do Mágico Velhinho!...
- Atã, ele, tamém, andava a fazer a parte ô desinfeliz do Sapinho Júnior... O qu' é que l'e esperavas?...
Ela é que nã quer saber lá disso...
Mái p'r 'qui me fico. Em lendem o livro, logo me contam que tal.
E vã, tamém, bispar o blog Floresta do Sul, que pertence à méma pessoa que escrevé O que Entra nos Livros.
E, qu'rendem ver mái alguns retratos da apresentação do livro, lá bem no bico da Fóia, acalquem aqui na Galeria António Venda.
E até qu' a gente se veja.
Os eventos culturais são sempre de se louvar, e ainda mais tratando-se do lançamento da obra de um prodigioso filho de Monchique!
ResponderEliminar"Calhando achô munta fartura 'tarem a convindar dôs parvos c' m' à gente p'a uma coisa assim tã emportante"--> tomara muitos serem tão "parvos", e se interessarem por este tipo de eventos, como vocemecê e a sua Maria...
Obrigado por continuar a levar a brisa das novidades serrenhas àqueles que estão longe :)
Olá, Tio! Já tinha ouvido falar no seu blog... Espectáculo!!! Quando nos afastamos da nossa terra, é um delírio para os ouvidos os sotaques que nos são familiares... Parabéns!! Beijinhos, Beta.
ResponderEliminarNa primeira vez que conheci este blogue, achei-o muito interessante, mas depois acabei por me cansar. Sempre esperei que o seu autor, uma vez por outra escrevesse desta maneira e depois mudasse para a escrita convencional. Mas sempre assim no mesmo estilo, acaba por desmoralizar qualquer um. Em Monchique fala-se muito próximo do lugar padrão, mesmo nas zonas rurais, como de resto na maior parte do País, com uma ou outra frase mais peculiar. O autor deste blogue o que ele quer ilustrar é o falar duma zona rural, antiga, que merece muito respeito e apreço pelos regionalismos que cada local apresenta, mesmo no passado. Mas falar de tudo assim…no presente, não será abusar da paciência de quem tem a pachorra de se esforçar por ler todo o texto e compreender o que o seu autor nos quer transmitir até ao fim.
ResponderEliminarOu será que a intenção do seu autor é, mesmo, criar um novo estilo de literatura?