03 outubro 2007

António Manuel Venda, 'O Mágico Velhinho'

'O que Entra nos Livros' - António Manuel da Venda
Quer saber o qu' é isso do Mágico Velhinho? Atã, lêa este livro...

Inda hoje, 'tô parvo c'm' é que se dé uma coisa destas. Atã nã querem lá que vieram ali à Fóia apresentar um livro novo dum escritor cá de Monchique - e olhem qu' o homem, méme novo c'mo é, já escrevé uma boa mêa-dúiza deles - e t'veram a lembrança de me convindar p'a par'cer p'r lá?!...

Ora, ê cá, que nunca tal coisa tinha visto, q'ondo arrecebi o tel'fonema, nem tinha reposta p'a dar à pessoa que 'tava com aquele encómado. Fui panhado assim de chofre e, nessas ocasiõs, um homem nem sabe c'm' se defender.

Mái lá dí uma no cravo ôtra na ferradura e disse o senhor Dôtor que gostar d' ir, lá isso gostava, nã sabia era se podia, e, atão, ia pensar bem no caso. Se t'vesse jêto, logo lá par'cia.

- P'r mái que nã seja, p'a matar a c'rusidade... - Pensí só cá p'ra mim.

- Mái venha, amigo Refóias, e traga tamém a su Maria, qu' a senhora há-de gostar tamém de ver aquelas coisas. Olhe que nã se vã arrepender... - Pertava o tal Dôtor com-migo.

- Pôs, sa senhora, ê cá vô-me conversar com ela e, despôs, logo se vê...

- Olhe qu' a gente até se l'e mandô um email e nã servi de nada, que vê de volta.

- Ai, m't' ôbrigadinho e quêra desculpar, senhor Dôtor, mái, parte das vezes, aquilo 'tá p' ali tudo chêo que nã cabe lá mái coisíss'ma nenhuma e, atã, dá-se isso. É qu' ê cádô àgu-ento a ler tanta coisa que me mandam lá p'a drento daquilo. Q'ondo calha, inda peço à minha Maria p'a ela me dar uma manita, mái, méme assim, nã se dá conta, veja lá...

- Atã, pronto, ficam convindados agora p'r o telefone e lá espero p'r os dôs. Agora veja lá se nã vão...

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Quem l'e comprasse um livro ele escrevia lá uma dedicatóira...

Despedimos-se um do ôtro e abalí, fui d'zer à minha Maria. Ela, logo ô prencípo, inda béque-me desconfiô de mim. Calhando achô munta fartura 'tarem a convindar dôs parvos c' m' à gente p'a uma coisa assim tã emportante. E vá de me exp'r'mentar:

- Isso nã sará conversa tua p'a te safares aí p'a alguma banda com os tês amigos e ê cá ficar aqui im casa, sòzinha, cudando que tu 'tás lá nessa coisa do livro e dos dôtores?... Vê lá, vê lá!...

- Ó m'lher, atá s' ê já te disse que tu tamém vás... O homem disse mémo p'a ê cá levar tamém "a minha senhora"...

- Lá 'tás tu com pastelêrices...

Respondé-me ela a fazer que nã acraditava, mái ê cá bem vi qu' ela f'cô foi toda inchada p'r mode o Dôtor l'e ter ch'mado senhora... Que mecês nã cudem, aquilo, q'ondo ela se resolve a inpinocar, é um cu d' asnêra que só ê cá é que sê...

A verdade que se diga, o certo, o certo é que, em chigando ô dia, foi ela que me disse, logo bem cedo, p'a ê cá me despachar com o mê governo que, da parte da tarde, tinha-se qu' ir, lá ô bico da Fóia, ver c'm' àquilo era.

- Ai, já!... Atã, inda ontem 'tavas com umas caganêrices tã grandes que nã sabias o qu' haveras de vestir p'a par'cer lá ô pé daquelas senhoras e qu' o melhor era nã ir e nã sê quem nã sê quem, e, agora, já 'tás com essa pressa toda?!...

- Eh'q, já incontrí p' ali um vestidinho, qu' ê nem m' alembrava qu' o tinha, e, agora, vô-me ali à D. Helena arrenjar o cabelo e tu vestes aquela rôpinha que levaste ô baptizo do meçalho-pequeno do tê sobrinho, o ano passado...

E assim foi.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Na mesa 'tava tudo gente de estudos. Alguns sabem mái qu' o dicionáiro qu' ê aqui tenho...

Chigados lá àquele café que 'tá lá Fóia - fazia um vento qu' até assobiava e chuva 'tava-se méme a ver que, nã tardando nada, tamém par'cia -, pusemos-se a olhar p'a donde é que se havera d' ir. Mái, tã penas olhí p' ô piso de cimba, vi logo qu' era lá, com toda a certeza.

E isto p'r mode quem. É qu' ê lombriguí logo lá uma preçanada deles a andarem, assim devagarinho, dum lado p' ô ôtro, tudo de copo na mão que mal provavam a bobida que lá 'tava dentro, munto dirêtinhos, tudo munto sério e a tramelear uns com os ôtros, em se cruzandem...

Pensí logo, só cá p'ra mim, que nem disse à minha Maria:

- Agora é qu' ê 'tô bem aviado... Mái atã, tarê que fazer a méma figura?!...

Más, isto era visto cá de fora. Lá drento, a coisa nã era bem assim. Semp'e 'tava quái tudo gente conhecida e a famila falavam uns com os ôtros desafrontadamente.

Ê cá e a minha Maria, logo, f'camos assim um coisinho imbatucados, mái, ódespôs, perdé-se tamém o acanho e vá de se dar tamém à tramela com quem par'cia e pronto. Qu' isto, nã adiantava nada 'tar-se p' ali incolhidos a um canto... E até f'cava mal.

De manêras que, cada qual pegô no sê calcesinho de vinho do porto e desatô-se a beber assim uns sôlvinhos. D' ora im q'onto, vinha uma mecinha, tazia uns coisalhos de pão espetados num palito e um conduto qualquer - tã bem era presunto, c'm' uma coisa que sabia a pêxe, c'mo ôtras qu' ê nunca tinha provado...

Mái, c'mia-se tudo, nã cudem. Qu' ê cá e a minha Maria, bicôsos, atão, nã somos. O qu' apar'cer p'r a frente, désna que 'teja im condiçõs, baldeamos tudo. E más a más, nestas condiçõs... d' amor im graça...

E, olhem, até uma homem a tocar umas músicas assim munto lentinhas, num saxofone, lá 'tava. Andava p'r um lado e p'r ôtro, no mê daquela famila toda, qu' era p'a acontentar todos.

E isto tudo, p'a chigar ô qu' int'ressa.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
Logo no prencípo, 'tava tudo quái sem saber o que fazer...

A pásnas tantas, lá s' assantô tudo e, os de lá da menza, vá de falarem dum livro qu' um escritor cá de Monchique - um mecinho inda novo, mái com uma cabecinha que tomara muntos, ch'mado António Manuel Venda - escreveu.

É um româinço, que lá o senhor de barbas que 'tava assantado ô mêo da mesa - que des qu' insina os môços na Universidade de Faro, e, p'r o jêto dele falar, calhando, nã passava sem ser o que mái sabia deles todos - disse qu' era um româinço.

E é um romãinço, sa senhora. Qu' ê cá, agora, já o li todo com a minha Maria e vi-se que era. E nã é qu' aquilo fala lá de coisas qu' à gente os dôs béque-me faz até lembrar famila conhecida?... Isto p'a nã falar nos bichos e nos caminhos e terras e por 'í diente, qu' o homem escreve aquilo e a gente, ô ler, até parêce que 'tá ver tudo na frente dos olhos...

Pôs o qu' ê l'es sê d'zer é que aquilo durô até já bem noite - p'r menes lá na Fóia, qu' aquilo çarrô-se de navoêro que nã se via um palmo à frente do nariz - que todos os que 'tavam lá à frente t'veram que falar. 'Tá bem qu' inda nenhum tida lido o livro, a nã ser o tal senhor das barbas, mái falaram...

E gostí munto d' os ôvir. Méme nã panhando parte do qu' eles d'ziam, 'tá bom de ver... Nã qu' a aparelhagem nã 't'vesse bem alta, más ê cá é que nã sabia o qu' aquelas palavras queriam d'zer.

P'r mode isso, inda gôrdí umas q'ontas aqui na cachimóina p'ra, despôs, ver s' as incontrava num dicionáiro, já de folha a folha, que pr' aqui tenho, mái de munto me serviu...

Abalô-se dali, foi-se p' à descasca de Marmelete, aquilo desatô a chover, nã se descascô nada de maçarocas que fosse nem viesse, levô-se foi o tempo todo a impinar copos p'r as goélas abaxo, lá na Casa do Povo, desqueci-me tudo que já nã m' alembro de nenhuma.

Apresentação do livro 'O que Entra nos Livros' de António Manuel da Venda
'Tava tudo munto emprensado a ôvir o qu' os que sabem tinham p'a d'zer...

Mái, voltando ô livro O que Entra nos Livros, qu' é c'mo ele se chama, nã percam de lê-lo. Aquilo, em se começando, só se descansa q'ondo s' o acabar... É qu' o marafado do Mágico Velhinho e o livrêro Sapinho Júnior nã dã descanso à gente, home...

Um - o Mágico Velhinho - andava a escrafunchar nos livros todos do ôtro qu' era uma desgraça, o ôtro - o livrêro Sapinho Júnior - já 'tava desalvorado com aquilo tudo que nã sabia o qu' havera de fazer, e o que escrevé o conto - o Antóino Venda - foi foi, foi foi, inda vá lá que deslindô aquela cachamorra toda p'a contar à gente...

Mái do qu' isto já ê cá nã l'es posso d'zer, senã nã tinha graça nenhuma q'ondo mecêas fossem ler o livro.

A minha Maria é que anda um coisinho descorçoada com o fim qu' o Mágico Velhinho teve. Já uma preçanada de vezes que me diz que, no dia a seguir à gente ler o livro, até teve sonhos com o pobrezinho...

D'zer a verdade, nessa nôte, a m'lher dé voltas na cama até mái não e, às tantas da madrugada, num de repente, dá-me um rafujão d'rêto a mim, infia-me com um cot'velo na espinha qu' ê cá até me faltô o ar. Inda ando pisado aqui duma costela e tudo...

Mái qu' ela tem andado um coisinho até p' ô abismado com aquilo, lá isso tem. Já tive qu' a sossegar, a ver s' ela p' aí l'e passa aquela pàxão, e nada...

- Ó m'lher, dêxa lá isso da mão. Atã nã vês qu' aquilo é uma coisa que 'tá só na idéa de cada um...

- Ai, coitadinho do Mágico Velhinho!...

- Atã, ele, tamém, andava a fazer a parte ô desinfeliz do Sapinho Júnior... O qu' é que l'e esperavas?...

Ela é que nã quer saber lá disso...

Mái p'r 'qui me fico. Em lendem o livro, logo me contam que tal.

E vã, tamém, bispar o blog Floresta do Sul, que pertence à méma pessoa que escrevé O que Entra nos Livros.

E, qu'rendem ver mái alguns retratos da apresentação do livro, lá bem no bico da Fóia, acalquem aqui na Galeria António Venda.

E até qu' a gente se veja.

3 comentários:

  1. Os eventos culturais são sempre de se louvar, e ainda mais tratando-se do lançamento da obra de um prodigioso filho de Monchique!

    "Calhando achô munta fartura 'tarem a convindar dôs parvos c' m' à gente p'a uma coisa assim tã emportante"--> tomara muitos serem tão "parvos", e se interessarem por este tipo de eventos, como vocemecê e a sua Maria...

    Obrigado por continuar a levar a brisa das novidades serrenhas àqueles que estão longe :)

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  2. Olá, Tio! Já tinha ouvido falar no seu blog... Espectáculo!!! Quando nos afastamos da nossa terra, é um delírio para os ouvidos os sotaques que nos são familiares... Parabéns!! Beijinhos, Beta.

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  3. Na primeira vez que conheci este blogue, achei-o muito interessante, mas depois acabei por me cansar. Sempre esperei que o seu autor, uma vez por outra escrevesse desta maneira e depois mudasse para a escrita convencional. Mas sempre assim no mesmo estilo, acaba por desmoralizar qualquer um. Em Monchique fala-se muito próximo do lugar padrão, mesmo nas zonas rurais, como de resto na maior parte do País, com uma ou outra frase mais peculiar. O autor deste blogue o que ele quer ilustrar é o falar duma zona rural, antiga, que merece muito respeito e apreço pelos regionalismos que cada local apresenta, mesmo no passado. Mas falar de tudo assim…no presente, não será abusar da paciência de quem tem a pachorra de se esforçar por ler todo o texto e compreender o que o seu autor nos quer transmitir até ao fim.
    Ou será que a intenção do seu autor é, mesmo, criar um novo estilo de literatura?

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