19 outubro 2007

O Borda d' Água

Tabua - planta silvestre
A atabúa, em 'tando seca, é do melhor que há p'a arrenjar vasilhas que dêxem ir...

Esta tarde, 'tava ê cá munto bem, ali à porta da arramada, a dar aqui um jêto às minhas unhas, com uma faquinha d' alsebêra que me saíu na carmesse da fêra d' artesanato de Marmelete, q'ondo nisto, desato a ôvir uma sobiada ali às sobrêras abaxo.

Pus-me à escuta, quem havera de ser, quem nã havera, lombrigo o Martinho do Almarjão. Lá vinha ele sobiando uma moda qu' ê já tenho p' aí ôvisto na Rádio-Fóia, béque-me daquele marafado que toca fole e canta umas coisas assim mái p' ô malcriado que ôtra coisa, o tal Quim Barrêros.

Pôs o Martinho - o Pata-Rasa, l'e chama a gente - com aqueles grandes pèzarrõs, foi c'm' uma fita, e, im menes de nada, 'tava à ponta da minha rua. Aí já tinha aparado de sobiar, dé assim um tossido ó dôs, puxô o lenço da alsebêra e assoô-se com toda a força, c'm' quem 'tava a dar de vaia.

Más ele, tamém, dé logo com-migo ali debaxo do alpendre e falô-me:

- Eh, Refóias, atã 'tás bom ó nã queres d'zer?...

Vi logo que já andava ali uma copadinha a más...

- Eh, Martinho, o qu' é que fazes p'r 'qui, hó?... 'Tás bom c'm' parêces?

- Ora 'tô bom... 'Tô do melhor!...

- Atã, essa é qu' é a tu canita, agora? Morde... ó posso-l'e fazer uma festa?

- Faz à vontade qu' ela é mansinha... Penusga, anda cá aqui!... Nã vês que mansinha qu' ela é... 'tá semp'e a abanar o rabinho...

- E 'tá bem tratada... com o pêlo todo lustroso... e farto...

- Lá isso, atão, se tenho os bichos, é p' ôs tratar bem... Nã é c'm' lá um v'zinho meu, que tem um cão qu' aquilo só tem a pele e os ossos... Vêem-se-l' as costelas todas que parêce ele que drome drento duma canastra...

- C'm' é qu' a famila faz coisas dessas...

- Más, olha, vinhe cá p'a ver se tu me despensavas ali uma folhinha ó duas d' atabúa - qu' ê sê que tu tens isso ali im baxo, ô pé do tãinque - p'a ê cá ver se dô vedado uma vasilha de madronho que me 'tá a dexar ir e ê nã posso ter aquilo assim.

- Ó mê belo amigo, leva as que qu'seres!... Vai-se já ali tratar disso...

- 'Tá bem, mái, entes, diz-me lá uma coisa: Já compraste a folhinha p' ô ano que vem ó inda não?

O Borda d' Água
Quem é que pode passar sem o Borda d' Água, senhor...

- Olha, inda nã tive jêto... E tamém nã sê s' ela já saíu...

- Atão, aqui a tens que dô ê cá. 'Tava ali na venda, a beber uns calcesinhos com uns amigos bons, parcé um catelêro a vender jogo e trazia tamém o Borda d' Água. De manêras que comprí dôs duma assentada.

- Que bela idéa que t'veste... Q'onto é qu' isso custa este ano, p'a t' ê dar logo o d'nhêro?...

- Atã nã te disse já qu' é dado?!... Guard' ô lá já e vamos más é à atabúa, vá...

- Ó Martinho, nã olhava p'r tanto...

- Nã se fala mái no caso... Guard'-ô e anda daí.

Lá abalamos prê abaxo, falando nisto e naquilo, más o Borda d'Água, vê, ôtra vez à conversa. Dig' l' ê cá:

- Isto, a folhinha, é uma coisa munta boa, mái, certas ocasiõs, quái que me parêce qu' aquilo nã bate munto certo...

- O quem?!... Nã digas isso, Refóias!... Ê cá pôco ligo até ô qu' eles dizem na tel'visão. Em vendo aqui na folhinha, já sê o tempo que faz... Nunca falha!...

- Ê sê cá s' isso é bem assim...

- Ai nã é... Já agora, dêxa cá ver uma coisa. 'Tava pensando im matar o mê pórco no dia dos mês anos, vamos lá ver c'm' é que 'tá a lua e s' ele chove ó não.

- Tu és de Janêro, nã és?

- Sô de vinte dôs. Vê lá aí se dá boa matação...

- 'Tás mal, Martinho, 'tás mal... Dá quarto da lua méme nesse dia e chuva p' à semana...

O Borda d' Água
O Martinho do Almarjão 'tá com pôca sorte, que, no dia dos anos dele, nã dá boa matação...

- Ah fado dum ladrão!... Já 'tô charingado... E isso calha a que dia da semana?

- É à Terça.

- Tamém, ô dia de semana nã dava munto jêto... Logo vejo c'm' à coisa vai ser. Calhando, mato no Sábado entes ó, atão, no ôtro a seguir.

- Olha que, no a seguir, inda é capaz de chover...

- Atã, des que nã tinhas munta fé na folhinha...

- Ê cá só disse qu ' aquilo nem semp'e bate certo, mái nã abuso...

- Pôs, atão, aponta aí bem e logo vês se bate certo ó se nã bate...

E assim se f'cô. O Martinho Pata-Rasa p' ali levô umas folhas secas d' atabúa e foi concertar a vasilha p' a nã dêxar perder o madronho, qu' ele, este ano, béque-me até nã há grande coisa, e ê cá apr'vêtí e fui p' ali mondar uma lêra de cinoiras que 'tã, agora, a l'e começar a crecer a rama.

E fiquem-se com Dés.

3 comentários:

  1. Também sou algo céptica em relação ao famoso almanaque, mas o meu pai utiliza-o como precioso auxiliar no cultivo da sua pequena horta. E certo é que, coincidência ou não, as previsões meteorlógicas costumam bater certo!

    Cumprimentos para si e sua Maria.

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  2. Era assim mesmo que o meu avô lhe chamava. A folhinha. Não sei como raio consultava aquilo mesmo sem saber ler.

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  3. Fiquei imensamente recompensado por ter recebido seu comentário em meu blog. Pretendia lá colocar uma resposta. Mas eu me acho um tanto ou quanto prolixo e julguei melhor fazer novo post, muitíssimo em breve. Lhe comunico.

    Como se diz no Brasil, seguindo o refrão de uma música, hoje vim aqui "invadir sua praia". No dia da pesquisa tive muito boa impressão. Hoje estou verdadeiramente descobrindo o blog, com esse pitoresco sotaque e com essas lindíssimas fotografias. Apesar de ter lido num comentário que há um leitor cansado do modo de falar do Monchique e que o amigo deveria retomar o modo nornal de escrever o idioma, ainda acho que a última palavra lhe pertence pois é o dono do blog e deve saber que retorno está tendo.

    Eu, de minha parte, estou me divertindo, e não me canso de consultar o glossário.

    Um grande abraço

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