A atabúa, em 'tando seca, é do melhor que há p'a arrenjar vasilhas que dêxem ir...
Esta tarde, 'tava ê cá munto bem, ali à porta da arramada, a dar aqui um jêto às minhas unhas, com uma faquinha d' alsebêra que me saíu na carmesse da fêra d' artesanato de Marmelete, q'ondo nisto, desato a ôvir uma sobiada ali às sobrêras abaxo.
Pus-me à escuta, quem havera de ser, quem nã havera, lombrigo o Martinho do Almarjão. Lá vinha ele sobiando uma moda qu' ê já tenho p' aí ôvisto na Rádio-Fóia, béque-me daquele marafado que toca fole e canta umas coisas assim mái p' ô malcriado que ôtra coisa, o tal Quim Barrêros.
Pôs o Martinho - o Pata-Rasa, l'e chama a gente - com aqueles grandes pèzarrõs, foi c'm' uma fita, e, im menes de nada, 'tava à ponta da minha rua. Aí já tinha aparado de sobiar, dé assim um tossido ó dôs, puxô o lenço da alsebêra e assoô-se com toda a força, c'm' quem 'tava a dar de vaia.
Más ele, tamém, dé logo com-migo ali debaxo do alpendre e falô-me:
- Eh, Refóias, atã 'tás bom ó nã queres d'zer?...
Vi logo que já andava ali uma copadinha a más...
- Eh, Martinho, o qu' é que fazes p'r 'qui, hó?... 'Tás bom c'm' parêces?
- Ora 'tô bom... 'Tô do melhor!...
- Atã, essa é qu' é a tu canita, agora? Morde... ó posso-l'e fazer uma festa?
- Faz à vontade qu' ela é mansinha... Penusga, anda cá aqui!... Nã vês que mansinha qu' ela é... 'tá semp'e a abanar o rabinho...
- E 'tá bem tratada... com o pêlo todo lustroso... e farto...
- Lá isso, atão, se tenho os bichos, é p' ôs tratar bem... Nã é c'm' lá um v'zinho meu, que tem um cão qu' aquilo só tem a pele e os ossos... Vêem-se-l' as costelas todas que parêce ele que drome drento duma canastra...
- C'm' é qu' a famila faz coisas dessas...
- Más, olha, vinhe cá p'a ver se tu me despensavas ali uma folhinha ó duas d' atabúa - qu' ê sê que tu tens isso ali im baxo, ô pé do tãinque - p'a ê cá ver se dô vedado uma vasilha de madronho que me 'tá a dexar ir e ê nã posso ter aquilo assim.
- Ó mê belo amigo, leva as que qu'seres!... Vai-se já ali tratar disso...
- 'Tá bem, mái, entes, diz-me lá uma coisa: Já compraste a folhinha p' ô ano que vem ó inda não?
Quem é que pode passar sem o Borda d' Água, senhor...
- Olha, inda nã tive jêto... E tamém nã sê s' ela já saíu...
- Atão, aqui a tens que dô ê cá. 'Tava ali na venda, a beber uns calcesinhos com uns amigos bons, parcé um catelêro a vender jogo e trazia tamém o Borda d' Água. De manêras que comprí dôs duma assentada.
- Que bela idéa que t'veste... Q'onto é qu' isso custa este ano, p'a t' ê dar logo o d'nhêro?...
- Atã nã te disse já qu' é dado?!... Guard' ô lá já e vamos más é à atabúa, vá...
- Ó Martinho, nã olhava p'r tanto...
- Nã se fala mái no caso... Guard'-ô e anda daí.
Lá abalamos prê abaxo, falando nisto e naquilo, más o Borda d'Água, vê, ôtra vez à conversa. Dig' l' ê cá:
- Isto, a folhinha, é uma coisa munta boa, mái, certas ocasiõs, quái que me parêce qu' aquilo nã bate munto certo...
- O quem?!... Nã digas isso, Refóias!... Ê cá pôco ligo até ô qu' eles dizem na tel'visão. Em vendo aqui na folhinha, já sê o tempo que faz... Nunca falha!...
- Ê sê cá s' isso é bem assim...
- Ai nã é... Já agora, dêxa cá ver uma coisa. 'Tava pensando im matar o mê pórco no dia dos mês anos, vamos lá ver c'm' é que 'tá a lua e s' ele chove ó não.
- Tu és de Janêro, nã és?
- Sô de vinte dôs. Vê lá aí se dá boa matação...
- 'Tás mal, Martinho, 'tás mal... Dá quarto da lua méme nesse dia e chuva p' à semana...
O Martinho do Almarjão 'tá com pôca sorte, que, no dia dos anos dele, nã dá boa matação...
- Ah fado dum ladrão!... Já 'tô charingado... E isso calha a que dia da semana?
- É à Terça.
- Tamém, ô dia de semana nã dava munto jêto... Logo vejo c'm' à coisa vai ser. Calhando, mato no Sábado entes ó, atão, no ôtro a seguir.
- Olha que, no a seguir, inda é capaz de chover...
- Atã, des que nã tinhas munta fé na folhinha...
- Ê cá só disse qu ' aquilo nem semp'e bate certo, mái nã abuso...
- Pôs, atão, aponta aí bem e logo vês se bate certo ó se nã bate...
E assim se f'cô. O Martinho Pata-Rasa p' ali levô umas folhas secas d' atabúa e foi concertar a vasilha p' a nã dêxar perder o madronho, qu' ele, este ano, béque-me até nã há grande coisa, e ê cá apr'vêtí e fui p' ali mondar uma lêra de cinoiras que 'tã, agora, a l'e começar a crecer a rama.
E fiquem-se com Dés.
Também sou algo céptica em relação ao famoso almanaque, mas o meu pai utiliza-o como precioso auxiliar no cultivo da sua pequena horta. E certo é que, coincidência ou não, as previsões meteorlógicas costumam bater certo!
ResponderEliminarCumprimentos para si e sua Maria.
Era assim mesmo que o meu avô lhe chamava. A folhinha. Não sei como raio consultava aquilo mesmo sem saber ler.
ResponderEliminarFiquei imensamente recompensado por ter recebido seu comentário em meu blog. Pretendia lá colocar uma resposta. Mas eu me acho um tanto ou quanto prolixo e julguei melhor fazer novo post, muitíssimo em breve. Lhe comunico.
ResponderEliminarComo se diz no Brasil, seguindo o refrão de uma música, hoje vim aqui "invadir sua praia". No dia da pesquisa tive muito boa impressão. Hoje estou verdadeiramente descobrindo o blog, com esse pitoresco sotaque e com essas lindíssimas fotografias. Apesar de ter lido num comentário que há um leitor cansado do modo de falar do Monchique e que o amigo deveria retomar o modo nornal de escrever o idioma, ainda acho que a última palavra lhe pertence pois é o dono do blog e deve saber que retorno está tendo.
Eu, de minha parte, estou me divertindo, e não me canso de consultar o glossário.
Um grande abraço