À mêa-nôte, que chova qu' avente, vai quái tudo p'a drento d' água...
Já ele saria noite çarrada - sim, qu' ô lusco-fusco, inda ê 'tava a tratar dos animazes - oiço a minha Maria a clamar lá p' à cozinha, numa aflição qu' ê cá até panhí medo:
- Ai, valha-me Nossa Senhora, que grande desgraça!... Mái, atão, o qu' é qu' ê faço agora, mê Dés...
Ê 'tava p' ali à porta d' antrada, junto ô pial, sacudindo as botas duns restos de esterco, qu' ele já há uns belos dias que nã tenho tido jêto d' alimpar a arramada e, atão, q'ondo saio de lá, é d' adregue nã me f'carem uns pedaços de bóstia agarrados às solas.
Oiço aqueles gritos tã aflitos, abalo a fugir, casa-de-fora prê adentro, cudando qu' a m'lher l'e taria acontecido alguma desgraça. Sê cá... ó que se quem-masse, ó que t'vesse partido p'a lá algum copo ó coisa assim...
- Maria, o qu' é que foi, m'lher?... Que gritaria é essa?...
- Atã nã vês?!... 'Tava a fazer as papas p' à gente levar p' ô Vinte Nove, já com o tempero drento do tacho e tudo, é que vejo qu' a marafada da farinha já tem têa...
- Já tem têa?!... Atã que jêto?...
- Sê cá?!... Calhando, é premode esta ser duma mái velha qu' ê pus p' ali na pelhêra, ontordia, fui-me desquecendo dela e... o bicho pegô-l'e...
-Olha que esta!... E nã tens mái denhuma aí, que jogues isso e faças ôtra tachada?
Inda nunca tinha visto tanta famila no Banho do Vinte Nove...
- É só a que tenho é desta. Nã vês aqui este restinho, qu' inda dava bem p'a fazer umas papinhas p' à gente os dôs, mái atão... Olha lá bem se nã vês aqui uns coisinhos de têa...
Pus-me a olhar p'a drento da bolsa de pano adonde ela guarda a farinha das papas e, d'zer a verdade, nã dí visto nada. Aquilo 'tava um coisinho de escuro e ê cá, com as vistas cansadas c'm' tenho, já nã alcanço a ver assim certas coisécas miúdas.
Mái c'm' ela disse que tinha têa, ê tamém nã me desmanchí, más a más qu' agora já me dava nonjo de c'mer papas daquela farinha:
- Calhando, 'tás certa, sim. Béque-me brilha ali um vè'zinho que parêce uma penusga... Isso é mái que certo qu' o bicho já antrô aí... Joga já a farinha más é ali p' ô balde das lavaduras qu' ê cá, amanhã, logo faço uma travia com ela p'a dar ô pórco.
- Atã e agora, c'm' é cá me governo?!... 'Tava contando de levar umas papinhas de t'mate p'a se c'mer lá...
- Olha, Maria, nã t' apequentes qu' isso, d' alguma manêra, s' há-de resolver.
- Só se tu fosse além, à da c'mad'e C'stóida e l'e pedisses uma farinhita imprestada, inq'onto ê adianto aqui o resto das coisas...
- E inda dá tempo de fazeres ôtro tacho delas?...
- Atã, exp'r'menta-se... Se nã f'carem lá munto boas, pacência...
Lá fui ê cá, a fugir, caminho da casa da c'mad'e C'stóida l'e pedir um coisinho de farinha de milho. E Vinhe logo ôtra vez a fugir qu' a pressa era munta... Qu' isso, atão, a c'mad'e C'stóida foi logo munto lesta a me prantar farinha que dava p'a dõs tachos de papas numa bolsinha de ratalhos qu' ê cá levava.
Ele havia munto quem fardasse a rigor...
De maneras qu' a minha Maria, nesse mê tempo, já tinha adiantado bem munta coisa - aquilo era pexinhos da horta, uns charrinhos fritos, uns pedacinhos de carne da banha e por 'í diante... - e já 'tava com o tacho ô fogo, com a água quente, p'a l'e jogar a farinha p'a drento e cozer as papas, tã penas ê chigasse.
- Olha, tu é que podias ir mexendo aqui as papas, p'a elas nã s' apegarem e nã criarem granhõs, qu' ê cá ia-te pôr ali a rôpa p'a vestires, im cimba da cama. Mái vê lá o qu' è que fazes p' aí!...
- Sim, m'lher!... Atã cudas qu' ê cá sô o quem?... Lá é preciso ser dôtor p'a fazer umas tristes dumas avelas...
E lá f'quí, de colhêrão nas mãs, acrecentando farinha e mexendo nelas.
E uma coisa l'es digo: a nossa sorte foi que nã se ia na camineta da Câmara... S' acuaso se fosse nela, nã l'es afianço qu' a gente a t'vesse panhado. É qu' o raça das papas q'onto mái fogo ê l'e fazia p'r baxo, béque-me, mái incruadas elas f'cavam...
Até que lá vêo a minha Maria e tomô contas delas qu' ê cá jã nã as 'tava a ver munto bem... E, aí, fui vestir a minha farpela, que já 'tava na hora combinada p' à via - o carrinho do Zé Manel - abalar com a gente todos caminho da Praia do Vau. E ele que nã gosta nada de esperar...
E o caso é qu' aquilo nã tardô nada, já o ôvia apitar lá adiante, a dar de vaia à gente p'a se pôr tudo ali a jêto p'a, q'ondo ele chigasse à rua, ser só jogar a trôxa toda lá p'a drento do porta-bagajas e pôr-se-mos todos a andar.
E assim foi. Más a minha Maria inda nã tinha as papas bem cozidas, pôs ali tudo menes o tacho. Esse 'tava ô fogo e com um brasedo debaxo daquela trempe qu' elas só o que faziam era espirrar p'a fora, p' ô chão, que ficô tudo chê de marcas de papas secas até quái a dôs palmos dos pés da trempe.
Despôs da barriguinha chêa, era ver quem melhor balhava...
Chega o Zé Manel com os compadres - eles nem saíram - vá de aconchigar aquilo tudo no carro - bolsas, cestas, o garrafanito de vinho e uma garrafinha de madronho, e mái sê cá o quem - ia ele já p'a se pôr, ôtra vez, ô v'lante, salta a minha Maria:
- Ó Zé Manel, 'pera lá 'í um coisinho qu' inda falta um tachinho de papas qu' ê tenho ali ô fogo p'a s' acabarem bem de cozer... Vô-me já b'scá-las...
E abalô a fugir d'rêto à cozinha. Aí, o Zé Manel volta-se p'ra mim:
- Ó ti Refóias, mái atã o qu' é isso? Nã vê que já nã há aqui lugar p'a mái coisíss'ma nenhuma?!... Olhe p'ra isto. Tudo chêo...
- Tem lá p' aí pacência, Zé Manel... A m'lher levô p' ali a brigar uma preção de tempo com o tacho das papas, agora nã nas havera de levar...
- Atã nã vê que nã cabem?!... Só se vomecêa as levar no colo...
- E, sendo preciso, 'té que sô homem pr'a isso... Mái, com jêtinho, semp'e s' as há-se dar aconchigado aí junto ô resto das coisas. Vê lá isso pr' aí com calma e tem pacência...
Chega a minha Maria com o tacho das papas nas mãs.
- Ó Maria, queres qu' isso vã assim, nesse estado?!...
- Nã, homem... Vai lá ali b'scar uma cestinha de verga que 'tá lá pindurada às tábuas do sobrado, na casa das batatas...
- E isso dará cabido lá drento?...
- Dá sim, quê já a exp'r'mentí uma vez que se foi a uma banda qualquer e se levô farnel.
Lá fui b'scar a cesta que nem uma fita, qu' o Zé Manel já nã 'tava nada contente com aquilo. Mái vá lá que, méme já um belo coisinho desalvoriado e munto a custo, lá aconchigô aquilo tudo p' ali c'm' ele intendeu. Que, d'zer a verdade, ê já 'tava era a contar ter de levar a cesta ô colo, com o tacho das papas lá drento, até Vila Nova...
Que novo que velho, tudo s' ad'verte no Banho do Vinte Nove...
E com respêto méme ô Banho do Vinte Nove nã vale a pena 'tar com mái conversas, qu' ê já l'es contí, o ano passado, c'm' é qu' aquilo era. Querendem ver, acalquem aqui e aqui Só o que teve de d'frente foi que, este ano, inda era mái famila.
Só caminetas da Câmara, desta vez, im vez de três eram quatro. E pessoal nôtras vias nem l'es sê incarecer. Os que chigaram à últ'ma t'veram d' ir pôr os carros sê cá pr' àdonde...
Contentem-se im ver aqui na Galeria do Banho do Vinte Nove os retratos da gradessíss'ma charola qu' a gente todos fez lá na arêa da praia e os que t'veram a foiteza de se jogar à água q'ondo chigô a mêa-noite.
E, qu'rendem ver uma apresentação desses mémes retratos no YouTube, mái de q'ôlidade um coisinho mái ruim, acalquem aí duas vezes im cada coisa dessas:
E haja saúde da boa.
Este banho não custuma ser a 29 de Agosto?
ResponderEliminarCá im Monchique, o Banho do Vinte Nove sempre foi im Setembro.
ResponderEliminarNã sê que jêto lá p'ra baxo pr' ô Algarve usarem a fazer isso im Agosto.
Eles é que lá sabem o perquem......
Veja lá o qu' estes dizem aqui e aqui.
Dés l'e dê saúde.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarmad,
ResponderEliminaros meus agradecimentos.