12 dezembro 2006

O Panito cá de Monchique é munto cobiçado

Tabuleiro de pão de Monchique
Cá o panito de Monchique é munto cobiçado. E com r'zão...

Ora, ia ê cá d'zendo, ontordia, qu' a massa p'a 'tar im condiçõs tem que f'car aí p' ô lado dumas duas horas a crecer, se nã ser más. Olhe qu' isto, no enverno, em dias frios c'm' ele às vezes vem, pode até amarroar e demorar um belo pôco mái do qu' isso.

De manêras que, em ela crecendo até a cruz e as chagas se dêxarem de ver e f'car lisinha, tem que se dar logo ordes a tender, qu' ela nã espera. Isso antão, não. É fazer tudo, no sê devido tempo, ó, é certo e sabido, qu' a cozedura nã corre bem...

E, ô méme tempo, tiça-se fogo ô forno qu' é p'ra ele ir aquecendo, nesse mê tempo qu' a gente tende e qu' os panitos, já afêçoadinhos no tab'lêro, ficam mái um belo pôco a fintar.

Qu' ele há quem diga qu' a massa 'tá a fintar désna que s' acaba d' amassar até que se põe os panitos no forno. Mái, p'r 'quí, usa-se a d'zer que, no alguidar, a massa crece e, no tab'lêro, finta.

Pôs, nã l'es digo nada, aquilo p'a se tender é cá uma cachamorra que, quem nã 'tá ac'st'mado, vê-se em traquetes p'a fazer tal serviço... Vá lá qu' a minha Maria ia-me dando p' ali as ordes c'm' é qu' havera de fazer e c'm' é que nã havera, senã nã sê lá munto bem c'm' é qu' ê cá me dava visto livre daquele enredo.

A massa agarrava-se-m' às mãs tanto ó tampôco que só à som de l'e jogar farinha p'r cimba é qu' ê dava conta dela...

- Ó homem, pr'mêro pões farinha nas mãs e só a seguir é que te jogas à massa. Atã nã te disse já isso, sê cá q'ontas vezes?!...

- Podes ter munta r'zão, Maria, mái é que, méme assim, ela agarra-se-m' aqui entre os dedos... E nã vês aqui na tábua de tender, faz o mémo...

- Se l'e puseres farinha ô consoante, nã s' agarra... Atã ê cá nã sê munto bem disso, s' ele há tantos anos que faço tal serviço...

Alguidar de massaAcendendo o fornoTendendo o pãoTendendo o pão
Tã penas a massa 'teja boa, tiça-se fogo ô forno, tende-se e dêxa-se os panitos a fintar no tab'lêro.

E, p'a ser franco, exp'rimentí a pôr mái uma far'nhita e aquilo dé-me em correr um coisinho melhor. Ê tamém, béque-me, l'e panhí o jêto ô fim de tender uns dôs ó três panitos...

Mái, nisto, 'tava ê cá a tirar o resto da massa do alguidar p'a afêçoar um brindêrinho - qu' ê pélo-me p'r ver um brindêro no forno a cozer junto ôs ôtr's pãs - 'parêce o mê compad'e Jôquim à porta da rua.

Logo, f'quí sem saber o qu' havera de d'zer, béque-me, assim um coisinho embatucado d' ele me panhar a fazer aquele serviço que pertence é a m'lher fazer. Inda m' ingasguí p' ali e vá de gaguejar, mái o mê compadre salta logo:

- 'Teja com Dés, compad'e Refóias. Atã 'tá dando aí uma ajudinha à c'madre?...

- Eh'q, ela 'tá p' ali um coisinho mal, duma pontada que l'e deu, tive que ser ê cá a fazer este g'verno...

- Nã me diga nada, qu' ê tamém, já uma vez, tive que fazer o mémo... Atã, em elas nã podendo, o qu' é que s' há-de fazer? Temos que ser uns p'r os ôtr's...

- Olhe, até já 'tava a apr'vêtar aqui os restos da massa p'a fazer um brindêrinho... c'm' à minha mãe usava a fazer q'ondo ê era moç'-pequeno. Qu' ê tenho pôco jêto p'ra isto...

- A olhar p' ô que tem aí drento do tab'lêro, vomecêa ajêta-se más é muntíss'mo de bem, nã 'teja com coisas...

- Eh'q, nã sará bem assim... Olhe lá, c'pad' Jôquim, e nã diga isso alto qu' a minha Maria oiça, senã inda quem tem que gramar com esta bucha, no fituro, tenho que ser ê cá... Nã sabe c'm' sã as m'lheres?...

- A c'mad' Maria nã é pessoa p'ra isso. Aquelas lá de Vila Nova, munto finas, é que mandam neles...

E, d'zer a verdade, até aqui, nã tenho munta r'zã de quêxa, qu' a minha Maria usa a me dar uma bela ajuda im tod' ô serviço. D' ora im q'onto, até me faz coisas qu' ê é qu' havera de fazer, só p'ra ê cá ter tempo de contar estas passajas.

Qu' a marafada, atão, perde-se p'r ler estas parvoêras e põe-se a rir munto de rijo, méme sòzinha. Nã sê bem é s' ela acha graça às coisas qu' ê cá digo ó se 'tará a fazer pôrra de mim...

E lá fiz o brindêro, tapí a tab'lêrada de pão com o tendal e pus-me, mái um coisinho, na conversa com o compad' Jôquim. Qu' o homem vêo aqui, c'm' nã tinha nada p'a fazer com o tempo mê de chuva c'm' ele 'tava, p'a s' entreter um coisinho com-migo, inq'onto a c'mad' C'stóida f'cô tratando do jantar.

Foi o tempo de pôr mái uma lenhita no forno, dar umas voltinhas às brasas p'a ele aquecer p'r igual, dêxá-las descair e alimpá-lo.

Mecêas sabem c'm' s' alimpa o forno, 'tá claro. Aquilo é só tirar-l' os restos das brasas p'ra fora com o rodo e, a seguir, alimpar a cinza do sôlo com o barredoiro molhado - mái que 'teja bem espremido, senã o calor vai-se a baxo - e prantar com os panitos lá p'a drento, pa se cozerem.

Pondo o pão no fornoPondo o pão no fornoPondo o pão no fornoSacudindo o tendal
Em se metendo o panito todo lá drento, sacode-se o tendal p' à boca do forno e põe-se a secar.

Aí, já o compad' Jôquim se tinha ido imbora à prècura do decormerzinho e ê já podia fazer as coisas mái desafrontadamente cá minha manêra. Nã é qu' ê nã gostasse dele 'tar ali com-migo, mái uma pessoa, sentindo-se sòzinha, sem ninguém a bispar, semp'e trabalha d' ôtra manêra...

E aquilo tamém é um serviço que tem de ser fêto depressa p'a manter o forno quente, sem o dêxar descair, ó atão, adés minhas enc'mendas, que lá fica o panito todo mal cozido. Más, inda assim, a coisa nã me corré munto mal. Num nadinha, 'tava tudo fêto e o panito drento do forno...

A minha Maria, que 'tava d' olho à esprêta, a ver tudo p'r o v'rido da j'nela da cozinha, dá-me logo um eco qu' ê até f'quí, béque-me, insarampantado:

- Atã e nã fazes a cruz na boca do forno?!... E a oraçanita, já a d'zeste?...

- Ai que quái que me desquecia. Se nã és tu...

- Creça o pã no forno e as almas no céu. Em lôvor de S. V'cente, N'oss' Senhor o acrecente.

Disse logo ê cá, munto limpêro, tal e qual c'm' à minha c'madre Maria da P'rtela Baxa m'a tinha insinado, uma ocasião que 'tive im casa dela. E vá uma cruz, com a pá, naquela parte bem tisnada do forno.

Pronto. Assim o panito desatô a crecer e a dêtar um chêrinho cá p'ra fora qu' até narcia água na boca de qualquer um... Até a minha Maria s' admirô. 'Tava lá p'a drento de casa, foi-l' o chêro, oiço-a ramocar:

- Õi, que belo chêrinho... Querem lá ver qu' o panito inda vai f'car alguma coisinha de jêto, méme fêto p'r ele?...

E assim vê' logo cá ô forno passar a revista dela, c'm' quem d'zia qu' ê nã dava conta do recado.

- Olha, inda assim, nã 'tá com munto má cara, nã senhora... Ali o brindêrinho é que, calhando, 'tá munto perto das brasas e quém-ma-se. Dá-l'e lá ali um empurranito com a pá, mái p' ô pé daquele pão...

Lá fui, lá dí o empurranito.

- Olha, agora, da quem nada, mexes neles todos p'a nã s' agarrarem uns ôs ôtr's e, despôs, vês s' é preciso voltá-los, nã vã eles se quem-mar dum lado e f'car crus do ôtro.

E, digam-me lá, o qu' é qu' um homem há-de fazer... Tem-se que ter p' aí pacência, pôs atão...

- 'Tá bem, Maria, e o qu' é que faço más?

Fazendo a cruzPão no fornoBrindeiro no fornoTirando o pão do forno
Com a pá faz-se uma cruz p'r cimba da boca do forno, diz-se a tal oraçanita e é dêxá-lo cozer... Calhando o forno a nã 'tar munto quente, põe-se-l'e umas brasinhas à porta.

- Olha faz lá c'm' ê cá te digo, que, daqui a um pôc'chinho, já cá venho ôtra vez p'a ver s' ele se 'tá a cozer im condiçõs. Qu' ê nã posso 'tar aqui que tenho ali a cama inda p'r fazer e o d'comer 'tá ô fogo, inda o dêxo quem-mar.

- Sim, vai lá ô tê g'verno e dêxa isto com-migo, qu' ê logo me amanho cá à minha manêra. Ó pensas qu' ê tamém nã sê c'm' se faz pão...

Isto, era ê cá já armado im canelas de chibo, que já tinha engrilado lá p'a drento do forno e visto qu' o panito ia bem incam'nhado...

Pôs o que l'es sê d'zer é qu' ele foi, foi... crecé, naquele forno, que foi um encanto, f'cô bem cozidinho e inda a gente 'tá a c'mer dele...

Tamém, nã vô qu'rer, agora, qu' ele seja tã bom c'm' o qu' a minha Maria faz. Mái come-se... Nunca a gente t'vesse pior.

Só me dá pàxão é de nã l'es dar dado um panito p'a vomecêas provarem. Mái pode ser qu' inda calhe, uma ocasião...

E agora que já l'es contí c'm' é qu' a gente faz o pão, Dés l'e dê saúde a tôd's.

9 comentários:

  1. Mas que rico cheirinho que se espalhou até aqui pela nossa casa. Parabéns ao padeiro! :))
    Um beijinho

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  2. Já tenho aqui o prato com o azete e os alhos.

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  3. Bom é comia já com azetonas ó com uma lasca de tocinho, até parece que sinto o sabor do panito que a minha mãe amassava.
    Um abraço

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  4. Olha e já agora nã dexas um pão em massa p´ra fazer o bolo da amassadura ou em Monchique nã se faz ? e popias também não ?

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  5. Que categoria de pão!
    Ê cá já roia uma coidinha.

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  6. Que regalo para os olhos... Imagino para a boca! Obrigada pela bela aula de bem fazer o pão que nos deu! Eu trouxe um panito daí, do fim de semana, e já marchou todo, em menos de um fósforo! Mas esse seu panito mete cobiça, sim senhor, está de parabéns!

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  7. Esse panito já pedia uns piquezinhos por cima.

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  8. Tamém a mim me dá pàxão de nã c'mer um panito tã bom já há pé mens uns 3 meses. por aqui tentam fazer parecido mas fica munte mole, parece fêto de massa de pap'seco.

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  9. Ai mãe!!!!!! Má atão ê tarê qu'dêxar de vir à net?
    Hoje na me posso quêxar que tenhe aqui em casa um panito casêro, de Mértola. Na tá mal na senhora, mas atão a sua história Parente?
    É capaz de le fazer espéce, mas na sê se gosto mái do sé pão se da sua escrita.

    Fique com Dés Parente!

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