Faz uns oito ó nove meses, já tinha falado aqui duma cozedura de pão. Mái, c'm' era nos mês prencíp's, só apresentí um retrato do tab'lêro chêzinho de pão, qu' ê nã sabia lá munto bem c'm' fazer tal coisa. Agora tamém pôco mái sê, mái já dí p' aí umas com umas manêras de resolver isso, e atão vô-l'es amostrar mái alguns.
E olhem que calhô bem, qu' a Maraffaada falô no caso, e ê cá já fazia tenção disso, que, no prencípo da semana, fazemos mái uns q'ontos panitos. E nã f'caram ruins, nã senhora...
Pôs, cá a gente faz-se o panito assim. Inda à moda antiga. Foi uma coisa que, tant' ê cá c'm' à minha Maria, nunca se demos ac'st'mado ô pã da padêria. Aquilo é, béque-me, azedo, nã chêra c'm' o nosso e quem é qu' o dá c'mido em passando p' ô ôt' dia?!...
Nã há nada c'm' o qu' a gente faz... Fiqu' ele im-massarocado ó creça bem, désna que 'teja bem cozido, mês belos amig's, nã há coisa melhor. Come-se tã bem, logo inda quentinho, numa tiborna, c'm', despôs, condutado com um belo pedaço de chôriça de pórco escuro ó morcela ó seja lá o que ser.
Já nã falando com um belo jantar de fêjão ó de côve de novelo, ô fim, esmigalhar-l'e um pique de carne gorda bem cozida, um pedaço de papada ó coisa assim, numa fatia de pã bem grossa e rapimpar-se ali, qu' até berra...
E, se nã se t'ver conduto e a laberca apertar, méme às secas ele se come, nem que tenha três, quatro dias ó até méme uma semana. Se quer que l'e diga, até que gosto dele durinho, ir mordendo aquelas côidinhas devagarinho e tomando-l'e bem o sabor.
Qu' isto, agora, quem quêra já nã no dêxa f'car duro, que nã há já quem nã tenha figoríf'co e arca, e ponde-o lá, logo assim qu' ele arrefece, dura uns belos dias e, ô descongelar, quái que nã se nota d'f'rença nenhuma. Parêce que foi fêto naquele dia.
Mái, dêxamos isso... Se querem saber c'm' é qu' ele se faz, aqui vai:
Pr'mêro, tem-se que ter a léveda p'a se masturar com a farinha q'ondo s' amassa, senã a massa nã crece. E a léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra. Na béspra d' amassar, acrecenta-se. E pronto, é só despejar p' à farinha e amassar.
A léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra e acrecenta-se de béspra. E daí, despeja-se p' à farinha e amassa-se.
Desta vez, a minha Maria 'tava p' ali com uma pontada nas costas - cá p'ra mim, aquilo, foi jêto qu' ela deu, um dia destes, e inda nã quis ir ô endrêta cudando qu' aquilo l'e passa, assim, sem mái nem men's - e, atão, falô-me s' ê nã l'e dava uma ajudinha, p'r mái que nã fosse, a amassar.
- Ó Maria, atão, se 'tás p' aí assim tã empeçada, dêxa lá qu' ê cá, mal ó bem, nã sarê capaz de dar fêto o serviço?...
- Mái tens que ter pacência e fazer as coisas com tempo, c'm' pertence. Nã é dares p' ali três voltas à farinha e, pronto, já 'tá amassada. Alembra-te bem do que se dé da ôtra vez, qu' o pão f'cô todo chê de granhõs e quái que nã crecé nada...
- 'Tá bem... Dêxa lá isso... E diz-me lá más é adonde tens o alguidar e a léveda, e aquece lá uma gotinha d' água, inq'onto ê vô ajêtando aqui a farinha e o resto das coisas...
- Atã nã sabes já o lugar de tudo?... O alguidar 'tá ali p'r baxo da p'lhêra, junt' ô ôtros, e a léveda, q'ondo a acrecento, guardo-a semp'e ali na caxa pequena, p'a nã l'e cair alguma p'rquêra p'a drento e p'r mode as moscas e bichos assim.
Só o que l'es digo é que, nã tardando nada, lá 'tava ê cá a dar voltas à farinha e a amassar ali qu' até zunia...
A minha Maria tirava retratos e despejava água na massa, à medida qu' era preciso, e ê cá vá de dar voltas à massa e mái voltas, qu' aquilo leva uma preçanada de tempo até 'tar im condiçõs da dêxar ficar a crecer.
Leví p' ali um poder de tempo a dar voltas à massa, já quái que me doía os braços com a forçaria que fiz...
Em levando ali uma hora, mái coisa menes coisa, já quái que me doía os braços com tanto zurzilar na massa. Atã e a espinha?!... Calem-se aí!... Uma pessoa nã 'tá ac'st'mado àquilo, põe-se-l'e aqui uma dorzinha finina, do canto de cima ô canto de baxo, que só dá jêto é dêxar aquilo da mão e seja o que Dés quêra...
- Maria, isto nã 'tará já bom?... Já 'tô infastiado de tanto amassar...
- Atã ê cá nã te disse que tinhas de ter pacência?... Amassa lá mái um pôcachinho q' é p' à massa f'car ím condiçõs. Senã o pão nã crece c'm' deve de ser e fica todo im-maçarocado...
- Ó m'lher, ê cá côme-o 'teja ele c'm' 't'ver. Até que nã desgósto dele assim p' ô im-maçarocado, ficas já sabendo...
Era a ver s' ela me dêxava acabar com aquilo, 'tá bom de ver... Más ela nã foi na conversa, que quer semp'e pão da melhor q'ôlideza que possa ser, qu' é p' à amostrar às ôtras qu' o sabe fazer munto bem, lá tive que levar inda ali, sê cá o tempo que foi. Foi o qu' ela munto bem l'e dé na cabeça...
'Té, que, a pásnas tantas, lá vêo p'ra mim:
- Bom, isso agora já há-de 'tar más ó menes... Puxa lá aí a massa p'ra riba, a ver c'm' ela liga...
E ê cá, assim joguí as duas mãs à massa, leví-a quái toda nos ares e estiquí-a até em par do nariz, c'm' quem diz:
- 'Tás a ver c'm' ela já 'tá im condiçõs e nã faz falta nenhuma 'tar aqui a mort'ficar-me más?!...
E a minha Maria, que nã é má pessoa - lá isso nã é, nã senhora - olhô p' à massa, olhô p'ra mim, vi-me já assim um coisinho escalfado, com a cara incarnada e umas bagas de suôr na ponta do nariz, voltô-se p' ô lado de lá e disse:
- Pode-se d'zer que já escapa... Se levasses aí mái um coisinho, nã l'e fazia mal nenhum, mái c'm' tu já t' aborrêce, dêxa lá isso da mão...
- Punhana! F'quí mái contente que nem uma pega sem rabo... Assim parí d' amassar, joguí-me à farinha e toca a escramalhá-la p'r cimba da massa, p'a, despôs, a tapar com o tendal e a ratalhêra qu' a minha Maria tem só p' àquele serviço.
Mái entes da tapar, tem que se l'e fazer a cruz e as cinco chagas e d'zer a oraçanita:
- Em lôvôr de Noss' S'nhor J'us Cristo...
Senã é d' adregue ela crecer im condiçõs. 'Tejam certos que nã fica c'm' deve de ser... Uma ocasião, a minha Maria desquècé-se, o pã foi p' ô forno, q'ondo se tirô tinha quái a méma altura de q'ondo foi posto. Nã creceu coisíss'ma nenhuma, que dava más ares era a calcanhares de S. Pedro - ó franciscos, l'e chamam tamém - e nã a pã de farinha branca. Más ele c'mé-se na méma, verdade se diga...
A cruz e as chagas tamém servem p' à gente saber q'ond' é qu' a massa 'tá boa p'a tender. É q'ond' elas despâr'cerem e a massa f'car lisinha, passadas umas duas horas ó coisa assim, consoante o tempo 'teja quente ó frio.
Quem quêra qu' o pã creça c'm' deve de ser, faça a cruz e as cinco chagas e tape-o munto bem tapadinho. A seguir, é só esperar umas duas horas, perto ó certo...
E, desta vez p'r 'quí me fico. Despôs da massa crecer, logo l'es conto c'm' é que se tende, s' aquece o forno e se põe lá o panito a cozer.
Fiquem-se com Dés, qu' ê, prestes, cá 'tarê ôtra vez.
Ora a minha vida. Um panito desses logo agora que eu estou com uma fome desgraçada.
ResponderEliminarTens por aí manteiga ou um queijito curado?...
As fotografias são o máximo. Gosto muito de Monchique.
Voltarei com mais tempo para vos visitar.
Mas que fome…
Que maravilha parente Refoias! E eu aqui tão longe cheia de água na boca!!! Quem me dera apanhar aqui um panito desses... Adoro as suas reportagens cheias de tradições, e que bem que as faz! A sua canon 350D é uma boa máquina mas sem o olhinho do fotógrafo não há boas máquinas. O parente tem bom olho para a fotografia!
ResponderEliminarÓ compadre!! Muito agradecida por se ter lembrado do meu pedido... Agora estou práqui a "aguar", a pensar no belo panito que costumo comer em Monchique e nos "entaladinhos" tão bons que faço com as carnes e os enchidos da feijoada ou das couves... Huuummmmm!!!!!!!!
ResponderEliminarSabe tão bem, o pãozinho caseiro, mas a trabalheira que dá não nos passa pela cabeça... Há muitos anos lembro-me de ver fazer pão (e folares) e é engraçado que nunca mais me esqueci da Cruz e das Chagas de Cristo, nem da importância que têm para o pão ficar bom... E as mantinhas por cima!
Que saudades...
(Amanhã vamos todos para baixo, desta vez pernoitar na Vila Nova, é "à vez, à vez"... mas havemos de ir a Monchique, entre outras coisas, buscar panito!)
Ai Parente! Esse panite c'um pedacinho de toicinho da couve ... que delícia!
ResponderEliminarDepois de uns dias ausente em terras de Àfrica, cá estou de novo para saber as últimas!
ResponderEliminarAbr
Pedro
Ó parente! A Ti'Maria tá é desmanchada homa! Leve-a ó lavrador dos Preros que vem de lá uma mçoila rija.
ResponderEliminarOra nem mais!
ResponderEliminarAssim se amassa
assim se peneira
assim se enrola
o pão na masseira.
Pelo aspecto...não digo mai nada.
Uma abraço raiano
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ResponderEliminarEsse pão fez-me crescer água na boca.
ResponderEliminarQue belo pão! E que saborosa linguagem. Gostava de vos ouvir falar. Já pensou em juntar som ?
ResponderEliminar;-)
Quando aí vivi a Sr.Maria minha vizinha pedia me por vezes que lhe trouxesse um panito da vila. Uma vez pediu-me uma caixa de "arraial"! Tive que lhe perguntar o que era: fermento Royal, mas devia ser para os bolos.
Quando vínhamos ao Porto (eu e mais o meu Manel ;-) nas férias da Pascoa trazíamos sempre um folares que comprávamos nos Casais.
O Parente ja falou alguma vez desses folares?
Que bolos fazem pelo Natal? Não me lembra nenhum em especial. O do tacho quando é?
(Caro MAd desculpe nao lhe ter respondido à pergunta que fez sobre o cedro: não estão aglutinados num só; na foto que publiquei parece, mas nao estão. Queria ver se juntava outras fotografias para se ver melhor)
Já chegou aí o frio? Com a srª da Conceição não é o costume?
Bom fim de semana
Ai que rico panito!
ResponderEliminarAté lhe consigo imaginar o cheirinho e o paladar...
Apetecia-me estar sentada à conversa diante da braseira, a assar uma bela chouriça, a comê-la com esse rico pão, e a ouvir a chuva caíndo lá fora.
E diz o Parente que não sabe isto e aquilo! Poesia, tradição, côr, movimento, doçura...o que aqui se colhe de tão verdadeiro! Abraço,
ResponderEliminarA tôd's os mês belos amig's munto l'agradêço e nã l'e parêçam mal de nã l'es ter dito nada, mái andí p'r 'í uns dias no c'çáiro e, atão, nã fiz nada disto.
ResponderEliminarSó vô-me dar umas réplas às prècuras da Manelinha qu' o tempo nã dá p'ra más.
Olhe Manelinha, isso do som era uma coisa do melhor que podia ser, mái logo se vê...
O tal f'rmento que fala, é o pó royal, mái usa-se só p'ra bolos. No pão, põe-se do nosso qu' é logo ôtra coisa...
No Natal, usa-se a fazer f'lhozes, fritos e pastés de batata-doce. Na Páscoa sã os folares, que vomecêa ia comprar ô Cai-Logo, à da Pisa Flores. E o bolo de tacho é no dia de Maio.
E muntas rec'mendaçõs p'a tôd's.