06 dezembro 2006

Cá a gente faz o panito assim

Pão de Monchique
O panito fêto à nossa manêra é logo ôtra coisa. Olhem bem p'ra isto...

Faz uns oito ó nove meses, já tinha falado aqui duma cozedura de pão. Mái, c'm' era nos mês prencíp's, só apresentí um retrato do tab'lêro chêzinho de pão, qu' ê nã sabia lá munto bem c'm' fazer tal coisa. Agora tamém pôco mái sê, mái já p' aí umas com umas manêras de resolver isso, e atão vô-l'es amostrar mái alguns.

E olhem que calhô bem, qu' a Maraffaada falô no caso, e ê cá já fazia tenção disso, que, no prencípo da semana, fazemos mái uns q'ontos panitos. E nã f'caram ruins, nã senhora...

Pôs, cá a gente faz-se o panito assim. Inda à moda antiga. Foi uma coisa que, tant' ê cá c'm' à minha Maria, nunca se demos ac'st'mado ô pã da padêria. Aquilo é, béque-me, azedo, nã chêra c'm' o nosso e quem é qu' o dá c'mido em passando p' ô ôt' dia?!...

Nã há nada c'm' o qu' a gente faz... Fiqu' ele im-massarocado ó creça bem, désna que 'teja bem cozido, mês belos amig's, nã há coisa melhor. Come-se tã bem, logo inda quentinho, numa tiborna, c'm', despôs, condutado com um belo pedaço de chôriça de pórco escuro ó morcela ó seja lá o que ser.

Já nã falando com um belo jantar de fêjão ó de côve de novelo, ô fim, esmigalhar-l'e um pique de carne gorda bem cozida, um pedaço de papada ó coisa assim, numa fatia de pã bem grossa e rapimpar-se ali, qu' até berra...

E, se nã se t'ver conduto e a laberca apertar, méme às secas ele se come, nem que tenha três, quatro dias ó até méme uma semana. Se quer que l'e diga, até que gosto dele durinho, ir mordendo aquelas côidinhas devagarinho e tomando-l'e bem o sabor.

Qu' isto, agora, quem quêra já nã no dêxa f'car duro, que nã há já quem nã tenha figoríf'co e arca, e ponde-o lá, logo assim qu' ele arrefece, dura uns belos dias e, ô descongelar, quái que nã se nota d'f'rença nenhuma. Parêce que foi fêto naquele dia.

Mái, dêxamos isso... Se querem saber c'm' é qu' ele se faz, aqui vai:

Pr'mêro, tem-se que ter a léveda p'a se masturar com a farinha q'ondo s' amassa, senã a massa nã crece. E a léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra. Na béspra d' amassar, acrecenta-se. E pronto, é só despejar p' à farinha e amassar.

LévedaLévedaLévedaJuntando a léveda à farinha
A léveda dêxa-se duma amassadura p' à ôtra e acrecenta-se de béspra. E daí, despeja-se p' à farinha e amassa-se.

Desta vez, a minha Maria 'tava p' ali com uma pontada nas costas - cá p'ra mim, aquilo, foi jêto qu' ela deu, um dia destes, e inda nã quis ir ô endrêta cudando qu' aquilo l'e passa, assim, sem mái nem men's - e, atão, falô-me s' ê nã l'e dava uma ajudinha, p'r mái que nã fosse, a amassar.

- Ó Maria, atão, se 'tás p' aí assim tã empeçada, dêxa lá qu' ê cá, mal ó bem, nã sarê capaz de dar fêto o serviço?...

- Mái tens que ter pacência e fazer as coisas com tempo, c'm' pertence. Nã é dares p' ali três voltas à farinha e, pronto, já 'tá amassada. Alembra-te bem do que se da ôtra vez, qu' o pão f'cô todo chê de granhõs e quái que nã crecé nada...

- 'Tá bem... Dêxa lá isso... E diz-me lá más é adonde tens o alguidar e a léveda, e aquece lá uma gotinha d' água, inq'onto ê vô ajêtando aqui a farinha e o resto das coisas...

- Atã nã sabes já o lugar de tudo?... O alguidar 'tá ali p'r baxo da p'lhêra, junt' ô ôtros, e a léveda, q'ondo a acrecento, guardo-a semp'e ali na caxa pequena, p'a nã l'e cair alguma p'rquêra p'a drento e p'r mode as moscas e bichos assim.

Só o que l'es digo é que, nã tardando nada, lá 'tava ê cá a dar voltas à farinha e a amassar ali qu' até zunia...

A minha Maria tirava retratos e despejava água na massa, à medida qu' era preciso, e ê cá vá de dar voltas à massa e mái voltas, qu' aquilo leva uma preçanada de tempo até 'tar im condiçõs da dêxar ficar a crecer.

Farinha e lévedaAmassandoAmassandoAlguidar de massa
Leví p' ali um poder de tempo a dar voltas à massa, já quái que me doía os braços com a forçaria que fiz...

Em levando ali uma hora, mái coisa menes coisa, já quái que me doía os braços com tanto zurzilar na massa. Atã e a espinha?!... Calem-se aí!... Uma pessoa nã 'tá ac'st'mado àquilo, põe-se-l'e aqui uma dorzinha finina, do canto de cima ô canto de baxo, que só dá jêto é dêxar aquilo da mão e seja o que Dés quêra...

- Maria, isto nã 'tará já bom?... Já 'tô infastiado de tanto amassar...

- Atã ê cá nã te disse que tinhas de ter pacência?... Amassa lá mái um pôcachinho q' é p' à massa f'car ím condiçõs. Senã o pão nã crece c'm' deve de ser e fica todo im-maçarocado...

- Ó m'lher, ê cá côme-o 'teja ele c'm' 't'ver. Até que nã desgósto dele assim p' ô im-maçarocado, ficas já sabendo...

Era a ver s' ela me dêxava acabar com aquilo, 'tá bom de ver... Más ela nã foi na conversa, que quer semp'e pão da melhor q'ôlideza que possa ser, qu' é p' à amostrar às ôtras qu' o sabe fazer munto bem, lá tive que levar inda ali, sê cá o tempo que foi. Foi o qu' ela munto bem l'e dé na cabeça...

'Té, que, a pásnas tantas, lá vêo p'ra mim:

- Bom, isso agora já há-de 'tar más ó menes... Puxa lá aí a massa p'ra riba, a ver c'm' ela liga...

E ê cá, assim joguí as duas mãs à massa, leví-a quái toda nos ares e estiquí-a até em par do nariz, c'm' quem diz:

- 'Tás a ver c'm' ela já 'tá im condiçõs e nã faz falta nenhuma 'tar aqui a mort'ficar-me más?!...

E a minha Maria, que nã é má pessoa - lá isso nã é, nã senhora - olhô p' à massa, olhô p'ra mim, vi-me já assim um coisinho escalfado, com a cara incarnada e umas bagas de suôr na ponta do nariz, voltô-se p' ô lado de lá e disse:

- Pode-se d'zer que já escapa... Se levasses aí mái um coisinho, nã l'e fazia mal nenhum, mái c'm' tu já t' aborrêce, dêxa lá isso da mão...

- Punhana! F'quí mái contente que nem uma pega sem rabo... Assim parí d' amassar, joguí-me à farinha e toca a escramalhá-la p'r cimba da massa, p'a, despôs, a tapar com o tendal e a ratalhêra qu' a minha Maria tem só p' àquele serviço.

Mái entes da tapar, tem que se l'e fazer a cruz e as cinco chagas e d'zer a oraçanita:

- Em lôvôr de Noss' S'nhor J'us Cristo...

Senã é d' adregue ela crecer im condiçõs. 'Tejam certos que nã fica c'm' deve de ser... Uma ocasião, a minha Maria desquècé-se, o pã foi p' ô forno, q'ondo se tirô tinha quái a méma altura de q'ondo foi posto. Nã creceu coisíss'ma nenhuma, que dava más ares era a calcanhares de S. Pedro - ó franciscos, l'e chamam tamém - e nã a pã de farinha branca. Más ele c'mé-se na méma, verdade se diga...

A cruz e as chagas tamém servem p' à gente saber q'ond' é qu' a massa 'tá boa p'a tender. É q'ond' elas despâr'cerem e a massa f'car lisinha, passadas umas duas horas ó coisa assim, consoante o tempo 'teja quente ó frio.

Alguidar de massaAlguidar de massaAlguidar de massaAlguidar de massa levedando
Quem quêra qu' o pã creça c'm' deve de ser, faça a cruz e as cinco chagas e tape-o munto bem tapadinho. A seguir, é só esperar umas duas horas, perto ó certo...

E, desta vez p'r 'quí me fico. Despôs da massa crecer, logo l'es conto c'm' é que se tende, s' aquece o forno e se põe lá o panito a cozer.

Fiquem-se com Dés, qu' ê, prestes, cá 'tarê ôtra vez.

13 comentários:

  1. Ora a minha vida. Um panito desses logo agora que eu estou com uma fome desgraçada.
    Tens por aí manteiga ou um queijito curado?...
    As fotografias são o máximo. Gosto muito de Monchique.
    Voltarei com mais tempo para vos visitar.
    Mas que fome…

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  2. Que maravilha parente Refoias! E eu aqui tão longe cheia de água na boca!!! Quem me dera apanhar aqui um panito desses... Adoro as suas reportagens cheias de tradições, e que bem que as faz! A sua canon 350D é uma boa máquina mas sem o olhinho do fotógrafo não há boas máquinas. O parente tem bom olho para a fotografia!

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  3. Ó compadre!! Muito agradecida por se ter lembrado do meu pedido... Agora estou práqui a "aguar", a pensar no belo panito que costumo comer em Monchique e nos "entaladinhos" tão bons que faço com as carnes e os enchidos da feijoada ou das couves... Huuummmmm!!!!!!!!
    Sabe tão bem, o pãozinho caseiro, mas a trabalheira que dá não nos passa pela cabeça... Há muitos anos lembro-me de ver fazer pão (e folares) e é engraçado que nunca mais me esqueci da Cruz e das Chagas de Cristo, nem da importância que têm para o pão ficar bom... E as mantinhas por cima!
    Que saudades...

    (Amanhã vamos todos para baixo, desta vez pernoitar na Vila Nova, é "à vez, à vez"... mas havemos de ir a Monchique, entre outras coisas, buscar panito!)

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  4. Ai Parente! Esse panite c'um pedacinho de toicinho da couve ... que delícia!

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  5. Depois de uns dias ausente em terras de Àfrica, cá estou de novo para saber as últimas!
    Abr
    Pedro

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  6. Ó parente! A Ti'Maria tá é desmanchada homa! Leve-a ó lavrador dos Preros que vem de lá uma mçoila rija.

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  7. Ora nem mais!

    Assim se amassa
    assim se peneira
    assim se enrola
    o pão na masseira.

    Pelo aspecto...não digo mai nada.

    Uma abraço raiano

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  8. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  9. Esse pão fez-me crescer água na boca.

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  10. Que belo pão! E que saborosa linguagem. Gostava de vos ouvir falar. Já pensou em juntar som ?
    ;-)

    Quando aí vivi a Sr.Maria minha vizinha pedia me por vezes que lhe trouxesse um panito da vila. Uma vez pediu-me uma caixa de "arraial"! Tive que lhe perguntar o que era: fermento Royal, mas devia ser para os bolos.

    Quando vínhamos ao Porto (eu e mais o meu Manel ;-) nas férias da Pascoa trazíamos sempre um folares que comprávamos nos Casais.
    O Parente ja falou alguma vez desses folares?
    Que bolos fazem pelo Natal? Não me lembra nenhum em especial. O do tacho quando é?

    (Caro MAd desculpe nao lhe ter respondido à pergunta que fez sobre o cedro: não estão aglutinados num só; na foto que publiquei parece, mas nao estão. Queria ver se juntava outras fotografias para se ver melhor)

    Já chegou aí o frio? Com a srª da Conceição não é o costume?

    Bom fim de semana

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  11. Ai que rico panito!

    Até lhe consigo imaginar o cheirinho e o paladar...
    Apetecia-me estar sentada à conversa diante da braseira, a assar uma bela chouriça, a comê-la com esse rico pão, e a ouvir a chuva caíndo lá fora.

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  12. E diz o Parente que não sabe isto e aquilo! Poesia, tradição, côr, movimento, doçura...o que aqui se colhe de tão verdadeiro! Abraço,

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  13. A tôd's os mês belos amig's munto l'agradêço e nã l'e parêçam mal de nã l'es ter dito nada, mái andí p'r 'í uns dias no c'çáiro e, atão, nã fiz nada disto.
    Só vô-me dar umas réplas às prècuras da Manelinha qu' o tempo nã dá p'ra más.
    Olhe Manelinha, isso do som era uma coisa do melhor que podia ser, mái logo se vê...
    O tal f'rmento que fala, é o pó royal, mái usa-se só p'ra bolos. No pão, põe-se do nosso qu' é logo ôtra coisa...
    No Natal, usa-se a fazer f'lhozes, fritos e pastés de batata-doce. Na Páscoa sã os folares, que vomecêa ia comprar ô Cai-Logo, à da Pisa Flores. E o bolo de tacho é no dia de Maio.
    E muntas rec'mendaçõs p'a tôd's.

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