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22 janeiro 2007

A costa d' Al'zur é uma lindeza...

Zambujeira do Mar A costa d' Al'zur, désna de Sagres até nã sê adonde, é do mái bonita que pode haver im mar...

Naquela vez qu' ê dêxí o tal amigo a gràdear lá à antrada d' Al'zur, nã foi qu' ê cá 't'vesse num correpio de vir p'ra casa, nã cudem, qu' aquilo inda era de manhã. Ê 'tava era às tenças de quem me levô, a mim e à minha Maria, a dar um passêo ali p' àquelas bandas e mái pralàzinho p' à rés do mar.

Qu' ê bem que gostava de 'tar lá mái um coisinho no palêo com o homenzinho, qu' ele bom amigo era, e semp'e l'e tirava lá mái uns três ó quatro retratos. Mái, quem anda às tenças tem que s' assujêtar, e nã me calhava nada f'car im terra inq'onto a minha Maria e as amigas dela desandavam sabe-se lá p' àdonde. Qu' elas é que levavam a gente no carrinho duma.

Cudava ê cá qu' elas haveram d' ir à Praia da Amorêra ó ôs Montes Clérig's ó à Arrifana e se voltava p'a casa q'ondo calhando, p'a se fazer p' aqui um dec'merzinho dos qu' a minha Maria sabe fazer e incher-se a barriguinha ô consoante.

Pôs, 'tava munto bem inganado. Tã penas se chigô ô canto de baxo da Igreja Nova, a Zèlinha, qu' era quem guiava o carro, vira p' à d'rêta, passa o encruzamento da Praia de Amorêra e desata a andar p'r a estrada d' Odemira adiente. A minha Maria, que vai semp' d' olho à esprêta - ela, méme q'ondo se dêxa dromir no carro, vai semp'e a caçar ratos... - salta logo:

- Mái atã, p'a donde é qu' levas gente a gente?!... Cudava que s' ia aqui à Amorêra...

- Nã. Hoje vai-se a um sito inda mái bonito. Às Azenhas do Mar. E, s' haver tempo, tamém se pode a ôtras bandas qu' ê fui à bomba e inchi o carro de gasolina. Calhando, à Zabujêra ó Vila Nova de Mil Fontes...

- Munto bem me calhô essa conversa. S' há coisa qu' ê gosto é de dar passêos, e q'onto maiores melhor... Maria, Dêxaste os bichos presos?

- Dêxí sim, homem. Atã ia dêxar as galinhas soltas p'a ir lá alguma zôrra ó algum escalavardo e c'mê-las?!... Ele até des que tem andado p'a lá uma dóininha, que já, ontordia, matô nã sê q'ontas à ti 'Zabel T'mé... E méme os cãs nã tinham nada im m' ir ôs ovos, s' elas puserem alguns.

Azenhas do Mar A famila de Monchique usa munto a ir às Azenhas do Mar. Come-se lá um p'xinho...

'Tava-se nesta conversa, passa-se ô Rogil, alembrí-me duma parte que se lá com-migo faz coisa duns dôs p'a três anos. Tive preciso de comprar umas alcagóitas p'a semente - inda ê cá tenho aqui uma manchéca das filhas delas - e d'zeram-me que ele havia lá um homenzinho que vendia disso.

De manêras que, apr'vêtí um dia qu' o mê amigo Mané C'stóido teve qu' ir a Odecêxe e fui com ele. 'Tá bom de ver qu' as m'lheres foram tamém... Ora c'm' à gente nã se sabia adonde o homem das alcagóitas morava, lá foram elas à prègunta dele e ê e o Manel f'cô-se no carro.

Más, aquilo, passô-se tempo e tempo e elas nunca mái 'par'ciam. O Manel, o más qu' ele s' emportava era com isso, agora ê cá já me 'tava a fazer espéce. Digo p'ra mim:

- Nã... Isto pr aqui há gato... Dêxa-me más é ir ver o qu' é que passa.

E abalí. Nesse mê tempo, já o Manel dromia espaldêrado no banco do carro, com a cabeça incostada o vrido da porta e um braço pindurado até à capacha do carro.

Vô-me andando ali prê adiante, aquilo era D'mingo, 'tava tudo fechado. Já ia chigando quái à ôt'a ponta, dí de frente com uma m'lherzinha, assim baxinha, imbrulhada num xale preto - nã sê p'ra quem qu' aquilo já era à tardinha mái tinha 'tado um dia soàlhêro ô bem fêto - dig'-l'e:

- 'Teja com Dés. Vomecêa nã sabe adonde é que mora aí um homem que vende alcagóitas?

- Sê, sa senhora. Olhe, é logo ali. Nã vê além aquela porta? É logo na ôtra a seguir.

- E nã vi aí duas m'lheres, assim, que nã sejam de cá?

- Ê ver nã vi, mái ô passar àlém ô portão do armazém adonde o homem guarda as alcagóitas, ôvi p'a lá um ôrio, umas carcachadas e era, béque-me, vozes de m'lheres...

- Ah, atão, nã diga mái nada qu' ê já sê onde 'tô. Dés l'e pague e até ôtro dia.

- Vá com Dés.

Desalvoro d'rêto ô dito portão - a m'lherzinha até f'cô a olhar p'ra mim... - aquilo era umas carcachadas qu' ô longe já s' ôviam e de que manêra... E o portão 'tava quái incostado. O que faria se 't'vesse tôd' aberto...

Ponho-me à escuta, atã nã é qu' o saganheta do velho, méme já quái com uns oitenta anos, 'tava a 'pertar com elas que nem l'es digo?... A brincar, isso sabe-se. Mài a brincar, a brincar... Nunca fiando...

De manêras que, antrí, o escamungado diz logo:

- Olha, aí vem ôtro freguês... Já tinha aqui duas moças tã jêtosas, agora antra um moçobem-par'cido...

- Um moço?!... Atã ê sô quái da su idade... E aí a minha Maria 'tá na méma.

- Ai vomecêa é casado aqui com esta menina?!... Ai que belo gosto que teve... S' ê voltasse a ser novo, era uma assim, bonita c'mo esta qu' ê cá acareava...

A minha Maria até inchô...

- Se vomecêa t'vesse qu' a gramar tôd's dias, logo via...

- Cala-te, cala-te... que, se nã fosse ê cá, c'm' é que tu te vias?... O que saria de ti...

Diz logo a minha Maria, c'm' quem 'tá munto ofendida, toda embêçada p'r mode o qu' o rai' do velho tinha dito delas - melhor qu' ê cá, sabem vomecêas munto bem qu' elas querem é qu' um qualquer l'e diga qu' elas sã munto jêtosas, novas, magrinhas e p'r 'í adiante...

E, despôs do velhote judear lá mái um belo pôco com a gente e a gente com ele - que l'e ferramos bem o dente im tudo o qu' ele tinha lá que fosse bom p'a c'mer - comprí-l'e dôs quilos d' alcagóitas e umas batatinhas-doces e nã sê más o quem.

Más olhem qu' as alcagóitas eram boa q'ôlideza. Sami-í-as e prod'ziram munt'ss'mo de bem. E g'stosas qu' elas são... C'm' já disse, inda ê cá tenho p' ali umas três ó quatro p' à semente, drento duma alcofinha. Mái este ano 'tô com pôca vontade d' as samear, qu' aquilo é uma sementêra que quer munta água e ela há pôca.

Mái dêxamos isso da mão e vamos más é ô passêo com a Zèlinha e Florbela.

Aquilo foi um foguete já se tinha dêxado o Odecêxe p'a trás e 'tava-se a chigar às Azenhas do Mar. Nã sê se vomecêas conhêcem. Aquilo nã tem nada que ver im casas que sã bem pôcas, mái com respêto ô resto, tudo p' ô lado do mar, tem umas vistas...

E se qu'rerem c'mer um p'xinho 'panhado méme p'r 'lí, 'tá lá uma casa que nã conheço melhor. Pode haver igual... mái, melhor, calhando, não.

Nã é que se tenha c'mido lá dessa vez, que dali inda se foi p' à Zamb'jêra - ôt' sito do mái bonito que pode ser e haver - e inda era cedo demás p'a se c'mer fosse o que fosse. Mái b'bé-se-l'e um calcesinho - ê cá qu'ria madronho, más c'm' nã havia do bom, bobí o méme que elas, um martine, uma coisa assim p' ô doce - p'a ninguém ter fastio ô almoço.

E segui-se viaja p'a Vila Nova de Mil fontes.

Rio Mira Q'ondo dí p'r mim, 'tava a ver o sol a se pôr im riba da ponte do Ri' Mira

E, olhem, aquilo foi chigar e imbarcar... Dé-se lá com um sito, logo à rés do campismo, uma coisa tamém do melhor. Elas mandaram p' ali arrenjar um arroz com uns caranguejos lá drento e mái umas coisas assim, uma tachada bem acagulada, aquilo era de c'mer e nã pastanejar, que 'tava daqui...

P'a desembaçar, vem de lá um um v'nhito ali alentejano, daquele bem carregado, até estralava nas goélas... E o gosto qu' ele dêxava na boca duma pessoa?... E logo qu' a Zèlinha teve que bober laranjada p'r mode ser ela que guiava o carro. Atão, lá me calhô ter que apr'vêtar a parte que l'e d'zia respêto. P'a nã f'car lá, 'tá bom de ver... Pagava-se na méma...

Nã l'es digo nada, batemos aquilo tudo... até a m'lherzinha f'cô imbasbacada a olhar p' à gente:

- Mái atão, nã me digam que l'e trusse pôco... Se qu'rerem mái um coisinho, ê vô-me b'scar...

- Qual o quem!... Chigô muntíss'mo de bem... Ê cá já nã dô ingolido mái coisíss'ma nenhuma, que já tenho uma bazelgada... E vomecêas?

- Alguma vez?!... Já 'tô tã chêa que nã aguento más. - Clamava a Florbela.

- Nem tanto ê havera de ter c'mido qu' ingordo logo... - D'zia a Zèlinha.

E a minha Maria:

- Ê cá, atão, nã ligo a essas coisas das adiatas, mái, d'zer a verdade, já nã posso más...

Isto tudo no mê dum lanedo qu' até a famila - os que tinham chigado despôs da gente e inda nã se tinham ido imbora - 'tava tudo espècado a olhar p' à nossa mesa. Calhando, a ch'mar serrenhos à gente, mái a gente, tamém, nã s' emporta nada... Chamem ó não!...

Mái, lá foi, lá foi, fomos imbora e andô-se p'r lá a desmoer o almoço ô pé da praia. Ê tirava retratos, elas faziam cagaçal e d'ziam das suas das amigas que nã 'tavam lá, e lá se foi devassando aquilo tudo. E bonita que tal terra é...

Nã ôvem, é qu' aquilo tem o mar, tem o rio, tem a praia, tem aquela ponte... dá gosto passar assim ali uma tarde dum lado p' ô ôtro. E passa-se depressa, que, logo, uma pessoa despàirêce, e, despôs, os dias, agora, sã pequenos de más.

O que l'e sê d'zer é que, q'ondo dí p'r mim, 'tava im riba da ponte do Ri' Mira a ver o sol a se pôr. F'quí insampado... E vomecêas haveram de ver tamém, que logo me d'ziam...

Pôs, de lá é que nã hôve quem m' arrencasse inq'onto nã escureceu. Chigô ali a uma altura qu' elas bem arrulhavam p'r mim, mái t'vessem santa pacência qu' ê tinha qu' apr'vêtar aquilo bem apr'vêtadinho...

Ora vejam lá se tenho r'zão ó nã tenho...

Rio Mira Rio MiraRio MiraRio Mira Ô sol-pôsto no Ri' Mira até parêce que se 'tá nôt' mundo...

Mái nã se fiem nos retratos e, uma vez que tenham jêto, vejam é lá no sito que logo sabem o qu' é bonito...

E fiquem-se com Dés.

16 janeiro 2007

Im Al'zur inda se gràdêa a terra

Gradeando a terra Com Al'zur já à vista, dí com este amigo bom a gradear um pedaço de terra p'a samear favas.

Ontordia, fui ali p' àquelas bandas d' Al'zur, qu' é uns sitos qu' ê cá gosto ô bem fêto. Nã vêem, a famila de lá é quái c'm' à gente aqui, qu' aquilo, a bem d'zer, é méme ô fim da decida da serra, passando ali ô Marmelete, p'a poente, e eles lidam na terra tal e qual c'm' à gente usa aqui.

E olhem qu' inda têm p'r 'lém umas varjas que pr'duzem que, p'ro jêto, paga bem a jorna. Com respêto atão a batatinha-doce, nã há melhor qu' àquilo... E, falando de blancias e alcagóitas, s' a gente prècurar désna de lá até ô Odecêxe, atravessando ali prê adiante p'r o R'gil e Mari' Vinagre, têm semp' coisa de pr'mêra...

Mái c'm' ê cá ia d'zendo, fui p' ali p' àquelas bandas e dí com uma coisa que já nã via há um belo tempo. Andava um amigo de lá a gradear um pedaço de terra qu' ele já tinha lavrado, p'a tapar umas favas, qu' a estas horas, calhando, já têm flor. E tudo à moda antiga.

Lá tinha o sê carrinho-de-besta dele, a mula e a grade de madêra. A charrua é que havera de 'tar gôrdada im casa qu' o homem já tinha lavrado a terra tempos antes. Já se vê que nã dí passado sim meter conversa com ele. Más a más qu' o homem via-se logo que nã s' emportava com isso, que tinha cara de boa pessoa.

E méme a besta, uma mula bem apresentada, um coisinho mái p' ô magro que p' ô gordo, - o dono, tamém, nã l'e podia dar as favas todas de r'ção que tinha qu' as samear... - nã l'e par'cé nada mal um coisinho de palêo do dono qu' assim semp' descansô um belo pôco. Más a más que l' andavam p' ali umas moscas cavalares a picar p'r tudo q'onto era sito e, assim, semp'e l'e jogô um fiaço com os dentes...

Gradeando a terra A pobrezinha da mula nã emportô nada qu' a gente f'casse um coisinho no palêo...

Ê bem l'es gostava de d'zer a conversa toda qu' ê cá tive com aquele amigo, mái c'm' já se passaram uns belos dias, qu' é c'm' quem diz uns dôs meses ó três, e nã t'mí nenhum apontamento, que papel e láp's, naquela altura, vist-los, já nã m' alembra bem de tudo.

Atão, o mái que posso fazer é l'es contar as que m' alembro e engeròcar p' aqui ôtras tantas, qu' isto tamém nã há-de fugir munto ô que se passô e o homem nã é pessoa p'a l'e par'cer mal p'r tã pôco:

- 'Teja com Dés, amigo!...

O homem dá logo vaia à mula:

- Aí, ó!... Quetinha, aí!...

Põe as duas arreatas da mula na mã esquerda, sigura na pala do boné com dôs dedos da ôtra, e, com os ôtr's três, põe-se a acossar na cabeça, um coisinho p'r cimba da orelha. Franze a testa e os olhos, inq'onto me fita um belo coisinho, c'm' quem diz:

- Quem sará este, que nã no conheço de lado nenhum, mam?...

E lá se resolvé a me falar:

- Venha com Dés, amigo... Mái atã, 'tô p' aqui a dar voltas ô miolo e nã m'a lembra s' o conheço ó não...

- É mái certo nã me conhecer que me conhecer, qu' ê cá pôc' p' aqui venho, a nã ser assim uma ocasião de festa ó coisa assim... E, béque-me, tamém nã tenho idéa de já o ter visto. Só se p'r aí nalguma fêra daqui d' Al'zur ó ali de Marmelete ó da Monchique, que se tenha calhado a ir os dôs...

- Eh'q, ê tamém pôco vô-me aí p'a essas bandas, qu' isto, agora, as fêras já nã têm jêto nenhum. Désna que se dêxô de poder comprar e vender gado, atão... 'tá tudo morto...

Aí, a conversa desandô p' ô lado dos g'vernos e dos partidos e dessas p'requêras todas, mái isso é coisa que nã ent'ressa agora aqui e passa-se adiente:

- Atã, inda vai gradeando a terrinha méme dessa manêra?... Já quái tôd's têm p'r 'í nem que seja um trectorzalho daqueles pequenos, uns qu' um homem l'e vai sigurando que nem no guiador duma b'cicleta a podal...

- Olhe, p'a l'e d'zer a verdade, já pensí tamém im comprar uma coisa dessas, mái, aqui há temp's, fui à do mê compad' Zé Junquêro e ele tem lá um. Tanto brigô com-migo, tanto brigô, qu' ê fui exp'r'mentá-lo. Mái, achí-l'e pôco jêto...

- Nã me diga que nã s' intendé com ele...

- Ôtra coisa é qu' ê nã l'e posso d'zer... Cale, se aí, home. Aquilo, logo, pôco mái faz que esg'ravatar no chão, volta a terra de cima e, lá no fundo, nã l'e toca. Despôs, tem que s' andar l'gêro atrás dele e p' ô aparar carregar p' ali nuns botõs e numas coisas qu' aquilo tem ali que parêcem travõs de b'cicleta...

- Ah, sim?...

- Sa senhora. Más um nada, inda ia prantando com ele dum cantêro pr' ô ôtro, veja mecêa bem... Aquilo, uma roda pasô p'r cimba dum talicão que p' ali 'tava, dé um gangueão, volta-se p' ô ôtro lado sem más esta nem más aquela, se nã é o mê compadre l'e jogar as unhas, ia ô combro abaxo. Ora ia...

- Mái atã, aquilo nã é quái o mémo qu' ir agarrado aí às arreatas da su mula e...

- Que jêto?!... A minha mula é só l'e dar vaia, ela obedêce logo. Dig'-l'e "aí, mula!", ela apara. "Anda, mula!", lá vai ela. "Toma, chó! Vai ô rego, Ramelosa!...", e ela end'rêta logo o passo. Olhe lá p'ra estes regos qu' aqui 'tão... Já vi' coisa mái bem fêta?... E com o trector nã é nada disso...

Gradeando a terra O homem desatô, ôtra vez, a gradear e, d'zer a verdade, a velhaca da mula Ramelosa 'tava bem insinada...

Ê cá olhí p' àqueles reguinhos tã bem fêtos mái pensí qu' o homem que saria um coisinho - com l'cença da palavra - caganêroso a fazer a lavoira com a charrua. E, atão, dig'-lhe:

- 'Tá um trabalho bem fêto, sa senhora. Atã, e despôs, o qu' é que vai samear aí?... - Cudando qu' ele havera de 'tar a arrenjar a terra p'a umas batatas de retorno, coisa assim.

- O qu' é que vô-me samear?!... Atã nã vê que já 'tão aqui favas e 'tô a tapá-las com a grade...

E volta-se p' à mula e dá-l'e ordem de marcha:

- Anda, Ramelosa!... Qu' é do rego, mula!... Toca a andar qu' inda se tem munto que fazer hoje...

Aí, dêxô-me desarmado... Béque-me, até, assim um coisinho embatucado, qu' ê cá, com aquele palêo todo, inda nã tinha dado p'r o qu' o homem andava a fazer. Eh'q, ê tamém tinha-me era posto a olhar mái p' à mula que p' ô chão. Qu' o bicho lá bem arreado 'tava...

Tinha ali os preparos tôd's qu' era preciso p'a fazer o trabalho. Mái inda o qu' ê gostí más foi três coisas: a grade, - uma coisa im condiçõs - o cabresto - com uns entrólhos ô consoante - e o molim - quái novo e com umas cores méme d' encher o olho. Aquilo, q'ondo o homem l'e põe o carro-de-besta im cima, há-de fazer um figurão...

mulaCarro de besta A mula 'tava bem arreada e o carro-de-besta im munto bom estado...

Qu' o carro-de-besta vê-se qu' anda ô serviço, mái tamém 'tá im munto bom estado e pintadinho c'm' deve de ser. E bem ac'm'dado, bem d'rêtinho no sê descanso, estribo voltado p'ra cá e travõs a fundo p'a nã abalar dali. Só nã l'e vi foi o taipal de trás, a ver se l'e tinham posto as letras do nome do dono, c'm' no do ti Armindo de Boavista.

De manêras que, lá foram eles, homem e besta, gradeando até à ponta e, em chigando, ôtra vez, ô pé de mim, nã tive ôtro reméd'o senã d'zer-l'e adés. Eles qu'riam o serviço fêto e ê cá tinha qu' abalar qu' os dias sã pequenos e o tempo nã chega p'ra nada...

- Atã, até um dia destes e passe munto bem p'r cá...

- Vá com Dés, amigo, e parêça p'r 'qui lá p' às bandas da Páscoa qu' ê dô-l'e umas favinhas p'a mecêa c'mer...

- Dés l'e pague. Calhando a vir, logo o précuro...

- Nã tem precisão disso. Venha aqui e, se nã me ver, panhe à su vontade e leve.

- Olhe, s' ê nã vir cá nessa altura, venho, despôs, à fêra da batata-doce e logo se come ali uns percebes os dôs...

- E nã vem nas duas vezes p'r mode quem?... Olhe qu' a fêra inda 'tá munto desviada.

- Logo se vê, logo se vê...

Nã se pode d'zer que nã tenha havido boa vontade de parte a parte, lá isso não...

E lá f'cô ele a gradear, semp'e a dar vaia à Ramelosa e ela a fazer o qu' o dono mandava, béque-me, até com um coisinho de presunção. Nã sê é s' era p'r mode o molim que levava no pescoço ó se p'a amostrar que nã era burra e aprendia o qu' ele l' insinava...

Gradeando a terraGradeando a terra Com l'gêreza do animal e as vozes do dono qual era o trector que fazia o serviço mái depressa e tã bem fêtinho?...

E p'r 'qui me fico qu' o tempo nã dá p'ra más.

Haja saúde e até qu' a gente se veja.