A noite de S. João, im Marmelete, ajuntô uma preçanada de gente.
Este ano, p'a ir ô S. João, pendi p' às foguêras de Marmelete. Falí com a minha Maria, ela nã atrasô nem adiantô, mái tamém nã disse que não, e a coisa f'cô assim incaminhada.
É que des qu' a Junta fazia p'a lá uma festa a precêto, com sardinha assada p'a c'mer à vontade, mastro p'a quem l' apetecesse a balhar e foguêra de jóinas p' ôs mái nôvos pularem - e algum mái idoso que tamém s' astrevesse, 'tá bom de ver...
Tã penas se combinô ir os dôs, mòrmente sabendo que se podia incher a barriga sem pagar um destão, foi logo falar à comadre C'stóida s' ela nã queria ir tamém com a gente. Ora a c'madre C'stóida nã qu'rer ir... A m'lher, q'ondo de trata d' ir p' ô laré, inda nunca disse que não...
O Compad'e jôquim, esse sim, nem sempre 'tá de boa avêa p'a abalar de casa assim sem más esta nem as aquela. De manêras que, prècurí logo à minha Maria, s' ela tamém tinha dito alguma coisa ô compadre.
- Ó homem, nã é preciso!... A C'madre C'stóida logo fala com ele, em ele vindo dos cantêros... Qu' ele anda p' ali a regar umas pèzêras de batata-doce que despôs esta manhã, entes que fiquem p' ali todas murchas.
- Atã e s' ele nã qu'rer ir?...
- Que jêto nã qu'rer... Lá pensas qu' a c'madre nã no sabe levar... Ele faz ali tudo o qu' ela diz, que nem um borreguinho...
- Maria, que conversa é essa?!... Vê lá, vê lá...
Mái, calhando, a minha Maria é que tinha r'zão, qu' ele, méme sendo um coisinho tem-moso - uma vez p'r ôtra... - béque-me nã se pôs com grandes empeços e, p'r o jêto, disse logo que sim.
Sardinha assada era o que se qu'sesse...
E sabem o qu' é que m' havera de dar na cabeça?... D' ir desafiar o mê compadre Jôquim do Barranco p'a, im vez de s' ir nôtra via, aparelhava-se as nossas bestas e fazia-se uma dexcursão de burro.
Ê cá levava o mê Jericó e ele amontava-se no Larga-Traques, qu' é um nome assim com pôca áira, más é c'm' à gente l'e chama ô burro dele. Más o homem nem p'r nada qu' o dí fêto ir nisso.
- Atã nã vê qu' isso nã tem jêto nenhum... Que tempos é qu' a gente nã leva aí a padecer p'r essa estrada adiente, com uma torrêra destas, qu' o sol agora dé-l'e p'a aquecer ô bem fêto?
- Ó compd'e, abala-se já assim de mêa-tarde im diante, qu' ele já nã acala tanto, e há-de par'cer uma arajazinha p'a rafrescar...
- E, más a más, que nã se dá ido tôd's amontados...
- Ó homem, amontam-se as m'lheres e a gente os dôs vai-se atrás, tocando as bestas... Olhe, c'm' d'zia o ôtro, vai-se uns pôcos a pé, ôtras andando...
- Nã... Dêxe-se de coisas, qu' o mê Zé Manel, quái tôd's dias, telefona p' à mãe a saber c'm' à gente 'tá, e ê logo l'e digo p'a ela l'e pedir que venha cá p'a alcançar a gente tôd's a Marmelete no carrinho dele...
- Lá nisso, ele nã é moço p'a d'zer que não, mái tinha mái graça ir-se c'm' ê cá digo...
- Nã brigue mái com-migo qu' ê cá, a nã ser de carro, nã vô lá...
- Pôs atão, se tem que ser assim... Mái logo l'e diz qu' ê quero dar p' aí algum p' à ajuda da gasolina. Qu' aquilo nã anda a água...
- Nã tenha cudados com isso, qu' ê cá nunca o dêxo ir de mãs a abanar...
E, desta manêra, nã no dí convencido. Mái, fica p'a ôtra ocasião, qu' ê logo arrenjo manêra do fazer ir dar uma volta de burro...
Até os mái piquenalhos pulavam a foguêra c'm' uns valentes...
Chigado o dia, o Zé Manel, logo p'r sorte, calhô a 'tar de folga. Aquilo, inda o sol ia bem alto, já ele pertava com a mãe p'a se aviar... Qu' ele, atão, é assim. Faz o favor de boa vontade, mái tem de ser lá à manêra dele. Em podendo ser, é c'm' levar o gato drento duma saca, chigar lá, despejá-lo e ele ir là munto bem à vida dele.
E foi o que se deu. Largô os velhos lá no adro, ô pé do mastro, e foi nã sê p' àdonde. Que nã há-de ter sido p'a munto longe, qu' ele, tã penas puseram as pr'mêras sardinhas nas brasas e desatô a se sintir aquele chêrinho no ar, par'cé logo a me prècurar:
- Atã, ti Refóias, jà se come p' aí alguma coisinha?...
- Olha, Zé Manel, chêra melhor do qu' ô que sabe. Inda 'tã a dar a volta às pr'mêras...
- Mái a gente pode-se ir já molhando o bico, inq'onto se assam e nã assam...
- Que jêto não?!... Chama lá aí o tê pai e vamos caminho além do "Clube dos Amigos da Floresta", qu' eles têm além qualquer coisa qu' ent'ressa à gente.
- E as m'lheres nã bebem nada?...
- Prècura-l'e lá o qu' é qu' elas querem qu' a gente alcança-l'e aqui...
- Mái, diga-me lá uma coisa... Atão, isto nã é p'a c'mer e bober, à vontade, sem se pagar nada?...
- C'mer, podes c'mer à vontade, qu' é p'r conta da Junta. Agora bobida, isso é p'r conta de cada um... Já munto faz a Junta im dar as sardinhas, pão e, méme, gôrdanapos. Agora vinho e cerveja, nã achas que tamém já era de más?...
- Tamém tem r'zão, sa senhora. E, más a más, qu' assim é uma manêra de s' ajudar além os moços do "Clube dos Amigos da Floresta" qu' eles bem precisam.
- 'Tás a ver?... É assim qu' ê cá gosto de ôvir falar... E olha que nã é só s' ajudar os moços, é qu' eles tamém têm além um tintinho de tornêra qu' até estrala na goéla... Mái tu, se qu'reres, podes beber cerveja, que tamém há...
- Eh'q... isto, com sardinhas, calhando, é melhor um v'nhito...
- E p'a quem nã aprecêe sardinhas, tamém têm além uma carninha frita que usa a 'tar da ponta da orelha... Mái nã te descudes com o tinto, nã vá a Brigada par'cer pr' aí...
- Isso, às horas qu' a gente vai daqui, já eles 'tã tôd's a dromir...
Cá im Marmelete a foguêra é fêta com jóinas, c'm' nôtr's tempos...
Pôs, o que l'es digo é que a famila foi-se ajuntando, sardinhas assadas era uma fartura, pão nã faltava, e bobida era um correpio caminho d' adonde ele havia. E, mái dali a um pôcachinho, rompeu a música. P'a quem qu'sesse balhar foi do melhor, p'a quem qu'sesse conversar é que tinha qu' ir um coisinho lá mái p' à banda de lá.
A gente os três foi-se aguentando ali p' ô perto, d'ora inq'onto, vá mái uma sardinhita im riba dum pedaço de pão, mái uma goladinha, mái um coisinho de conversa e tal e coisa, e lá se fez horas d' acender a foguêra.
Ê cá e o mê compadre - e as m'lheres - foi-se logo lá p' ô pé, mái, os ôtros béque-me nã 'tavam munto ent'ressados, que f'caram, quái tôd's, jogados a c'mer sardinhas e ôvindo as modas qu' o tocador p'a lá ia tocando.
Más, olhem, ê cá f'quí contente de ver aquele trabalho. É qu' a Junta tinha lá uma camineta chêazinha de jóinas... Só o chêrinho delas até consolava... 'Tá bem que nã 'tavam lá munto secas, mái, p'r um lado, até foi melhor, qu' assim nã ardiam tã depressa nem faziam uma labareda grande demás...
- Mái atão, os homens nã dã acendido a foguêra... Com uma ventania destas e as jóinas naquele estado...
- Ó compad'e jôquim, nã tenha pressa, homem... Dêxe lá qu' eles já se defendem. Em uma tôiça pegando, pronto, já nunca mái s' apaga...
- Uma ocasião, nã sê se 'tá alembrado, fazemos a foguêra lá na minha rua. Até vomecêa tamém trôxe umas jóinas que tinha lá e uns gamõs p'a s' aquecerem na foguêra e, despôs, esbroncar com eles numa pedra, p'a darem aquele estôiro...
- Atã nã m' alembro muntíss'mo de bem... Já ele havia tamém aquelas bombas d' um e dôs destõs, más isso era lá quem era que tinha d'nhêro p'a gastar nelas...
- E b'chaninas?... Tamém custavam p' aí, béque-me, uns dôs ó três destõs cada uma, mái aquilo era do mái ingraçado que podia ser...
- As moças é que nã gostavam lá munto delas qu' aquilo andavam a rabear dum lado p' ô ôtro e nunca se sabia adonde é qu' iam aparar...
Com o fogo bem alado é que se dã bons pulos...
- Pôs era... Mái o qu' ê cá ia d'zer, foi aquela parte de mecêa, a certo ponto, pôr lá um braçado de jóinas, qu' era um d'sparate, na foguêra , daquelas bem secas, qu' aquilo alevantô uma labareda qu' até foi chamuscar a ramaja daquela sobrêra que 'tá logo da banda de baxo da rua...
- Pôs foi... Más o pior foi o resto...
- Era aí qu' ê qu'ria chigar... 'Tava tudo já entradote, desata uns a desafiarem os ôtr's p'a pular a foguêra, as m'lheres a chasnarem qu' inda algum s' ia quem-mar, mái assim qu' o Portelas largô um salto que salvô a foguêra toda dum lado ô ôtro e foi f'car espatarrado do lado de lá, tôd's foram atrás, d' infiada...
- Ê fui logo o tercêro ó quarto...
- Ê, atão, fui o do fim...
- Mái já incontrô uma data deles, tudo engalfenhado p'r aquela rua...
- Pôs... Premode isso, batí tamém com os cascos naquele chão que foi um consolo...
- Atã, qu'ria ser mái qu' ôs ôtr's, não...
- E o fedorum a chamusgo que se pôs lá de roda da gente?!...
- Mal se sabia do qu' é qu' aquilo era...
- Tal e qual... Só no ôtro dia, é que se vê a saber que, pastanas, nã havia o pr'mêro que nã t'vesse f'cado sem elas - qu' arderam todas - e méme a gadelha d' alguns nã 'tava lá munto bem tratada, nã senhora...
Coisas d' ôtr's tempos, mês belos amigos... Inda nã se tinha tel'visão nem tel'fonia e, cinema, vinha aí umas duas ó três vezes por ano, se viesse, ali ô alagar da famila Furtado... Mái, alegria havia com fartura...
Agora vejam lá s' a Junta de Marmelete nã faz bem em apresentar uma festa destas na noite de S. João... Com jóinas e tudo!...
Pôs atão, os que qu'rerem ver o resto dos retratos do S. João, acalquem aqui na galeria do S. João de Marmelete.
Passem munto bem e viva o S. João!...
Parabens.
ResponderEliminarPelo menos em Marmelete a tradição ainda se mantem,
João
� preciso muita valentia para saltar labaredas daquela altura, correndo o risco de ficar sem sobrancelhas!
ResponderEliminarEspero vir a ter a oportunidade de, um dia, ainda assistir a uma festa de S. Jo�o em Monchique, com direito � sardinha assada e a um bom bailarico... e claro, ao t�pico banho de S. Jo�o!
Caro Parente
ResponderEliminarDe facto as fogueiras do São João a fazer lembrar o antigamente.
E as joinas que nós chamamos esva de São João ou erva do paraiso e qu se misturava com o rosmaninho para intensificar o aroma.
Um abraço
Xiii! Que saudades de saltar a fogueira! Quando era pequena, lá na minha rua, chegámos a fazer fogueiras pelo S. João e era espectacular! Belas fotos, parente!
ResponderEliminarCumprimentos!