03 abril 2006

As três Fontes Santas

"Instalaçõs" da Fonte Santa da Fornalha

Andí-l'es a contar aquela passaja do nosso passêo à Fonte Santa da Malhada Quente, mái nã l'es falí das ôt'as duas qu'inda há cá na serra. Todas três 'tão ô méme nível, a água é igual e sai tã quente num lado com-mo nôtro, eles dizem a 27 degraus. Des qu' aquilo é p'r ca'sa dum vulcão. Há até quem tenha munto respêto p'r isso, nã faça ele pr' aí a parte à gente, qualquer dia...

Uma é a das Caldas. Essa já tôd's mecês a conhêcem bem. Aquil' é uma coisa p'ôs turistas, enchem lá muntos garrafõs e garrafas d' água p'a venderem aí p'r tod' ô lado, e tal e tal... Tamém tomam lá banhos, más isso é lá no hotel e ê cá nã conheço nada disso qu' ê nunca lá entrí. Mái d's qu' é uma coisa munto fina...

A ôtra é a Fonte Santa da Fornalha, que 'tá num lugar qu' a gente custa a dar chigado lá. Indo, chapada a baxo, désna d' ô pé da Fornalha, qu' era o caminho dôt's tempos, béque-me já nã vejo v'reda nenhuma pr'onde se dê atravessado. A melhor manêra é ir-se p'o caminho da barraja nova da Odelôca, que já havera de 'tar fêta e nunca más a acabam, e, despôs, voltar-se, r'bêra acima.

Mái uma coisa l'es digo ê já, quem t'ver muntos calos ó canoiras fracas nã se meta nesses traquetes, qu' aquilo tem que se l'e diga. É andar ô bem fêto, tem que s' atravessar a r'bêra três vezes (1,2,3) - e ela, agora, vai chêa - e, ô fim, assubir um córgo empinado que só os porc's brab's é que dã lá andado bem... e olhem qu' há fartura deles.

Mái, no fim de contas, q'ondo a gente chega lá e se vê aquelas casinhas, todas de paredes de talisca e barro, dêxadas ô Dés dará já há muntos anos, que parêce que 'tã a cair, má' inda se aguentam em pé, dá aqui uma coisa na barriga da gente e uns arrepios na espinha... Exp'r'mentem a ir lá e, despôs, logo me contam.

E q'ondo se entra casa adentro e se vê os tãinques p'ôs banhos (1,2) e a água a correr das bicas, semp'e quentinha, com aquele gosto, qu' ê já falí ôtro dia, quái a ovos pôdres, clarinha que dêxa ver tudo no fundo, uma pessoa só nã se joga logo lá p'a drento p'rque tem rôpa. E, más a más, que já se vai tôd's suados d' assubir aquela chapadaingre.

Más olhem qu' até o caminho, méme má d' andar, faz a gente se sentir nôt's tempos, q'ondo os nossos avózes p'r cá 'tavam.

Barulho, não há nenhum. Escuta-se e só se ôve a água a correr nos córgos, aqui e além, um pássaro a piar, e a araja, q'ondo calha, a dar nos amiêros e a rafrescar a nossa cara chêa de pingos de suôr.

Dali, só se lombriga a verdura das mongariças, das estevas (1,2) e tôiças, todas com flor, naquelas córgas adonde ninguém pisa vai p'a muntos anos, e o astro azul lá p'r cima do bico dos cerros, adonde lóze um sinal dos tempos d' agora - um risco branco dum avião. É uma paz e um sossego qu' a gente, méme sem qu'rer, l'e vêem coisas à cabeça.

Antontem, q'ondo fui lá, dí com-migo a pensar:

- O céu, s' ele haver, tará que ser assim... Más, em tôd' ô caso, o melhor é apr'vêtar bem estes mimentos até mái não, enq'onto se pode. O fituro a Dés pertence...

'Tava ê cá a cismar desta manêra, oiço a minha Maria a impar, lá prebaxinho. Tinha-se atrasado um coisinho e já nã sabia de mim. Tamém com aqueles sapatos o qu' é qu' ela 'tava à espera... Ê leví umas botas de sola grossa... Nã na via, qu'ela 'tava em par duns amiêros, e aquilo tinha um lamatêro méme adonde se tinha qu' atravessar dum lado p'ô ôtro do barranco. Água, corria pôca, mái tinha bem munta lama e umas pedras de talisca.

Abalo, desalvorado, v'reda abaxo, nã fosse ela ter p' ali caído, ó coisa assim. Qual o quem. Tinha atanchado os sapatos no lamatêro e f'cô ali atolada. Nem p'a trás nem p'à frente.

- Ó homem, ax'lêa-me lá aqui, qu' ê nã me dô mexido... - Ela já 'tava com lama até ôs artelhos, vejam bem...

Lá l'e dí a mão, puxí, foi o bom e o bonito... Dá dôs passos p'à frente, um sapato fica com o tacão preso no mê do lôdo e das pedras, e lá foi com o pé descalço p'a drento d' água. Até me dé' paxão qu' aquilo eram umas mêas novas qu' ela estreô nesse dia, fêtas por ela com quatro agulhas de fazer mêa qu' ela tem aqui em casa.

Mái, fartam-m's-se os dôs de rir e aquilo passô adiente. Ela p' ali se lavô e lá fazemos o resto do caminho, que já se 'tava perto, mái com munto custo, qu' os porcos tinham-no afossado todo (1,2). Aquilo mái par'cia uma lavôira qu' uma v'reda. Quái qu' postava qu' um trabalho daqueles foi fêto p'r uma porca escravelhêra. E há bem pôco tempo.

Em chegando lá, entrô-se, pensando que nã havera de 'tar lá ninguém, põs, atã, nã s' ôvia coisíss'ma nenhuma, tirando um passareco ó ôtro naqueles cerros, com' ê disse inda agora. E nã é que 'tava lá famila?...

Uma m'lherzinha, já duma certa idade, 'tava a tomar banho sentada nas calêras que dã p'ô fundo do tãinque. À medida qu' a gente entra, a probrezinha 'tava em combinação, panhô medo e teve vergonha, joga-se p'a drento do tãinque, a combinação alcofô, par'cia ela que 'tava na praia a nadar com uma camb'ra d' ar de camião à roda da centura...

A minha Maria, que nã pode ver nada, c'meça logo a rir às carcachadas, ê voltí-me p'ô lado que tamém me dé festa, mái puxí-l'e, logo, p'r um braço e leví-a p'à rua. Aí é qu' ela se desmanchava a rir... Tive que l'e d´zer:

- Ó m'lher, tem conta, qu' a famila pod-l'e par'cer mal...

Naquilo, parêce um homenzinho da ôt'a casinha do lado com quatro garrafõs d'água, dôs em cada mão. Só aí é qu' ela se calô, que f'cô embatucada de ver o homem par'cer, assim de chofre, e passô-l'e a vontade de rir.

- Boa tarde. - Disse ele, assim com cara de pôcos amigos.

- Venha com Dés. Atã vê' b'scar uns garrafanitos d' água? Ê tamém gostava de lavar, mái desqueci-me a trazer uns q'ontos vazios.

Tudo mintira, qu' ê nã ia voltar p'ô monte carregado daquela manêra. O qu' ê qu'ria era d'sfarçar p'r casa da risada da minha Maria...

E lá se f'cô a tramelar um pôcachinho, ele d'zendo qu' era ali d' ô pé de Silves e que se davam munto bem com aquela água, qu' a m'lher sofria já há bem muntos anos e os dôtôres nã l'e davam com mal, só q'ondo tomava ali uns belos banhos é que notava umas melhorazinhas...

A conversa só parô q'ondo a m'lherzinha saí de lá, mái foi p'a ela continuar na méma lamúria...

Até qu' ê p' ali dí mêa volta e fui até ô tãinque ver bem com-m' aquil' era. Toquí na água, era quentinha. Digo p'ra mim:

- Vô pôr ali os pés p'a ver o qu' é que resulta.

E sôbe-me bem. Atão, arregací más as calças, fui lavando bem os joelhos, despôs ch'mí a minha Maria p'a ela me lavar aqui as costas e ela tamém pôs os pés no tãinque.

E olhe, par'cendo que não, aquilo béque-me fez-me bem, qu' aquela moínha qu' ê tinha aqui no mê ombro já 'tá mái d'sfarçada. Um dia destes vô lá ôtra vez.

Com isto tudo, entardeceu, t'vemos que dar ordes d' abalada. Q'ondo chegamos ô monte, já era quái lusco-fusco.

Nã tardando munto, tenho ôt'a parte p'a l'es contar.

Fiquem-se com Dés.

2 comentários:

  1. É delicioso ler histórias de lugares que me dizem muito, e com expressões que me recordam de quem já cá não anda.
    A distância a que me encontro da serra encurta com estas narrações tão pitorescas.

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