31 março 2006

Fonte Santa da Malhada Quente (O resto da viaja)

O chafariz da Fonte Santa tem uma lavadêra e tudo

Entes de s' abalar p' à Vila pr' ca'sa com a m'lheres' qu'rerem ir à missa, inda dí com-migo de roda do chafariz da Fonte Santa a olhar bem p' àquele trabalho. Aprecêem bem o qu' o mestre fez. Até uma lavadêra de pedra ali pôs. Tal e qual uma qu' a minha Maria lava ali no tãinque da fonte.

Nisto, a c'mad'e C'stóida:

- Avie-se, compad'e Refóias. Q'ontas horas é que cuida que são? Mái logo, nã chigamos a horas à missa...

E a minha Maria: - Aquele hóme é semp' assim... Enbasbaca com tudo. Até uma formiga l'e serve...

Mal ôvi aquilo, v'reda cá vô eu, dí um salto p'ô lado de lá do rego, alargo o passo e assim 'tava drento do carro, sem más nem quem. Qu' ê nã qu'ria qu' havesse empeço p'r c'asa de mim.

Ô fim da subida, q'ondo se passô à porta da venda da P'rtela, inda m' alembrí de d'zer ô Zé Manel p'a aparar ôtra vez, mái calí-me, nã fossem as m'lheres me dar ôt'o eco... Mái lá que me dé' cobiça dum solvinho, dé-me...

E lá se foi tôd's à missa, tôd's nã, qu' o Zé Manel arrenjô p' ali uma uma agarra p' a se furtar. D's que tinha d' ir falar com ôtro p' a ver s' ele qu'ria trocar p'a lá umas folgas, nã sê quem, nã sê quem... Ele quis-se foi safar e mái nada. Essa é qu' é essa.

A missa até que foi bonita. 'Tá p'a lá um padre novo, arrenjô uma jolda de m'lheres e homens p'a cantarem lá aquelas músicas, aquilo até se torna advertido, Dés me perdoe.

À saída, juntô-se p'r lá bem munta famila no adro da igreja, ê e o compad'e Jôquim 'tava-se à espera das m'lheres, naquilo, o Mané' Cachimbo a me dar um pôrro no chapéu que m' ia avoando. Se nã sô tã l'gêro, lá ia p' aqueles ares... Inda me dé' quái uma irazinha, voltí-me assim, de rompante, mái q'ondo vi qu' era ele, amòchí.

- Atã, Refóias, 'tás bom ó nunca foste? Ah, fado dum ladrão, inda te lembras daqueles tempos qu' a gente passô os dôs lá na tropa? - Vi logo qu' ele já 'tava escorvado... É qu' a gente somos da mesma especção e inda ' t'vemos juntos em Tavira.

-Manel, p' à horas que são, já 'tás bem tratado... - Mái, ô méme tempo, lombrigo as m'lheres à porta da igreja. Pensí: - Já 'tô salvo.

O compad'e Jôquim fugi', logo, p'ô pé delas, e ê cá disse ô Manel que me 'tavam a ch'mar e lá fui atrás dele. Dí sinal a elas e fugimos tôd's p'r ôtro lado, senã ele c'meçava a caquenhar nunca mái a gente se via livres dele.

P' a achar o Zé Manel foi-se ô café e lá 'tava ele munto bem rapimpado com um copo de boca larga já só com um coisinho de gelo no fundo. Inda convindô s' a gente qu'ria b'ber alguma coisa, mái as m'lheres d'zeram logo que se tinha qu'ir andando p'a se c'mer alguma coisinha. E, p'a d'zer a verdade, já vinha a calhar.

E, atã, lá fomos até ô Barranco dos Pisõs, p'a fazer a vontade às m'lheres. Sim, qu' ê cá e o mê tinha-se 'tado lá com o Zé Manel fazia pôco tempo.

Agora, desta vez, era D'mingo, aquilo 'tava lá um gentío qu'a gente já nã dé' arrenjado mesa nenhuma daquelas p' a s' assentar... Cada um c'mia e b'bia do que tinha levado, ele era vinho, ele cerveja, ele era aguardente, aquilo era um lanedo qu' a gente quái que nã s' ôvia uns ôs ôtros.

T'vemos qu' aconchegar as nossas coisas ali a uma bêrada e, cada um, sentô-se p'a sê lado. Méme assim, nã tardando nada, par'ceram logo más uma mêa-dúiza deles - p'la fala vi-se logo qu' eram lá de baxo do Algarve - inda faziam mái cagaçal qu' os que já lá 'tava.

Más eram porrêr's. Um trazia um garrafão às costas, êmpurrô, logo, com um copinho pà gente. D's qu' era casêrinho, dali d' ô pé da Cramujêra, p'a lá de Lagoa. Qu' ele era bom, era. Conversa p' aqui, conversa p' ali, foi um foguete até eles 'tarem jogados ô nosso farnel. Até qu' a gente perdé' a vergonha, e tamém se provô p' ali umas travias qu' eles traziam.

'Tava tudo munto ad'vertido, passa o ti Vergil Patinha a cavalo no burro. O bicho, com aquilo tudo, béque-me f'cô desconfiado, parô, assim mê atrav'ssado na estrada e vá d' olhar.

O homenzinho ia com pressa p'a ver se chegava, inda de dia, a casa - se nã 'tô em erro, mora lá p'ra baxo p'à R'bêra Grande - bem o mandava andar:

- Sssch! Arre burro! Anda, Carôcho! - E vá com a arreata p'r trás das orelhas do bicho. E ele parado.

- Eh, ti Vergil! Venha cá aqui, mê amigo. Beba aqui uma pinguinha com a gente. - Disse-l'e p' ali um, qu ' há-de ser conhecido dele, má' ê nã sê explicar quem é.

- Nã posso. Nã vê qu' isto, mái logo, é nôte e ê inda tenho qu' ir tratar do gado... Fica p' a ôt' dia.

E o carôcho lá s' arresolveu a andar e abalô prê abaxo a caminho do monte. Mái já tinha dêxado lá o presente qu' ê bem me chêrô a bonicos de burro, assim qu' ele abalô.

Nesse mê tempo, dexí de ver o mê compad'e Jôquim p'r'lí. Olhí, olhí, nã no vi, digo, cá p'ra mim: - Mái atã ond´' é qu' o homem se meté', Senhor?... Dêxa-me lá olhar por ele, nã vá ele ter caído pr' aí p' ô barranco... - E fui até lá mái prebaxinho, a ver s' o via.

Naquilo, parêce-m' ele, agarrado à cintura das calças, a olhar p'a um lado e p'a ôtro, a me mandar calar:

- Cale-se p' aí, compad'e, p'a eles nã verem. Tive que vir aqui dar de corpo, qu' ê 'tava já ali empeçado, há um belo pôco. Mái nã diga nada a eles...

E, nisto, escorrega-l'e uma bota, larga as calças p'a se sigurar a um arrebento d' amiêro que p' ali 'tava, fica pendurado ô amiêro, com as ciroilas à mostra, e um pé já a tocar na água do barranco. È vô a fugir d'rêt' a ele, pux'-le p'lo ôtro braço e agarro-me ô mémo amiêro.

Ora, aquilo era um arrebento novo duma arv'e côrta o ano passado, com o peso dos dôs a puxar p'ra baxo, escarchô, pumba!, os dôs com os pés drento d' água...

Munto se riram aqueles filhos duma magana... Até esfregavam a barriga... Encheram o papinho até mái não. Nunca mái m' há-de esquecer da rabana que panhí p'r ca'sa do mê compad'e...

É descusado d'zer que dí, logo, ordes d' abalada, que, tant' ê cá com-mô mê compad'e Jôquim, tava-se com os pés tôd's molhados, que, conforme s' andava, só fazia chaloc-chaloc. E podia-se apanhar alguma catarrêra, que, p'ô lado da tarde, refresca munto naqueles barrancos assim.

Custamos foi a descobrir o Zé Manel, qu' ele já andava p' ali a de roda duma moça, mái lá par'ceu e abalô-se caminho do monte.

A mê do caminho, já o compad'e Jôquim tossia. Aquilo, a água do barranco 'tava fria, ele nã descançô as botas nem nada, o qu' é qu' esperava?... Mái, com os calaiços d' aguardente qu' ele b'beu, tossir até l'e faz bem...

E assim chegamos ô nosso aconchego das nossa casinhas, à boca da nôte, inda tive qu' ir tratar dos bichos e arredondar o mê g'verno p'a m' ir dêtar. A cêa foi só uma fatêa e um chàzinho de bela-luísa numa t'jala de barro qu' a minha Maria comprô na fêra. É um coisinho grande, mái assim, dá p'a tudo. A gente nã se tinha fome nenhuma, o qu' é que s' havera de c'mer más?...

Fiquem-se na paz. E com munta saúde.

2 comentários:

  1. Que história excelente! Cada vez que venho aqui, revivo monchique mais uma vez, que saudades!!! Obrigada por me dar estes bons momentos!

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  2. OH!, que soidades qu'é cá tenhe
    dos caracolinhos da Senhora Mari Zé...O parente sabe do qu'é cá tou a falar? Põs é isse méme, os petisques na venda do Zé Antóino da Portela (que Dés o tenha num bom lugar).Há uns'anes entretia-me pre lá, à sexta fêra à nôte, com aquela maltosa, a quemer, a bober e a ôvir certas replas.Um que nunca faltava era o Zé de Jasus Carlão( o incarnado come le chamem), a pregar-nos com cada mentirão, um maior qu ôtre, má só acreditava quem queria...Agora atão pendeu pó Zé Brás e pó Kurt, a caminhe da Fernalha. Este é ôtre caminhe qu'a famila de fora nã havera de perder, vale a pena! e se nã valer a pena, vale a carne...Iste é mangação côme é nosse dequestume cá na serra.

    Um abrace

    O Campaniço

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